Superior Tribunal de Justiça
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 26.089 - PR (2008/0003014-1)
RELATÓRIOO EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de recurso ordinárioem mandado de segurança interposto por JOHN EDWARD TOIGO E OUTROS contra v.acórdão do e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.Os recorrentes interpuseram mandado de segurança em face de atoadministrativo praticado pela Secretária de Estado da Administração e da Previdência e peloReitor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE em razão da anulação doconcurso público realizado para provimento de cargos no Hospital Universitário do Oeste doParaná.Alegam os impetrantes, ora recorrentes, que foram aprovados no certame paraexercerem as funções inerentes ao cargo de enfermeiro, mas a Secretária de Estado daAdministração e da Previdência não convalidou suas homologações e determinou ao Reitor daUNIOESTE a anulação do concurso por não ter sido observada a reserva legal de vagas aosafro-descendentes, o que foi atendido com a posterior abertura de novo concurso público peloedital nº 023/2006 - GRE.Sustentam os recorrentes a ilegalidade desse ato por ofensa aos princípios daigualdade e da eficiência administrativa, visto que o edital seguiu as normas do RegulamentoGeral de Concursos Públicos (Decreto nº 2.508/04), não se podendo exigir o que nele não foicontemplado. Além disso, a anulação seria intempestiva por ferir o prazo estabelecido no art. 28desse Regulamento. Aduzem, ainda, que não houve impugnação aos termos do edital de aberturado concurso, operando-se a preclusão sobre qualquer direito supostamente violado e que o artigo47 desse regulamento é inconstitucional, porque feriria a autonomia administrativa dasuniversidades. Do mesmo modo, afirmam ser inconstitucional a Lei Estadual nº 14.274/03 aodispor sobre a reserva de vagas aos afro-descendentes, vez que violaria o princípio da igualdadeentre os candidatos, e ser desnecessária a anulação do certame, por terem sido preenchidassomente 16 das 30 vagas a serem providas.Foi deferida liminar para "que, na hipótese de realizar a Universidade novoconcurso, sejam reservadas vagas para os cargos pleiteados pelos impetrantes." (fl. 250)O e. Tribunal a quo denegou a segurança em acórdão assim ementado:"MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.Documento: 3823622 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 8Superior Tribunal de JustiçaHOSPITAL UNIVERSITÁRIO. INOBSERVÂNCIA DA RESERVA DE VAGASAOS AFRO-DESCENDENTES. ANULAÇÃO DO CERTAME PELASECRETÁRIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO E DA PREVIDÊNCIA. LEIESTADUAL Nº 14.274/03 QUE NÃO SE AFIGURA INCONSTITUCIONAL.ATO ILEGAL QUE NÃO GERA DIREITO. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIAQUE NÃO SE CONFUNDE COM INDEPENDÊNCIA OU SOBERANIA.SEGURANÇA DENEGADA.1. A lei que no serviço público estabelece percentual dereserva de vagas aos afro-descendentes não é inconstitucional.2. A administração pode anular seus próprios atos, quandoeivados de vícios que tornam ilegais, porque deles não se originam direitos;ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitando osdireitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos,a apreciação judicial"(Súmula 473 do STF).3. A autonomia universitária, mesmo alçada a normaconstitucional (CF, art. 207), não se confunde com independência ousoberania. Significa, isto sim, exercício limitado de competências e poderes,de acordo com o sistema jurídico positivo vigente." (fls. 550/ 563).Nas razões do recurso, os recorrentes reiteram os fundamentos da peça inicial(fls. 597/624).Contra-razões apresentadas pelo Estado do Paraná em folhas 639/646.Contra-razões apresentadas pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná emfolhas 649/675.Parecer da douta Subprocuradoria Geral da República pelo desprovimento dorecurso (fls. 686/689).É o relatório.Documento: 3823622 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 2 de 8Superior Tribunal de JustiçaRECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 26.089 - PR (2008/0003014-1)EMENTARECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DESEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.ANULAÇÃO DO CERTAME. DESCUMPRIMENTODE LEI ESTADUAL. RESERVA DE VAGAS PARAAFRO-DESCENDENTES.CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADEDE A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIASOBREPOR-SE À LEI. INEXISTÊNCIA DEDIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSODESPROVIDO.1. A reparação ou compensação dos fatores dedesigualdade factual com medidas de superioridadejurídica constitui política de ação afirmativa que seinscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lêdesde o preâmbulo da Constituição de 1988.2. A Lei Estadual que prevê a reserva de vagaspara afro-descendentes em concurso público está deacordo com a ordem constitucional vigente.3. As universidades públicas possuem autonomiasuficiente para gerir seu pessoal, bem como o própriopatrimônio financeiro. O exercício desSa autonomia nãopode, contudo, sobrepor-se ao quanto dispõem aConstituição e as Leis.4. A existência de outras ilegalidades no certamejustifica, in casu, a anulação do concurso, restandoprejudicada a alegação de que as vagas reservadas aafro-descendentes sequer foram ocupadas.Recurso desprovido.VOTOO EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER : Os recorrentes impetrarammandado de segurança para ver reconhecida a ilegalidade do ato lavrado pelo Magnífico Reitorda Universidade Estadual do Oeste do Paraná que, com base na determinação emanada daSecretária de Estado da Administração e da Previdência, anulou o concurso público paraprovimento de cargos de agentes universitários, referidos no Edital nº 708/2005, dada a falta dereserva de vagas para afro-descendentes.Alegam os impetrantes que a Lei Estadual nº 14.274/2003 fere o princípio daisonomia, segundo o qual as pessoas devem ser tratadas igualmente, sem distinção de cor, sexoou raça.O tema em debate se refere as ações afirmativas que no conceito do e. MinistroDocumento: 3823622 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 8Superior Tribunal de JustiçaJoaquim Barbosa, da Augusta Corte, consistem em:"Políticas públicas (e também privadas) voltadas a concretização doprincípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos dadiscriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física." (in:"Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o Direito como instrumento detransformação social. A experiência dos EUA." Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 6)Duas noções do princípio da igualdade têm sido recorrentes nos textosconstitucionais: a de igualdade formal e a de igualdade material. A primeira é a necessidade deproibir ao Estado o tratamento discriminatório, ou seja, de proibir todos os atos administrativos,judiciais ou expedientes normativos do Poder Público que visem à privação do gozo dasliberdades públicas fundamentais do indivíduo com base em critérios arbitrários. Na segundaacepção, sustenta-se que, além de não discriminar arbitrariamente, deve o Estado promover aigualdade material de oportunidades por meio de políticas públicas e leis que atentem para asespecificidades dos grupos menos favorecidos, compensando, desse modo, as eventuaisdesigualdades de fato decorrentes do processo histórico e da sedimentação cultural.A Carta Magna é repleta de dispositivos que não só possibilitam a adoção deações afirmativas por parte do Estado e de particulares, mas que de fato criam verdadeirosmandamentos de sua implementação sob pena de inconstitucionalidade por omissão (art. 3º, III,art. 5º, I, art. 7º, XX, art. 37, VIII, art. 170, VII, IX, todos da Constituição Federal)Foi então que veio a idéia de se trabalhar para promoção social desse grupo,estabelecendo-se o regime de cotas, seja no serviço público, seja nas universidades. E é certoque, bem examinada a questão, vê-se claramente que inexiste qualquer lesão jurídica in casu.O Brasil é signatário da Declaração de Durban, que é fruto das discussõesocorridas na "III Conferência Mundial contra Racismo, Xenofobia e IntolerânciasCorrelatas", no ano de 2001, na África do Sul. Neste documento, o Brasil comprometeu-se,oficialmente, a adotar medidas no sentido de eliminar o racismo, o preconceito, a discriminação ea falta de oportunidades para afro-descendentes.O e. Ministro Joaquim Barbosa posicionou-se a favor da juridicidade das açõesafirmativas nos seguintes termos:"No plano estritamente jurídico (que se subordina, a nosso sentir, à tomadade consciência assinalada nas linhas anteriores, o Direito Constitucional vigente noBrasil, é perfeitamente compatível com o princípio da ação afirmativa. Melhor dizendo, odireito brasileiro já contempla algumas modalidades de ação afirmativa, inclusive em sedeconstitucional. (...) Assim, à luz desta respeitável doutrina, pode-se concluir que o direitoconstitucional brasileiro abriga, não somente o princípio das modalidades implícitas eDocumento: 3823622 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 8Superior Tribunal de Justiçaexplícitas de ação afirmativa a que já fizemos alusão, mas também as que emanam dostratados internacionais de direitos humanos assinados pelo nosso país." (in:"Instrumentos e métodos de mitigação da desigualdade em direito constitucional einternacional" . Rio de Janeiro, 2000 apud SILVA, Luiz Fernando Martins da. Estudosociojurídico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismospara negros no Brasil. pg. 3.)Sobre o tema das ações afirmativas, já decidiu o c. Supremo Tribunal Federal:"DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSOPÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL.AMBLIOPIA. RESERVA DE VAGA. INCISO VIII DO ART. 37 DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. § 2º DO ART. 5º DA LEI Nº 8.112/90. LEI Nº7.853/89. DECRETOS NºS 3.298/99 E 5.296/2004.1. O candidato com visão monocular padece de deficiênciaque impede a comparação entre os dois olhos para saber-se qual deles é o"melhor".2. A visão univalente -- comprometedora das noções deprofundidade e distância -- implica limitação superior à deficiência parcialque afete os dois olhos.3. A reparação ou compensação dos fatores de desigualdadefactual com medidas de superioridade jurídica constitui política de açãoafirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lêdesde o preâmbulo da Constituição de 1988.4. Recurso ordinário provido. (ROMS 26.071-1/DF, Rela. Min.CARLOS AYRES BRITTO , julgado em 13.11.2007, DJ 01.02.2008)Nesse mesmo sentido é o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça doEstado do Paraná, que transcreveu o parecer de ilustre Promotor de Justiça Substituto deSegundo Grau, Alberto Vellozo Machado, no Mandado de Segurança nº 348895-9:"A alegada inconstitucionalidade incidental não é procedente, seja pelo viésda igualdade, quer pela angulação da autonomia universitária.A questão da igualdade, que é de difícil compreensão, sem dúvida,ineludivelmente foi resguardada com a lei estadual (fls. 70/71) que valoriza a chamadaação afirmativa, mecanismo de busca e defesa da igualdade material ou substancial,sintetizado no aforismo tratar os desiguais consoante a desigualdade.Joaquim B. Barbosa Gomes leciona a respeito:'A segunda forma de discriminação tida como juridicamente admissível é achamada 'Discriminação Positiva' (reverse discrimination) ou ação afirmativa. Consiste emdar tratamento preferencial a um grupo historicamente discriminado, de modo a inseri-lono 'mainstream', impedindo assim que o princípio da igualdade formal, expresso em leisneutras que não levam em consideração os fatores de natureza cultural e histórica,funcione na prática como mecanismo perpetuador da desigualdade'A agonística referente à questão racial remonta há décadas, sendo que nopassado século foi editada a 'Convenção Internacional sobre eliminação de todas asDocumento: 3823622 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 8Superior Tribunal de Justiçaformas de discriminação racial', estando a legislação estadual acusada deinconstitucionalidade absolutamente de acordo com este tratado de direitos humanos,consoante se pode extrair do art. 7º da Carta Humanística (...)Assim, ainda que os instrumentos de ação afirmativa necessitem de constanteaprimoramento, a lei em questão, longe de ferir a igualdade, indubitavelmente, ao alargaro espectro de proteção à cidadania, dá aplicação à garantia." (fls.537/538)Manifesta-se de igual forma a douta Subprocuradoria Geral da República:"O ato impugnado teve como fundamento a ilegalidade do certame devido àausência de reserva das vagas para candidatos afro-descendentes, como determina a Leinº 17.274/2003, do Estado do Paraná.A exigência legal nada mais é do que a implementação de uma políticapública de ação afirmativa, que tem fundamento constitucional no princípio da igualdadesubstancial. Seu objetivo é garantir o acesso de indivíduos, pertencentes a gruposdesfavorecidos, a direitos fundamentais.Ademais, dentro do momento atual histórico do Brasil, a ação afirmativaestá em consonância com alguns dos objetivos fundamentais da República, expostos noart. 3º da Carta Magna, quais sejam: a construção de uma sociedade livre, justa esolidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdadessociais e da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais eregionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade equaisquer outras formas de discriminação.Portanto, não se vislumbra inconstitucionalidade da aludida lei estadual."(fls. 686/689)Sendo assim, não há que se fazer reparos à Lei Estadual nº 14.274/2003, quereserva um percentual das vagas em concurso público para afro-descendentes.Quanto à autonomia universitária, esta é reconhecida desde 1931 pelo Decreto nº19.851/31. O art. 80 da Lei nº 4.024/61 afirmava que a autonomia didática, administrativa,financeira e disciplinar seria exercida na forma dos estatutos. Posteriormente, o art. 3º da Lei nº5.540/68 determinou que as universidades deveriam exercer sua autonomia na forma da lei e dosseus estatutos. Após 1988, o tema ganha status constitucional, abarcando a gestão de pessoal epatrimônio financeiro.O exercício dessa autonomia não pode, contudo, sobrepor-se ao quanto dispõem aConstituição e as Leis.Assim, o julgado do c. Supremo Tribunal Federal:"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EMMANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. ART. 207, DA CB/88. LIMITAÇÕES.IMPOSSIBILIDADE DE A AUTONOMIA SOBREPOR-SE À CONSTITUIÇÃOE ÀS LEIS. VINCULAÇÃO AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO QUE ENSEJAO CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DAS UNIVERSIDADESDocumento: 3823622 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 8Superior Tribunal de JustiçaPÚBLICAS FEDERAIS [ARTS. 19 E 25, I, DO DECRETO-LEI N. 200/67].SUSPENSÃO DE VANTAGEM INCORPORADA AOS VENCIMENTOS DOSERVIDOR POR FORÇA DE COISA JULGADA. IMPOSSIBILIDADE.AUMENTO DE VENCIMENTOS OU DEFERIMENTO DE VANTAGEM ASERVIDORES PÚBLICOS SEM LEI ESPECÍFICA NEM PREVISÃOORÇAMENTÁRIA [ART. 37, X E 169, § 1º, I E II, DA CB/88].IMPOSSIBILIDADE. EXTENSÃO ADMINISTRATIVA DE DECISÃOJUDICIAL. ATO QUE DETERMINA REEXAME DA DECISÃO EMOBSERVÂNCIA AOS PRECEITOS LEGAIS VIGENTES. LEGALIDADE[ARTS. 1º E 2º DO DECRETO N. 73.529/74, VIGENTES À ÉPOCA DOSFATOS].1. As Universidades Públicas são dotadas de autonomiasuficiente para gerir seu pessoal, bem como o próprio patrimônio financeiro.O exercício desta autonomia não pode, contudo, sobrepor-se ao quantodispõem a Constituição e as leis [art. 207, da CB/88]. Precedentes [RE n.83.962, Relator o Ministro SOARES MUÑOZ, DJ 17.04.1979 e MC-ADI n.1.599, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 18.05.2001].2. As Universidades Públicas federais, entidades daAdministração Indireta, são constituídas sob a forma de autarquias oufundações públicas. Seus atos, além de sofrerem a fiscalização do TCU,submetem-se ao controle interno exercido pelo Ministério da Educação.3. Embora as Universidades Públicas federais não seencontrem subordinadas ao MEC, determinada relação jurídica as vinculaao Ministério, o que enseja o controle interno de alguns de seus atos [arts.19 e 25, I, do decreto-lei n. 200/67].4. Os órgãos da Administração Pública não podemdeterminar a suspensão do pagamento de vantagem incorporada aosvencimentos de servidores quando protegido pelos efeitos da coisa julgada,ainda que contrária à jurisprudência. Precedentes [MS 23.758, RelatorMOREIRA ALVES, DJ 13.06.2003 e MS 23.665, Relator MAURÍCIOCORREA, DJ 20.09.2002].5. Não é possível deferir vantagem ou aumento devencimentos a servidores públicos sem lei específica, nem previsãoorçamentária [art. 37, X e 169, § 1º, I e II, da CB/88].6. Não há ilegalidade nem violação da autonomia financeirae administrativa garantida pelo art. 207 da Constituição no ato do Ministroda Educação que, em observância aos preceitos legais, determina o reexamede decisão, de determinada Universidade, que concedeu extensãoadministrativa de decisão judicial [arts. 1º e 2º do decreto n. 73.529/74,vigente à época].7. Agravo regimental a que se nega provimento." (RMS nº22.047-7/DF, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 31.03.2006)Sendo assim, nada mais correto que, uma vez verificada a ilegalidade no certame,a Administração Pública, dispondo de seu poder de auto tutela, tenha anulado o concurso. É oque dispõe o enunciado 473 da súmula do c. STF, in verbis:Documento: 3823622 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 8Superior Tribunal de Justiça"A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de víciosque os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo deconveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos oscasos,a apreciação judicial."De acordo com as informações prestadas às folhas 260/271, a AdministraçãoPública anulou o concurso porque eivado de inúmeros vícios, não só quanto à ausência de reservade vagas aos afro-descendentes, mas também no que tange à reserva de vagas para portadoresde necessidades especiais e à indispensável inspeção médica oficial, como se pode verificar noseguinte trecho:"O concurso em questão padecia dos seguintes vícios:1. foi homologado por autoridade distinta das constantes no art. 47 doDecreto nº 2.508/2004, que aprova o Regulamento Geral dos Concursos Públicos paraprovimento de cargos ou empregos públicos do Poder Executivo Estadual e, por essarazão, foi encaminhado à alçada desta autoridade para convalidação;2. foi realizado sem a observância das Leis nº 13.456/2002 e nº14.274/2003 que tratam, respectivamente da reserva de vagas para portadores denecessidades especiais e afro-descendentes, bem como, do art. 48, inciso VII, do DecretoEstadual nº 2.508/2004 e do art. 25, da Lei nº 6.174/70, que dispõe sobre a necessidadedo candidato comprovar boa saúde em inspeção médica oficial e a exigência de entregada documentação exigida para posse antes do ato de nomeação sob pena de eliminaçãodo candidato." (fls. 161)Vê-se, a partir do trecho acima colacionado, que outras ilegalidades justificam aanulação do certame, não prosperando, pois, o argumento levantado pelos recorrentes de que onúmero de vagas preenchidas não alcançaria o total das ofertadas, o que demonstraria que asvagas a serem reservadas para afro-descendentes sequer foram ocupadas.No entanto, o certame possui inúmeras ilegalidades que "independente darealização de cálculo para se aferir a possibilidade de os impetrantes ingressarem noserviço público, ainda que sobejem vagas aos afro-descendentes, o descumprimento da leinão legitima esse procedimento..." (fl. 557)Por tudo isso, os atos que trataram da anulação do concurso, longe de seremilegais, mantiveram-se dentro das lindes da mais absoluta legalidade, pelo que não houve lesão adireito líquido e certo dos impetrantes.Diante do exposto, nego provimento ao recurso.É o voto.Documento: 3823622 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 8 de
Fonte STJ: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3823622&sReg=200800030141&sData=20080512&sTipo=91&formato=PDF