segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Legislação contra racismo precisa ser aperfeiçoada, apontam especialistas

Brasília - A dificuldade em dissociar o crime de racismo, definido na Lei nº 7.716/89 (Lei Caó), do crime de injúria com caráter de discriminação, definido pelo Artigo 140 do Código Penal, é apontada por especialistas como uma das causas determinantes para que os acusados por prática de racismo tenham penas abrandadas e, em muitos casos, prescritas.“Os ativistas do movimento negro reclamam muito no sentido de que há poucas condenações em nosso país. Em geral, os processos envolvem xingamentos e falas com injúria racial; negativa de venda de bens, de prestação de serviços e de hospedagem; e racismo via internet“, informa o advogado e ativista contra a discriminação racial Luiz Fernando Martins da Silva, que foi ouvidor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) entre 2005 e 2007.“As formas mais rotineiras de se praticar o racismo são dissimuladas e, na maioria das vezes, verbalizadas”, explica o promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Libanio Alves Rodrigues. “Dessa forma, é relativamente fácil para um advogado fazer com que uma ação por crime de racismo seja alterada para injúria, cuja pena é bem mais branda”, avalia.Segundo o promotor, durante o andamento das ações a vantagem fica mais evidente. “O crime de discriminação previsto na Lei Caó é passível de ação civil pública, sem prazo de prescrição, podendo ser movido pelo Ministério Público. Ao ser classificado por injúria, prescreve após seis meses, contados a partir do ato, e só pode ser movido pela parte ofendida, uma vez que trata-se de ação penal privada, necessitando de advogado” explica o promotor que a atua no Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do MPDFT.“A legislação infraconstitucional permite que o enquadramento jurídico dificilmente ocorra como crime de racismo e, com freqüência, se dê como crime de injúria”, avalia o primeiro ministro negro a fazer parte de uma Corte superior, Carlos Alberto Reis de Paula, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).“É uma legislação anacrônica e ineficiente. A Constituição afirma que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão. A Lei Caó descreve o que seriam essas condutas racistas, mas é pensada para hipóteses de ódio racial em contexto de pregação de segregação aberta e possivelmente violenta, do tipo Ku Klux Klan (organização racista dos Estados Unidos), de racismo explícito”, critica o pesquisador universitário de direito no Distrito Federal, Douglas Martins.De acordo com ele, o racismo praticado no Brasil é outro. “Tirando o período da escravidão e os primeiros anos da República, essa prática [explícita] é tida como marginal no racismo brasileiro. Nos dias de hoje, a coisa fica por conta de 'cyber-criminosos' e quadrilhas do tipo neonazista, que cultivam o ódio como forma de vida. Coisa de gente doente mesmo. Há muito tempo o DNA do nosso racismo é outro. Praticamos um racismo de tipo implícito, insidioso, invisível, cínico e dissimulado” argumenta.
Segundo Douglas Martins, é por isso que o número de autuações e condenações criminais por racismo no Brasil é pífio. “Ninguém vai parar na cadeia por prática racista porque ninguém se acha racista. E o pior: todo mundo acha que ninguém é racista. No Brasil, você não vê o racismo. Só sente”, diz o professor.Para o diretor executivo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Hédio Silva, se praticar racismo no Brasil não "dá cadeia", pode gerar punição e condenação. "A pessoa pode, sim, perder sua primariedade. Obviamente, uma condenação criminal é obstáculo para a pessoa exercer diversas atividades”, avalia o diretor que há 30 anos milita contra a discriminação racial e foi secretário de Justiça do Estado de São Paulo.
Hédio elogia a legislação brasileira, mas faz ressalvas “Ela é satisfatória porque existe uma legislação penal e uma civil prevendo ações indenizatórias por dano moral ou material. Tem também as leis trabalhistas que, com alguns ajustes pontuais, constituem um instrumental jurídico que permite o enfrentamento deste grave problema”.
Os quatro entrevistados pela Agência Brasil sugerem mudanças na legislação que trata dos crimes de racismo.“As duas leis, separadas, causam confusões tanto jurídicas quanto relativas à sua aplicabilidade. Seria positivo todas as formas de punição de descriminação racial estarem compreendidas apenas na Lei Caó, extinguindo de vez o instituto da injúria com elemento racial”, destaca Luiz Fernando.
“Quanto ao ônus da prova, há de se estabelecer um critério radicado no princípio da aptidão para a prova, uma vez que freqüentemente a pessoa discriminada terá muitas dificuldades de fazer prova suficiente para o convencimento do julgador”, aponta o ministro Carlos Alberto Reis.
Douglas Martins vai além e defende que “a legislação adote a inversão do ônus da prova, não cabendo à vítima, mas à instituição ou ao acusado, demonstrar que não se omitiu e nem cometeu a prática discriminatória”.
Para o promotor Libanio Alves Rodrigues, a maneira como a lei define ilícitos de racismo deveria se aproximar do formato da lei de entorpecentes, para melhor definir suas possibilidades . “É necessário que seja feita uma revisão, de forma a moldar capitulações e condutas que caracterizam o crime de racismo à realidade nacional”.
Pedro Peduzzi Repórter da Agência Brasil
23 de Novembro de 2008 - 13h10 - Última modificação em 23 de Novembro de 2008 - 17h38

Cristovam: Cotas são necessárias, mas são "jeitinho"

Ao discursar em Plenário nesta sexta-feira (21), o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) afirmou que medidas como as cotas para negros em universidades e a bolsa-família são necessárias, "mas são um jeitinho". Apesar de apoiá-las, ele disse que ambas "são propostas para o presente, para o imediato, sem uma visão histórica de longo prazo". O senador argumentou ainda que, "para não fazer uma mudança mais profunda, são feitas pequenas mudanças que enganam o povo".
- É claro que é melhor ter bolsa-família do que não ter. Eu defendo esse programa. É claro que é correto ter cotas para negros em um país que continua com uma elite branca - declarou ele, acrescentando que, "no entanto, o país precisa, além de jeitinhos provisórios, de uma revolução: a revolução da escola gratuita, de qualidade, igual para todos".
Ainda sobre as cotas em universidades, Cristovam afirmou que "o objetivo não é beneficiar os negros que a utilizarem, mas, sim, mudar a cara da elite brasileira e, assim, dar mais decência à Nação, para que se possa dizer que o Brasil é um país de brancos e negros". Ele destacou o fato de, no próprio Senado, haver apenas um parlamentar negro - o senador Paulo Paim (PT-RS).
- Não há negros na nossa elite, e isso é uma vergonha - disse.
Segundo Cristovam, essas questões têm de ser debatidas durante o processo de escolha dos candidatos a presidente da República, em 2010, a fim de que se conheçam suas propostas e, assim, seja possível saber "se serão candidatos de cotas e bolsas ou da transformação de que o país realmente precisa, para não necessitar mais de bolsas nem de cotas".
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT – DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Mozarildo quase que esgotou o primeiro assunto a que pretendo me referir aqui, mas há uma segunda parte. A primeira parte diz respeito à coincidência de que ontem nós tivemos, ao mesmo tempo, o anúncio do Enem, o resultado dessa prova que mede os alunos do ensino médio do Brasil inteiro, e tivemos também a aprovação, na Câmara, das cotas para ingresso na universidade – não mais aquelas cotas sobre as quais cada universidade decide livremente, em geral para as categorias étnicas, índios e negros, mas cotas para a escola pública e cotas para classes sociais. Esse projeto aprovado ontem é a continuação de um projeto bastante simples da Senadora Ideli Salvatti aprovado no Senado, um projeto que reserva metade das vagas nas universidades públicas para os alunos que tenham feito o curso médio nas escolas públicas. O que veio complicou bastante o assunto, porque, dentro da cota para a escola pública, vieram também cotas para negros, índios e brancos – a idéia é distribuir proporcionalmente as diferentes raças – e também cotas para a população mais pobre, ou seja, para aqueles jovens cujas famílias tenham renda per capita de até meio salário mínimo. Essa confusão criada, que fez difícil o exercício, merece uma análise. Primeiro, a análise das cotas para a escola pública conforme proposto pela Senadora Ideli. Pessoalmente, sou favorável. Sou favorável, mas não sob o ponto de vista do benefício para as crianças que vão conseguir vaga na universidade graças à cota. Sou favorável quando levo em consideração o conjunto das crianças brasileiras que estudam na escola pública. Ao serem asseguradas cotas para os alunos oriundos da escola pública nas universidades federais, surgirá, naturalmente, um processo de migração dos jovens de classe média e alta para as escolas públicas de ensino médio. No final, os beneficiados serão eles, mas a escola pública vai se beneficiar com isso também, pois, na medida em que as classes médias e altas entrarem na escola pública, a escola pública vai melhorar. Esta é, a propósito, uma característica deste País: resolver os problemas do topo da pirâmide, abandonando a base da pirâmide. Foi com essa visão que eu defendi, sim, na Comissão de Educação, o projeto da Senadora Ideli. É um projeto positivo, porque beneficia alguns jovens de camadas médias baixas que estão na escola pública, mas os pobres não vão ser beneficiados. Não vamos mentir, não façamos demagogia: os pobres só se beneficiarão quando fizermos a revolução que melhorará a escola pública para todos. As cotas de hoje vão beneficiar os melhores alunos da escola pública, portanto, aqueles que puderam estudar, que tiveram incentivos, que tiveram, certamente, um cursinho à parte. São eles que vão se beneficiar, mas, no final, a escola pública se beneficia. Nesse sentido, o projeto é positivo. Com as complicações que vieram, porém, vai ser difícil colocá-lo em prática, mas o pior é que vai enganar uma parte da população, aquela população que tem meio salário mínimo per capita e que vai achar que agora entra na universidade, mas vai descobrir que não termina a quarta série primária, que não termina a oitava, que não termina o segundo grau e que, portanto, não vai poder se beneficiar dessas cotas. O que a gente precisa neste País, além de jeitinhos provisórios, como as cotas, é de uma revolução. É de uma revolução que a gente precisa: a revolução da escola gratuita, de qualidade, igual para todos. É essa a revolução de que a gente precisa. As cotas são um jeitinho, como as bolsas-famílias que a gente tem. São jeitinhos. O que este País precisa é deixar de ser um país de bolsas e de cotas, que é o que somos hoje. Somos um país que, para não fazer a mudança mais profunda, faz mudanças pequenininhas e engana o povo, engana quarenta milhões dizendo a eles: “Hoje vocês têm uma bolsa-família”. Claro que é melhor do que se não tivesse e, por isso, eu defendo a continuidade desse programa. Melhor, porém, seria poder dizer: “Vocês não precisam mais de bolsa”. Claro que é correto ter cotas para negros num País que, depois de 120 anos da abolição da escravatura, continua com uma elite branca. Aqui, Senador negro, que eu lembre, só o Senador Paim, entre 81. Antes havia também a Senadora Benedita, e há alguns que a gente poderia até dizer que estão perto, como o meu suplente, o Senador Eurípedes Camargo, que durante um ano ficou aqui e que poderíamos considerar também como um Senador negro. É muito pouco! Saia do Senado e vá para a Câmara; saia da Câmara e vá para o Supremo; saia do Supremo e vá para os consultórios médicos; saia dos consultórios médicos e vá para os escritórios de advogados: nós não temos negros na nossa elite. Isso é uma vergonha nacional. A cota para negros não é para beneficiar aquele negro que vai utilizá-la, mas para mudar a cor da cara da elite brasileira e, com isso, dar mais decência à nação brasileira, para que possamos dizer: “Somos um país de brancos e negros”. É um jeitinho necessário, mas não é a solução. A solução é não precisar das cotas, mas a gente não está trabalhando para isso. A prova: o Enem. O resultado do Enem, nesse mesmo dia em que foram aprovadas as cotas, mostra que o esforço está sendo para o jeitinho e não para resolver a situação. Nós temos que escolher entre o jeitinho e a revolução – revolução no bom sentido; não falo em revolução pelos métodos, eu falo em revolução pelos resultados. Os métodos são pacíficos: é salário melhor para professor, é exigir mais do professor também. O resultado é a igualdade, mas não a igualdade imposta arbitrariamente por regimes autoritários. Não. Refiro-me à igualdade do acesso à escola de qualidade. Depois a gente tolera as desigualdades que vêm do talento, as desigualdades que vêm da dedicação, do empenho, da vocação. Essa desigualdade é até positiva se ficar dentro de certos limites – ninguém abaixo do mínimo necessário e ninguém acima do possível para mantermos o equilíbrio ecológico, e esses são os dois limites. Aqui dentro não há problema que haja desigualdade. Agora, o acesso à escola é que tem de ser igual para todos. Temos, lamentavelmente, a coincidência de dois resultados: o Enem piorando em uma das categorias – melhorou na outra, mas piorou no mais importante hoje, que não é a redação, mas a área que vai permitir ciência e tecnologia, que é a área das exatas – e, ao mesmo tempo, a aprovação das cotas. Essa coincidência demonstra a existência de uma doença que o País está vivendo e que é reflexo de uma tendência deste País, o país do jeitinho, o país do jeitinho das cotas e o país do jeitinho das bolsas. E fala aqui quem não é contra as cotas nem as bolsas, mas que não se satisfaz com essas duas coisas. Temos de fazer com que este País deixe de ser de cotas e de bolsas e se transforme num país de igualdade no acesso à educação, que é o caminho para a igualdade conquistada de participar do processo social. Com esse acesso igual, serão permitidas as pequenas desigualdades oriundas da persistência, do talento, da dedicação, da vocação. O problema – e esta segunda parte do meu pronunciamento vai além do pronunciamento do Senador Mozarildo Cavalcanti; se não fosse por ela, eu já poderia parar aqui, porque S. Exª falou bem – é que, lamentavelmente, o momento de escolhermos se o Brasil continuará sendo um país de cotas e bolsas ou se vai entrar no processo de transformação é durante o período eleitoral para escolher o próximo Presidente da República. Temo que passemos 2009 nos conchavos dentro de cada Partido, sem a menor preocupação sobre o que o próximo Presidente vai trazer para o Brasil, temo que passemos o ano de 2010 fazendo o exercício de marketing que caracteriza o processo eleitoral brasileiro depois da redemocratização, e temo que o conteúdo, o fundo do problema, as propostas alternativas, fiquem no zero. Eu temo que os candidatos, qualquer dia, apareçam, como já estão aparecendo nos jornais, a partir de conchavos internos ou, às vezes, nem de conchavos, mas de simples escolhas do líder principal do partido, sem ninguém saber para que vem esse candidato, sem ninguém saber a proposta que esse candidato traz, sem ninguém saber se ele vai ser mais um de cotas e bolsas ou se ele vai ser um candidato da transformação de que o Brasil precisa para que não necessite nem de bolsas, nem de cotas. O que nós estamos vendo hoje é que o processo de escolha é um processo subterrâneo, clandestino, burocrático, escondido, e os candidatos depois aparecerão para nós sem sabermos por que são eles. E, depois, veremos a campanha toda ser feita em cima não de propostas, não de conteúdos, não de escolha entre o que quer mudar e o que não quer mudar, mas, sim, em torno daquele que aparece com a melhor gravata, aquele que fala lendo o que o marqueteiro escreveu para ele dizer, e não aquele que aparece olho no olho, falando com a população. Nós precisamos mudar o processo de escolha. Os Estados Unidos têm sido muito citados aqui por causa da eleição do próximo Presidente. Eles têm esse instrumento formidável que é fazer as prévias para que pessoas que não são suficientemente conhecidas – como não era o novo Presidente Obama – possam aparecer, tenham tempo de aparecer e que apareçam não só pela sua cara, mas pelo conteúdo. Antes de conceder um aparte ao Senador Mozarildo, dou um exemplo: qual é a proposta do candidato que aí vier para a área da infra-estrutura? É apenas trabalhar na infra-estrutura tradicional das estradas e dos portos? Ou é dar uma virada para o sistema de transporte ferroviário? Ou uma virada ainda mais radical para a infra-estrutura fundamental do século XXI, que é a infra-estrutura abstrata do conhecimento e da tecnologia? Quando falamos em infra-estrutura, imaginamos obras, talvez até porque elas dão possibilidade de recursos serem desviados. Ainda não se fala, como parte fundamental da infra-estrutura, a partir de agora, no século XXI, em conhecimento e tecnologia. Essa é a infra-estrutura de que o Brasil vai precisar. É lógico que vai precisar da infra-estrutura de estradas e de portos, como tradicionalmente necessita, mas a verdadeira infra-estrutura do século XXI não está na parte física; está na parte intelectual, está na ciência e na tecnologia, até porque, cada vez mais, vamos descobrir mecanismos em que são necessários menos movimentos de materiais, porque os movimentos serão de idéias; os materiais estarão lá.
Quando o próximo Presidente deste País falar do problema da pobreza, é preciso saber se ele vai continuar na alternativa do Bolsa-Família ou se vai propor uma revolução que elimine a necessidade do Bolsa-Família. Qual é o candidato a Presidente que trará uma proposta que diga como erradicar a pobreza e não como manter a pobreza, sobrevivendo com o Bolsa-Família, que defendo ser necessário, mas reconheço não ser suficiente? Esmola também é necessário, mas não é suficiente. Qual é o candidato que está trazendo a proposta de transformar o Bolsa-Família de tal maneira que seja um instrumento de transformação, e não um instrumento de assistencialismo, como, aliás, era quando foi concebido sob o nome de Bolsa-Escola, se viesse acompanhada de fato da escola? O nome Bolsa-Escola não foi leviano, foi porque compunha as duas coisas: a bolsa para sobreviver e a escola para crescer, para ascender socialmente. Ao tirar a palavra “escola” e deixar “família”, ficou só um item. É um programa de manter, e não de ascender na escada social. E a cota na universidade não vai permitir ascensão, porque só poucos vão poder beneficiar-se delas. É isso que está por trás da demagogia de dizer que é um programa transformador. A cota é necessária como a bolsa, mas nenhum dos dois é transformador, nenhum dos dois beneficia a totalidade da população. Pouquíssimos vão receber a possibilidade de entrar na universidade, porque é limitado o número de pessoas que necessariamente precisam ter o curso superior, inclusive. Não podemos imaginar todos os brasileiros sendo médicos. Precisamos, sim, imaginar que todo brasileiro tenha acesso a um médico, mas a idéia, muda-se. Propõe-se o que não é fundamental e o que não é possível para não garantir o que é necessário e substancial. Qual é a proposta do próximo Presidente para que a gente tenha o fim da corrupção? Esse debate a gente tem de fazer desde as prévias. Não é apenas como prender pessoas corruptas, mas como fazer com que não haja corruptos neste País ou, se houver, que ele não consiga exercer a atividade dele. O bom governo, o bom sistema é aquele capaz de conviver até com corruptos, mas eles não serão capazes de exercer a corrupção. A gente não tem pensado isso. A gente tem pensado na atividade do Ministério Público como a de, depois da corrupção feita, prender alguns que, graças ao sistema judiciário falho, terminam soltos, se tiverem dinheiro para pagar um bom advogado, pelas falhas nas tecnicalidades que ele descobre. Qual é o programa, Senador Mão Santa e Senador Mozarildo, dois médicos, para a saúde neste País? Quando é que a gente vai ter um Presidente que traga uma proposta nítida, clara, em vez de simples, como continuar um sistema chamado SUS, que foi um avanço, mas que não está resolvendo o problema fundamental da saúde, está longe de resolver o problema fundamental da saúde? Algo tem que ser modificado. E a gente tem idéia: o fundamental para mudar o sistema de saúde não está no sistema de atendimento à saúde, está no sistema de prevenção, está no sistema de investimento para valer em água, em esgoto e na educação das pessoas, porque, quanto mais educada, sabe-se, menos risco de doenças se tem, salvo aquelas que só Deus é que explica por que elas existem. A maior parte das doenças que temos neste País é por falta de comida, é por tomar água suja, é por pisar em porcaria e contaminar-se, não é porque Deus provocou, deixou que acontecesse, a natureza trouxe uma das doenças mais graves. Qual é a proposta para a educação, inclusive? É a idéia de cotas ou é a idéia da revolução? A revolução precisaria de duas coisas: uma carreira nacional do professor e um programa federal de qualidade em horário integral das escolas. O Senador Mozarildo citou escolas federais aqui. Esse Enem, quando saírem os detalhes, vamos ver: as melhores escolas são as escolas federais, como os colégios militares, como o Colégio Pedro II. Por que a gente não leva para o País inteiro o mesmo plano de cargos e salário dos professores do Colégio Pedro II, mas não aplicando para todos os professores de hoje, porque aí o resultado na educação não seria suficiente, mas com concursos públicos federais para escolher os novos professores dessa nova carreira? Cem mil professores por ano, escolhidos em concursos federais, recebendo um salário federal, não esses pequenos aumentos salariais que não passam de jeitinhos, mas um salto alto nos salários dos professores escolhidos em concurso federal, com preparação, com competência e com um acordo de dedicação. Um acordo de dedicação. E, ao lado disso, um programa federal de educação, aplicado e implantado pelo Governo Federal, onde esses professores trabalhariam. E aí, não pode ser no Brasil inteiro de uma vez, tem que ser por cidades escolhidas. A gente tem que escolher cidades e começar a revolução nelas. Cem mil professores atenderão 250 cidades de porte médio e 3 milhões de alunos do ensino fundamental. É aí que a gente começa, é aí que a gente faz a revolução. É essa revolução que os próximos candidatos a Presidente vão propor, ou apenas os pequenos ajustes, contra os quais não podemos ficar contra, mas que não bastam? Como o Fundef, Fundeb, merenda, piso salarial, que é um projeto de minha autoria, mas digo aqui com a maior clareza: é um jeitinho apenas, como as cotas, um jeitinho necessário, como as cotas são. A revolução não está no piso, está na carreira nacional do magistério. O que os próximos candidatos a Presidente vão dizer das relações do Brasil com os países vizinhos, países com os quais estamos caminhando para conflitos e confrontos por causa de Itaipu, por causa do petróleo e do gás na Bolívia, mas adiante por outras relações com países vizinhos que se chocarão com os interesses brasileiros? Qual é a proposta? É a proposta de avançar mais radicalmente na integração ou é a alternativa de levar a um confronto, inclusive com dimensões militares um dia? E quero ouvir isso dos candidatos, mas, para ouvir isso dos candidatos, nós precisamos ouvir os candidatos, e, se o processo da próxima eleição continuar como está neste momento, nós vamos votar sem ter ouvido os candidatos. Isso é que é trágico, nós vamos entrar sem ter ouvido. Os dois grandes nomes que nós temos falando: a Ministra Dilma é a candidata do PAC, o Governador Serra é o candidato de São Paulo; nenhum dos dois está sendo candidato do Brasil, para o Brasil, com o Brasil. Qual é a proposta de cada um deles para o Brasil? E aí não só para o Brasil, para o Brasil do futuro? Essa é a diferença do País de cotas e bolsas e o País do futuro: é que cotas e bolsas são propostas para o presente, para o imediato, sem compromisso nacional, sem visão histórica de longo prazo. Nós precisamos de candidatos e de candidatas com visão de longo prazo e que abarquem toda a Nação brasileira. E isso a gente não está vendo. Não estamos vendo no momento em que o Brasil mais precisa disso. Em 1930, com a grande crise de 1929, o Brasil precisou de um candidato desse tipo. E ele surgiu de uma forma autoritária, por uma revolução, surgiu nas armas com Getúlio Vargas, vindo do Rio Grande até o Rio de Janeiro e ali tomando o poder. Agora, estamos outra vez no mesmo momento de impasse, impasse mais profundo, porque não é só uma crise financeira, é uma crise de estrutura da produção e uma crise ecológica da mais grave profundidade. Quais são as propostas que os próximos candidatos a Presidente vão trazer para podermos ter crescimento com equilíbrio ecológico? Quem é que está falando nisso? Qual deles está dizendo como crescer mantendo o equilíbrio ecológico? Não é manter o equilíbrio ecológico pura e simplesmente, mas não é crescer ignorando o equilíbrio ecológico. Como combinar os dois Senador Mozarildo? Qual o candidato está falando isso? Estamos num momento de encruzilhada do futuro do País. De vez em quando a História nos reserva essas surpresas: a necessidade de uma reorientação, a alternativa da bússola e não a alternativa da pá. A pá é a alternativa de tapar o buraco, a bússola é a alternativa de virar o rumo da História do País. O Brasil continua escolhendo a pá. Por exemplo, com uma pá jogamos agora R$8 bilhões nos bancos para que eles possam financiar a venda de automóveis. Essa é a solução da pá, essa é a quota dos bancos, essa é a cota da indústria automobilística, essa não é a revolução na matriz energética e na matriz de produção do País. Jogamos com a pá R$8 bilhões. Vamos voltar a vender mais carros e colocá-los onde? E pagar como os empréstimos em cem meses se os carros nem duram tudo isso? Nós vamos precisar de um debate entre os possíveis candidatos a Presidente. E é nesse sentido que um grupo, o Senador Suplicy, eu próprio e o Deputado Gabeira estamos nos propondo a rodar o Brasil debatendo, como se fôssemos ser, sabendo que dificilmente seremos, candidatos a Presidente. Tenho insistido que o Senador Paim deveria ser um desses também, porque o Senador traria a dimensão da raça para o debate, não para defender um Brasil para os negros, mas para defender um Brasil de todos com os olhos de negro que o senhor tem, como fez Obama. Obama não trouxe uma proposta para os negros; trouxe uma proposta para os Estados Unidos na ótica de um cidadão da raça negra. Nós estamos nos propondo a isso. Algumas universidades já se propuseram a sediar esses debates: a Universidade Cândido Mendes; a Universidade de Pernambuco; a Universidade do Paraná, ainda indiretamente, através de um importante professor que vai levar a idéia ao reitor; e um blog, o Blog do Noblat, que se propôs a transmitir ao vivo os nossos debates. Depois que entra um blog, todos os outros virão. Aí teremos uma coisa inédita neste País: quase dois anos antes das eleições, pessoas, e estará aberto para todos, farão debates. Senador Mozarildo, seria bom o senhor vir, trazer a sua visão para a Amazônia, que é diferente da de muita gente; é a visão do Brasil, para o Brasil, na ótica da Amazônia. Seria bom que outros viessem. Cada debate pode ser de outro; podemos ter até diversos debates em lugares diferentes, com possíveis candidatos alternativos. E todos nós sabendo que, sem a máquina do partido, a gente termina sem ser candidato, mas que prestou o serviço que o País precisa. O País que vai ter que escolher entre o futuro de bolsas e cotas ou o futuro de transformação profunda para não necessitar nem de cotas nem de bolsas. Esse vai ser o desafio do futuro: o País do jeitinho ou o País da revolução; o País das bolsas e das cotas ou o País da transformação social.
O grande momento da democracia é quando a gente escolhe um presidente. Que Deus nos proteja para que a próxima eleição permita esse debate, porque, senão, vamos ter mais oito anos talvez, se continua a reeleição, do mesmo, com diferentes nomes na presidência, com diferentes siglas partidárias à qual ele pertence, mas exatamente, repetido monotonamente, o mesmo: cotas e bolsas no lugar do Enem, no lugar de o Enem chegar à nota oito. Isso é que deveria ser um projeto, mas isso não estamos vendo ainda. Creio que cada Senador deveria fazer parte desse esforço de debater o futuro do Brasil, como se cada um daqui fosse candidato a presidente, porque cada um daqui tem direito a se considerar em condições de disputar uma eleição dessas porque não foi à toa que cada um chegou aqui. Sr. Presidente, peço licença para passar a palavra ao Senador Mozarildo. O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB – RR) – Senador Cristovam, ouvi atentamente o pronunciamento de V. Exª, que demonstra, como sempre, que é um homem que tem antevisão, quer dizer, tem visão de futuro. E, quando propõe já, fico surpreso em saber que já existe até um pacto entre V. Exª, o Senador Eduardo Suplicy e o Deputado Gabeira de começar esse debate nacional. Parece muito cedo dois anos antes, mas não é, não. V. Exª tem razão. O método de eleições primárias nos Estados Unidos, no qual a discussão começa antes, internamente, no partido, leva justamente a esse aperfeiçoamento, a essa visibilidade das idéias de cada candidato. Nós, no Partido Trabalhista Brasileiro, temos planejado para o ano que vem executar seminários regionais e depois um grande seminário nacional, para discutir exatamente o novo trabalhismo. Trabalhismo não é apenas defesa pura e simples do trabalhador, mas tratar da relação entre o empregador e o trabalhador. Não existe trabalhador sem empregado. Todos esses aspectos que V. Exª colocou são fundamentais. Temos que pensar justamente no pós-Lula, o que implica pensar nos pós-bolsas, pós-cotas, pós-SUS, como V. Exª colocou muito bem. Foi um modelo útil até aqui? Foi. Mas eu acho que é um modelo, não diria totalmente esgotado, grandemente esgotado, que tem que ser melhorado, aperfeiçoado no pós-luta de classes. Temos que sonhar este País em que realmente exista condições para que cada um, independente da raça, da cor, do credo, da região onde viva, tenha direito à igualdade de oportunidades, igualdade de condições de estudo, de trabalho, de poder viver com a sua família, liberdade para poder expressar e fazer o que quiser. Acima de tudo, que possamos ser realmente um País fraterno, fraterno de fato, em que um, como diz a própria Bíblia, ame o próximo como a si mesmo e em que possamos nos tratar como irmãos e, portanto, possamos ter um País melhor. Louvo muito a idéia dessa discussão começar logo, porque, senão, como disse V. Exª, vai ficar apenas nos conchavos dentro dos partidos: partido “A” começa a discutir quais os possíveis candidatos; partido “B” verifica se tem candidato ou se coliga com outro partido que tenha um candidato mais forte, e a discussão fica apenas nisso. Depois, como muito bem observou V. Exª, o candidato vai apenas seguir um script, feito por pessoas ditas marqueteiras, e há pessoas de todas as especialidades – nada contra os marqueteiros –, mas que, na verdade, vamos ter o candidato dizendo o que indica a pesquisa, o que o povo quer ouvir. Isso é realmente um sofisma. Não se faz transformação dessa forma. Por isso, quero louvar a idéia de V. Exª. O meu Partido, o Partido Trabalhista Brasileiro, vai fazer esse seminário. Isso não impede que também nos empenhemos nesse debate que V. Exª propõe por entender muito importante. V. Exª falou que eu tenho uma visão da Amazônia diferente de muitos. A minha visão é a de quem nasceu, vive e realmente pensa a Amazônia de maneira integrada ao Brasil, diferentemente de muitos que vivendo em Ipanema, ou na Av. Paulista ou, e principalmente, no exterior querem impor uma visão de Amazônia, que não é a realidade dos 25 milhões que lá vivem. Parabenizo V. Exª pela idéia. Temos, sim, diria que todos os partidos, de nos envolver de maneira séria. Se os partidos não se envolverem, ou se não quiserem se envolver, que se envolvam figuras como V. Exª, como o Senador Paim, como o Senador Mão Santa nessa discussão nacional, para mobilizar a opinião pública nacional para a importância de termos um próximo Presidente que seja capaz de levar o País para esses pontos que levantei: um país onde haja liberdade, igualdade e fraternidade. O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT – DF) – Muito obrigado, Senador. Quero dizer que o senhor tocou em dois pontos fundamentais, a idéia de luta de classes, que precisamos superar, e a idéia de fraternidade, que é o oposto. Fico muito feliz, até porque acho que, de fato, o conceito de luta de classes, baseado na renda, na posição proletária ou burquesa, está superada. Hoje, um grande engenheiro de uma fábrica tem o mesmo padrão de vida do dono da fábrica e, às vezes, com menos preocupações. A qualidade de vida de um operário altamente qualificado não está muito distante da qualidade de vida da do patrão, e com menos preocupação também, salvo segurar o seu emprego numa crise como essa. Mas, para mim, continua havendo uma luta de classes. É a luta entre quem tem e quem não tem conhecimento. Talvez valesse a pena até tirar a palavra “classe”: é uma disputa entre quem tem e quem não tem conhecimento, porque, quem não tem conhecimento, fica para baixo. E é um processo natural de fluxo de trabalho de quem não tem informação em benefício de quem tem informação. Na minha vida acadêmica, circulo muito por aí, e os professores universitários franceses, europeus, sempre me falam que nós reclamamos do salário, no Brasil, mas nossas casas são muito maiores que as casas deles. E eu sempre expliquei da maneira mais simples: é que o nosso salário, aqui, de professor universitário é menor que o salário de um francês. Mas a diferença do nosso salário de professor universitário brasileiro para o pedreiro brasileiro é muito maior do que a diferença do salário do professor universitário francês para o pedreiro francês. E como aqui a desigualdade é muito grande, a gente pode contratar tantos pedreiros quanto queira para fazer as casas grandes onde vivem os nossos professores; maiores do que as casas francesas. Essa desigualdade entre o salário do professor universitário e o do pedreiro, no Brasil, vem da falta de formação do pedreiro no Brasil. Do fato de que não terminaram o 2º Grau; do fato de que não são capazes de se organizar de uma maneira plena; do fato de que eles utilizam técnicas mais novas, do que os nossos não são capazes, e, com isso, a produtividade deles é maior. E aí o salário deles é maior e a desigualdade é menor. É no conhecimento que está a desigualdade hoje.Cristovam: Cotas são necessárias, mas são "jeitinho" É no conhecimento que está a disputa hoje, para não chamar de luta de classes. Não dá para chamar luta de classes, mas dá para chamar luta entre desiguais no acesso ao conhecimento. E a fraternidade, viria de onde? Da escola, que é o lugar onde a gente faz com que todos tenham a mesma oportunidade. E mesmo aqueles que não chegam lá no topo da carreira acadêmica – porque não podem chegar todos; não há como – não vão ficar muito distantes; não vão ser analfabetos. Vão terminar o 2º Grau. Vão ter um curso técnico, com competência. Agradeço, Senador Mozarildo, e concluo o meu discurso, aproveitando a presença do Senador Arthur Virgílio, para dizer que falei que, nesse debate que queremos fazer por aí, Senador Arthur Virgílio – temos pelo menos três –, o senhor tem mais do que competência e qualificação para fazer esse debate sobre para onde levar o Brasil. Mais do que isso: o senhor – e fiquei muito feliz –, faz alguns meses, disse que era candidato a candidato, a candidato, pré-candidato à Presidência – como eu me considero também. Sabemos que vai ser difícil sermos. Era bom ter uma figura com a competência, com a experiência e com a respeitabilidade do Arthur Virgílio nesses debates. Circulemos por aí. Não precisam ser os mesmos, nas mesmas universidades. Podem haver dois, três debates na mesma noite em diferentes universidades, pessoas diferentes, cada um deles dizendo: “Eu quero servir ao meu País, ajudando a conduzi-lo, nesse momento gravíssimo, nessa encruzilhada fundamental que a gente vive, para saber se vamos continuar a ser um País de bolsas e cotas, ou se vamos ser um país de soluções permanentes”. Então, fica aqui o convite em nome dos outros, se o Senador Arthur Virgílio quiser também participar, rodarmos este Brasil, debatendo o Brasil pós 2010. O Sr. Arthur Virgílio (PSDB – AM) – Pois não, Senador Cristovam. V. Exª tem razão. Eu percebo o significado desse seu pré-lançamento. E V. Exª, com muita sinceridade, diz que o que menos importa é o resultado final, e o que mais importa é o durante, é o que se pode fazer pelo País, inclusive fazendo eventuais vencedores das eleições incorporarem idéias que nasçam desse debate. O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT – DF) – Exatamente. O Sr. Arthur Virgílio (PSDB – AM) – V. Exª pode, perfeitamente, contar comigo. Sou um homem de partido, me curvarei sempre ao que o meu partido quiser, mas entendo que posso cumprir meu papel, e devo cumprir meu papel de chamar a atenção para a problemática dos Estados da periferia brasileira, para a questão da Amazônia, que é uma região tão estratégica e tão ignorada pelos brasileiros de um modo geral, e gravemente ignorada por dirigentes brasileiros do mais alto coturno, do mais alto calibre. Então, vejo que não se perde nada indo ao debate: o Brasil ganha. Portanto, parabenizo V. Exª pelo discurso e pela decisão que acaba de anunciar. Muito obrigado. O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT – DF) – Agradeço-lhe também. Fico feliz, porque tenho sempre escutado seus pronunciamentos e vejo a procura de dar encaminhamento e soluções. Da mesma maneira, acho que o movimento negro deveria trazer propostas para o dia em que não sejam necessárias quotas – até defendendo quotas hoje –, mas dizendo que a minha proposta é para que não sejam mais necessárias. Creio que a Amazônia também deve ser vista, não, de uma forma protecionista do resto do Brasil para com ela, mas ela como parte da Nação brasileira, encontrando o seu destino como região, parte da grande Nação brasileira. Sr. Presidente, era isso que queria falar. Para concluir, quero dizer que a sua sugestão feita esta manhã para se fazer uma vigília pela educação, conte comigo V. Exª, que tem experiência em vigília. Vamos trabalhar para saber como que se organiza uma vigília pelo Brasil, por meio de uma revolução na educação.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Igualdade e liberdade dependem da permanente jurisdição constitucional, diz presidente do STF na Alemanha

Igualdade e liberdade dependem da permanente jurisdição constitucional, diz presidente do STF na Alemanha
“A verdadeira concretização da igualdade e da liberdade depende da vigilância permanente da jurisdição constitucional”. A afirmação foi feita, nesta segunda-feira (17), pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, em palestra na Universidade de Münster, na Alemanha”.
Coube a Gilmar Mendes fazer a palestra de abertura do fórum jurídico “Igualdade e Liberdade no Direito”, que se realiza na Faculdade de Direito da Wilhelms-Universität (Universidade Guilherme), naquela cidade. O ministro falou sobre o tema “a jurisdição constitucional brasileira e sua importância para a liberdade e a igualdade” e, em seguida, debateu o assunto com participantes do curso de Direito em Língua Estrangeira – Direito Brasileiro.
Tribunais dão a verdadeira dimensão dos valores
Em sua palestra, o ministro disse que “as decisões de fato dos tribunais constitucionais dão a esses valores uma dimensão real, diante das peculiaridades históricas e culturais das diversas sociedades”.
Segundo ele, “este é, também no Brasil, o mais importante papel do STF, na qualidade de guardião da Constituição. Onde os direitos e garantias fundamentais não são efetivamente protegidos, não há como se falar em Estado de Direito e tampouco em democracia”.
Fraternidade
O ministro fez essas afirmações após observar que liberdade e igualdade são valores indissociáveis no Estado democrático de direito e, reportando-se ao jurista alemão Peter Häberle, ressaltar a pouca atenção que se tem dado ao terceiro valor fundamental da Revolução Francesa, que é o da fraternidade.
“No início deste Século XXI, o conceito de liberdade e igualdade deve ser reavaliado, reposicionando-se o da fraternidade”, observou o presidente do STF. “Quero com isso dizer que a fraternidade pode colocar em nossas mãos a chave com que poderemos abrir diversas portas no sentido da solução das mais importantes questões da liberdade e da igualdade com que se debate, hoje, a humanidade”.
Ao reportar-se ao contexto pós 11 de setembro de 2001 (atentado ao World Trade Center, em Nova York), Gilmar Mendes disse que, neste contexto, a tolerância em sociedades multiculturais ocupa posição central da abordagem dos desafios referentes à liberdade e à igualdade que o novo século colocou à humanidade.
Anti-semitismo e cota racial
O ministro citou, neste contexto, dois casos emblemáticos colocados em julgamento na Suprema Corte brasileira. O primeiro deles, julgado em 2003, foi o Habeas Corpus 82424, o chamado “Caso Ellwanger”, envolvendo a publicação, distribuição e venda de escritos anti-semitas. O segundo caso, o das cotas raciais nas universidades, é questionado em duas ações diretas de inconstitucionalidade (as ADIs 3330 e 3197).
Quanto à primeira questão, Gilmar Mendes relatou que a Constituição Federal (CF), em seu artigo 5, inciso XLII, tipifica o racismo como um crime inafiançável e imprescritível. Entretanto, como relatou, além desse enquadramento, o Tribunal teve de ocupar-se da relação entre comportamentos e manifestações de opiniões racistas e a liberdade de opinião, confrontando dois direitos fundamentais: o da liberdade de opinião (e não-censura) e o de não sofrer discriminação.
“Como é possível entrever, a discriminação racial oriunda do exercício da liberdade de opinião compromete a idéia da igualdade em si, como um dos pilares do sistema democrático”, observou o ministro. “A liberdade de opinião não pode conduzir à intolerância ou ao racismo; tampouco deve afetar a dignidade da pessoa humana e a democracia, ou seja, os valores intrínsecos a uma sociedade pluralista”.
“Nesse sentido, o Supremo Tribunal Brasileiro decidiu que, diante dos objetivos da preservação dos valores intrínsecos a uma sociedade pluralista, da proteção da dignidade humana e da liberdade de opinião, esta (a liberdade de opinião) não se aplica à intolerância racista e à instigação à violência. Se ela tivesse um valor absoluto e fosse intocável, inúmeros outros bens protegidos constitucionalmente seriam sacrificados”.
Cota racial: discriminação positiva
O segundo caso emblemático citado por Gilmar Mendes foi o das cotas para minorias, introduzidas em universidade brasileiras para negros, índios e deficientes que tenham freqüentado escolas de segundo grau públicas ou tenham sido bolsistas em 100% , em escolas privadas nesse nível. O caso ainda não foi julgado pelo STF.
“A questão da constitucionalidade de ações afirmativas para compensar desigualdades com fundamento histórico entre grupos populacionais étnicos e sociais no interesse da justiça social requer uma redefinição da igualdade como valor”, afirmou o presidente do STF. “Precisamos questionar-nos, simplesmente, até que ponto, em sociedades pluralistas, a preservação do status quo não acaba desaguando na perpetuação dessas desigualdades”.
“Por um lado, o conceito clássico-liberal da igualdade, como valor puramente formal, está superado há muito tempo em virtude de seu potencial para legitimar a preservação de situações de injustiça”, observou o ministro Gilmar Mendes. “Por outro, o objetivo de proporcionar uma igualdade real verdadeira sempre precisa levar em conta a necessidade de respeitar os outros valores da Constituição”.
O presidente do STF opinou que “a solução de tais problemas não está na importação, sem crítica, de modelos desenvolvidos em momentos históricos específicos tendo em vista realidades culturais, sociais e políticas, completamente diversas das presentemente em nossa realidade brasileira”. Segundo ele, “a solução reside, isto sim, na interpretação do texto constitucional na medida das peculiaridades históricas e culturais da sociedade brasileira”.
“É certo que o Brasil se move no sentido de um modelo próprio de ações positivas com objetivo da inclusão social, considerando as particularidades culturais e sociais de sua sociedade que vêm impedindo o acesso do indivíduo a bens fundamentais, como a educação, a cultura o trabalho”, constatou Gilmar Mendes. Entretanto, segundo ele, “o modelo de ações positivas a ser escolhido não deve levar em conta tão somente a raça ou a cor da pele do indivíduo, mas sim a sua situação cultural, econômica e social”.
“Os dois exemplos apresentados mostram como a verdadeira concretização da igualdade e da liberdade depende da vigilância permanente da jurisdição”, concluiu o ministro.
Programa
Em visita à Alemanha, o presidente da Suprema Corte brasileira participou, sexta-feira (14) e sábado (15), da Reunião Anual da Associação Luso-Alemã de Juristas, na cidade universitária de Heidelberg. Ontem (17), na Universidade Humboldt (“Humboldt-Universität”), em Berlim, ele fez uma palestra sobre o tema “Desenvolvimento da Jurisdição Constitucional no Brasil” e, em seguida, debateu o assunto com participantes do curso de Direito em Língua Estrangeira – Direito Brasileiro. Hoje à noite, ele deverá embarcar de volta para o Brasil.
Notícias STF (www.stf.jus.gov.br). Terça-feira - 18 de novembro de 2008
FK/LF