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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Morre Steve Jobs, co-fundador da Apple


Morre Steve Jobs, co-fundador da Apple

6/10/2011 por 

De acordo com nota publicada no site da Apple, o ex-CEO da empresa não sobreviveu ao câncer, doença com a qual lutava desde 2004, e faleceu nesta quarta-feira aos 56 anos.


segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Exposição, lançamentos de livros e filme em homenagens a Abdias Nacismento

LANÇAMENTO DE LIVRO - CO-AUTOR: LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA

A se realizar no:
CENTRO CULTURAL JUSTIÇA FEDERAL, localizado na AVENIDA RIO BRANCO,241 - CINELÂNDIA. Rio de Janeiro. Dia 7 de outubro, às 19h.



Ações Afirmativas - A questão das cotas

Detalhes

ISBN:

9788576264606

Autor(es):

Ano:

2011

Idioma:

Português

Edição:

1

Número de Páginas:

404

Sinopse

Com entrevistas e artigos de nomes como Boaventura de Souza Santos, Carlos Roberto Siqueira Castro, Fabio Konder Comparato, Dalmo de Abreu Dallari, Flávia Piovesan, Luís Roberto Barroso, dentre outros, a Editora Impetus tem a honra de lançar Ações Afirmativas: a questão das cotas, uma obra organizada pelo autor e mestre em Políticas Públicas e Formação Humana, Renato Ferreira.

De acordo com a Constituição Federal, constituem objetivos fundamentais da República construir uma sociedade justa, erradicar a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos (art. 3º). Além disso, cabe ao Estado e à família promover e incentivar a educação com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205). Evidentemente, seria absurdo fazer essa proclamação e, ao mesmo tempo, assegurar somente a uma parte dos brasileiros o acesso a esse direito em toda a sua amplitude, relegando os demais à condição de cidadãos de segunda classe.

Portanto, imbuído desses princípios, Renato Ferreira reúne intelectuais de alto gabarito para discutir as ações afirmativas, sobretudo quando elas se destinam à promoção dos direitos das pessoas negras. O autor atenta para a persistência de obstáculos à superação da discriminação e da marginalização, que são causas de injustiças e graves conflitos, procura demonstrar os desvios teóricos e práticos, e aponta os caminhos para a implantação da justiça nas relações humanas.

Pontos de destaque da obra:
- Trabalha o tema da obra de forma plural
- Apresenta uma coletânea de artigos e entrevistas de intelectuais renomados
- É uma obra reflexiva e crítica.



sábado, 30 de julho de 2011

Black In Latin America - Henry Louis Gates, Jr.

Black In Latin America

Posted: 7/28/11 08:40 AM ET

I first learned that there were black people living in some place called other than the United States in the western hemisphere when I was a very little boy, and my father told me that when he was a boy about my age, he wanted to be an Episcopal priest, because he so admired his priest, a black man from someplace called Haiti. I knew that there were black people in Africa, of course, unfortunately because of movies such as Tarzan. And then, when I was 9-years-old in 1960, our fifth grade class studied "Current Affairs," and we learned about the 17 African nations that gained their independence that year. I did my best to memorize the names of these countries and their leaders, though I wasn't quite sure why I found these facts so very appealing.
But it wouldn't be until I was an undergraduate at Yale, and was enrolled in my sophomore year, 1969, in Robert Farris Thompson's art history class, "The Trans-Atlantic Tradition: From Africa to the Black Americas," that I began to understand how "black" the New World really was. Professor Thompson used a methodology that he called the "tri-continental approach" -- complete with three slide projectors -- to trace visual leitmotifs that recurred among African, African American, and Afro-descended artistic traditions and artifacts in the Caribbean and Latin America, to show, a la Melville Herskovits, the retention of what he called "Africanisms" in the New World. So in a very real sense, I would have to say, my fascination with Afro-descendants in this hemisphere, south of the United States, began in 1969, in Professor Thompson's very popular, and extremely entertaining and rich, art history lecture course. In addition, Sidney Mintz's anthropology courses and his scholarly focus on the history of the role of sugar and plantation slavery in the Caribbean and Latin America also served to awaken my curiosity about another black world, a world south of our borders. And I owe so much of what I know about Pan-Africanism in the Old World and the New World to these two wise and generous professors.
But the full weight of the African presence in the Caribbean and Latin America didn't hit me until I became familiar with "The Trans-Atlantic Slave Trade Database," started by the great historian, David Eltis, and his colleagues. Between 1502 and 1866, 11.2 million Africans survived the dreadful Middle Passage and landed as slaves in the New World. And here is where these statistics became riveting to me: of these 11.2 million Africans, according to Eltis and his colleagues, only 450,000 arrived in the United States. That is the mind-boggling part, to me, and I think to most Americans. All the rest arrived in places south of our border. About 4.8 million Africans went to Brazil alone. So, in one sense, the major "African American Experience," as it were, unfolded not in the United States, as those of us caught in the embrace of what we might think of as"African American Exceptionalism," but throughout the Caribbean and South America, if we are thinking of this phenomenon in terms of sheer numbers alone.
About a decade ago, I decided that I would try to make a documentary series about these Afro-descendants, a four hour series about race and black culture in the western hemisphere outside of the United States and Canada. And I filmed this series this past summer, focusing on six countries, including Brazil, Cuba, the Dominican Republic, Haiti, Mexico, and Peru, choosing each country as representative of a larger phenomenon. This series is the third in a trilogy that began with Wonders of the African World, a six-part series that aired in 1998. This was followed by America Behind the Color Line, a four-part series that aired in 2004. In a sense, I wanted to replicate the points in Robert Farris Thompson's "Tri-Continental" approach to what some scholars called African retentions; another way to think of it is that I wanted to replicate the points of the Atlantic triangular trade among Africa, the European colonies of the Caribbean and South America, and Black America. Black in Latin America, another four hour series, is the third part of this trilogy, and this book expands considerably upon what I was able to include in that series. You might say that I have been fortunate enough to find myself over the past decade in a most curious position: to be able to make films about subjects about which I am curious, and about which I know nothing, or very little, with the generous assistance of many scholars in these fields.
The most important question that this book attempts to explore is this: what does it mean to be "black" in these countries? Who is considered "black," and under what circumstances, and by whom in these societies, the answers to which vary widely across Latin America in ways that will surprise most people in the United States. As my former colleague, the Duke anthropologist Randy Matory, recently put this to me: "Are words for various shades of African descent in Brazil, such as mulattoes, cafusos, pardos, morenos, pretos, negros, etc., types of 'Black people," or are pretos and negros just the most African-looking people in a multi-directional cline of skin-color-facial feature-hair texture combinations?" And how does wealth or class enter the picture? Matory asks.
"And suppose two people with highly familiar phenotypes are classified differently according to how wealthy and educated they are, on the same person is described differently depending upon how polite, how intimate, or how nationalistic the speaker wants to be? In what contexts does the same word have a pejorative connotation, justifying the translation of 'nigger,' and in another context connote affection, such as the word 'negrito?'"

You can read an excerpt from Black In Latin America here.
Henry Louis Gates, Jr.



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Jovem de 17 anos conta em livro história dos desfiles de carnaval


11/01/2011 07h00 - Atualizado em 11/01/2011 07h00

Jovem de 17 anos conta em livro história dos desfiles de carnaval

Obra reúne grande pesquisa com lista de campeãs e mais de 40 fotos.
Objetivo é despertar interesse do público pelas escolas de samba.

Aluizio FreireDo G1 RJ
Livro de carnavalLivro reúne grande trabalho de pesquisa sobre a
história dos desfiles de carnaval
(Foto: Chris Martins/ Armazém Comunicação)
Tudo surgiu numa brincadeira em família, em 2007, quando estavam de férias em Teresópolis, na Região Serrana do Rio. Depois de fazer uma enquete sobre a história das escolas de samba, entre amigos e familiares, enquanto assistiam aos desfiles pela TV, João Bastos, na época com 14 anos, recebeu a proposta para que escrevesse um livro sobre o assunto. Ele aceitou o desafio e acaba de lançar “Acadêmicos, unidos e tantas mais”, obra que pretende despertar o interesse dos jovens para a paixão do carnaval.

“O projeto surgiu de uma maneira inusitada, com uma brincadeira. Quando me desafiaram, passei a me aprofundar no assunto, pesquisando os grandes autores. No primeiro ano foi muita leitura e o processo de estruturar o esqueleto do livro”, conta o autor que, hoje, aos 17 anos, que lançou a obra pela Editora Folha Seca.

“O que mais me motivou foi o fato de perceber que enquanto os blocos estavam cada vez mais populares, o público jovem estava se afastando das arquibancadas. Queria reverter isso, despertar o interesse dessas pessoas mostrando a riqueza da história das escolas”, revela.
O livro é uma análise da trajetória das escolas de samba cariocas desde o surgimento na década de 20 até os dias atuais. O trabalho mostra a elaboração de um enredo, como é criado o samba-enredo, os critérios de julgamento e os elementos que compõem um desfile.
Livro de carnavalJoão quer desfilar este ano pela Mangueira
(Foto: Chris Martins/ Armazém Comunicação)
Curiosidades
Ao final, um capítulo com dados diversos sobre os desfiles - lista de campeãs de todos os grupos, vencedores do Estandarte de Ouro e outros concursos - e um anexo com cerca de 40 fotos de carnavais que permanecem na memória popular.

O resultado é um a agradável viagem pela história das primeiras manifestações carnavalescas da cidade. Dos entrudos, no século XVI, ao pequeno carnaval, por volta de 1850, quando surgiram os ranchos e o Zé Pereira, que inspirou muitos blocos carnavalescos que existem até hoje. 

Com um texto fácil, João abre espaço para curiosidades, como a origem dos desfiles de escola de samba, que teriam começado a partir de uma ideia do jornalista Mário Filho, que a fim de suprir a falta de assunto de seu jornal, Mundo Esportivo, durante os intervalos dos campeonatos, decidiu criar um duelo entre as agremiações, em 1932. Outra curiosidade contada no livro é que o personagem Zé Carioca foi criado por Walt Disney, após sua visita ao Rio de Janeiro, em 1941, quando conheceu a Portela.

'Carnaval é coisa séria', diz autor
Para concluir o trabalho, João foi atrás dos mestres, como Sérgio Cabral, que conheceu através do avô, Henock Garcia, apaixonado por carnaval – o pai do governador escreveu o texto de apresentação do livro -, o pesquisador Hiram Araújo, o escritor e jornalista Marcelo Moutinho – “que leu e corrigiu algumas coisas, mas sem perder o foco que eu pretendia” – e Roberto Moura, um respeitado estudioso de samba, além de consultas aos trabalhos de Haroldo Costa, Nei Lopes e Rosa Magalhães e muita pesquisa em jornais e revistas.

“Descobri que escrever um livro sobre carnaval, uma manifestação cultural que faz parte do espírito do Rio, exige talento, inspiração e muita transpiração. É uma coisa séria, feita com muita seriedade, como poucas coisas no Brasil”, reconhece João, que já está inscrito para o curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e pretende usar seu conhecimento para desenvolver projetos na área de entretenimento, principalmente cinema, que é mais uma paixão. Ele já garantiu também sua estreia na Sapucaí, desfilando por sua escola, Mangueira.

Uma das grandes preocupações de João é com as escolas dos Grupos de Acesso. “Temos mais de 70 escolas no Rio, mas só as 12 do Especial têm boas condições, na Cidade do Samba. Temos que olhar mais pra essas agremiações”, defende.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Lima Barreto: CONTO "O MOLEQUE"



Lima Barreto


Histórias e Sonhos
O MOLEQUE
A Arnaldo Damasceno Vieira
Reclus, na sua Geografia universal tratando do Brasil, notava a necessidade de conservarmos os nomes tupis dos lugares de uma terra. Têm eles, diz o grande geógrafo, a vantagem de possuir quase todos um sentido claro, muito claro, nas suas palavras, exprimindo algum fato da natureza, a cor das águas correntes, a altura, a forma ou o aspecto dos rochedos, a vegetação ou a aridez da região. No Rio de janeiro, há de fato nomes tupis tão eloqüentes, para traduzir a forma ou o encanto dos lugares, que ficamos pasmos, quando lhes sabemos a significação, com o poder poético, com a força de emoção superior de que eram capazes os primitivos canibais habitantes desta região, diante dos aspectos da natureza tão bela e singular que é a que cerca e limita nossa cidade. Bastam os nomes da baía. Como não traduz bem a sua sedução, o seu recato, a sua fascinação, o nome: Guanabara - seio do mar? E se o mar abriu aqui um seio foi para nele esconder as suas águas - Niterói - água escondida.
Esses nomes tupis, nos acidentes naturais das cercanias da cidade, são os documentos mais antigos que ela possui das vidas que aqui floresceram e morreram. Edificada em um terreno que é o mais antigo do globo, nos depósitos sedimentares das velhas regiões, até hoje não se encontram vestígios quaisquer da vida pré-histórica. A terra é velha, mas as vidas que viveram nela não deixaram, ao que parece, nenhum traço direto ou indireto de sua passagem. Os mais antigos testemunhos das existências anteriores às nossas, que por aqui passaram, são esses nomes em linguagem dos índios que habitavam estes lugares; e são assim bem recentes, relativamente.
Há, parece, na fatalidade destas terras, uma necessidade de não conservar impressões das sucessivas camadas de vida que elas deviam ter presenciado o desenvolvimento e o desaparecimento. Estes nomes tupaicos mesmo tendem a desaparecer, e todos sabem que, quando uma turma de trabalhadores, em escavações de qualquer natureza, encontra uma igaçaba, logo se apressam em parti-la, em destruí-la como cousa demoníaca ou indigna de ficar entre os de hoje. A pobre talha mortuária dos tamoios é sacrificada impiedosamente.
Frágeis eram os artefatos dos índios e todas as suas outras obras; frágeis são também as nossas de hoje, tanto assim que os mais antigos monumentos do Rio são de século e meio; e a cidade vai já para o caminho dos quatrocentos anos.
O nosso granito vetusto, tão velho quanto a terra, sobre o qual repousa a cidade, capricha em querer o frágil, o pouco duradouro. A sua grandeza e a sua antiguidade não admitem rivais.
Ainda hoje esse espírito do lugar domina a construção dos nossos edifícios públicos e particulares, que estão a rachar e a desabar, a todo instante. E como se a terra não deseje que fiquem nela outras criações, outras vidas, senão as florestas que ela gera, e os animais que nestas vivem.
Ela as faz brotar, apesar de tudo, para sustentar e ostentar um instante, vidas que devem desaparecer sem deixar vestígios. Estranho capricho...
Quer ser um recolhimento, um lugar de repouso, de parada, para o turbilhão que arrasta a criação a constantes mudanças nos seres vivos; mas só isto, continuando ela firme, inabalável, gerando e recebendo vidas, mas de tal modo que as novas que vierem não possam saber quais foram as que lhes antecederam.
Desde que as suas rochas surgiram, quantas formas de vida ela já viu? Inúmeras, milhares; mas de nenhuma quis guardar uma lembrança, uma relíquia, para que a Vida não acreditasse que podia rivalizar com a sua eternidade.
Mesmo os nomes índios, como já foi observado, se apagam, vão se apagando, para dar lugar a nomes banais de figurões ainda mais banais, de forma que essa pequena antiguidade de quatro séculos desaparecerá em breve, as novas denominações talvez não durem tanto.
Nenhum testemunho, dentro em pouco, haverá das almas que eles representam, dessas consciências tamoias que tentaram, com tais apelidos, macular a virgindade da incalculável duração da terra. Sapopemba é já um general qualquer, e tantos outros lugares do Rio de Janeiro vão perdendo insensivelmente os seus nomes tupis.
Inhaúma é ainda dos poucos lugares da cidade que conserva o seu primitivo nome caboclo, zombando dos esforços dos nossos edis para apagá-lo.
E um subúrbio de gente pobre, e o bonde que lá leva atravessa umas ruas de largura desigual, que, não se sabe por que, ora são muito estreitas, ora muito largas, bordadas de casas e casitas sem que nelas se depare um jardinzinho mais tratado ou se lobrigue, aos fundos, uma horta mais viçosa. Há, porém, robustas e velhas mangueiras que protestam contra aquele abandono da terra. Fogem para lá, sobretudo para seus morros e escuros arredores, aqueles que ainda querem cultivar a Divindade como seus avós. Nas suas redondezas, é o lugar das macumbas, das práticas de feitiçaria com que a teologia da polícia implica, pois não pode admitir nas nossas almas depósitos de crenças ancestrais. O espiritismo se mistura a eles e a sua difusão é pasmosa. A Igreja católica unicamente não satisfaz o nosso povo humilde. É quase abstrata para ele, teórica. Da divindade, não dá, apesar das imagens, de água benta e outros objetos do seu culto, nenhum sinal palpável, tangível de que ela está presente. O padre, para o grosso do povo, não se comunica no mal com ela; mas o médium, o feiticeiro, o macumbeiro, se não a recebem nos seus transes, recebem, entretanto, almas e espíritos que, por já não serem mais da terra, estão mais perto de Deus e participam um pouco da sua eterna e imensa sabedoria.
Os médiuns que curam merecem mais respeito e veneração que os mais famosos médicos da moda. Os seus milagres são contados de boca em boca, e a gente de todas as condições e matizes de raça a eles recorre nos seus desesperos de perder a saúde e ir ao encontro da Morte. O curioso - o que era preciso estudar mais devagar - é o amálgama de tantas crenças desencontradas a que preside a Igreja católica com os seus santos e beatos. A feitiçaria, o espiritismo, a cartomancia e a hagiologia católica se baralham naquelas práticas, de modo que faz parecer que de tal baralhamento de sentimentos religiosos possa vir nascer uma grande religião, como nasceram de semelhantes misturas as maiores religiões históricas.
Na confusão do seu pensamento religioso, nas necessidades presentes de sua pobreza, nos seus embates morais e dos familiares, cada uma dessas crenças atende a uma solicitação de cada uma daquelas almas, e a cada instante de suas necessidades.
A gravidade de pensamento que todo esse espetáculo provoca e as lembranças históricas que acodem fazem perguntar se a terra que não tem querido guardar na sua grandeza traços das vidas e das almas que por elas têm passado, ainda desta vez, não consentirá que fiquem vestígios, pegadas, impressões das atuais que, nela, hoje sofrem e mergulham, a seu modo, no Mistério que nos cerca, para esquecê-las soturnamente; e pensa-se isto sob a luz do sol, alegre, clara, forte e alta, que recorta no céu azul as montanhas que se alongam para tocá-lo, tal como se vê nesse lugar de Inhaúma, antiga aldeia de índios, a serra dos Órgãos, solene, soberba...
Numa das ruas desse humilde arrebalde, antes trilho que mesmo rua, em que as águas cavaram sulcos caprichosos, todo ele bordado de maricás que, quando floriam, tocavam-se de flocos brancos, morava em um barracão dona Felismina.
O "barracão" é uma espécie arquitetônica muito curiosa e muito especial àquelas paragens da cidade. Não é a nossa conhecida choupana de sapê e de paredes "a sopapos". É menos e é mais. É menos, porque em geral é menor, com muito menos acomodações; e mais, porque a cobertura é mais civilizada; é de zinco ou de telhas. Há duas espécies. Em uma, as paredes são feitas de tábuas; às vezes, verdadeiramente tábuas; em outras, de pedaços de caixões. A espécie, mais aparentada com o nosso "rancho" roceiro, possui as paredes como este: são de taipa. Estes últimos são mais baixos e a vegetação das bordas das ruas e caminhos os dissimula, aos olhos dos transeuntes; mas aqueles têm mais porte e não se envergonham de ser vistos. Há alguns com dous aposentos; mas quase sempre, tanto os de uma como de outra espécie, só possuem um. A cozinha é feita fora, sob um telheiro tosco, um puxado no telhado da edificação, para aproveitar o abrigo de uma das paredes da barraca; e tudo cercado do mais desolador abandono. Se o morador cria galinhas, elas vivem soltas, dormem nas árvores, misturam-se com as dos vizinhos e, por isso, provocam rixas violentas entre as mulheres e maridos, quando disputam a posse dos ovos.
Por vezes, no fundo, na frente ou aos lados deles, há uma árvore de mais vulto: um cajueiro, um mamoeiro, uma pitangueira, uma jaqueira, uma laranjeira; mas nenhum sinal de amanho do terreno, de tentativa de cultura, a não ser um canteirozinho com uns pés de manjericão ou alecrim. Isto às vezes; e, às vezes também, uma touceira de bananeira.
A guaxima cresce, e o capim, e a vassourinha, e o carrapicho e outros arbustos silvestres e tenazes.
O barracão de dona Felismina era de um só aposento, mas o da vizinha, dona Emerenciana, tinha dous. Eram ambos da primeira espécie. Dona Emerenciana era casada com o senhor Romualdo, servente ou cousa que o valha em uma dependência da grande oficina do Trajano. Era preta como dona Felismina e honesta como ela. Defronte ficava a residência da Antônia, uma rapariga branca, com dous filhos pequenos, sempre sujos e rotos. A sua residência era mais modesta: as paredes do seu barraco eram de taipa.
A vizinhança, ao mesmo tempo que falava dela, tinha-lhe piedade:
- Coitada! Uma desgraçada! Uma perdida!
Era bem nova ela, mas fanada pelo sofrimento e pela miséria. Com os seus vinte e poucos anos de idade, de boas feições, mesmo delicadas, a sua história devia ser a triste história de todas essas raparigas por ai...
Mal comendo, ela e os filhos; mal tendo com que se cobrir, todas as manhãs, quando saía a comprar um pouco de café e açúcar, na venda do Antunes, e, na padaria do Camargo, um pão - que lhe teria custado, quem sabe! que profunda provação no seu pudor de mulher, para ganhá-lo - não se esquecia nunca de colher pelo caminho uns "boas-noites", umas flores de melão-de-são-caetano, de pinhão, de quaresma, de manacás, de maricás - o que encontrasse - para enfeitar-se ou trazê-las nas mãos, em ramilhete.
Todos da rua dos Maricás - era este o nome daquele trilho de Inhaúma - conheciam-lhe a vida, mas com a piedade e compaixão próprias á ternura do coração do povo humilde pela desgraça, tratavam-na como outra fosse ela e a socorriam nas suas horas de maiores aflições. Só o Antunes, o da venda, com o seu empedernido coração de futuro grande burguês, é que dizia, se lhe perguntavam quem era:
- Uma vagabunda.
Dona Felismina gozava de toda a consideração nas cercanias e até de crédito, tanto no Antunes, como no Camargo da padaria. Além de lavar para fora, tinha uma pequena pensão que lhe deixara o marido, guarda-freios da Central, morto em um desastre. Era uma preta de meia-idade, mas já sem atrativo algum. Tudo nela era dependurado e todas as suas carnes, flácidas. Lavava todo o dia e todo o dia vivia preocupada com o seu humilde mister. Ninguém lhe sabia uma falta, um desgarro qualquer, e todos a respeitavam pela sua honra e virtude. Era das pessoas mais estimadas da ruela e todos depositavam na humilde crioula a maior confiança. Só a Baiana tinha-a mais. Esta, porém, era "rica". Morava em uma das poucas casas de tijolo da rua dos Espinhos, casa que era dela. Vendedora de angu, em outros tempos, conseguira juntar alguma cousa e adquirira aquela casita, a mais bem tratada da rua. Tinha "homem" em quanto lhe servia; e, quando ele vinha aborrecê-la mandava-o embora, mesmo a cabo de vassoura. Muito enérgica e animosa, possuía uma piedade contida que se revelou perfeitamente numa aventura curiosa de sua vida. Uma manhã, havia cinco ou seis anos, saindo com o seu tabuleiro de angu, encontrou em uma calçada um embrulho um tanto grande. Arriou o tabuleiro e foi ver o que era. Era uma criança, branca - uma menina. Deu os passos necessários e criava a criança, que, nas imediações, era conhecida por "Baianinha". E, ao ir ás compras na venda, o caixeiro lhe dizia por brincadeira:
- "Baianinha", tua mãe é negra.
A pequena arrufava-se e respondia com indignação:
- Negra é tu, "seu" burro!
A Baiana, porém, era "rica", estava mais distante. Dona Felismina, porém, ficava mais próximo da vida de toda aquela gente da rua. Os seus conselhos eram ouvidos e procurados, e os seus emédios eram aceitos como se partissem da prescrição de um doutor. Ninguém como ela sabia dar um chá conveniente, nem aconselhar em casos de dissídias domésticas. Detestava a feitiçaria, os bruxedos, os macumbeiros, com as suas orgias e barulhadas; mas, inclinava-se para o espiritismo, freqüentando as sessões do "seu" Frederico, um antigo colega do seu marido, mas branco, que morava adiante, um pouco acima. Além da medicina de chás e tisanas, ela aconselhava àquela gente os medicamentos homeopáticos. A beladona, o acônito, a briônia, o súlfur, eram os seus remédios preferidos e quase sempre os tinha em casa, para o seu uso e dos outros.
Certa vez salvou um dos filhos da Antônia de uma convulsão e esta lhe ficou tão grata que chegou a prometer que se emendaria.
Dona Felismina morava com o seu filho José, o Zeca, um pretinho de pele de veludo, macia de acariciar o olhar, com a carapinha sempre aparada pelos cuidados da mão de sua mãe, e também com as roupas sempre limpas, graças também aos cuidados dela.
Tinha todos os traços de sua raça, os bons e os maus; e muita doçura e tristeza vaga nos pequenos olhos que quase ficavam no mesmo plano da testa estreita.
Era-lhe este seu filho o seu braço direito, o seu único esteio, o arrimo de sua vida com os seus nove ou dez anos de idade. Doce, resignado, e obediente, não havia ordem de sua mãe que ele não cumprisse religiosamente. De manhã, o seu encargo era levar e trazer a roupa dos fregueses; e ele carregava os tabuleiros de roupa e trazia as trouxas; sem o mais pequeno desvio de caminho. Se ia á casa do "seu" Carvalho, ia até lá, entregava ou recebia a roupa e voltava sem fazer a menor traquinada, a menor escapada de criança por aquelas ruas que são mais estradas que rua mesmo. Almoçava e a mãe quase sempre precisava:
- Zeca, vai à venda e traz dous tostões de sabão "regador".
Na venda, entre todo aquele pessoal tão especial e curioso das vendas suburbanas: carroceiros, verdureiros, carvoeiros, de passagens; habitués do parati, como os há na cidade de chope; conversadores da vizinhança, gente sem ter que fazer que não se sabe como vive, mas que vive honestamente; um ou outro degradado da sua condição anterior ou nascimento - entre toda essa gente, Zeca era mais imperioso e gritava:
- Caixeiro, "mi" serve já. Dous tostões de sabão "regador"!
Se o caixeiro estava atendendo à dona Aninha, mulher do ser- vente dos telégrafos, Fortes, e não vinha atendê-lo logo, Zeca insistia, fingindo-se irritado:
- "Mi despache", caixeiro! Dous tostões de sabão "regador".
"Seu" Eduardo, o caixeiro, que era bom e habituado a suportar a insolência dos pequenos que vão às compras, fazia docemente:
- Espere, menino. Você não vê que estou servindo, aqui, a dona Aninha!
A mãe tinha vontade de pó-lo no colégio; ela sentia a necessidade disso todas as vezes que era obrigada a somar os róis. Não sabendo ler, escrever e contar, tinha que pedir a "seu" Frederico, aquele "branco" que fora colega de seu marido. Mas, pondo-o no colégio, quem havia de levar-lhe e trazer-lhe a roupa? Quem havia de fazer-lhe as compras?
À tarde, Zeca descansava, brincava com as crianças do lugar um pouco; mas, ao anoitecer, já estava perto da mãe que remendava a roupa dos fregueses, à luz do lampião de querosene, cuja fumaça enegrecia o zinco do teto do barracão.
Se bem fosse com a mãe todos os meses receber a módica pensão que o pai deixara, na Caixa dos Guarda-Freios, o seu sonho não era viver no centro da cidade, nas suas ruas brilhantes, cheias de bondes, automóveis, carroças e gente. Zeca desprezava aquilo tudo. O seu sonho era o Engenho de Dentro e o seu cinema. Ter dinheiro, para ir sempre a ele, ver-lhe instantemente as "fitas" que os grandes cartazes anunciavam e o tímpano a soar continuamente insistia no convite de vê-las. Quando sua mãe permitia, aos domingos, com outra criança ajuizada da vizinhança, ia até à estação, até lá, defronte do fascinante cinema. Encostava-se, então, à grade da estrada de ferro e ficava a olhar, no alto, minutos a fio, aqueles grandes painéis, cheios de grandes figuras, deslumbrantes na sua cercadura de lâmpadas elétricas, como se tudo aquilo fosse uma promessa de felicidade. Como atingiria aquilo? O céu talvez não fosse mais belo... Em cima dos seus tamancos domingueiros, com o terno de casimira que a caridade do coronel Castro lhe dera, e a tesoura de sua mãe adaptara a seu corpo, ele, fascinado, não pensava senão naquele cinema brilhante de luzes e apinhado de povo. Nem o apito dos trens o distraía e só a passagem dos bondes elétricos aborrecia-o um pouco, por lhe tirar a vista do divertimento. Não tinha inveja dos que entravam; o que ele queria era entrar também.
Como havia de ser uma "fita'? As moças se moviam sob luzes? Como faziam-nas grandes, parecidas? Como apareciam os homens tal e qual? As árvores e as ruas? E sem falar, como é que tudo aquilo falava?
Podia ter dinheiro para ir, pois, em geral, sempre os fregueses de sua mãe lhe davam um níquel ou outro; mas, mal os apanhava, levava-os à mãe que sempre andava necessitada deles, para a compra do trincal, do polvilho, do sabão e mesmo para a comida que comiam. Distraí-los com o cinema seria feio e ingratidão para com a sua mãe. Um dia havia de ir ao cinema, sem sacrificá-la, sem enganá-la, como mau filho. Ele não o era como o Carlos que furtava os do próprio pai...
Zeca, por seu procedimento, pela sua dedicação à mãe, era muito estimado de todos e todos lhe davam gratificações, gorjetas, balas, frutas, quando ia entregar ou buscar a roupa.
Muitos se interessavam com a mãe, para pó-lo em um recolhi- mento, em um asilo; ela, porém, embora quisesse vê-lo sabendo ler, sempre objetava, e com razão, a necessidade que tinha dos seus serviços, pois era este seu único filho o braço direito dela, seu único auxílio, o seu único "homem".
Uma vez quase cedeu. O seu" Castro, o coronel, empregado aposentado da alfândega, conhecido em Inhaúma pelo seu gênio benfazejo e seu infortúnio com os filhos e filhas, viera-lhe até à sua própria casa, até àquele barracão, naquela modesta rua, bordada de um lado e outro de sebes de maricás e de "pinhão", e expôs-lhe a que vinha. Dona Felismina respondeu-lhe com lágrimas nos olhos:
- Não posso, "seu" coronel; não posso... Como hei de viver sem ele? É ele quem me ajuda... Sei bem que é preciso aprender, saber, mas...
- Você vai lá para casa, Felismina; e não precisa estar se matando.
Titubeou a rapariga e o velho funcionário compreendeu, pois desde há muito já tinha compreendido, na gente de cor, especialmente nas negras, esse amor, esse apego à casa própria, à sua choupana, ao seu rancho, ao seu barracão - uma espécie de protesto de posse contra a dependência da escravidão que sofreram durante séculos. Apesar da recusa, o coronel Castro, em quem a idade e as desgraças domésticas tinham mais enchido de bondade o seu coração natural- mente bom, nunca deixou de interessar-se pela criança, que o penalizava excessivamente. A sua meiguice, a sua resignação, aquele árduo trabalho diário para a sua idade eram motivos para que o velho e tristonho aposentado sempre a olhasse com a mais extremada simpatia. Quando o pretinho ia à sua casa levar-lhe a sua ou a roupa das filhas, dava-lhe sempre qualquer cousa, puxava-lhe a língua, perguntava-lhe pelas suas necessidades.
Certo dia, em começo do ano, o pequeno Zeca chegou-lhe em casa com a fisionomia um tanto transtornada. Parecia ter chorado e muito. O coronel, homem para quem, como disse um sábio, não havia nada insignificante e desprezível que pudesse causar dor ou prazer à mais humilde criatura, que não merecesse a atenção do filósolo - o coronel interrogou-o sobre o motivo de sua mágoa.
- Foi tua mãe?
- Não, "seu" coronel.
- Que foi, então, Zeca?
O pequeno não quis dizer e não cessava de olhar o chão, de encará-lo, de cravá-lo, de cavá-lo, de enterrar toda a sua vida nele. Zeca estava na varanda de uma velha casa de fazenda, como ainda as há muito por lá, varanda em parapeito e colunas, no clássico estilo dessas velhas habitações; o coronel nela também estava lendo os jornais, na cadeira de balanço, e só deixara a leitura quando avistou o pequeno que subia a ladeira com o tabuleiro de roupa à cabeça.
A atitude do pequeno, a sua recusa em confessar o motivo do seu choro e o seu todo de desalento fizeram que o velho funcionário, já por ternura natural, já por bondosa curiosidade, procurasse a causa da dor que feria tão profundamente aquela criança tão pobre, tão humilde, tão desgraçada, quase miserável.
- Dize, Zeca. Dize que eu te darei uma vestimenta de "diabinho" no Carnaval que está aí.
O pretinho levantou a cabeça e olhou com um grande e brusco olhar de agradecimento, de comovido agradecimento àquele velho de tão belos cabelos brancos.
Confessou; e Castro nada disse a ninguém da humilde e ingênua confissão do pretinho Zeca.
Aproximou-se o Carnaval; e, quando foi sábado, véspera dele, dona Felismina retirou mais cedo dos arames a roupa branca que estivera a secar.
Atarefada com esse serviço, ela não viu que o seu filho entrara-lhe pelo barracão adentro, sobraçando um embrulho guizalhante e um outro, com rasgões no papel, por onde saíam recurvados chifres e uma formidável língua vermelha. Era uma horrível máscara de "diabo".
Dona Felismina veio para o interior do barracão; e pós-se a arrumar a roupa seca ou corada. Zeca, distraído, no outro extremo do aposento, não a viu entrar e, julgando-a lá fora, desembrulhou os apetrechos carnavalescos. Sobre a humilde e tosca mesa de pinho estendeu uma rubra vestimenta de ganga rala e uma máscara apavorante de olhos esbugalhados, língua retorcida e chifres agressivos, apareceu tão amedrontadora que se o próprio diabo a visse teria medo.
A mãe, ao barulho dos guizos, virou-se, e, vendo aquilo, ficou subitamente cheia de más suspeitas:
- Zeca, que é isso?
Uma visão dolorosa lhe chegou aos olhos, da casa de detenção, das suas grades, dos seus muros altos... Ah! meu Deus! Antes uma boa morte!... E repetiu ainda mais severamente:
- Que é isso, Zeca? Onde você arranjou isso?
- Não... mamãe... não...
- Você roubou, meu filho?... Zeca, meu filho! Pobre, sim; mas ladrão, não! Ah! meu Deus!... Onde você arranjou isso, Zeca?
A pobre mulher quase chorava e o pequeno, transido de medo e com a comoção diante da dor da mãe, balbuciava, titubeava e as palavras não lhe vinham. Afinal, disse:
- Mas... mamãe... não foi assim...
- Como foi? Diz!
- Foi "seu" Castro quem me deu. Eu não pedi...
Dona Felismina sossegou e o pequeno também. Passados instantes, ela perguntou com outra voz:
- Mas para que você quer isso? Antes tivesse dado a você umas camisas... Para que essas bobagens? Isso é para gente rica, que pode. Enfim...
- Mas, mamãe, eu aceitei, porque precisava.
- Disto! Ninguém precisa disto! Precisa-se de roupa e comida... Isto são tolices!
- Eu precisava, sim senhora.
- Como, você precisava?
- Não lhe contei que há meses, diversas vezes, quando passava, para ir à casa de dona Ludovina, diante do portão do capitão Albuquerque, os meninos gritavam: ó moleque! - ó moleque! - o negro! - ó gibi!? Não lhe contei?
- Contou-me; e daí?
- Por isso quando o coronel me prometeu a fantasia, eu aceitei.
- Que tem uma cousa com a outra?
- Queria amanhã passar por lã e meter medo aos meninos que me vaiaram.