domingo, 25 de janeiro de 2009

Bolívia vota hoje Constituição que causou convulsão no país

Se Carta for aprovada, Evo Morales concorrerá à reeleição em dezembro deste anoEm 2008, conflitos em torno de projeto deixaram 13 mortos; igrejas fizeram campanha contra Carta, que julgam abrir brecha a aborto
Com a memória viva da aguda crise política e de violentos confrontos no ano passado, cerca de 3,8 milhões de bolivianos irão novamente às urnas hoje para decidir sobre a aprovação do projeto de Constituição impulsionado por Evo Morales. A proposta amplia a presença do Estado na economia, aumenta os direitos da população indígena, estabelece diversos tipos de autonomia e introduz a reeleição presidencial.Caso a tendências das pesquisas de opinião seja confirmada, a Bolívia deverá aprovar a sua 16ª Constituição desde 1825, quando a primeira Carta do país foi promulgada pelo libertador Simón Bolívar.Um dos pilares da "refundação" da Bolívia proposta por Morales, o projeto de Constituição diz, em sua introdução, que "deixamos no passado o Estado colonial, republicano e neoliberal. Assumimos o desafio histórico de construir coletivamente o Estado Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário".Para chegar até o referendo de hoje, a Bolívia atravessou uma jornada dramática e violenta. Em dezembro de 2007, após mais um ano de paralisação, a bancada governista da Assembleia Constituinte aprovou a Carta sem a oposição e longe da sede, a cidade de Sucre, onde protestos deixaram três oposicionistas mortos e dezenas de feridos.Ao longo do ano passado, departamentos governados pela oposição promoveram referendos para aprovar espécies de Constituições regionais outorgando mais autonomia em relação ao poder central. Em setembro, a tensão culminou num violento confronto no departamento de Pando, com um saldo de 13 mortos, a maioria camponeses pró-Morales.O ambiente de confronto arrefeceu em outubro, quando a oposição e o governo chegaram a um acordo no Congresso, no qual Morales concordou em disputar apenas uma nova eleição sob a nova Carta. As eleições gerais foram marcadas para dezembro deste ano, meio termo entre os governistas, que a queriam em julho, e a oposição, que defendia o fim de 2010.Com o acordo, Morales, no poder há três anos, tem o direito de se candidatar mais uma vez, podendo ficar na Presidência da Bolívia até 2014.Ao todo, mais de 100 dos 411 artigos foram modificados, em temas como o aumento das autonomias departamentais.Polêmica religiosaNas últimas semanas de campanha eleitoral, que ocorreu sem maiores distúrbios, o principal tema girou em torno de crítica de grupos religiosos. Porta-vozes católicos reclamaram da retirada de menção à sua religião da Carta, enquanto líderes protestantes afirmaram que o texto, ao mencionar vagamente "direitos sexuais e reprodutivos", abria a porta para a aprovação do casamento homossexual e do aborto."Que leiam diante do povo em qual artigo se legaliza o aborto. Nós somos os maiores defensores da vida", disse Morales num dos diversos momentos em que refutou críticas envolvendo temas familiares.Analistas bolivianos têm coincidido em que, se aprovada, a nova Constituição precisará de cerca de cem leis para entrar em vigor. A regulamentação inclui temas espinhosos, como o das autonomias, a criação de sistema judiciais nos 32 povos indígenas e, o mais urgente, um código eleitoral para as eleições gerais de dezembro.Um dos caminhos propostos é a regulamentação de todas as leis pelo atual Congresso, cujo Senado é dominado pela oposição a Morales, mas governistas querem que o atual Parlamento faça apenas o mínimo necessário -no caso, o código eleitoral.Já o presidente tem ameaçado regulamentar tudo por meio de decretos.
FABIANO MAISONNAVE. ENVIADO ESPECIAL A POTOSÍ
São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009.

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