Descobrindo uma vocação
Crescimento político e racial
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Realidade em cotas
ROSE CAMPOS
O interesse que Juliana Franco Alves, de 26 anos, sempre demonstrou pelas palavras a fez pensar, durante a adolescência, em se tornar jornalista. Com este objetivo, se desdobrou para conseguir estudar, trabalhando de dia para pagar as aulas noturnas do cursinho pré-vestibular. Seu objetivo era cursar faculdade pública. Para ela, era questão de justiça social, pois a vida toda havia estudado em escola pública. Na época, no entanto, nem imaginava que pudesse se beneficiar das cotas universitárias. Acabou se deparando com esta oportunidade por acaso e foi também quase ao acaso que acabou cursando Letras. "Fiz a opção pela proximidade do curso com a área de jornalismo", diz. Foi a partir daí que a paulista de Americana, em São Paulo, descobriu a paixão pelo universo literário. Tinha então, 21 anos, quando passou no processo seletivo de 2004 e ingressou na Universidade Estadual de Londrina. Juliana se aproximou também do Programa Integrado de Ações Afirmativas para Negros (Brasil Afroatitude), que resulta de uma parceria entre o Ministério da Saúde e universidades que possuem Programa de Ação Afirmativa para negros. "Acabei descobrindo a riqueza da poesia oral, que vem das nossas tradições africanas. Encontrei a cultura afro-brasileira, que é muito rica, criada e recriada pela voz e que vem das histórias contadas de geração em geração. Juliana já se formou e se dedica agora aos estudos de mestrado. E o prazer obtido com os novos conhecimentos lhe deram um outra visão de carreira e prazer profissional. "Hoje sei o valor que tem a profissão de professor. Acho que é uma das missões mais bonitas em nossa sociedade e me preparar para lecionar se tornou meu grande objetivo de carreira. Quero lecionar na universidade pública e contribuir para colorir cada vez mais o ambiente acadêmico, que se diversificou com o acesso proporcionado pelas cotas", afirma.
A advogada Allyne Andrade e Silva não poderia imaginar quando começou a cursar Direito na UERJ, em 2005, que os estudos a levariam tão longe. Um ano antes de terminar o curso de graduação - concluído em dezembro de 2009 - ela fez intercâmbio internacional em Kobe, no Japão, como bolsista de uma associação privada japonesa. A concorrência foi grande e, ao fim do processo seletivo, 14 estudantes de várias regiões do país competiam por três vagas. Allyne conquistou uma delas e foi para a terra do sol nascente estudar Relações Internacionais e Direito Internacional. "Além do curso específico, aprendi japonês e pude aprimorar o inglês. Amadureci muito também como pessoa", avalia.
Já formada, passou por um processo seletivo rigoroso para conseguir uma bolsa de estudos oferecida pelo Ministério das Relações Exteriores e CNPq a afrodescentes que querem atuar na área diplomática. "Não é um programa de cotas, como o que me permitiu entrar na faculdade, mas uma bolsa de R$ 25.000,00 anuais, que me permite fazer o caro curso preparatório para a prova de diplomacia", revela. O Brasil tem pouquíssimos diplomatas negros, o que acaba gerando o questionamento de vários países, principalmente os africanos, sobre nossa representação. Bolsas como a que Allyne conquistou são importante incentivo para que esta realidade comece a mudar. "Ser estudante de cotas teve grande impacto em meu crescimento político e consciência racial. Eu já fazia parte de movimentos sociais, mas hoje faço uma leitura muito mais ampla desse papel". Para a advogada, mais que as ações afirmativas que estimulam a entrada de negros e dos menos favorecidos em cursos universitários, os cursos pré-vestibulares comunitários têm grande relevância, como a Educafro, em que ela atuou como coordenadora. Ser a primeira pessoa da família ou da comunidade a entrar na faculdade também traz um valor simbólico, pois serve de exemplo e estimula outras pessoas a trilharem caminhos semelhantes. "A universidade também ganha, pois a diversidade racial e social muda, dinamiza e enriquece a produção do saber universitário", conclui.
Apresentação
Ana Flávia Magalhães Pinto
Muitos são os lugares a partir dos quais as/os pensadoras/os negras/os têm apresentado suas reflexões sobre experiências individuais e coletivas de africanos e afrodescendentes no mundo ao longo do tempo. Ancoradas em tradições também diversas de produção de conhecimento, essas pessoas têm levado a cabo um esforço legítimo, quando não urgente, de garantir a vitalidade de expressões do pensamento crítico e comprometido com a defesa da liberdade e a luta por equidade em todos os espaços sociais.
Inserida nesse campo de ação, a Revista da ABPN, em seu segundo número, apresenta um conjunto de artigos nos quais se discute desde a afirmação de epistemologias negras até a operacionalização de propostas de superação do racismo e outras formas associadas de discriminação. Com efeito, as vozes que emergem desses escritos dão mostras, mais uma vez, da fortuna crítica construída por intelectuais negras/os nos últimos anos.
O artigo de Gislene Aparecida dos Santos, que abre a coletânea, parte da necessidade de se reconhecer a experiência da racialização como dado constitutivo das estruturas de pensamento, argumentando sobre os limites filosóficos do racionalismo moderno. A autora nos convida a pensar sobre a importância dos saberes produzidos cotidianamente, a fim de que esses possam ser deslocados da periferia para o centro das reflexões sobre a produção de conhecimento.
João Costa Vargas, dando força à proposta de Santos, avança nesse terreno por meio de dados empíricos e enfrenta o debate sobre os limites e as potencialidades da libertação na Diáspora Negra, tendo como referência a atuação de grupos de ativistas no Brasil e nos EUA. A Diáspora Negra, com efeito, é entendida como espaço estratégico do genocídio antinegro e, ao mesmo tempo, como um território disponível para o desenvolvimento de ações que deem conta da "urgência de sobrevivência" dos povos negros. Por sua vez, o artigo de Dalila Fernandes de Negreiros nos possibilita, a partir dos estudos em Geografia sobre desterritorialização, entender melhor o conceito de Diáspora Negra em sua dimensão emancipatória.
Em outra frente, as lutas por liberdades são relembradas por Geri Augusto que, na ocasião do 50º aniversário do Comitê Não-Violento de Coordenação Estudantil (SNCC), neste ano, apresentou pela primeira suas recordações pessoais sobre os processos de luta pelos direitos civis nos EUA nos anos 1960. A autora faz referência às práticas educacionais negras no âmbito da chamada Black Education, bem como ilumina a atuação de uma série de intelectuais-ativistas que, embora anônimos, tiveram importância fundamental.
Outros questionamentos sobre as práticas de cerceamento de direitos e racismo contra negros, numa perspectiva historiográfica, são abordados por Luísa Gonçalves Saad no artigo "Medicina Legal: o discurso médico, a proibição da maconha e a criminalização do negro", que demonstra como os discursos sobre proibição do uso de drogas aceitas até o fim do século XIX se valeram de representações negativas a respeito das populações negras nas Américas no pós-abolição.
Isabel Cristina Ferreira dos Reis recua um pouco no tempo para tratar da constituição das famílias negras no período escravista. Mediante o reconhecimento da proximidade entre os mundos da escravidão e da liberdade, a autora extrapola os limites dos estudos feitos a partir da idéia de família escrava e demonstra como africanos e seus descendentes tanto desenvolveram laços afetivo-familiares quanto se esforçaram para mantê-los.
Já Erly Guedes Barbosa e Silvano Alves Bezerra da Silva investem na análise das representações veiculadas por revistas femininas sobre as mulheres e iluminam como esses meios de comunicação têm reproduzido formas discursivas que alimentam o racismo e o sexismo na atualidade. Relativamente próximo a esse debate está a discussão apresentada por Edilene Machado Pereira e Vera Rodrigues sobre seletividade afetiva entre mulheres e homens negros, num estudo comparativo das realidades de Salvador e Porto Alegre.
A literatura e a expressão escrita de escritores afro-brasileiros desde o século XIX é o tema do artigo de Florentina Souza, que busca registrar a produção desses sujeitos que não apenas foram interpelados, como problematizaram a dinâmica de racialização e racismo em suas respectivas obras. Outra importante contribuição é oferecida por José Endoença Martins que, a partir das categorias "negrice", "negritude" e "negritice", desenvolve uma crítica literária capaz de reconhecer e dialogar com as experiências contraditórias dos personagens presentes nos romances O Mundo se Despedaça, do literato nigeriano negro Chinua Achebe, e Chorai, Pátria Amada, de Alan Paton, escritor branco sul-africano.
Os dois últimos artigos deste número tratam de questões relativas à interface entre Direito e Educação. Luiz Fernando Martins da Silva apresenta um balanço das lutas recentes por legitimação das ações afirmativas. O autor recupera criticamente os instrumentos jurídicos nacionais e internacionais ratificados pelo Estado brasileiro para, então, demonstrar a compatibilidade entre as políticas de ação afirmativa e de cotas para negros e Constituição do país. Por fim, Edwilson da Silva Andrade e Ilzani Valeira dos Santos expõem os resultados de sua pesquisa sobre as estratégias de formação continuada dos estudantes de Pós-Graduação Lato Sensu do curso Relações Étnico-Raciais e Educação no Cefet/RJ.
Desejamos a todas/os bons momentos de leitura!
Revista da ABPN
Volume 1, número 2, julho-outubro de 2010 - ISSN 2177-2770
Sumário
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Revista ABPN - Periódico Multidisciplinar, Quadrimestral - ISSN 2177-2770
Campus Universitário Darcy Ribeiro - Brasil
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FONTE: http://www.abpn.org.br/Revista/index.php/edicoes