terça-feira, 27 de outubro de 2009

Almirante Negro volta às livrarias

Domingo, 25 de Outubro de 2009 | Versão Impressa

Almirante Negro volta às livrarias

Livro deu nome à ''revolta da chibata''

"Há muito tempo nas águas da Guanabara/o Dragão do Mar reapareceu." Foi necessário meio século para que esse episódio, a rebelião de 1910 dos marinheiros contra os castigos físicos, descrita metaforicamente no samba iniciado por esses versos - O Mestre-Sala dos Mares, de João Bosco e Aldir Blanc -, ganhasse nome e livro definitivos e mais 50 anos para chegar à quinta edição.

Editado pela primeira vez em 1959, A Revolta da Chibata, do jornalista Edmar Morel (1912-1989), será relançado amanhã, no Rio, pela Editora Paz e Terra, com 384 páginas e organizado pelo neto do autor, o jornalista e pós-doutor em história Marco Morel, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O trabalho traz novidades, como as memórias do líder João Cândido, que estavam perdidas.

"As memórias tinham sido publicadas em 1912 e 1913 na Gazeta de Notícias, mas, na coleção da Biblioteca Nacional, faltavam esses exemplares. Localizamos os jornais na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo", relata Marco. A nova edição - as anteriores foram em 1959, 1963, 1979 e 1986 - incorpora a ficha de João Cândido na Marinha, revelada em 2008, e notas, que ajudam na contextualização dos fatos, além de fotos dos rebelados.

O movimento envolveu mais de 2,3 mil marinheiros, a maioria negros e mulatos pobres, nos navios Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro, na Baía de Guanabara, de 22 a 27 de novembro de 1910. Edmar o batizou de Revolta da Chibata. A frota naval do Brasil, na época, era a terceira maior do mundo, o que ajudou a dar peso à rebelião.

Alguns marujos, como o próprio João Cândido, tinham acompanhado a construção de um dos navios, o Minas Gerais, no estaleiro Vickers-Armstrong, em New Castle, na Inglaterra, aprendendo a manobrá-lo. Isso foi fundamental para o sucesso inicial.

A rebelião foi desencadeada pelo castigo imposto ao marinheiro Marcelino Rodrigues Meneses: 250 chibatadas no Minas Gerais, cujo comandante, capitão-de-mar-e-guerra Batista da Neves, foi morto, assim como outros oficiais e alguns marujos.

No primeiro dia, os marinheiros enviaram manifesto ao presidente Hermes da Fonseca reivindicando o fim do chicote, aumento de soldo e demissão dos oficiais "indignos". Uma anistia encerrou a revolta, mas, dias depois, foi revogada. Muitos revoltosos foram expulsos, presos, torturados, fuzilados. João Cândido foi parar no Hospital de Alienados.

"As pessoas sofriam perseguições por escrever sobre a revolta", conta Morel. Após o golpe de 64, ele próprio teve direitos cassados. "Meu avô não conseguia emprego nas redações dos grandes jornais e recebia ameaças por telefone e por carta", conta Marco.

Em 2008, o presidente Lula sancionou a anistia a João Cândido e os companheiros.Uma estátua do líder da rebelião saiu dos jardins do Museu da República, no Rio, e foi para a Praça XV. Uma proposta da indenização aos descendentes, contudo, foi vetada e, na Marinha, ainda há animosidade. Quase 40 anos após a morte de João Cândido (1969), o Almirante Negro permanece maldito.




http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091025/not_imp456027,0.php

Pode o britânico Nick Griffin imitar Le Pen?

Líder da extrema-direita esteve pela primeira vez num programa de grande audiência

Pode o britânico Nick Griffin imitar Le Pen?

24.10.2009 - 11:49 Por Ana Fonseca Pereira


Um em cada sete britânicos ligou a televisão quinta-feira à noite para ver o líder da extrema-direita garantir que teria o apoio de Winston Churchill, se o antigo primeiro-ministro fosse vivo. Na mais vista (e também mais polémica) edição de sempre do Question Time, Nick Griffin esteve sob o fogo cerrado da plateia, do moderador e dos restantes convidados do conhecido programa da BBC e ontem a imprensa foi unânime a destacar o seu fraco desempenho. Mas opositores e analistas dizem que o partido só tem a ganhar com a exposição mediática, à semelhança do que aconteceu com a extrema-direita francesa.

Kieran Doherty/Reuters





Com o Television Center da BBC, em Londres, sitiado por centenas de manifestantes antifascistas, o líder do Partido Nacional Britânico (BNP) teve de entrar pelas traseiras do edifício e o apupo que ouviu ao chegar ao estúdio foi suficiente para perceber que continuava em ambiente hostil.

Mas na sua primeira participação num programa de grande audiência, Griffin esteve igual a si mesmo. Durante 60 minutos acusou o islão de "não se enquadrar nos valores fundamentais da sociedade britânica", disse ser "assustador" que dois homens se beijem na rua e elogiou o antigo líder do Ku Klux Klan David Duke, que definiu como um homem "quase totalmente não violento" - gerando gargalhadas na plateia e a indignação da escritora afro-americana Bonnie Greer, sentada a seu lado.

"Não sou nazi"
Na mesa estavam também dirigentes dos três principais partidos, incluindo o ministro da Justiça, Jack Straw, mas toda a atenção esteve centrada no BNP, que se opõe a "qualquer forma de integração racial entre britânicos e não europeus". "Não sou nazi, nem nunca fui", reagiu Griffin, apostado em descolar o partido da imagem de violência. Esforços que lhe valeram um milhão de votos nas eleições de Junho e a eleição de dois eurodeputados.

Recusou, por isso, explicar declarações antigas sobre o Holocausto e disse que Churchill - várias vezes citado na propaganda do partido - foi o primeiro a alertar para "os perigos do fundamentalismo islâmico" e da "imigração em massa". Acusou ainda a "elite política" de, a pretexto do multiculturalismo, "prejudicar a população branca" britânica. "Aqui os aborígenes somos nós", sublinhou.

"A grande maioria desta plateia considera aquilo que o senhor defende completamente repugnante", lançou um jovem negro, muito aplaudido, enquanto outro de origem asiática o acusou de querer expulsar todos os que não sejam brancos: "Ficaria surpreendido com a quantidade de pessoas que participariam numa "vaquinha" para lhe comprar um bilhete sem regresso para o Pólo Sul."

Mudo às provocações, o líder do BNP só ontem reagiu, acusando a BBC de o ter colocado perante uma "multidão de linchamento". "Aquela plateia foi tirada de uma cidade que já não é britânica", argumentou, dizendo que Londres foi sujeita a uma "limpeza étnica" e é hoje "dominada por minorias".

Questionado sobre a avaliação que os jornais fizeram do seu desempenho - o "Times" escreveu que o líder do BNP "mostrou que, mais do que ser um nazi temível, é um maluquinho" -, Griffin disse que "o julgamento cabe aos britânicos".

Já a BBC, acusada pela esquerda de dar voz a um racista, argumentou que os oito milhões de telespectadores (a maior audiência em 30 anos de programa, visto semanalmente por dois a três milhões de pessoas) "mostra claramente o interesse do público em ver políticos eleitos serem escrutinados pelo próprio público".

Efeitos de longo prazo
Mal acabou o programa, Straw disse que esta "foi uma semana catastrófica para o BNP" e Chris Huhne, que representou os liberais-democratas, afirmou que a credibilidade de Griffin "ficou seriamente afectada".

Mas há quem discorde. Peter Hain, ministro para o País de Gales, acusou a BBC de ter dado ao BNP "o maior presente da sua lamentável história" e Diane Abbott, a primeira mulher negra eleita para o Parlamento, avisou que "as pessoas que se sentem atraídas pelo BNP vão dizer que ele foi uma vítima". Também Ivor Gaber, professor de Ciência Política na City University de Londres, acredita que o formato do programa "despertou a tradicional simpatia pelos perdedores" e isso beneficiará o BNP a longo prazo.

E vários comentadores compararam o polémico Question Time à entrevista que, em 1984, Jean Marie Le Pen deu ao programa L"Heure de la Vérité, da televisão francesa. Logo após a difusão, as intenções de voto na Frente Nacional (FN) duplicaram e nas eleições europeias seguintes a extrema-direita conseguiu 11 por cento das preferências.

Le Pen, segundo mais votado nas presidenciais de 2002, recorda que aquele foi um "marco" na implantação da FN e ontem, em declarações ao "London Evening Standard", disse acreditar que o BNP sairá reforçado com a exposição mediática: "Todos os partidos políticos são marginais antes de se tornarem importantes."






http://www.publico.clix.pt/Mundo/pode-o-britanico-nick-griffin-imitar-le-pen_1406680

Lobato, eterno Lobato Monteiro Lobato não tinha obras preconceituosas

As qualidades de Lobato

Para a professora da Unicamp Marisa Lajolo, Monteiro Lobato não tinha obras preconceituosas. E mais: o autor é pouco explorado em outras mídias, como TV e web

Mais sobre "Literatura"

O Diário - As obras de Lobato ainda atraem os jovens leitores, principalmente aqueles dos grandes centros urbanos que não estão acostumados com o ambiente rural das histórias de Lobato?

Marisa Lajolo - Acho que sim. Não podemos esquecer que está na moda o turismo rural, está na moda a música country, o rodeio... Por outro lado, a obra infantil do Lobato não é só o ambiente rural. O sítio é só ponto de partida para as mais desvairadas aventuras. Eles vão para o espaço sideral, eles vão para Saturno, eles vão para a Lua visitar São Jorge, vão para a Grécia Antiga. A obra de Lobato, por um lado, tem cenários que são rurais e, por outro lado, tem cenários que são contemporâneos. “A Chave do Tamanho”, que é um dos meus preferidos dele, é uma obra que fala de um mundo no pós-guerra, então é uma obra que discute, com uma competência muito grande e feito para crianças, a questão da violência, a questão da paz, da reconstrução do mundo. Eu acho que ele tem diálogo com as crianças de hoje.


O Diário - Quais são as maiores qualidades da obra do Monteiro Lobato?

Marisa Lajolo - Acho que a maior qualidade da obra do Monteiro Lobato é o respeito que ele tem pelo leitor dele. Ele é um escritor que trata a criança como um ser inteligente e é por isso que a obra dele não é só para criança, é para leitores inteligentes, interessados em discutir o Brasil, em discutir o mundo em que vivem. Lobato é um escritor que renovou a linguagem literária, um escritor muito coloquial, muito irônico.


O Diário - Uma crítica muito frequente à obra de Lobato é a presença de racismo em seus livros e personagens. Como você vê essas críticas?

Marisa Lajolo - Lobato nunca endossa a linguagem racista e preconceituosa dos personagens quando os personagens manifestam esse comportamento. O narrador é sempre crítico dessa atitude. Eu acho que, hoje em dia, as pessoas discutem um pouco isso pela moda de ser politicamente correto. Mas eu acho que Lobato é um homem de seu tempo. Se toda a obra que manifesta e que registra atitudes racistas fosse banida, toda literatura brasileira estaria banida. Em toda literatura, existem escravos, existem senhores, negros maltratados. Eu acho que a questão é o ponto de vista do narrador frente a isso e Lobato é irrepreensível neste ponto.


O Diário - Existe também a maneira como o leitor interpreta o livro.

Marisa Lajolo - Eu acho que a função do narrador é mais ou menos pilotar o leitor. Em última análise o leitor é senhor de sua leitura, mas o bom narrador sabe encaminhar a discussão e Lobato sabia encaminhar sempre em termos de igualdade, de respeito ao próximo.


O Diário - Os livros de Lobato já sofreram muitas adaptações para outras mídias. Como você vê a qualidade dessas adaptações?

Marisa Lajolo - Uma das coisas interessantes nesse livro “Monteiro Lobato Livro a Livro” é que mostra que Lobato mexia em sua obra o tempo todo. Se você ler a primeira edição de “O Saci”, lê uma versão diferente da segunda edição. Eu quero dizer com isso que todas as transcrições da obra de Lobato para outras mídias seriam extremamente bem vistas por ele. Eu vejo com muita simpatia essas transcrições de Lobato para outras linguagens. O quadrinho, a televisão, o cinema. Acho até que ele foi pouco explorado. Talvez existam outras linguagem em que o Lobato ainda possa encontrar novos leitores, como blogs, ciber fictons e por aí vai.


O Diário - A senhora acha que essas adaptações para outras mídias, como teve “O Sítio do Pica Pau Amarelo” para a TV (Rede Globo), podem atrair novos leitores
para a obra de Lobato ou justamente o contrário: fazer com que eles se afastem, por já conhecerem a história?

Marisa Lajolo - Eu acho que não tem muita resposta para essa pergunta. Eu acho que a leitura não ocorre nesse ambiente do leitor que lê e diz “já li e não vou ler mais”. Eu acho que a leitura é um gesto mais coletivo e você tem os mediadores de leitura. E acho até que a obra do Lobato, por ter sempre um mesmo grupo de personagens, cria uma fidelidade do leitor. Nesse sentido, os quadrinhos, as séries criam essa fidelidade do leitor. Atualmente, todo mundo está discutindo um livro do Pedro Bandeira que vai passar para o cinema, feito pela Xuxa, “O incrível mistério de Feiurinha”, e isso alavanca as vendas dos livros da Feiurinha. Eu acho que, atualmente, as diferentes mídias se alimentam mutuamente de uma forma bastante interessante de uma perspectiva de mercado.


O Diário - Falando em mercado, a literatura infantil é um dos setores com maior número de lançamentos na indústria livreira e muitos com qualidade literária, mas somente 54% dos brasileiros são leitores. A senhora acha que esse índice tende a crescer com esse investimento na literatura infantil?

Marisa Lajolo - Acho que tende a crescer, porque tem um investimento governamental muito grande na compra de livros. O governo é o grande consumidor de livros infantis no Brasil. O mercado de livros infantis só perde para o de didáticos e o de auto-ajuda, mas o consumo desses livros é um consumo imediato para as escolas. Então, acho que a indústria livreira vai bem, obrigada.


O Diário - E a família tem a concepção de que é importante incentivar a leitura junto aos filhos?

Marisa Lajolo - Existem famílias e famílias. As famílias que têm uma familiaridade com a cultura letrada têm essa preocupação. Agora, a grande maioria da população brasileira é uma população que só nos últimos dez ou quinze anos chegou a ter uma escolarização. Eu acho que a família é parceira da escola, mas a grande responsável pelas condições de leitura, nas condições brasileiras atuais, é a escola.


http://www.odiariomaringa.com.br/noticia/228561

OJB - ONGs acusam Dobbs de racista e tentam retirá-lo do ar

OJB - ONGs acusam Dobbs de racista e tentam retirá-lo do ar

BOSTON - Organizações civis latinas que defendem as causas imigrantes fizeram na terça-feira, 20, nas escadarias da State House, em Boston, um ato público chamado de 'Basta Dobbs', reivindicando a retirada do ar dos programas de rádio e TV do apresentador da CNN Lou Dobbs. As ONGs alegam que os comentários anti-imigrantes veiculados por ele, sobretudo contra os hispânicos, podem desencadear uma onda de discriminação em massa no país.
O movimento está sendo realizado por todo os Estados Unidos e em Massachusetts capitaneado por seis organizações hispânicas. O diretor-executivo da ONG Assistência Total, Carlos da Silva, foi a única representação brasileira no local.
"A gente não pode virar as costas para o que uma pessoa está fazendo contra imigrantes como nós. Temos que saber dividir essa responsabilidade porque amanhã o ataque pode ser contra nós, brasileiros", disse Silva. "Não há mais espaço para pessoas como Dobbs nas TVs, assim como não podemos ficar calados a ataques que vão desde a venda de uma fantasia anti-imigrante numa rede de lojas como a Target até um apresentador de televisão e rádio que se julga acima ou melhor que os outros", concluiu o dirigente da Assistência Total.
O escritor e ativista de Nova York Roberto Lovato, um dos organizadores do movimento, disse que 'o objetivo é convencer a CNN a retirar do ar o programa Lou Dobbs Tonight'. O movimento Basta Dobbs reúne aproximadamente 40 organizações latinas de 25 cidades, incluindo Nova York, Los Angeles e Boston.
"Nos concentramos em Dobbs porque ele, mais que qualquer outra pessoa nos meios de comunicação, tem perseguido com mais violência os imigrantes, principalmente os latinos", disse Lovato, lembrando que o apresentador de 68 anos se refere aos imigrantes como invasores. "Ele é o homem mais perigoso para os latinos em todo os Estados Unidos", concluiu o escritor.
Os comentários de Dobbs são baseados em fortes opiniões pessoais e seus alvos são os mais diversos. Em julho deste ano chegou a questionar a legitimidade da cidadania do presidente Barack Obama.
Em 2005, Dobbs assegurou no ar "que a invasão dos imigrantes ilegais seria prejudicial à saúde dos americanos", citando casos de lepra no país como exemplos. Em outra ocasião, falou sobre um suposto plano mexicano de retomar o sul dos Estados Unidos.
"Ele pode está desencadeando um grande movimento de discriminação com esses depoimentos descabidos", disse Silva.
E Lovato completou: "As mensagens de Dobbs incitam muitos seres humanos contra os latinos. Não podemos permitir este tipo de sentimento. É hora de dizer 'basta'."

http://www.ojornal.com/site/news.cfm?BRD=2677&dept_id=543384&newsid=20381761&PAG=461&rfi=9

Terceiro Mundo, quando convém

domingo, 25 de outubro de 2009, 01:14 | Versão Impressa

Terceiro Mundo, quando convém

Mas autoimagem favorita deixa o Brasil profundamente confuso

Hans Ulrich Gumbrecht*

Pouquíssimos lugares no mundo, imagino, não ficaram felizes com a eleição do Brasil para sede dos dois próximos megaeventos atléticos, a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Acredito até que as nações que foram rivais do Brasil nessas competições possam facilmente viver com suas derrotas - pois parece ser o sintoma de um altíssimo grau de desenvolvimento social que segmentos crescentes da população prefiram calma e segurança à excitação, à visibilidade internacional e ao orgulho nacional proporcionados pela Copa do Mundo e a Olimpíada. Visto dessa perspectiva, o Brasil é muito mais patriótico à moda antiga que Estados Unidos, Japão e até mesmo Espanha. E isso me agrada bastante.


Veja também:
link
No fogo cruzado da guerra alheia
linkO risco de vestir a faixa de a mais feliz do mundo
link
De que serve esta onda que quebra

Mas embora amplos segmentos das sociedades americana, japonesa ou espanhola possam estar aliviados por evitar o estresse diário decorrente desses megaeventos, muitas outras nações ficaram num ânimo comemorativo quando o Brasil, aparente azarão, foi escolhido: não foi novamente uma cidade europeia (após Londres em 2012 e Barcelona em 1992); não a muito rica e aparentemente consumista Tóquio; e, sobretudo, não foi Chicago e os Estados Unidos, que, a despeito de seu presidente afro-americano internacionalmente muito popular, continuam fazendo o papel de bode expiatório do pacifismo internacional e de qualquer outro tipo de autocrítica ocidental. Quem, por contraste, não adoraria o Brasil, lar do samba e do mais exuberante carnaval; o Brasil, a nação dos mais habilidosos e elegantes jogadores de futebol; o Brasil que afirma nunca ter sido racista e cujo "rei" secular é, aliás, um astro negro do futebol do passado; o outrora conflagrado Brasil, a nação que reconquistou a liberdade e valores democráticos das trevas de um governo militar repressivo.

Todos no planeta capazes de ler ou ao menos assistir TV, incluindo os que não estão muito seguros de encontrar o Brasil num mapa do mundo, estão apaixonados por essa imagem do Brasil - que, é claro, é a imagem de um país do Terceiro Mundo. Os problemas só surgem do fato de que ninguém fica mais contente de se fingir de país do Terceiro Mundo que a própria classe média brasileira e os próprios políticos brasileiros. Ou, mais precisamente: embora os intelectuais brasileiros e a classe média à qual pertencem cultivem uma pretensão apaixonada por se apresentarem como pobres e subdesenvolvidos, rejeitam enfaticamente, ao mesmo tempo, todo estrangeiro que queira vê-los dessa mesma perspectiva.

Felizmente o Brasil está profundamente confuso sobre sua autoimagem favorita, pelo menos de uma maneira. Pois se o país fosse terceiro-mundista de fato, ele não teria o poder financeiro e a infraestrutura tecnológica requeridas para gerir o Campeonato Mundial de Futebol e a Olimpíada com um intervalo de dois anos. Mas qual é o problema, então, dessa confusão - além de sua notável estranheza? O problema é a complacência. Durante as últimas décadas, o Brasil e muitos brasileiros desenvolveram um duplo padrão sobre o próprio status dentro da comunidade internacional. Sempre que for conveniente, para obter vantagens econômicas ou políticas, o Brasil insiste justamente em seu papel como país desenvolvido e altamente industrializado; mas, se for conveniente permanecer cego ante certos problemas internos, os brasileiros e seus políticos são perfeitamente capazes de condescender num tipo de identidade terceiro-mundista.

Não há hoje nada de mais terceiro-mundista certamente que a tolerância do Estado ao crime organizado - e os eventos no Rio de Janeiro, há apenas uma semana, mostraram que, em condições normais, a tolerância ao crime organizado ainda é em muito o padrão no Brasil. Pois a violência que explodiu nas favelas da zona norte do Rio não foi uma violência contra o Estado, para não falar de uma violência como reação a um Estado opressor; foi uma violência respingando de uma guerra civil em curso entre duas grandes organizações criminosas, uma guerra civil que está sendo ativamente ignorada pelo governo e pela mídia enquanto permanecer confinada a certas fronteiras territoriais. Em outras palavras: o Executivo e o Judiciário do Brasil - e, nesse sentido foi irônico que o presidente brasileiro reagisse aos eventos do Rio na presença de seu congênere colombiano. O Estado brasileiro efetivamente cedeu parte do território nacional a organizações criminosas com as quais mantém relações extraoficiais baseadas em negociações similares aos acordos e negociações entre Estados soberanos.

Para um país de Terceiro Mundo essa é uma situação bastante normal, e por essa mesma razão a autoimagem favorita dos brasileiros permite que o eleitorado e o governo permaneçam deliberadamente cegos quando se trata da violência interna factualmente tolerada. Essa situação será um perigo real que impedirá centenas de milhares de espectadores de virem ao Brasil para os megaeventos atléticos? Não creio. Prevejo e espero que a indústria de turismo nacional consiga efetivamente produzir a enorme receita que já está prevendo. Isso porque o presidente Lula e seus ministros estão provavelmente corretos quando apontam para os Jogos Pan-Americanos no Rio, há dois anos, quando essas favelas de alto risco foram temporariamente ocupadas - mantidas calmas com sucesso - por forças militares. Ninguém perguntou, é claro, o que a ocupação significava para a grande maioria daqueles habitantes de favela que não estão envolvidos no crime organizado.

Além dessa questão, a de quem está realmente pagando o preço existencial para o Brasil estar na berlinda internacional, há uma outra questão mais simbólica. Durante os séculos da Antiguidade grega e romana, os dias dos Jogos Pan-Helênicos - sobretudo, os dias dos Jogos de Olímpia - eram dias sagrados, dias de trégua geral. A comunidade internacional retornou a essa antiga condição quando suspendeu os Jogos Olímpicos durante a 1ª Guerra Mundial e a 2ª Guerra Mundial, isto é, em 1916, 1940 e 1944. Hoje, essas guerras entre nações se tornaram muito improváveis, por mais que ainda possamos temê-las. Imaginar guerras entre Rússia e Estados Unidos, Estados Unidos e República Popular da China, ou, mais realisticamente, entre Irã e Israel, ainda podem ser pesadelos para nós - mas há instituições poderosas, razões poderosas e, sobretudo, transformações poderosas nos enquadramentos políticos de nossa mente que tornam esses confrontos improváveis. As guerras constantes de hoje não são guerras entre nações, não são guerras que podem ser "declaradas" a um inimigo visível. Elas são antes conflitos permanentes ou entre organizações terroristas e a comunidade internacional de nações ou entre o crime organizado e autoridades de Estados individuais. Se levássemos a sério essa mudança profunda da "guerra" como um fenômeno, a possibilidade de realizar Jogos Olímpicos seria suspensa permanentemente.

Assim, embora o Brasil, de conformidade com sua autoimagem preferida de país do Terceiro Mundo, seja perfeitamente capaz de organizar megaeventos atléticos altamente lucrativos - paralisando temporariamente a guerra interna com o crime organizado -, o verdadeiro desafio seria essa nação tentar e conseguir um autêntico status de Primeiro Mundo mediante o abandono de qualquer política de tolerância. Mais do que à comunidade internacional de turistas de classe média, os políticos brasileiros (em especial aqueles que se afirmam "de esquerda") e a classe média brasileira devem esse esforço à maioria daqueles concidadãos cumpridores da lei que ainda vivem em favelas.

*Professor de literatura na Universidade de Stanford e autor de Elogio da Beleza Atlética (Cia. das Letras)


http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,terceiro-mundo-quando-convem,456051,0.htm