quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Bolt personaliza camisa e leva mais um ouro com recorde mundial em Berlim

20/08/09 - 15h38 - Atualizado em 20/08/09 - 17h21

Depois da vitória nos 100m, jamaicano repete a dobradinha dos Jogos Olímpicos de Pequim e vence com sobras os 200m rasos: 19s19
Rafael Maranhão Direto de Berlim

Para alguém que
sonha ser uma lenda, 19s19 são suficientes. Usain Bolt mais uma vez desafiou o relógio e brincou com o tempo. Nesta quinta-feira, véspera de seu aniversário, o jamaicano de 22 anos repetiu um feito do passado e eternizou seu nome para as gerações futuras. O campeão olímpico agora é campeão do Mundial de Atletismo. Em dobro. Depois do ouro e do recorde nos 100m, o ouro e recorde nos 200m em Berlim. Apagou os 19s30 - estabelecidos por ele nas Olimpíadas de Pequim, em 2008 – e reescreveu, com tinta dourada, a nova melhor marca do planeta.

- Sempre há limites. Eu não conheço os meus - disse Bolt.


Usain Bolt transforma os adversários em borrões: o jamaicano deu mais um show no Mundial de Berlim
Michael Johnson, americano que, antes das Olimpíadas de Pequim, detinha o recorde mundial dos 200m, não botou fé em Bolt.
- Acho que ele está muito cansado pela disputa dos 100m – disse ele, antes da final.


Bolt provou que Johnson estava errado. E precisou de menos de 20 segundos para isso. Quando chegou à pista, carregava nas costas sua mochila e, nas mãos, duas garrafas de água. Tirou o agasalho e exibiu, no peito, a frase “Eu sou Berlino (nome do mascote do Mundial)”, escrita a mão na blusa. Para competir, trocou de camisa. A primeira homenagem já estava feita. Faltava mais uma. Clique no vídeo ao lado e veja como foi a prova!

Confira as melhores fotos dos 200m rasos no Mundial de Berlim!

Depois de uma largada queimada, ele voltou para seu lugar e a fazer gracinhas. Nada parecia atrapalhar a sua concentração. Quando finalmente correu para valer, não precisou de muito esforço para abrir uma larga vantagem. Cruzou a linha de chegada após 19s19. Apontou para o relógio. Até ele, o relógio, tinha sido mais lento: marcava 19s20. Tanto o tempo errado quanto o correto significavam o mesmo: recorde mundial.


Bolt e a camisa em homenagem ao mascote
O panamenho Alonso Edward, segundo colocado, chegou após 62 centésimos. O terceiro, o americano Wallace Spearmon, apareceu depois de 66.

O Estádio Olímpico de Berlim, que outrora viu um ditador nazista engolir a seco a vitória de um negro – Jesse Owens, nas Olimpíadas de 1936 – nesta quinta recebeu mais uma dose do talento de Usain Bolt. E a terceira será no sábado, já que a sexta deve ser de descanso. Descanso para o aniversário. Ele não vai disputar as eliminatórias do revezamento 4x100m. Voltará para a final.
Em Pequim, Bolt ajudou a Jamaica a ser campeã, com recorde mundial. Em Berlim terá outra chance para decolar. Se conseguir, o jovem atleta que sonha virar lenda poderá, também inspirar fábulas, a fábula do homem que sabia voar.

Final dos 200m rasos no Mundial de Berlim
1
Usain Bolt JAM
19s19
2
Alonso Edward PAN
19s81
3
Wallace Spearmon EUA
19s85
4
Shawn Crawford EUA
19s89
5
Steve Mullings JAM
19s98
6
Charles Clark EUA
20s39
7
Ramil Guliyev AZE
20s61
8
David Alerte FRA
20s68

http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Atletismo/0,,MUL1274335-16316,00-BOLT+PERSONALIZA+CAMISA+E+LEVA+MAIS+UM+OURO+COM+RECORDE+MUNDIAL+EM+BERLIM.html

Dispõe sobre a simplificação do atendimento público prestado ao cidadão, dispensa do reconhecimento de firma em documento produzidos no Brasils

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 6.932, DE 11 DE AGOSTO DE 2009.


Dispõe sobre a simplificação do atendimento público prestado ao cidadão, ratifica a dispensa do reconhecimento de firma em documentos produzidos no Brasil, institui a “Carta de Serviços ao Cidadão” e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,

DECRETA:

Art. 1o Os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal observarão as seguintes diretrizes nas relações entre si e com o cidadão:

I - presunção de boa-fé;

II - compartilhamento de informações, nos termos da lei;

III - atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade;

IV - racionalização de métodos e procedimentos de controle;

V - eliminação de formalidades e exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;

VI - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao cidadão e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações;

VII - utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e

VIII - articulação com Estados, Distrito Federal, Municípios e outros poderes para a integração, racionalização, disponibilização e simplificação de serviços públicos prestados ao cidadão.

Art. 2o Os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal que necessitarem de documentos comprobatórios de regularidade de situação do cidadão, atestados, certidões ou outros documentos comprobatórios que constem em base de dados oficial da administração pública federal deverão obtê-los diretamente do respectivo órgão ou entidade.

Parágrafo único. Exclui-se da aplicação do disposto no caput:

I - comprovação de antecedentes criminais;

II - informações sobre pessoa jurídica; e

III - situações expressamente previstas em lei.

Art. 3o Os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal não poderão exigir do cidadão a apresentação de certidões ou outros documentos expedidos por outro órgão ou entidade do Poder Executivo Federal, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 2o. (Vigência)

§ 1o O órgão ou entidade deverá, quando necessário, juntar aos autos do respectivo processo administrativo versão impressa da certidão ou documento obtido por meio eletrônico.

§ 2o As certidões ou outros documentos que contenham informações sigilosas do cidadão somente poderão ser obtidas por meio de sua autorização expressa.

§ 3o Quando não for possível a obtenção de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade de situação diretamente do órgão ou entidade expedidora, os fatos poderão ser comprovados mediante declaração escrita e assinada pelo cidadão, que, em caso de declaração falsa, ficará sujeito às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis.

Art. 4o No âmbito da administração pública federal, os órgãos e entidades gestores de base de dados oficial colocarão à disposição dos órgãos e entidades públicos interessados as orientações para acesso às informações constantes dessas bases de dados, observadas as disposições legais aplicáveis e as diretrizes, orientações e procedimentos estabelecidos pelo Comitê Executivo do Governo Eletrônico, criado pelo Decreto de 18 de outubro de 2000.

Art. 5o No atendimento aos requerimentos do cidadão, os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal observarão as seguintes práticas:

I - gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, nos termos da Lei no 9.265, de 12 de fevereiro de 1996;

II - padronização de procedimentos referentes à utilização de formulários, guias e outros documentos; e

III - vedação de recusa de recebimento de requerimentos pelos serviços de protocolo, salvo quando o órgão ou entidade for manifestamente incompetente.

§ 1o Na ocorrência da hipótese referida no inciso III, os serviços de protocolo deverão prover as informações e orientações necessárias para que o cidadão possa dar andamento ao requerimento.

§ 2o Após a protocolização do requerimento, caso o agente público verifique que o órgão ou entidade é incompetente para o exame ou decisão da matéria, este deverá providenciar a remessa imediata do requerimento ao órgão ou entidade competente.

§ 3o Quando a remessa referida no § 2o não for possível, o interessado deverá ser comunicado imediatamente do fato para adoção das providências a seu cargo.

Art. 6o As exigências necessárias para o requerimento serão feitas desde logo e de uma só vez ao interessado, justificando-se exigência posterior apenas em caso de dúvida superveniente.

Art. 7o Não será exigida prova de fato já comprovado pela apresentação de outro documento válido.

Art. 8o Para complementar informações ou solicitar esclarecimentos, a comunicação entre o órgão ou entidade e o interessado poderá ser feita por qualquer meio, inclusive comunicação verbal, direta ou telefônica, correspondência, telegrama, fax ou correio eletrônico, registrando-se a circunstância no processo, caso necessário.

Art. 9o Salvo na existência de dúvida fundada quanto à autenticidade e no caso de imposição legal, fica dispensado o reconhecimento de firma em qualquer documento produzido no Brasil destinado a fazer prova junto a órgãos e entidades da administração pública federal, quando assinado perante o servidor público a quem deva ser apresentado.

Art. 10. A juntada de documento, quando decorrente de disposição legal, poderá ser feita por cópia autenticada, dispensada nova conferência com o documento original.

§ 1o A autenticação poderá ser feita, mediante cotejo da cópia com o original, pelo próprio servidor a quem o documento deva ser apresentado.

§ 2o Verificada, a qualquer tempo, falsificação de assinatura ou de autenticação de documento público ou particular, o órgão ou entidade considerará não satisfeita a exigência documental respectiva e, dentro do prazo máximo de cinco dias, dará conhecimento do fato à autoridade competente para adoção das providências administrativas, civis e penais cabíveis.

Art. 11. Os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal que prestam serviços diretamente ao cidadão deverão elaborar e divulgar “Carta de Serviços ao Cidadão”, no âmbito de sua esfera de competência.

§ 1o A Carta de Serviços ao Cidadão tem por objetivo informar o cidadão dos serviços prestados pelo órgão ou entidade, das formas de acesso a esses serviços e dos respectivos compromissos e padrões de qualidade de atendimento ao público.

§ 2o A Carta de Serviços ao Cidadão deverá trazer informações claras e precisas em relação a cada um dos serviços prestados, em especial as relacionadas com:

I - o serviço oferecido;

II - os requisitos, documentos e informações necessários para acessar o serviço;

III - as principais etapas para processamento do serviço;

IV - o prazo máximo para a prestação do serviço;

V - a forma de prestação do serviço;

VI - a forma de comunicação com o solicitante do serviço; e

VII - os locais e formas de acessar o serviço.

§ 3o Além das informações descritas no § 2o, a Carta de Serviços ao Cidadão deverá detalhar os padrões de qualidade do atendimento relativos aos seguintes aspectos:

I - prioridades de atendimento;

II - tempo de espera para atendimento;

III - prazos para a realização dos serviços;

IV - mecanismos de comunicação com os usuários;

V - procedimentos para receber, atender, gerir e responder às sugestões e reclamações;

VI - fornecimento de informações acerca das etapas, presentes e futuras, esperadas para a realização dos serviços, inclusive estimativas de prazos;

VII - mecanismos de consulta, por parte dos usuários, acerca das etapas, cumpridas e pendentes, para a realização do serviço solicitado;

VIII - tratamento a ser dispensado aos usuários quando do atendimento;

IX - requisitos básicos para o sistema de sinalização visual das unidades de atendimento;

X - condições mínimas a serem observadas pelas unidades de atendimento, em especial no que se refere a acessibilidade, limpeza e conforto;

XI - procedimentos alternativos para atendimento quando o sistema informatizado se encontrar indisponível; e

XII - outras informações julgadas de interesse dos usuários.

§ 4o A Carta de Serviços ao Cidadão será objeto de permanente divulgação por meio de afixação em local de fácil acesso ao público, nos respectivos locais de atendimento, e mediante publicação em sítio eletrônico do órgão ou entidade na rede mundial de computadores.

Art. 12. Os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal deverão aplicar periodicamente pesquisa de satisfação junto aos usuários de seus serviços e utilizar os resultados como subsídio relevante para reorientar e ajustar os serviços prestados, em especial no que se refere ao cumprimento dos compromissos e dos padrões de qualidade de atendimento divulgados na Carta de Serviços ao Cidadão.

§ 1o A pesquisa de satisfação objetiva assegurar a efetiva participação do cidadão na avaliação dos serviços prestados, possibilitar a identificação de lacunas e deficiências na prestação dos serviços e identificar o nível de satisfação dos usuários com relação aos serviços prestados.

§ 2o Os órgãos e as entidades do Poder Executivo Federal deverão divulgar, anualmente, preferencialmente na rede mundial de computadores, os resultados da avaliação de seu desempenho na prestação de serviços ao cidadão, especialmente em relação aos padrões de qualidade do atendimento fixados na Carta de Serviços ao Cidadão.

Art. 13. O Programa Nacional da Gestão Pública e Desburocratização - GESPÚBLICA, instituído pelo Decreto no 5.378, de 23 de fevereiro de 2005, colocará à disposição dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal interessados, gratuitamente, metodologia para elaboração da Carta de Serviço ao Cidadão e instrumento padrão de pesquisa de satisfação.

Art. 14. Os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal que prestam serviços diretamente aos cidadãos deverão envidar esforços para manter esses serviços disponíveis às Centrais de Atendimento ao Cidadão estaduais, municipais e do Distrito Federal.

Art. 15. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão poderá dispor sobre a implementação do disposto neste Decreto, inclusive sobre mecanismos de acompanhamento, avaliação e incentivo.

Art. 16. O servidor civil ou militar que descumprir as normas contidas neste Decreto estará sujeito às penalidades previstas, respectivamente, na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e na Lei no 6.880, de 9 de dezembro de 1980.

Parágrafo único. O cidadão que tiver os direitos garantidos neste Decreto desrespeitados poderá fazer representação junto à Controladoria-Geral da União.

Art. 17. Cabe à Controladoria-Geral da União e aos órgãos integrantes do sistema de controle interno do Poder Executivo Federal zelar pelo cumprimento do disposto neste Decreto, bem como adotar as providências para a responsabilização dos dirigentes e dos servidores que praticarem atos em desacordo com as disposições aqui estabelecidas.

Art. 18. Os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal terão prazo de cento e oitenta dias, após a publicação deste Decreto, para cumprir o disposto no art. 4o.

Art. 19. Este Decreto entra em vigor:

I - trezentos e sessenta dias após a data de sua publicação, em relação ao art. 3o; e

II - na data de sua publicação, em relação aos demais dispositivos.

Art. 20. Ficam revogados os Decretos nos 63.166, de 26 de agosto de 1968, 64.024-A, de 27 de janeiro de 1969, e 3.507, de 13 de junho de 2000.

Brasília, 11 de agosto de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Paulo Bernardo Silva

Este texto não substitui o publicado no DOU de 12.8.2009


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6932.htm

CONTRATO BANCÁRIO - EMPRÉSTIMO PESSOAL - JUROS REMUNERATÓRIOS - DÉBITO EM CONTA SALÁRIOAo

Ao contrato bancário, na falta de lei específica, aplica-se o limite de juros de 12% ao ano estabelecido no Código Civil. É vedada a capitalização mensal de juros, desde que comprovada a sua incidência. A cláusula contratual que autoriza o banco a se apropriar de dinheiro de salário, mediante débito em conta corrente, em pagamento de empréstimo contraído pelo correntista, viola o princípio da impenhorabilidade absoluta dos recursos oriundos do trabalho, aplicável a qualquer espécie de expropriação. É indevida a inscrição do consumidor em cadastros de inadimplentes, na pendência de litígio judicial, sobretudo se já reconhecida a inexatidão do registro.
:: Decisão: Publ. em 17-3-2009:: Recurso: Ap. Cív. 1.0024.07.459604-0/005:: Relator: Rel. Des. Fabio Maia Viani
:: Nota: Restou vencido parcialmente o Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes, declarando: “No caso em apreço, os elementos coligidos aos autos demonstram a cobrança de juros da ordem de 5,95% ao mês (f. 24 e seguintes), taxa que, pelo que temos notado em outros contratos submetidos à nossa apreciação, superam, em muito, a média do mercado. Tal taxa, por sua abusividade, não pode prevalecer, sob pena de lesão ao consumidor e de enriquecimento sem causa da instituição financeira. E uma vez arguida e constatada a abusividade, o julgador deve reduzir os juros. Mas não é sua atribuição estipular taxas. Assim, na ausência de dados concretos, mesmo porque o Banco Central não se manifesta a respeito, deixando aos bancos agirem ao seu bel-prazer, resta ao Juiz aplicar a legislação que encontre. E esta só pode ser o Decreto 22.626/1933, conhecido por "Lei de Usura", cujo artigo 1º diz: "É vedado, e será punido nos termos desta Lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, artigo nº 1.062)". A referência é ao Código Civil revogado. No novo Código, a previsão está contida no artigo 406, que diz que os juros serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. E tal taxa está prevista no artigo 161 do Código Tributário Nacional, cujo § 1º estipula que ela é de 1% (um por cento) ao mês. Assim, sendo permitido estipular taxa equivalente ao dobro da taxa legal, há que se reduzir para 2% a taxa estipulada no contrato.”

Coação: corte de energia é meio inadequado para cobrança de dívida

[14/08/2009 - 14:39] A 2ª Câmara Cível negou pedido da Companhia energética do RN (COSERN) que buscava manter o corte de energia elétrica de uma empresa consumidora, como forma de coação para pagamento de débitos. Para os desembargadores, existem outros mecanismos para cobrar a dívida, sem suspender o fornecimento.
A COSERN alegou que o lacre do medidor foi violado, sendo constatado através de perícia do INMETRO, o que teria causando prejuízos. De acordo com a companhia, a Resolução 456/00 da ANEEL, permite a suspensão do fornecimento de energia quando a concessionária verificar qualquer procedimento irregular por parte do consumidor.
O desembargador Aderson Silvino, relator do recurso, disse que existem meios legais para cobrança da dívida, momento em que serão discutidos os valores de consumo e eventuais multas por infrações, não devendo a concessionária suspender um serviço essencial como forma de coação: “Embora exista débito, a cobrança dele não pode ser um mecanismo usual de coagir a empresa a pagá-lo sob a ameaça de corte no fornecimento”.
O Superior Tribunal de Justiça mantém o mesmo entendimento: "Esta Corte firmou o entendimento de que é indevido o corte de energia elétrica em razão da existência de débitos antigos, que devem ser cobrados pelas vias ordinárias de cobrança". (REsp 954.483/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 27/02/2009)
Processo: 2009.003109-5
FONTE: TJ-RN

LUIZ GAMA, ADVOGADO EMÉRITO

LUIZ GAMA, ADVOGADO EMÉRITO

Fábio Konder Comparato*

“Será sempre a honra do Instituto dos Advogados”, escreveu Joaquim Nabuco,[1] “poder dizer que a série dos seus primeiros presidentes [...], Montezuma, Carvalho Moreira, Caetano Alberto Soares, Urbano Pessoa, Perdigão Malheiros, quando ainda fora não se tratava da emancipação, foi toda de abolicionistas. Numa época em que o princípio da escravidão era acatado por todos como um mistério sagrado, aqueles nomes representam o protesto solitário do Direito”.

Vossa Excelência, Sr. Presidente Henrique Cláudio Maués, retoma hoje a boa tradição desta Casa, ao apresentar publicamente a Medalha Luiz Gonzaga Pinto da Gama, criada nesta gestão com desenho de autoria do Arquiteto Oscar Niemeyer.

A nobreza de uma profissão define-se pelo seu objeto. Em momento histórico no qual a advocacia, contaminada pelo espírito capitalista, degenera sempre mais em atividade empresarial, é justo e necessário lembrar a figura ímpar de Luiz Gonzaga Pinto da Gama.

Vendido pelo pai como escravo quando tinha dez anos, analfabeto até os dezessete, aprendeu Direito como autodidata, e acabou por consagrar os melhores anos de sua vida à libertação de escravos pela via judicial. Em menos de quinze anos de atuação no foro, logrou livrar do cativeiro mais de cinco centenas de seres humanos,[2] feito sem similar na história mundial da advocacia.

Esse causídico fora do comum, porém, jamais obteve o diploma de bacharel em Direito. Bem que, após servir durante seis anos como cabo da Força Pública da Província de São Paulo, tentou ingressar na histórica Academia de Direito do Largo de São Francisco. Devido à sua condição étnica, porém, a estudantada o repeliu com “dichotes lorpas”, como escreveu seu grande amigo Raul Pompéia. A ironia da História é que Luiz Gama, no final da vida, acabou por partilhar seu escritório de advocacia com dois ilustres catedráticos da Faculdade cujo ingresso lhe fora recusado: os doutores Januário Pinto Ferraz e Dino Bueno.

Para apreciar, em sua justa medida, essa figura de advogado exemplar, nada melhor do que recorrer ao modelo clássico.

No De Oratore, tratado sobre a arte oratória, ou capacidade de convencer pela palavra oral, na tribuna política ou no foro, Cícero assinala as qualidades pessoais requeridas para o desempenho dessa arte, e põe em relevo os princípios fundamentais que a regem. Como sempre, de acordo com o seu estilo consagrado, tanto as qualidades, quanto os princípios, são em número de três.

Comecemos pelas qualidades pessoais do bom orador judicial. Cícero fala em acumen, que poderíamos traduzir por argúcia ou agudeza de espírito; ratio, vale dizer, habilidade racional no argumentar; e diligentia, isto é, zelo ou aplicação constante (II, 147/148). Sublinha que tais qualidades, fruto de um esforço da vontade, pressupõem obviamente o ingenium, o talento natural do grande orador. Mas observa que, sem uma constante diligência ou zelo esforçado, o engenho retórico inato jamais chegará a manifestar-se.

Pois bem, em Luiz Gama encontramos a demonstração acabada da advertência feita pelo grande romano sobre a importância sobrelevante do zelo ou aplicação pessoal, nessa matéria.

Com efeito, sem desenvolver uma extremada diligência, como poderia alguém, analfabeto até os dezessete anos e escravo até os dezoito, alcançar, pouco mais de dez anos depois, um apreciável conhecimento da ciência do Direito, sobre o qual soube assentar um completo domínio da arte advocatícia? Não é difícil imaginar o tempo considerável, noites a dentro, que o jovem amanuense da Secretaria de Polícia da Província de São Paulo consagrou à sua instrução por meio da leitura solitária, a fim de poder se ombrear, na condição de solicitador provisionado, com os mais notáveis advogados do foro paulista.

No tocante aos princípios fundamentais da arte oratória, Cícero enumera o probare, ou seja, a capacidade de provar a verdade do que se afirma; o conciliare, vale dizer, a arte de atrair ou granjear a simpatia daqueles a quem o orador se dirige; e o movere, isto é, a destreza em suscitar nos ouvintes a justa emoção para o caso (De Oratore, II, 15).

Quanto à comprovação da verdade dos fatos alegados, os argumentos classificam-se, nos processos judiciais, como se sabe, em duas espécies: razões de direito e provas de fatos.

Entre as razões jurídicas avulta a norma escrita, o direito positivo.

Sucede que, entre nós, máxime durante o período imperial, sempre houve uma nítida separação entre o direito oficial e o não oficial. O direito oficial é o que se apresenta como ordenamento civilizado, a ser exibido com orgulho aos estrangeiros e venerado liturgicamente por doutores e magistrados. Já o direito não oficial, embora sub-reptício, é o efetivamente aplicado, porque conforme aos costumes tradicionais e ao quadro de valores das classes dominantes.

O direito oficial brasileiro tem sido, ao longo dos séculos, algo semelhante àquilo que os franceses denominam um trompe l’oeil; ou seja, uma pintura cujos artifícios de perspectiva produzem, nos que a contemplam, uma ilusão óptica de relevo.

A Constituição de 1824, por exemplo, declarou “desde já abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis” (art. 179, XIX).

Em 1830, porém, foi promulgado o Código Criminal, que previu a aplicação da pena de galés, a qual, conforme o disposto em seu art. 44, “sujeitará os réus a andarem com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos trabalhos públicos da província, onde tiver sido cometido o delito, à disposição do Governo”. Escusa dizer que essa espécie de penalidade, ao que parece considerada não cruel, só se aplicava de fato aos escravos.

E havia mais. Apesar da expressa proibição constitucional, os escravos foram, até às vésperas da abolição, marcados com ferro em brasa, e regularmente sujeitos à pena de açoite. O mesmo Código Criminal, em seu art. 60, fixava para os escravos o máximo de 50 (cinquenta) açoites por dia. Mas essa disposição legal, como reportam os cronistas da época, nunca foi respeitada. Era comum o pobre diabo sofrer até duzentas chibatadas diárias; sem falar dos castigos mutilatórios, como todos os dentes quebrados, dedos decepados, seios furados.

Diante desse quadro jurídico abominável, Luiz Gama soube atuar com dignidade e destreza. Adversário implacável da escravidão, condenando-a a todo tempo e sem apelo, na imprensa e na tribuna livre, enquanto advogado sempre usou com firmeza do direito oficial favorável à liberdade. Teve a argúcia – aquela acumen de que falou Cícero – de interpretar estritamente os textos legais em seus devidos termos, denunciando a impostura solene de doutores e magistrados, que defendiam o direito não oficial com argumentos de falsa erudição.

Um belo exemplo desse bom combate pela justa legalidade foi dado por Gama a respeito do tráfico negreiro.

Um alvará de 26 de janeiro de 1818, baixado pelo rei português ainda no Brasil, em cumprimento a um tratado celebrado com a Inglaterra, determinou a proibição do tráfico, sob pena de perdimento dos escravos, os quais “imediatamente ficarão libertos”. Tornado o país independente, firmou-se com a Inglaterra nova convenção, em 1826, pela qual o tráfico que se fizesse depois de três anos da troca de ratificações seria equiparado à pirataria. Durante a Regência, sob pressão dos ingleses, a proibição foi reiterada pela lei de 7 de novembro de 1831.

Mas o direito oficial permaneceu letra morta, continuando a vigorar tão-só “para inglês ver”. Como lembrou Luiz Gama em artigo de jornal, “os carregamentos eram desembarcados publicamente, em pontos escolhidos das costas do Brasil, diante das fortalezas, à vista da polícia, sem recato nem mistério; eram os africanos, sem embaraço algum, levados pelas estradas, vendidos nas povoações, nas fazendas, e batizados como escravos pelos reverendos, pelos escrupulosos párocos!...”[3]

Diante desse comportamento indigno dos sucessivos governos brasileiros, e tendo em vista a iminente expiração do tratado de 1826, o Parlamento britânico votou em 1845 o bill Aberdeen, o qual, reiterando a qualificação do tráfico negreiro como pirataria, autorizou o apresamento dos tumbeiros e de sua carga, até mesmo em águas brasileiras, com o julgamento da tripulação pelas Cortes do Almirantado, em Londres.

Viu-se, portanto, o governo imperial constrangido a abandonar sua política de vistas grossas em relação ao comércio de seres humanos. Levou, porém, um lustro até fazer votar, em 4 de outubro de 1850, e aplicar efetivamente, a Lei Eusébio de Queiroz, que impunha o julgamento dos traficantes e compradores de africanos como contrabandistas.

Esse diploma legal, todavia, determinava expressamente a libertação apenas dos africanos boçais, isto é, daqueles que não sabiam exprimir-se na língua portuguesa.

Diante disso, alguns tribunais e certos jurisconsultos, entre os quais sobressaía o Conselheiro Nabuco de Araújo, sustentaram que a nova lei havia revogado as de 1818 e de 1831; o que implicava manter na escravidão cerca de um milhão de africanos ou seus descendentes, desembarcados criminosamente no Brasil há vários anos, e que haviam aprendido a falar o nosso idioma.

Contra essa interpretação supinamente tendenciosa, Gama lembrou o “princípio invariável de direito”, a “regra impreterível de hermenêutica”, de que “as leis novas, quando são consecutivas e curam de fatos anteriormente previstos, interpretam-se doutrinalmente por disposições semelhantes, consagradas nas leis antigas.” Sublinhou, mais, que o legislador de 1831 não podia revogar o alvará de 1818, dado que ele fora editado em cumprimento de um tratado celebrado entre Portugal e a Inglaterra, e que “os tratados, enquanto vigoram, por tácita convenção, constituem leis para o mundo civilizado.” E concluiu:

“A lei de 1831 é complementar da de 1818; a de 1850, pela mesma razão, prende-se intimamente às anteriores; sem exclusão da primeira, refere-se expressamente à segunda, é a causa imediata da sua existência; é, para dizê-lo em uma só expressão técnica, relativamente às duas anteriores – uma lei regulamentar.”[4]

Até aí, no tocante ao princípio do probare, isto é, a comprovação pelo advogado da verdade do que alega, conforme a lição de Cícero no De Oratore.

Já quanto ao outro princípio da arte retórica, invocado pelo grande romano, qual seja, o de procurar o advogado conciliar as boas graças do julgador, Luiz Gama jamais lhe atribuiu grande importância. Ele sempre esteve ciente de que os magistrados do seu tempo pertenciam, se não por nascimento, pelo menos sob o aspecto da mentalidade, à classe dominante dos grandes proprietários rurais; e que, nessas condições, o seu apoio incondicional à escravidão não encontraria nenhum obstáculo nos textos legais, ainda que perfeitamente unívocos.

Foi por isso que optou, corajosamente, por outra via de atuação. Em lugar de se curvar diante do obscurantismo da toga, resolveu afrontá-lo.

No atual Estatuto da Advocacia preceitua-se que “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão” (art. 31, § 2º). Luiz Gama foi o primeiro, entre nós, a cumprir com destemor esse dever indeclinável do advogado. Abriu assim o caminho que veio a ser trilhado, durante o período do infame Tribunal de Segurança Nacional da ditadura getulista, pelas figuras exemplares de Sobral Pinto, Mário Bulhões Pedreira e Evandro Lins e Silva.

Já antes de obter a provisão de solicitador, em 1869, Luiz Gama empenhou-se denodadamente em proteger os negros ilicitamente tidos como escravos. O que lhe valeu a exoneração do cargo público que ocupava na Secretaria de Polícia de São Paulo.

Logo que expedida a provisão de solicitador, fez publicar em jornais de São Paulo o seguinte anúncio:

“O abaixo assinado aceita, para sustentar gratuitamente perante os tribunais, todas as causas de liberdade que os interessados lhe quiserem confiar.”[5]

Em novembro de 1869, um escravo fugido de Minas Gerais, de nome Jacinto, bateu às portas de Gama. Alegava ter sido desembarcado no Brasil em 1848; portanto, dezessete anos após a promulgação da mencionada Lei de 7 de novembro de 1831, que considerava livres todos os africanos entrados no território nacional a partir da data de sua promulgação.

Luiz Gama ajuizou, perante o juiz municipal suplente Antonio Pinto do Rego Freitas, uma ação declaratória de liberdade de Jacinto, requerendo preliminarmente o procedimento de praxe do depósito judicial do negro.[6] O magistrado por duas vezes declarou-se incompetente, alegando que a demanda devia ser proposta na comarca do domicílio do senhor.

Indignado com essa atitude protelatória, típica do juiz que não tem coragem de julgar o mérito da demanda, Gama não teve dúvidas. Tomou da pena e peticionou novamente nos autos, declarando o despacho judicial “ofensivo da lei”. Requereu em consequência, pela terceira vez, que o juiz cumprisse o seu “rigoroso dever” e reformasse o “fútil despacho”, porque ele, mandatário, “tinha coragem e moralidade” para denunciar o “estúpido emperramento” do processo.[7]

A reação não se fez esperar. Luiz Gama foi submetido a processo-crime por injúria. Defendeu-se pessoalmente, e foi absolvido pela unanimidade dos jurados.

Ao mesmo tempo, fez questão de expor, em artigo de jornal, o procedimento caviloso das autoridades para pôr fim à demanda ajuizada pelo negro Jacinto:

“Enquanto eu sustentava, com tenacidade e energia, o direito desse infeliz, o Exmo. Sr. Dr. Chefe de Polícia, por misterioso acordo com o Presidente [da Província], expedia ordem secreta ao Exmo. Sr. Conselheiro Delegado da Capital, para mandar apreender clandestinamente o desgraçado africano, e entregá-lo manietado ao reclamante, suposto senhor, a fim de conduzi-lo para a província de Minas, por dois expressos postos à espera nas cercanias desta cidade!...

E ousa afirmar o Exmo. Sr. Chefe de Polícia que eu dou a escravos proteção ilegal!...

Sua Excelência sofre das vistas, e tem a simplicidade de crer que o mundo é composto de cegos.”[8]

Como se percebe, não é de hoje, neste país, o costume da prática de atos ilegais em sigilo. Ele deita raízes em inveterada tradição.

O próprio Luiz Gama conta um episódio, ocorrido em meados da década de 50 do século XIX, que ilustra à perfeição a supramencionada separação entre o direito oficial e o não oficial.

Àquela época, veio a São Paulo um fazendeiro do interior da província, trazendo cartas de recomendação de chefes políticos, em busca de dois escravos fugidos, os quais, por serem boçais, isto é, incapazes de se exprimir no idioma pátrio, haviam sido apreendidos por um inspetor de quarteirão e declarados livres, em aplicação da Lei Euzébio de Queiroz.

Nada tendo conseguido junto às autoridades locais, o fazendeiro seguiu então para a Corte, e lá entrevistou-se com o Ministro da Justiça, o respeitado Senador e Conselheiro Nabuco de Araújo. Pouco tempo depois, o Presidente da Província recebia um “aviso-confidencial” do Ministro, onde Sua Excelência reconhecia que os negros haviam sido “muito bem apreendidos e declarados livres pelo delegado de polícia [o superior hierárquico de Luiz Gama], como africanos ilegalmente importados no Império”.

Mas, prosseguiu o Ministro:

“Cumpre, porém, considerar que esse fato, nas atuais circunstâncias do país, é de grande perigo e gravidade; põe em sobressalto os lavradores, pode acarretar o abalo dos seus créditos e vir a ser a causa, pela sua reprodução, de incalculáveis prejuízos e abalo da ordem pública.

A lei foi estritamente cumprida; há, porém, grandes interesses de ordem superior que não podem ser olvidados e que devem de preferência ser considerados.

Se esses pretos desaparecerem do estabelecimento em que se acham, sem o menor prejuízo do bom conceito das autoridades e sem a sua responsabilidade, que mal daí resultará?”[9]

Para infelicidade do Ministro, o “aviso confidencial” caiu nas mãos do secretário do Delegado de Polícia da capital paulista, um certo Luiz Gonzaga Pinto da Gama.

Consideremos agora, por derradeiro, o terceiro princípio da arte oratória ou advocatícia, recomendado por Cícero: o movere, ou seja, o dom de comover ou emocionar o auditório, ou os juízes.

Ainda aí, Luiz Gama revelou o seu inexcedível talento de causídico. Tal como no concernente ao conciliare, ele percebeu que a classe dominante brasileira era, à época, rigorosamente impermeável a qualquer sentimento de comiseração pelos negros escravos; mas Gama também sabia que todo juiz, em maior ou menor grau, teme a repercussão de suas decisões na opinião pública. A solução, por conseguinte, era clara: impunha-se expor publicamente os horrores do sistema servil. Foi o que fez, sem cessar, até o fim de sua vida, consagrando-se à atividade colateral de jornalista.

O assunto preferencial desses embates foi a alforria, forçada ou voluntária, de escravos, quando contestada pelos ex-senhores ou seus herdeiros.

Luiz Gama teve oportunidade de ajuizar várias ações contra tentativas de reescravização de alforriados, bem como de denunciá-las na imprensa. Assim foi, por exemplo, em 1869, em relação ao Bispo de São Paulo, D. Antonio Joaquim de Mello – “conde romano, do Conselho de S. Majestade o Imperador”, lembrava Gama. O prelado, havendo manumitido 7 escravos, resolveu vendê-los, anos depois, como cativos.[10]

Mas na maior parte dos casos, a controvérsia estabelecia-se quanto à interpretação de cláusula testamentária, pela qual se estipulava que, na abertura da sucessão, determinado escravo ficaria livre, sob a condição de servir, durante certo tempo, a um herdeiro do de cujus.

Como sabido, em histórica sessão deste Instituto, realizada em 1857, discutiu-se a questão de saber se os filhos de escravas, libertadas sob a condição de prestarem serviços durante certo tempo, deveriam ser tidos como pessoas livres. A maioria dos membros do Instituto assim o entendeu, contra a opinião do seu Presidente, Augusto Teixeira de Freitas, o qual, inconformado, renunciou ao cargo.

Aos 18 de outubro de 1869, faleceu na capital paulista Dª. Maria Carlota de Oliveira Gomes, deixando testamento no qual constava cláusula de alforria de seu escravo Narciso, com a condição de prestar serviços durante dez anos à filha da testadora; serviços esses avaliados em 200 mil réis.[11] Imediatamente, a associação emancipadora de escravos Fraternização coletou a quantia entre os seus associados e exibiu o dinheiro para a alforria, perante a Provedoria de Escravos. O Provedor determinou a intimação dos interessados para que se pronunciassem a respeito, notadamente o consorte da herdeira, Rafael Tobias de Aguiar, membro eminente do patriciado paulista.

O que sucedeu em seguida foi dado a público por Luiz Gama, em artigo publicado no Correio Paulistano:

“Hoje, pelas 6 horas da manhã, o Sr. Dr. Rafael Tobias de Aguiar veio à cidade, mandou chamar a sua casa, na travessa de Santa Tereza, o pardo Narciso, que trabalha fora a jornal, mandou tosquiar-lhe os cabelos e aplicar-lhe seis dúzias de palmatoadas para curá-lo da mania emancipadora de que estava acometido!...

Não comentarei este fato. Deixo ao Sr. Rafael Tobias a impunidade deste delito e a justa admiração de seus concidadãos. Apenas acrescentarei que o Sr. Rafael Tobias de Aguiar pertence a uma das principais famílias de São Paulo; é nobre e rico; membro proeminente do Partido Liberal; formado em ciências sociais e jurídicas; já exerceu os cargos de deputado e de juiz municipal [...].

Cidadãos conspícuos de tão elevada hierarquia devem ser recomendados à consideração do país.”[12]

Furioso, o personagem ilustre respondeu, também pela imprensa:

“Provoco ao Sr. Luiz Gama e aos seus protetores para que chamem sobre mim a mão da justiça para o castigo que apliquei ao escravo Narciso.

Sou tudo o que o Sr. Luiz Gama em seu artigo diz que sou, e até liberal; mas não pertenço ao Partido Liberal da época, que põe à margem aqueles que com leite materno beberam idéias liberais.

Tenho mais escravos e hei de castigá-los sempre que merecerem. E convido ao Sr. Luiz Gama para em algumas destas ocasiões vir à minha casa apadrinhá-los.”[13]

Luiz Gama conseguiu o que queria: o assunto já não ficaria sepultado nos autos de um processo forense, fora do conhecimento geral. Declarou, pois, em réplica no mesmo Correio Paulistano:

“Ao pardo Narciso (a ele somente) cabe sindicar a ofensa de que foi vítima; ele que o faça se o quiser. Eu apenas sou e serei o defensor dos seus conculcados direitos.

Eu não mamei liberdade com leite.

Não aceito o convite que faz-me o senhor Dr. Rafael Tobias, de ir à sua casa, para assistir aos castigos que ele costuma infligir aos seus cativos. Declino de mim peremptoriamente tão elevada honra. Eu não sou fidalgo; não tenho instintos de carrasco.”[14]

Dessa trajetória de vida límpida e combativa, nós outros, advogados do século XXI, devemos tirar a indispensável lição ética.

Vivemos, como disse ao abrir este discurso, momento sombrio da história da advocacia, em que a nossa nobre profissão descamba, sempre mais, para a mercantilidade. Vemos multiplicarem-se as empresas de advogados, com filiais no país e no estrangeiro, cujo objeto, segundo os clássicos padrões da economia capitalista, consiste na máxima produção de lucros, para o constante acréscimo patrimonial. Essas macro-sociedades mercantis, na verdade, nada tem a ver com a prestação de serviço público e o exercício de função social, atributos essenciais da advocacia, como declarado em nosso Estatuto (art. 2º, § 1º).

Ao contrário, nesse contexto profissional deplorável, à semelhança do que ocorria na época da economia escravista, até mesmo as liberdades públicas passam a ser avaliadas economicamente. Kant fez questão de frisar que a pessoa humana, ao contrário das coisas, não tem preço, tem dignidade. De onde podemos concluir, em boa lógica, que atuar profissionalmente como advogado em favor dos ricos e poderosos, para sustentar a exploração dos ignorantes, fracos e pobres, é uma conspícua indignidade.

Dir-se-á que hoje, pelo menos, já não temos oficialmente, tal como na época de Luiz Gama, o aviltante instituto da escravidão. Mas, ouso perguntar: porventura, neste país, todos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos, como preceitua a Declaração Universal de Direitos Humanos?

De acordo com os últimos dados divulgados pelas Nações Unidas, o Brasil é o segundo país de pior distribuição de renda no mundo, superado nessa competição às avessas tão-só pela Serra Leoa. Segundo informes estatísticos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, da Presidência da República, 1% dos brasileiros mais ricos fruem de renda equivalente àquela partilhada pela metade de toda a nossa população.

Tal situação não é recente, como todos sabem. Mas já nos habituamos de longa data a tolerá-la, como uma espécie de fatalidade. Para quem não sofre das vistas nem tem a simplicidade de acreditar que o mundo é composto de cegos, como se referiu Luiz Gama ao Chefe de Polícia da Capital paulista, é evidente que essa extrema desigualdade social, já de há muito absorvida pela opinião pública, está na origem da completa disfunção dos mecanismos institucionais do nosso regime político.

A Constituição Federal abre-se com a declaração solene de que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito. A realidade nacional, porém, desmente cabalmente tais qualificativos: o nosso País está longe de ser uma República, uma Democracia e um Estado de Direito.

Não é República, porque até hoje a famoso juízo de Frei Vicente do Salvador, proferido na primeira metade do século XVII, permanece em grande parte válido: “nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.[15]

Não é um autêntico Estado de Direito, porque a Constituição e as leis não se aplicam por igual a todos os brasileiros. Os homens no poder, seus familiares e amigos estão sempre acima delas. Nossas Constituições declaram, invariavelmente, que todos são iguais perante a lei. Mas todos sabem que entre nós os poderosos, tal como proclamou o ditador suíno em Animal Farm, de George Orwell, são sempre mais iguais do que os outros.

De um verdadeira Democracia, enfim, nosso Estado encontra-se ainda muito longe.

A Constituição Federal declara que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1º, parágrafo único).

Como não perceber, todavia, que essa proclamação constitucional, à semelhança das leis repressoras do tráfico negreiro da época de Luiz Gama, é de índole puramente retórica, pois o povo brasileiro jamais esteve na posse de uma autêntica soberania?

Com efeito, que soberano é esse, destituído do poder de aprovar ou rejeitar as Constituições feitas em seu nome e por sua conta? Será preciso lembrar que até hoje, Constituição alguma, neste País, foi submetida ao referendo popular? Será necessário acrescentar que o povo, dito soberano, não tem nem mesmo o poder de iniciativa em matéria de emendas constitucionais, sem falar na possibilidade de ratificá-las ou recusá-las?

Que soberano é esse, cuja representação na Câmara dos Deputados é feita em parcelas estaduais de enorme desproporcionalidade, e por meio de um sistema eleitoral totalmente incompreensível para os eleitores? Como ocultar o absurdo de se dar ao Senado poder político maior que o da Câmara, quando ele não representa a unidade do povo soberano, mas a divisão federal do Estado em unidades artificialmente autônomas?

Que soberano é esse, proibido de manifestar sua vontade política por meio de referendos ou plebiscitos, sem a prévia autorização dos representantes que elegeu?

Que soberano é esse, desprovido do direito próprio de todo mandante, até mesmo nas relações de direito privado, de revogar o mandato outorgado e destituir o mandatário?

Escusa advertir que não tenho a menor intenção de equiparar esse medíocre status civitatis do nosso povo com a vera e própria escravidão. Mas quem ousará negar que ele corresponde, em tudo e por tudo, à manutenção da massa do povo em um estado de permanente menoridade absoluta?

A tarefa urgente que se impõe, portanto, à nossa categoria profissional, no presente momento histórico, não é outra, senão a denúncia aberta dessa ficção oficial de República, Democracia e Estado de Direito, ficção que mal esconde a realidade do regime oligárquico de sempre.

Meus caros colegas:

Em respeito à memória sagrada de Luiz Gama, e seguindo o seu luminoso exemplo, nós outros, Advogados do século XXI, temos o dever maior de nos levantar desde logo, nos quatro cantos do País, para defender, com toda a vibração d’alma, a dignidade do povo brasileiro.

Rio de Janeiro, 12 de agosto de 2009


* Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, titular da Medalha Rui Barbosa da Ordem dos Advogados do Brasil e da Medalha Teixeira de Freitas do Instituto dos Advogados Brasileiros.

[1] in Um Estadista do Império, Livro V, II.

[2] Cf. Carta por ele endereçada a Lúcio de Mendonça em 25 de julho de 1880, citada em Sud Menucci, O Precursor do Abolicionismo no Brasil (Luiz Gama), 1938, Companhia Editora Nacional, coleção Brasiliana, vol. 119, p. 26.

[3] Citado por Sud Menucci, op. cit., p. 171.

[4] Artigo publicado no jornal A Província de São Paulo em 18 de dezembro de 1880, e reproduzido em Sud Menucci, op.cit., pp. 165 e ss.

[5] Cf. Elciene Azevedo, Orfeu de Carapinha – A trajetória de Luiz Gama na Imperial Cidade de São Paulo, Editora Unicamp, 1999, p. 193.

[6] Cf. Perdigão Malheiros, A Escravidão no Brasil, edição original em 1866, § 144.

[7] Cf. Elciene Azevedo, op. cit., p. 112.

[8] Citado por Elciene Azevedo, op. cit., p. 114.

[9] Citado por Sud Menucci, op. cit., pp. 184/185.

[10] Cf. Elciene Azevedo, op. cit., pp. 197/198.

[11] À época, refere Perdigão Malheiros, op. cit., § 48, a venda, troca e doação in solutum de escravos, até o valor de 200$000, podia fazer-se sem escritura pública.

[12] Cf. Elciene Azevedo, op. cit., pp. 207/208.

[13] Cf. Elciene Azevedo, op. cit., p. 208.

[14] Idem, ibidem, p. 209.

[15] História do Brasil, capítulo 2º.