16/06/2011 - 15h56
"Vênus Negra" aborda colonialismo e racismo na Europa
Sem nenhuma pretensão a ser didático, "Vênus Negra", o contundente novo drama do tunisiano radicado na França Abdellatif Kechiche ("O Segredo do Grão") atravessa uma série de temas - o colonialismo, o racismo e o machismo, os mais evidentes.
SAIBA MAIS
Que a história, apesar de ambientada no início do século 19, tenha tanta ressonância numa Europa que ergue barreiras crescentes aos imigrantes, não é mera coincidência.
Ao centro do filme, roteirizado pelo próprio Kechiche e Ghalia Lacroix, há uma personagem real cuja biografia é repleta de pontos obscuros. Pelas próprias características de sua vida curta e oprimida, nunca se saberá tudo sobre a sul-africana Saartje Baartman (a impressionante estreante cubana Yahima Torres).
Suas formas mais do que generosas, que lhe valeram o apelido de "Vênus hotentote", falaram mais alto do que ela. Saartje, que sonhava em ser artista na Europa, como foi na África, acabou refém de uma situação de virtual escravidão não só em relação ao patrão Hendrick Cezar (Andre Jacobs), como frente ao olhar com que uma mulher, africana, imigrante e despossuída foi encarada. Mesmo cientistas não foram menosvoyeurs.
TRAILER DO FILME "VÊNUS NEGRA"
Ela parte da África para Londres em 1810 com Cezar, que promete fazê-la rica com apresentações de sua dança. Ao invés disso, ela é coagida a apresentar-se em shows de mau gosto, em que sai de uma jaula, simulando atacar o público, como se fosse uma selvagem. Nesses espetáculos, usa uma roupa colante que deixa em evidência a particularidade de seu corpo. Muitos espectadores gritam obscenidades e tentam tocá-la.
A exploração de Saartje chama a atenção de um tribunal, onde ela não denuncia o patrão, apesar de ter a oportunidade. Este é um dos mistérios da moça, que pouco fala e bebe muito. Uma nova viagem, desta vez a Paris, piora sua situação. Explorada por um empresário circense (Olivier Gourmet, de "O Filho"), ela torna-se a principal atração de festas privadas em que os convidados tocam seu corpo.
Mesmo quando é alcançada por cientistas, como o anatomista Georges Cuvier (François Marthouret), nem assim consegue ser tratada como um ser humano.
Saartje é objeto de uma curiosidade que desconsidera seus pudores e sua vontade. Os cientistas veem nela não mais do que um animal exótico, uma situação que persistirá mesmo após a sua morte, em 1815. Seu esqueleto e alguns de seus órgãos ficaram em exibição no Museu do Homem, em Paris, até 2002, quando o presidente sul-africano Nelson Mandela requereu formalmente que seus restos fossem enviados ao seu país natal para o sepultamento.
Fixando sua câmera em torno de sua formidável protagonista, o diretor Kechiche estende as sequências, inclusive as da insuportável exposição de Saartje. Nesse tempo alongado, procura, de algum modo, que o espectador compartilhe o calvário da personagem e tente entender o mistério de seu silêncio. E a história fica na carne e na memória de quem vê.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
SINOPSE
Paris, 1817, na Escola Real de Medicina. "Eu nunca vi a cabeça de um ser humano tão parecida com a de um macaco.". Parado ao lado do medelo feito a partir do corpo de Saartjie Baartman, o médico Georges Cuvier é categórico em sua afirmação. Sete anos antes, Saartjie sai de sua terra natal na África do Sul com seu mestre, Caezar, que expõe seu corpo para a audiência dos shows de horrores em Londres. Livre e escravizada ao mesmo tempo, a "Vênus de Hottentot" se torna um ícone dos miseráveis, destinada a ser sacrificada na busca de um fio de esperança na properidade.
FICHA DO FILME
- Título original: Vénus noire
- Diretor: Abdellatif Kechiche
- Elenco: Yahima Torres, Andre Jacobs, Olivier Gourmet, Elina Löwensohn, François Marthouret, Michel Gionti
- Gênero: Baseado em fatos reais, Drama
- Duração: 159 min.
- Ano: 2010
- Data da Estreia: 17/06/2011
- Cor: Colorido
- Classificação: Não recomendado para menores de 16 anos
- País: França, Itália, Bélgica
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