sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Projeto em favela com UPP terá prioridade em relação ao resto do Rio

Enviado por Guilherme Amado - 12.09.2010

08h43m.'Princípio do fura-fila'

Projeto em favela com UPP terá prioridade em relação ao resto do Rio

Por mais que a fama insista em preceder o economista Ricardo Henriques — um dos pontos mais citados em seu currículo é a criação do Bolsa Família, do governo federal —, ele é essencialmente um homem discreto. E idealista. À frente da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos há seis meses, Henriques agora arregaça as mangas sobre a segunda fase das Unidades de Polícia Pacificadora. Além da PM, os três níveis de governo prometem uma forte ocupação social.



O UPP Social, que pretende alavancar o desenvolvimento das favelas pacificadas, já começa com um anúncio tão inédito quanto a notícia de que o Santa Marta não tinha mais tráfico armado. Segundo Henriques, a partir de agora, os projetos para comunidades com UPPs terão prioridade máxima. Com isso, o Rio 2016 seria também um Rio com a favela integrada ao resto da cidade. Sonho? Otimista confesso, ele garante que não.





Como o senhor encontrou a secretaria?

A agenda social do governo estava muito fragmentada, sem um eixo para reduzir pobreza e desigauldade. Nós temos uma área de atuação muito grande, que abre possibilidades de termos uma atuação ampla. Temos uma institucionalidade que traz para dentro da Secretaria a possibilidade de ser a referência na política de desenvolvimento voltada para os mais pobres. Queremos fortalecer os dois pilares da Secretaria: Direitos Humanos e uma agenda de assistência social moderna. Além disso, criei outros dois pilares. Primeiro, precisamos gerir o conhecimento sobre as áreas que atuamos. Monitorar com estatísticas, usar critérios objetivos e avaliar tudo. Isso não existia. Também criamos a subsecretaria de Ação Integrada nos Territórios, para focar nas favelas pacificadas.



O que é o UPP Social?

É um trabalho de coordenação das secretarias municipais e estaduais para impactar mais a qualidade de vida das pessoas. Teremos fóruns em cada uma das favelas pacificadas, com moradores, lideranças comunitárias, empresários da região e ONGs para levantar as carências de cada uma. Afinal, elas não têm os mesmos problemas. Após a Providência, as próximas serão a Cidade de Deus e o Borel, ainda este mês.



Como será esse princípio de furar fila?

Foi só o que eu pedi ao prefeito e ao governador. É ter prioridade. Exemplo: se há dez escolas previstas, e uma delas será em favela com UPP, vai antes para lá.



Não há o risco de piorar o déficit de áreas sem UPP?

Mas isso não é a política social do estado como um todo. Não dá para eu produzir mais desigualdade. Se tiver Ipanema, Acari e Providência com previsão de receber escolas, vou priorizar Providência e Acari juntas, antes de Ipanema.



Mas não é possível fazer isso em todas as favelas?

A pacificação é pré-condição. Não dá para falar desse projeto para o Alemão de hoje em dia. Não queremos transformar essas áreas num cenário ideal. Tenho que ter também um grande foco sobre a juventude, que girava em torno do narcotráfico. Eu preciso tratar a sedução desses meninos que estavam encantados pelos ícones do tráfico: o tênis, a arma, a namorada mais bonita. O cara que tinha a maior arma, a mulher mais bonita. Esse ícone de valor é o reflexo da sociedade de consumo. O tênis e a roupa de marca são os ícones da guerra. Isso implica uma agenda de cultura muito forte, em torno dos ícones de encanto e sedução da juventude, isso é fundamental para redefinir esses campos de sociabilidade. Até para o menino voltar a estudar. Ele não vai voltar apenas por querer voltar. Ele está discrente daquela escola. Essa geração de jovens nunca viveu um período na favela que não fosse o período da guerra. Ele só viu guerra. Meu desafio é só fazer a transição entre o que era antes e um nível regular, como o resto da cidade. Quer dizer, não é “só”. Isso já é muito (risos). A meta é o Rio integrado até 2016. O cronograma de ocupações para UPPs prevê o Rio pacificado em 2014. E nós prevemos o Rio integrado em 2016.



Como cravar uma data única, já que há favelas, como o Alemão, ainda não ocupadas?

A ideia da cidade integrada até 2016 não quer dizer que vou acabar com a pobreza e a desigualdade no Rio como um todo. Pensando na educação, por exemplo. Primeiro, é ter um nível médio para as escolas da região. Depois, regularidade das aulas, choque de qualidade, professores dedicados, algumas escolas com horário integral. Mas o Complexo do Alemão não será o Leblon.



E consegue transformar o Alemão no Santa Marta?

Vai ser tudo heterogêneo, mas, em termos de indicadores médios, sim. Até 2016.



Cada favela pacificada terá uma pessoa do UPP Social?

Sim, será como o capitão da PM. Além de assistentes, que no início serão jovens que passaram no vestibular da Uerj por cota. É uma chance de passar aos outros exemplos.



Como será a participação de moradores?

Preciso abrir canais de participação. Ouvidoria, por exemplo. Fora das favelas, isso parece normal, mas lá não existe diálogo. A pacificação devolveu o direito de ir e vir, eu preciso de espaços de participação. Isso é muita coisa. Vai desde serviços para mediação de conflitos, até regras sobre festas, bailes funks. Sem contar a regularização dos imóveis, a formalização dos comércios.



No Pavãozinho, um choque de ordem foi criticado por uma suposta falta de diálogo.

Bom citar esse exemplo. Levar só a lei e a ordem sem um campo de diálogo não funciona. Temos que mostrar como formalizar é melhor para todos. Dar um CNPJ e um alvará primeiro, depois a vigilância sanitária. E não fazer tudo numa tacada só. Você cria um diálogo e mostra que o serviço dele vai funcionar, e a renda crescer. É um jogo ganha-ganha.



Qual foi o seu papel na criação do Bolsa Familia, programa social que é o carro-chefe do governo federal?Eu fiz o desenho do projeto. Criei o projeto inicial e depois implantei com a coordenação dos cinco ministérios envolvidos. O desenho tinha muito acúmulo de conhecimento de anos do meu grupo de amigos do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea, órgão em que Henriques atuou durante anos) e uma convicção que aquilo não era só uma fusão adminsitrativa de programas anteriores. Isso é uma visão ingênua. O Bolsa Família é uma mudança de patamar de política de tranaferência de renda para a população mais pobre. A concorrência entre programas de transferência de renda na esfera federal dificultava o foco no problema. Fazia com que cada ministério tivesse uma busca pelo pobre e nunca chegávamos a toda a pobreza, por que você não tinha eficiência nem foco. Com um único programa, você conseguiria fazer isso. O outro princípio é o de exigir condições para receber o dinheiro. É transferência de renda e também de transição geracional, reduzindo a pobreza hoje e diminuir a probabilidade de a pessoa ser pobre no futuro. Finalmente, a criação do cadastro único foi muito importante. Criar uma base para a política social do governo como um todo, ancorada no programa de transferência de renda.



O que traz dessa experiência para o seu desafio atual aqui no Rio de Janeiro?

Aqui, eu tenho que combater quatro características das políticas sociais brasileirais. A primeira é a pressão pela fragmentação, ou seja, a tendência de os gestores negociarem de formas diferentes sobre um mesmo benefício. É a matriz do assistencialismo e do clientelismo. O mesmo benefício social é negociado com regras diferentes. Depois, tenho que combater a sobreposição de programas. Como eu não tenho racionalidade na agenda de política pública abrasileira, eu tenho um programa sobreposto ao outro. Num mesmo lugar, há um programa do governo federal, outro do estadual e um terceiro do município, todos combatendo o mesmo problema e no mesmo lugar. Fica todo mundo patinando, o que gera vazios e ineficiências, porque coloca um montão de gente fazendo várias coisas parecidas. O terceiro problema é a tendência da descontinuidade. Reinauguração o tempo todo. No Brasil, há compulsão por ser mãe e pai de projeto. Finalmente, tenho que combater o isolacionismo. Saúde, educação, saneamento, todas essas áreas não conversam entre si. Com isso, a chance de afetar a vida das pessoas, sobretudo os mais pobres, é diminuída.


http://extra.globo.com/geral/casosdecidade/posts/2010/09/12/projeto-em-favela-com-upp-tera-prioridade-em-relacao-ao-resto-do-rio-323712.asp

0 comentários: