06/04/2010 - 09h16
Autor fala do show de James Brown no dia do assassinato de Luther King; leia prefácio
da Livraria da Folha
Vinte e quatro horas após o assassinato de Martin Luther King, em 4 de abril de 1968, James Brown fez o que sabia de melhor: pegou o microfone e foi à luta. Embora o clima estivesse quente em Boston --com inúmeros focos de revolta contra a morte do líder pacifista negro, o cantor insistiu em subir ao palco, tentando acalmar os ânimos na cidade.
Divulgação
Com show, Brown garantiu a paz no dia da morte de Luther King
O saldo daquele dia, nos Estados Unidos, foi de mais de 40 mortos, centenas de feridos e 20 mil presos. Mas, na capital de Massachusetts, cenário de históricas disputas raciais, o cantor soube fazer prevalecer a paz em um show corajoso e eletrizante.
Centrado nesse concerto inesquecível, o livro "O Dia em que James Brown Salvou a Pátria" reconstrói a vida e a carreira do pioneiro do funk nos Estados Unidos, com destaque para uma faceta pouco conhecida: a relação entre Brown, o movimento pelos direitos humanos e as lideranças negras naquele período conturbado da história americana.
Leia abaixo o prefácio do livro assinado pelo rapper Chuck D, do grupo Public Enemy.
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Prefácio
Lembro do impacto inicial que o Poderoso Chefão do Soul teve sobre mim. Ainda consigo me ver, com meus colegas do ensino médio, escorregando e patinando nos trechos congelados da rua no inverno do Queens, Nova York. O que nos dava equilíbrio era o ritmo de "James Brown", a dança que Mister JB dizia ter criado para finalizar sua apresentação de "There Was a Time". A energia da música de Mister JB correspondia ao vigor compacto de crianças a escola primária que correm livremente. Basta enfileirá-las no corredor do pátio e abrir a porta. Elas não têm a menor ideia de aonde vão - simplesmente correm. Para mim, isso descreve a força de James Brown. É, James
Brown era um homem adulto, mas possuía a centelha ilimitada de uma criança.
Meus pais tinham muitos discos guardados. Era um casal de negros descolados de vinte e poucos anos, soltos numa época turbulenta. Os álbuns, encomendados de clubes de discos, chegavam aos pacotes pelo correio. Havia vários LPs de jazz e soul. Os de James Brown eram multicoloridos, cortesia do departamento de arte da King Records. Eles praticamente pulavam para cima da gente, mas não chegavam tão perto quanto o grito de JB e aquele trecho só de percussão no meio do álbum. James Brown se destacava do conjunto - pelo visual e pelo som.
Minha avó assinava as revistas Look e Life. Ela e meu avô costumavam amontoar revistas, não discos. Foi a Look que fez a pergunta a respeito de Mister JB: seria ele "o negro mais importante dos Estados Unidos"? A capa era azulada. Isso foi precisamente na metade da Guerra do Vietnã, logo depois dos assassinatos de Martin Luther King e de Robert Kennedy. Ainda havia uma lúgubre reverberação dos assassinatos do presidente John F. Kennedy e de Malcolm X poucos anos antes. O país precisava desenvolver uma linguagem comum sobre a loucura vigente - por que ela não poderia vir de ícones culturais que todos ouviam? Mas, no encalço das revoltas de Newark e Detroit, creio que a dança nas ruas não poderia ser oferecida ao povo pela Motown, pela Stax ou pela Atlantic, tampouco por qualquer outro artista, a não ser JB.
Depois de lançar "Say it Loud - I'm Black and I'm Proud", o governo - especialmente o de J. Edgar Hoover - começou a entender a importância de JB por várias razões, boas e más. O fato de prefeitos, políticos, militares, presidentes e vice-presidentes procurarem JB, enquanto as estações de rádio e o meio musical hegemônico o excluíam, foi de uma ironia inacreditável. Aquela canção sozinha conferiu a Mr. JB sete afortunados anos de amor por parte da comunidade negra, o que não é fácil de conseguir.
Em minha humilde opinião, imediatamente após o assassinato de Martin Luther King, James Brown se tornou o negro mais importante dos Estados Unidos. Os negros estavam em busca de muitas respostas em seguida ao festival de confusões de 1968. Todos os americanos, perplexos, procuravam respostas, mas a disposição dos negros estava em sintonia com Nat Turner.*
Eu soube do show no Boston Garden muito depois de ele ter ocorrido. Com sete anos e vivendo em Nova York, as notícias que chegavam para mim diziam mais respeito aos assuntos da cidade e a seu próprio potencial explosivo. Não fui muito à escola naquela semana. As novidades de Boston chegavam muito mais tarde, ainda mais numa época em que a ênfase estava nas notícias locais, havendo apenas um espaço rápido a cada noite para notícias do país e do mundo. Nos esportes, o Celtics voltou atrás na contratação de Wilt,** do Philadelphia 76ers, mas quando Bill Russell, primeiro técnico de basquete negro, pôs a culpa no racismo, aumentou a especulação de que haveria agitações locais, pois os negros estavam cansados das "branquelices" da Nova Inglaterra.
Hoje vivemos tempos bem diferentes, e não digo isso do ponto de vista racial. Refiro-me à tecnologia. Televisão a cabo, documentários, DVDs, discos e vídeos piratas, YouTube e internet têm permitido que milhares de pessoas vejam a energia do show daquela noite no Boston Garden. Até hoje penso que aquilo foi uma transmissão ao vivo destinada a manter as pessoas fora das ruas de Beantown (Boston). A paranoia ia imperar até que se encontrasse uma resposta - pelo menos era o que eu achava.
Para mim, o show de James Brown representou e ainda representa o incrível poder da música e da força de vontade para cessar tudo em nome da alegria de se divertir. As imagens reproduzem a tensão de um furacão Katrina dos anos 1960. Hipnótico. Paralisante. Provocador. E ainda assim ele parou e conquistou a todos com "Think" - como ainda haveria de acontecer com muitos outros sucessos de James Brown.
Não há dúvida de que o Poderoso Chefão do Soul fazia as vezes do Príncipe da Paz numa época de caos. De fato, ainda nos curvamos diante dessa extraordinária apresentação cujo signifi cado aumenta a cada década.
CHUCK D, Public Enemy
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"O Dia em que James Brown Salvou a Pátria"
Autor: James Sullivan
Editora: Jorge Zahar Editor
Páginas: 208
Quanto: R$ 39,00
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou na Livraria da Folha.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u716497.shtml
domingo, 2 de maio de 2010
Autor fala do show de James Brown no dia do assassinato de Luther King; leia prefácio
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 21:25
Marcadores: Lançamento livros e Exposições
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