O Haiti e o Vudú
Por: Max Beauvoir, a mais alta autoridade do Vudú, em entrevista a Francisco Peregil, do El País. - 22/1/2010
Porto Príncipe/Haiti - Em longa entrevista ao jornalista Francisco Peregil, publicada nesta sexta-feira (22/01), pelo jornal El País, de Madri, Max Beauvoir, a Autoridade Suprema dos adeptos do Vudú no Haiti, denuncia que “estão tratando os mortos como lixo”. Leia Mais.
Segundo Beauvoir, de 74 anos, que esta semana se reuniu com o presidente René Préval, a pedido deste, a questão dos enterros das vítimas do terremoto é muito grave.
“Estão tratando as pessoas como lixo, sem a dignidade e o respeito que merece qualquer vivo. Sei que a situação é complexa e eu não tenho a solução. Porém, estou certo de que se tivéssemos nos sentado para conversar, haveríamos encontrado alguma forma em meia hora. E ainda estamos a tempo, porque ainda faltam muitos mortos para enterrar”, denuncia.
Beauvoir, que é chamado de Ati, palavra que quer dizer uma grande árvore que se abre como um guarda chuva para proteger as mais pequenas, é casado, tem uma filha de 45 anos. Ele vive rodeado de árvores gigantescas que considera sagradas, a uma hora de Porto Príncipe, a capital haitiana. O repórter do El País o descreve na entrevista, vestindo uma camisa guaiabera branca, e acrescenta que é fluente em crioulo, francês, inglês e espanhol. Sua casa tem forma circular e é cercada por vários templos e jardins nos quais há uma espécie de museu com esculturas de Vudú.
No Haiti se costuma dizer que 80% da população é cristã, 20% protestante e 100% professa o Vudú.
Cerimônia aos mortos
Os adeptos do Vudú, segundo Beauvoir, celebram a cerimônia dos enterros durante nove dias. “Aí reunimos a família, os amigos e inimigos do morto. Durante esse tempo comemos e convivemos juntos. Quem tenha alguma coisa que dizer sobre o morto, diz, seja bem ou mal. Depois enterramos o corpo, mas a alma vai para debaixo do mar, um ano e um dia e ou sete anos e um dia, depende. Durante esse tempo, se purifica. E importante que saibam que nós cremos na reencarnação e que a pessoa vive oito vezes como mulher e oito vezes como homem. Isso é assim porque o objetivo da vida é ganhar conhecimento. Depois desse processo, todo mundo, sem exceção, se integra em Deus e começa uma existência em que cuida de todas as coisas vivas do Universo”, explica ao repórter.
A idéia que se faz do Vudú como crença cujos bruxos (ele renega essa denominação) ou sacerdotes podem inflingir danos à outras pessoas, valendo-se de bonecos em que são postos alfinetes, ele garante, é totalmente falsa. “Não vi nem um só boneco desses em todo o Haiti. Em qualquer grupo social há gente boa e gente má, mas no Vudú não se promove que se faça dano a ninguém. Há uma vertente religiosa do Vudú e outra vertente filosófica. Temos normas muito bem definidas sobre como viver, como sentar-se, comer, caminhar. É isso o que permite a um haitiano reconhecer a outro em qualquer parte do mundo, apenas vendo-o simplemente andando ou longe”, acrescenta.
Segundo Beauvoir a má imagem do Vudú deve-se ao cristianismo e às potências estrangeiras como França, Estados Unidos e Espanha. “O Vudú fez o Haiti como país. Nossa independência foi alcançada graças a uma cerimônia celebrada em 14 de agosto de 1.791, conhecida como Bwa Kayiman. Haiti é Vudú”, afirma.
Perseguição
A mais alta autoridade do Vudú diz que poucas religiões tem sofrido uma operação de desprestígio e perseguição tão violenta como o Vudú que nasceu na África e foi trazido para o Caribe pelos primeiros negros escravizados que chegaram à Ilha.
Para ele, “os espanhóis, os franceses e os Estados Unidos nunca nos perdoaram nossa independência e fizeram todo o possível para fazer nossa vida mais difícil”. “E o pior foi quando os cristãos chegaram ao poder em 1.816. Eles ainda estão lá, com a ajuda econômica dos Estados Unidos e França”, acrescenta.
Desde 2003, o Vudú passou a ser reconhecido pelo Estado, por ato em que o Presidente Jean Aristides, um padre, autorizou que os seus sacerdotes passassem a realizar casamentos. Beauvoir diz que agradeceu ao Presidente René Preval tê-lo chamado, mas no caso dos enterros, diz que tem de levantar a voz para defender sua gente. “Eu agradeço que o presidente tenha querido me consultar, mas ele segue favorecendo a Igreja de Roma, aos europeus e americanos que consideram suas religiões européias e centro-asiáticas superiores à africana”, finalizou.
De Madri, Espanha, Dojival Vieira, Jornalista Responsável e Editor de Afropress.
http://www.afropress.com/diversidadesLer.asp?id=207
0 comentários:
Postar um comentário