terça-feira, 5 de maio de 2009

Postagem, a pedido, envolvendo a postagem do dia 01-05-09 intitulada: Professor da UFRGS é condenado por racismo

A pedido do Senhor Cleyton Gerhardt estou postando o texto abaixo, relacionado com a postagem do dia 01-05-09 intitulada: Professor da UFRGS é condenado por racismo



Caros, perdão pela nova invasão de seus respectivos emails, mas, como o caso teve consequências um tanto imprevistas relacionadas às implicações negativas resultantes da notícia vinculada pelo “portal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região” e da manobra jornalística protagonizada pelo jornal Zero Hora por conta da publicação de uma "nota" em sua página online sobre o caso em questão (ver links ao final do texto), tomo a liberdade de importuná-los mais uma vez com algumas reflexões sobre o modo como foi divulgado a notícia de que um professor da faculdade de agronomia da UFRGS foi condenado pela justiça do estado do Rio Grande do Sul por racismo (aos que não receberam minha mensagem anterior reproduzindo a matéria da Zero Hora, ela está no final do email).

Para pensar criticamente a vinculação da matéria ”Professor da UFRGS é condenado por racismo”

Primeiro ponto básico:

O texto virtual do jornal Zero Hora diz ao final: “a Justiça do RS preferiu não revelar o nome do professor”. Esta é uma interpretação possível e coerente, sem dúvida, do teor da nota do “portal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região” (origem primeira do fato relatado), visto que aí não consta, em nenhum momento, o nome do misterioso professor, José Antônio Costa. Contudo, a idéia que passa, pela matéria, é que a responsabilidade de ZH não ter publicado seu nome seria da justiça e não do jornal, o que não corresponde, visto que não há qualquer menção na nota do portal do tribunal em relação à proibição da divulgação das pessoas envolvidas, de parte a parte (ou seja, réu e vítima). O portal simplesmente não menciona o nome de José Antônio Costa.
Este efeito, produzido por ZH, de jogar a responsabilidade pela não divulgação do acusado para o judiciário pode ser comprovado através dos próprios comentários feitos pelos leitores. Assim, uma pessoa que se identificou como Ricardo, por exemplo, disse então: “a imprensa não tem o poder de ir contra o judiciário! Se o nome foi mantido em sigilo, seria falta de ética do jornalista divulgá-lo”. Ora, ao contrário do que foi dito pelo Ricardo, o que ocorreu foi que o jornal se negou (e se nega até agora) a divulgar a identidade de José Antônio Costa por razões internas e não por algum tipo de impedimento externo. Fato este que pudemos comprovar, eu e pelo menos mais 4 pessoas, pois mandamos, no espaço dos “comentários”, mensagens em que citávamos a identidade do acusado e elas não foram parar na página da ZH, ou seja, foram censuradas, sendo que, mais grave, nenhuma explicação (a não ser o silêncio) foi dada a quem as escreveu.
Todavia, ZH poderia alegar então que tal procedimento feriria os “termos e condições para publicação de comentários” do próprio jornal (ou seja, princípios internos), aos quais temos de aceitar para postar mensagens. Neste caso, ao menos dois pontos dos “termos” (que podem ser lidos antes de enviarmos mensagens) se prestam a isso: publicar comentários que “sejam falsos ou infundados” ou que “invadam a privacidade de terceiros ou manifestamente os prejudique”. Sobre o primeiro ponto, é óbvio que jornalistas e responsáveis pela editoração de matérias possuem autonomia para buscar saber mais sobre as informações relatadas, sendo facílimo a comprovação da identidade do indiscreto agrônomo José Antônio Costa através de uma simples pesquisa via Google, onde há sites de blogs e jornais com divulgação nacional que, ao contrário de ZH, publicaram sua alcunha (ver lista ao final). Quanto ao segundo ponto, não se trata de invadir “a privacidade de terceiros”, visto que estamos falando de um processo jurídico que, além de não correr em sigilo de justiça, refere-se diretamente a alguém que está sendo acusado pela procuradoria de justiça do estado do Rio Grande do Sul. Disso, só posso pensar que, no presente caso, há uma espécie de “solidariedade de classe” (ou seria de cor?) entre um veículo de comunicação de massa e um professor universitário (agora já aposentado).
Segundo ponto
Todos aqueles (incluindo o descuidado José Antônio Costa) que participaram ou que possuem conhecidos que participaram da cena em questão sabem que houve um "erro" de reportagem por parte do portal do tribunal de justiça, visto que a comparação feita pelo então professor não foi "negro é que nem soja", mas, sim, "negro é que nem inço, uma vez que nasce é difícil de matar". Como diz a mensagem de uma amiga (enviada a mim imediatamente após ela ler a nota da ZH) que estava presente no dia, “a comparação nem foi com a soja, foi com 'inço', o que naquele contexto foi infinitamente pior”.
Ora, tal "equívoco" faz toda a diferença. A começar pelo fato da soja ser uma planta comestível (ou seja, é, entre outras coisas, alimento, portanto, se não é algo sagrado, ao menos isso lhe dá uma conotação positiva). É também vista como economicamente importante para o país (o que seria do nosso PIB sem ela?) e produtivamente estratégica (visto que faz parte de várias cadeias produtivas). Em suma, a palavra "soja" tende, quando numa circunstância descontextualizada, a ser vista como algo, se não bom, no mínimo, como um substantivo um tanto neutro. Isso, por sua vez, tem como efeito suavizar a frase dita pelo auspicioso José Antônio Costa, afinal, ele estaria comparando negros com uma planta que alimenta nossa população ou, então, com algo que traz benefícios econômicos para o país. Já “inço”, como sabemos, é uma “praga”, um estorvo, algo que incomoda, que precisa ser extirpado, morto, envenenado para que, justamente, a soja possa florescer.
E aqui há outro aspecto problemático, que se refere ao fato de não haver nenhuma informação sobre o contexto da afirmação em questão. Até onde sei, pelos relatos das testemunhas envolvidas que pude ter acesso por fazer agronomia na época, o especialista em plantas oleaginosas José Antônio Costa estava, no momento em que disse “inço é que nem negro”, apresentando plantas daninhas (também ditas, pragas e invasoras) que tendem a infestar as lavouras de soja. Sobre isso, não deixo de pensar no simbolismo da associação. Pela comparação do metafórico José Antônio Costa, se atentarmos para a proximidade da cor da semente de soja a minha própria cor (branca), vemos que os inços (ao serem associados aos negros) estariam atrapalhando o pleno desenvolvimento da soja (ou seja, de nós brancos).
Mas há mais sobre este ponto. Do jeito que foi publicada a matéria, a ambigüidade presente tem como efeito suavizar os comentários de José Antônio Costa tanto para os que vêem a soja como algo intrinsecamente positivo para o país como para aqueles que possuem uma visão crítica sobre a expansão do cultivo de tal planta. Do modo como foi escrita e colocada a frase ("soja é que nem negro, uma vez que nasce é difícil de matar"), levando-se em conta o contexto ideológico que cerca a agricultura brasileira, é de se imaginar que, para um leitor minimamente informado ou iniciado nos "assuntos agrários", nosso ingênuo e brincalhão José Antônio Costa estaria, naquele momento, tecendo algum tipo de crítica em relação ao cultivo da referida oleaginosa (por exemplo, no sentido da expansão da área ocupada por esta planta ser responsável pela monoculturalização de grandes extensões de terra, concentração fundiária ou, ainda, pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado). Assim, por mais que se pudesse condenar a associação feita, muitas pessoas concordariam que, de fato, considerando a importância e o poder político e econômico do agronegócio brasileiro, poderíamos dizer, ainda que metaforicamente: "soja é difícil de matar".
Ora, como é sabido por todos que conviveram com este senhor, seu pensamento vai na direção exatamente contrária. Lembro, por exemplo, como aluno de agronomia da referida universidade, de uma aula, lá por 1996, em que ele apresentou um quadro numa lâmina (para os não familiarizados, nosso power point da época) com o "zoneamento" agronômico da soja no Brasil, sendo que a cor amarela indicaria áreas para "potencial cultivo". Pasmem, TODA a Amazônia estava amarela. Neste particular, torço apenas para que o profético José Antônio Costa esteja equivocado e o tal “potencial” nunca se realize cineticamente.
Terceiro ponto:
Há também a dificuldade de se aceitar a troca involuntária da pessoa que redigiu a nota do termo "inço" por "soja". Mais adiante, o autor do texto que consta no portal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reproduzida pelo jornal ZH, ao apresentar a defesa do espirituoso José Antônio Costa, escreve que este "valera-se de ditado corrente na zona rural, costumeiro em agricultores de origem italiana, que teria um conteúdo positivo, relativo ao vigor da raça negra" (ué, cientistas não gostam de dizer que “raça” não existe?). Para começar, seria ao menos controverso, entre agrônomos e agricultores, este suposto caráter "vigoroso" e "difícil de matar" da soja. Mas, além disso (e principalmente), amigos da serra garibaldina e de Dois Lajeados, me ajudem, é comum por lá se dizer que "soja é que nem negro"? Bom, se for, como dizem, vivendo e aprendendo. Em todo caso, creio que, por tabela, meu suposto bem intencionado colega José Antônio Costa acabou, mais do que agredir negros, acusando “agricultores de origem italiana” de serem racistas (seja a associação feita com soja ou com inços).
Mesmo assim, se tomarmos a frase acima como verdadeira (o que, repito, não é o caso), tanto a comparação com o “vigor da soja” como o “vigor do inço” em relação ao “vigor da raça negra” lembra prática corrente entre intelectuais brasileiros pelo menos até a década de 1930. Afinal, no início do século XX, vários trabalhos (ditos científicos à época) foram publicados tendo como premissa a idéia de que "brancos" seriam intelectualmente mais desenvolvidos (mais inteligentes), "negros" seriam fisicamente mais fortes (mais “vigorosos”) e "índios" seriam emotivamente mais sensíveis (mais sentimentais), reforçando a idéia de que, na sociedade brasileira, seria cada macaco no seu galho, ou seja, cada um deveria exercer o seu papel vocacional. Bom, pelo menos nosso saudosista José Antônio Costa poderia, se tivesse pesquisado a literatura desta época, ter achado alguns autores e "artigos científicos" para “embasar” e respaldar sua defesa. Pena suas referências serem, caso assim tivesse procedido, demasiado centenárias.
Quarto ponto.Outra emboscada textual pode ser vista depois do trecho citado no parágrafo anterior. Diz a reportagem, após apresentar a defesa do acusado de que as frases "("os negrinhos da favela só tinham dentes brancos porque a água que bebiam possuía fluor" e "soja [inço] é que nem negro, uma vez que nasce é difícil de matar") teriam sido ditas “sem intenção pejorativa” e com “um conteúdo positivo”: “entretanto, conforme alunos que testemunharam o fato, ele teria se retratado ao final da aula e em aulas posteriores tentado intimidar o aluno ofendido”. Em primeiro lugar, não foi apenas um aluno que se "ofendeu"; vários colegas ficaram indignados. Mas, ora, o que este “entretanto” está fazendo na frase? Reparem: apesar da alusão à intimidação posterior que teria sido feita pelo vivaz especialista José Antônio Costa, parte do argumento que vem depois da referida conjunção "entretanto" não contrapõe o que é dito na frase anterior. Como resultado, o contraditório (função deste operador argumentativo em uma frase qualquer) fica comprometido. O que segue é um reforço inicial ao que foi dito ("entretanto, ele teria se retratado ao final da aula") seguido da conjunção aditiva "e". Bom, em termos lingüísticos esta última teria, em princípio, a função de somar uma idéia a outra que a complementa. Só que o "e", no caso, liga uma frase cujo sentido, paradoxalmente, contradiz a primeira ("e em aulas posteriores tentado intimidar o aluno ofendido"), indo, portanto, na direção contrária do argumento anterior. Quer dizer, além das frases iniciais (que trazem as afirmações “sem intenção pejorativa” e com “um conteúdo positivo”) possuírem uma conotação favorável ao gracejador José Antônio Costa, a frase posterior, em que esperaríamos o contraditório, defende, ainda que parcialmente, o suposto injustiçado mais uma vez. Para o leitor desavisado, o efeito é, no mínimo, produzir um embaralhamento de idéias. Da mesma forma, dificulta a compreensão de que é dito, pois torna fraco o efeito (no leitor, pois retira visibilidade textual) da afirmação de que o criativo José Antônio Costa teria "tentado intimidar o aluno". Aliás, efeito este reforçado pelo fato do que não há nenhum parágrafo trazendo argumentos dos promotores da acusação (o que se faz no início é lançar, a partir do tempo verbal apropriado, um fato apenas, no caso, duas frases soltas). Tal aspecto torna-se ainda mais grave se considerarmos que, a partir do portal do tribunal de justiça, o que este publicou foi praticamente copiado pela mídia em geral sem uma discussão ou aprofundamento maior sobre o caso.
Para terminar, creio que este caso particular ilustra como a simples (mas imprescindível) presença negra em salas de aula universitárias pode contribuir para a visualização de inúmeras situações de discriminação negativa que ocorrem cotidianamente nos meios acadêmicos. Reparem, na época em que se passou o ocorrido, o aluno que entrou com o processo contra José Antônio Costa não era só o único estudante negro presente na sala de aula do eminente professor, ele foi, durante os 7 anos em que durou minha graduação, o ÚNICO aluno negro da faculdade de agronomia. Ora, arrisco dizer que, caso este último não estivesse presente naquela desastrosa aula, muito provavelmente as frases de nosso infeliz José Antônio Costa seguiriam por um bom tempo sendo ditas e reditas. Abraços, Cleyton Gerhardt
Site do portal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região sobre o ocorrido: http://www.trf4.jus.br/trf4/noticias/noticia_detalhes.php?id=6086Site da nota publicada pelo jornal Zero Hora:http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&channel=13&tipo=1&section=Geral&newsID=a2492975.xml Outros sites e blogs que divulgaram a nota do “portal do Trib. Regional Fed. da 4ª Região”: http://www.contextojuridico.com.br/2009/05/02/condenacao-de-racismo-para-professor-da-ufrgs/http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0105200919.htmhttp://praiadexangrila.com.br/?p=16850&cpage=1; http://luizfernandoadv.blogspot.com/2009/05/professor-da-ufrgs-e-condenado-por.htmlhttp://www.tribunaimpressa.com.br/Conteudo/Professor-da-UFRGS-e-condenado-a-pagar-multa-por-racismo,135037,60038http://e-paulopes.blogspot.com/2009/05/professor-diz-em-aula-que-soja-e-como.html Plantão do jornal Zero Hora" (29/04/2009 - 23:38): Professor da UFRGS é condenado a pagar multa por racismo MPF denunciou o docente por comentários racistas feitos em aula. Ele pode recorrer da decisãoA 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) condenou na terça-feira um professor da faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a pagar multa civil por ato de racismo. O professor foi denunciado em ação civil pública pelo Ministério Público Federal (MPF) por ter feito em aula comentários racistas.
Conforme a denúncia do MPF, o acusado teria dito durante o primeiro dia de aula da disciplina "Leguminosas de Grãos Alimentícios", em março de 2000, as frases: "os negrinhos da favela só tinham os dentes brancos porque a água que bebiam possuía fluor" e "soja é que nem negro, uma vez que nasce é difícil de matar".
À época, foi aberta uma comissão de sindicância na faculdade, que concluiu que não havia uma conotação racista nas afirmativas do professor e que este tinha "o intuito de criar um ambiente mais descontraído no primeiro dia de aula", e ainda, que teria feito uso de expressões informais usuais no meio rural relacionadas à raça negra.
O MPF então ajuizou a ação, julgada pela 6ª Vara Federal de Porto Alegre, que foi considerada improcedente. A Procuradoria recorreu ao tribunal alegando que houve ação discriminatória e racista e que esta teria provocado constrangimento e indignação em todos os presentes e principalmente no único aluno negro presente.
O acusado defendeu-se alegando ter dito as frases sem intenção pejorativa e que valera-se de ditado corrente na zona rural, costumeiro em agricultores de origem italiana, que teria um conteúdo positivo, relativo ao vigor da raça negra. Entretanto, conforme alunos que testemunharam o fato, ele teria se retratado ao final da aula e em aulas posteriores tentado intimidar o aluno ofendido.
O relator do processo, juiz federal Roger Raupp Rios, convocado para atuar na corte, entendeu que "é inequívoca a violação dos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade". Segundo o magistrado, um professor com o grau de intelectualidade do réu não teria como ignorar o conteúdo racista nas expressões utilizadas.
O professor foi condenado a pagar multa civil no valor de uma remuneração mensal do seu cargo universitário, que será destinada ao fundo da ação civil pública, incluídas todas as vantagens e adicionais que recebia quando ocorreu o fato. Ele poderá recorrer da decisão junto ao Superiro Tribunal de Justiça.
A Justiça do RS preferiu não revelar o nome do professor.
As informações são da assessoria de imprensa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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