domingo, 11 de janeiro de 2009

Bumba-meu-boi e outras tradições culturais querem ser "tombadas"

Itens como acarajé já têm status, dado por órgão do Ministério da Cultura
A linguagem dos sinos das cidades históricas de Minas, o bumba-meu-boi maranhense e o circo de tradição familiar travam uma "disputa" para ganhar o status concedido a um seleto grupo do qual fazem parte o queijo minas, a capoeira e o samba de roda baiano.A "lista de espera" para entrar nos livros de registro de bens imateriais do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão do Ministério da Cultura, tem atualmente 13 candidatos.Até hoje, só 15 bens receberam o status. O registro é um instrumento do governo federal para identificar, reconhecer e preservar determinada manifestação cultural e, assim, pautar políticas públicas.Entre os já registrados estão ainda o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, o acarajé e o frevo.Para virar bem imaterial, o "candidato" passa pelo crivo de especialistas após pedido feito por entidades representativas."Não vamos colocar a comunidade numa redoma, mas podemos garantir que formas de transmissão de conhecimento continuem", diz Ana Guita de Oliveira, gerente do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan, criado há cinco anos."A julgar pelos bens [materiais] tombados, alguém de fora imaginaria que o Brasil é só branco, católico, de elite. Os registros [imateriais] ajudam a superar a falsa consciência."Apesar de recente, o registro de bens imateriais já "salvou" atividades, como o ofício das paneleiras de Goiabeiras, em Vitória (ES), de mais de 400 anos. Quando o bem ainda passava pelo processo de inventariado no Iphan, o governo do Estado decidiu implantar uma estação de tratamento de esgoto no meio do vale do Mulembá, onde elas extraem o barro.As paneleiras conseguiram que a estação fosse deslocada. "A panela ficou mais valorizada", diz Marinete Correa, 54. O ofício foi o primeiro bem imaterial registrado, em 2002.Outro caso, diz Oliveira, foi na Amazônia, onde o reconhecimento da cachoeira de Iauaretê (AM), por ser considerado lugar sagrado, garantiu aos índios a repatriação de 108 ornamentos guardados em museu.Segundo o antropólogo e professor de história da Unicamp Pedro Paulo Funari -um dos autores do livro "O que É Patrimônio Cultural Imaterial"-, essas manifestações resistiram em países periféricos; já os países ricos valorizam as "grandes obras da civilização"."O patrimônio imaterial não se define pelo excepcional. São manifestações coletivas, populares e não assinadas. Não há nos EUA algo como a capoeira. O jazz é valorizado porque é útil à indústria cultural."Ele diz, porém, que ainda falta legislação clara que defina atribuições de Estados, municípios e empresas sobre o tema."É difícil ainda pensar em políticas públicas para viabilizar a cultura sem que ela seja carnavalizada", diz. "Há risco de que as pessoas tentem transformar em bem imaterial o que é da indústria. Isso não vai ser aceito."

São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009
MATHEUS PICHONELLI e THIAGO REIS, DA AGÊNCIA FOLHA

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