terça-feira, 27 de outubro de 2009

Pode o britânico Nick Griffin imitar Le Pen?

Líder da extrema-direita esteve pela primeira vez num programa de grande audiência

Pode o britânico Nick Griffin imitar Le Pen?

24.10.2009 - 11:49 Por Ana Fonseca Pereira


Um em cada sete britânicos ligou a televisão quinta-feira à noite para ver o líder da extrema-direita garantir que teria o apoio de Winston Churchill, se o antigo primeiro-ministro fosse vivo. Na mais vista (e também mais polémica) edição de sempre do Question Time, Nick Griffin esteve sob o fogo cerrado da plateia, do moderador e dos restantes convidados do conhecido programa da BBC e ontem a imprensa foi unânime a destacar o seu fraco desempenho. Mas opositores e analistas dizem que o partido só tem a ganhar com a exposição mediática, à semelhança do que aconteceu com a extrema-direita francesa.

Kieran Doherty/Reuters





Com o Television Center da BBC, em Londres, sitiado por centenas de manifestantes antifascistas, o líder do Partido Nacional Britânico (BNP) teve de entrar pelas traseiras do edifício e o apupo que ouviu ao chegar ao estúdio foi suficiente para perceber que continuava em ambiente hostil.

Mas na sua primeira participação num programa de grande audiência, Griffin esteve igual a si mesmo. Durante 60 minutos acusou o islão de "não se enquadrar nos valores fundamentais da sociedade britânica", disse ser "assustador" que dois homens se beijem na rua e elogiou o antigo líder do Ku Klux Klan David Duke, que definiu como um homem "quase totalmente não violento" - gerando gargalhadas na plateia e a indignação da escritora afro-americana Bonnie Greer, sentada a seu lado.

"Não sou nazi"
Na mesa estavam também dirigentes dos três principais partidos, incluindo o ministro da Justiça, Jack Straw, mas toda a atenção esteve centrada no BNP, que se opõe a "qualquer forma de integração racial entre britânicos e não europeus". "Não sou nazi, nem nunca fui", reagiu Griffin, apostado em descolar o partido da imagem de violência. Esforços que lhe valeram um milhão de votos nas eleições de Junho e a eleição de dois eurodeputados.

Recusou, por isso, explicar declarações antigas sobre o Holocausto e disse que Churchill - várias vezes citado na propaganda do partido - foi o primeiro a alertar para "os perigos do fundamentalismo islâmico" e da "imigração em massa". Acusou ainda a "elite política" de, a pretexto do multiculturalismo, "prejudicar a população branca" britânica. "Aqui os aborígenes somos nós", sublinhou.

"A grande maioria desta plateia considera aquilo que o senhor defende completamente repugnante", lançou um jovem negro, muito aplaudido, enquanto outro de origem asiática o acusou de querer expulsar todos os que não sejam brancos: "Ficaria surpreendido com a quantidade de pessoas que participariam numa "vaquinha" para lhe comprar um bilhete sem regresso para o Pólo Sul."

Mudo às provocações, o líder do BNP só ontem reagiu, acusando a BBC de o ter colocado perante uma "multidão de linchamento". "Aquela plateia foi tirada de uma cidade que já não é britânica", argumentou, dizendo que Londres foi sujeita a uma "limpeza étnica" e é hoje "dominada por minorias".

Questionado sobre a avaliação que os jornais fizeram do seu desempenho - o "Times" escreveu que o líder do BNP "mostrou que, mais do que ser um nazi temível, é um maluquinho" -, Griffin disse que "o julgamento cabe aos britânicos".

Já a BBC, acusada pela esquerda de dar voz a um racista, argumentou que os oito milhões de telespectadores (a maior audiência em 30 anos de programa, visto semanalmente por dois a três milhões de pessoas) "mostra claramente o interesse do público em ver políticos eleitos serem escrutinados pelo próprio público".

Efeitos de longo prazo
Mal acabou o programa, Straw disse que esta "foi uma semana catastrófica para o BNP" e Chris Huhne, que representou os liberais-democratas, afirmou que a credibilidade de Griffin "ficou seriamente afectada".

Mas há quem discorde. Peter Hain, ministro para o País de Gales, acusou a BBC de ter dado ao BNP "o maior presente da sua lamentável história" e Diane Abbott, a primeira mulher negra eleita para o Parlamento, avisou que "as pessoas que se sentem atraídas pelo BNP vão dizer que ele foi uma vítima". Também Ivor Gaber, professor de Ciência Política na City University de Londres, acredita que o formato do programa "despertou a tradicional simpatia pelos perdedores" e isso beneficiará o BNP a longo prazo.

E vários comentadores compararam o polémico Question Time à entrevista que, em 1984, Jean Marie Le Pen deu ao programa L"Heure de la Vérité, da televisão francesa. Logo após a difusão, as intenções de voto na Frente Nacional (FN) duplicaram e nas eleições europeias seguintes a extrema-direita conseguiu 11 por cento das preferências.

Le Pen, segundo mais votado nas presidenciais de 2002, recorda que aquele foi um "marco" na implantação da FN e ontem, em declarações ao "London Evening Standard", disse acreditar que o BNP sairá reforçado com a exposição mediática: "Todos os partidos políticos são marginais antes de se tornarem importantes."






http://www.publico.clix.pt/Mundo/pode-o-britanico-nick-griffin-imitar-le-pen_1406680

Lobato, eterno Lobato Monteiro Lobato não tinha obras preconceituosas

As qualidades de Lobato

Para a professora da Unicamp Marisa Lajolo, Monteiro Lobato não tinha obras preconceituosas. E mais: o autor é pouco explorado em outras mídias, como TV e web

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O Diário - As obras de Lobato ainda atraem os jovens leitores, principalmente aqueles dos grandes centros urbanos que não estão acostumados com o ambiente rural das histórias de Lobato?

Marisa Lajolo - Acho que sim. Não podemos esquecer que está na moda o turismo rural, está na moda a música country, o rodeio... Por outro lado, a obra infantil do Lobato não é só o ambiente rural. O sítio é só ponto de partida para as mais desvairadas aventuras. Eles vão para o espaço sideral, eles vão para Saturno, eles vão para a Lua visitar São Jorge, vão para a Grécia Antiga. A obra de Lobato, por um lado, tem cenários que são rurais e, por outro lado, tem cenários que são contemporâneos. “A Chave do Tamanho”, que é um dos meus preferidos dele, é uma obra que fala de um mundo no pós-guerra, então é uma obra que discute, com uma competência muito grande e feito para crianças, a questão da violência, a questão da paz, da reconstrução do mundo. Eu acho que ele tem diálogo com as crianças de hoje.


O Diário - Quais são as maiores qualidades da obra do Monteiro Lobato?

Marisa Lajolo - Acho que a maior qualidade da obra do Monteiro Lobato é o respeito que ele tem pelo leitor dele. Ele é um escritor que trata a criança como um ser inteligente e é por isso que a obra dele não é só para criança, é para leitores inteligentes, interessados em discutir o Brasil, em discutir o mundo em que vivem. Lobato é um escritor que renovou a linguagem literária, um escritor muito coloquial, muito irônico.


O Diário - Uma crítica muito frequente à obra de Lobato é a presença de racismo em seus livros e personagens. Como você vê essas críticas?

Marisa Lajolo - Lobato nunca endossa a linguagem racista e preconceituosa dos personagens quando os personagens manifestam esse comportamento. O narrador é sempre crítico dessa atitude. Eu acho que, hoje em dia, as pessoas discutem um pouco isso pela moda de ser politicamente correto. Mas eu acho que Lobato é um homem de seu tempo. Se toda a obra que manifesta e que registra atitudes racistas fosse banida, toda literatura brasileira estaria banida. Em toda literatura, existem escravos, existem senhores, negros maltratados. Eu acho que a questão é o ponto de vista do narrador frente a isso e Lobato é irrepreensível neste ponto.


O Diário - Existe também a maneira como o leitor interpreta o livro.

Marisa Lajolo - Eu acho que a função do narrador é mais ou menos pilotar o leitor. Em última análise o leitor é senhor de sua leitura, mas o bom narrador sabe encaminhar a discussão e Lobato sabia encaminhar sempre em termos de igualdade, de respeito ao próximo.


O Diário - Os livros de Lobato já sofreram muitas adaptações para outras mídias. Como você vê a qualidade dessas adaptações?

Marisa Lajolo - Uma das coisas interessantes nesse livro “Monteiro Lobato Livro a Livro” é que mostra que Lobato mexia em sua obra o tempo todo. Se você ler a primeira edição de “O Saci”, lê uma versão diferente da segunda edição. Eu quero dizer com isso que todas as transcrições da obra de Lobato para outras mídias seriam extremamente bem vistas por ele. Eu vejo com muita simpatia essas transcrições de Lobato para outras linguagens. O quadrinho, a televisão, o cinema. Acho até que ele foi pouco explorado. Talvez existam outras linguagem em que o Lobato ainda possa encontrar novos leitores, como blogs, ciber fictons e por aí vai.


O Diário - A senhora acha que essas adaptações para outras mídias, como teve “O Sítio do Pica Pau Amarelo” para a TV (Rede Globo), podem atrair novos leitores
para a obra de Lobato ou justamente o contrário: fazer com que eles se afastem, por já conhecerem a história?

Marisa Lajolo - Eu acho que não tem muita resposta para essa pergunta. Eu acho que a leitura não ocorre nesse ambiente do leitor que lê e diz “já li e não vou ler mais”. Eu acho que a leitura é um gesto mais coletivo e você tem os mediadores de leitura. E acho até que a obra do Lobato, por ter sempre um mesmo grupo de personagens, cria uma fidelidade do leitor. Nesse sentido, os quadrinhos, as séries criam essa fidelidade do leitor. Atualmente, todo mundo está discutindo um livro do Pedro Bandeira que vai passar para o cinema, feito pela Xuxa, “O incrível mistério de Feiurinha”, e isso alavanca as vendas dos livros da Feiurinha. Eu acho que, atualmente, as diferentes mídias se alimentam mutuamente de uma forma bastante interessante de uma perspectiva de mercado.


O Diário - Falando em mercado, a literatura infantil é um dos setores com maior número de lançamentos na indústria livreira e muitos com qualidade literária, mas somente 54% dos brasileiros são leitores. A senhora acha que esse índice tende a crescer com esse investimento na literatura infantil?

Marisa Lajolo - Acho que tende a crescer, porque tem um investimento governamental muito grande na compra de livros. O governo é o grande consumidor de livros infantis no Brasil. O mercado de livros infantis só perde para o de didáticos e o de auto-ajuda, mas o consumo desses livros é um consumo imediato para as escolas. Então, acho que a indústria livreira vai bem, obrigada.


O Diário - E a família tem a concepção de que é importante incentivar a leitura junto aos filhos?

Marisa Lajolo - Existem famílias e famílias. As famílias que têm uma familiaridade com a cultura letrada têm essa preocupação. Agora, a grande maioria da população brasileira é uma população que só nos últimos dez ou quinze anos chegou a ter uma escolarização. Eu acho que a família é parceira da escola, mas a grande responsável pelas condições de leitura, nas condições brasileiras atuais, é a escola.


http://www.odiariomaringa.com.br/noticia/228561