domingo, 30 de agosto de 2009

A nova cara do Itamaraty: mudanças democratizam o acesso ao Instituto Rio Branco e formam nova geração de diplomatas

Publicada em 29/08/2009 às 18h13m
Fátima Sá
BRASILIA
- Metido num terno cinza escuro, gravata caprichosamente apertada, sapato recém-engraxado, Amintas Angel Cardoso Santos Silva vive, sem se dar conta, um momento histórico.
Nascido há 32 anos num bairro de classe média baixa de Salvador, filho de professores duros mas que investiram tudo na educação da família, Amintas fez o que deu até chegar ao terno cinza escuro. Estudou psicologia, ensinou violão, foi recepcionista bilíngue da Prefeitura de Santos, trabalhou concedendo crédito agrícola para famílias pobres no sertão da Bahia e comandou até pesquisas de opinião em borracharias. Há pouco mais de duas semanas, mudou-se para Brasília. E no último dia 12, deu nó na gravata, botou o celular pré-pago no bolso e correu para o Palácio do Itamaraty.
Aprovado no último concurso realizado pelo Instituto Rio Branco, entre março e junho deste ano, Amintas foi o 72º diplomata empossado naquela tarde no Ministério das Relações Exteriores. Seus colegas de turma começaram a chegar ao Itamaraty uma hora antes da cerimônia de posse. Dois vinham do Piauí, um do Acre, três de Goiás, 59 do Rio e de São Paulo... Eram 109, ao todo - a maioria bacharéis em direito e relações internacionais. Mas também havia físicos, jornalistas, engenheiros e até um zootécnico entre eles. Do total, 70% eram homens. O mais jovem, com 22 anos. O mais velho, com 47. Uns poucos eram filhos de diplomatas, como Pedro Penha Brasil, que nasceu em Brasília e passou a maior parte de sua vida no exterior.
A maioria não tinha mesmo qualquer contato com a carreira, como a carioca Paula Cristina Pereira Gomes, formada em história, filha de um bancário aposentado e de uma cabeleireira.
A turma reflete uma mudança de perfil que vem ocorrendo nos últimos anos entre os aprovados pelo Rio Branco.Se no passado os diplomatas ficaram conhecidos por punhos de renda, o clichê da vez podem ser as mangas arregaçadas. E isso se deve a um conjunto de fatores, a começar pela própria diplomacia brasileira, que cresceu e apareceu.- O país ganhou peso no cenário internacional, está mais atuante, é candidato declarado e reconhecido ao Conselho de Segurança da ONU, tem participação importante na Organização Mundial do Comércio e papel nevrálgico na América do Sul. Tudo isso fez as pessoas perceberem como a diplomacia é importante e tornou a carreira mais atraente - diz o embaixador Fernando Reis, diretor-geral do Instituto Rio Branco.Luiz Fellipe Schmidt, aprovado em segundo lugar no concurso de 2007, reconhece que achava a carreira um bocado obscura a princípio. Engenheiro de telecomunicações, ele entrou na faculdade em 1999, um ano após a privatização das teles. Quando saiu, o mercado de trabalho era o paraíso. Mas logo vieram as fusões, as empresas começaram a se reestruturar, o cenário mudou do vinho para a água. Luiz Fellipe, que já sentia que faltava alguma coisa, começou a pesquisar e decidiu tentar o concurso. Promovido recentemente, já é segundo secretário, lotado na Coordenação-Geral de Contenciosos do ministério.- Tem todas as áreas: cultural, educacional, aeroespacial, ambiental, de direitos humanos, de direito internacional. Isso aqui é um microcosmo do mundo - ele diz.E esse microcosmo ganhou tanta importância que em 1998 havia apenas cinco cursos de graduação em relações internacionais no Brasil e hoje existem 150. Ao mesmo tempo, o concurso para o Itamaraty começou a chamar a atenção também pela oferta de vagas. Em 1999, eram apenas 20. Desde 2006 são mais de cem por ano.
A tendência é que o número seja mantido até o ano que vem. Por tudo isso (e, naturalmente, pelo salário inicial, que já foi muito baixo mas hoje é de R$ 10.906,86), os candidatos à diplomacia triplicaram. Eram 2.500 há dez anos. Hoje, são mais de nove mil.Atualmente, as provas do Itamaraty acontecem em 18 capitais, mas houve um tempo em que era preciso ir a Brasília para a seleção. A exigência já tirava do páreo candidatos que não podiam viajar naquele momento.- Quando entrei no Itamaraty, nos anos 60, a grande fonte de futuros diplomatas era a Zona Sul do Rio de Janeiro. Agora o processo está mais democrático. Há mais candidatos de outras cidades, com idades e histórias mais variadas. Afinal, o ministro Celso Amorim costuma dizer que nossa diplomacia deve ter o rosto do Brasil - lembra o embaixador Reis.O professor João Daniel faz coro:- Os diplomatas de hoje são mais coloridos, pragmáticos e experientes. Podem não saber quem compôs "As bodas de Fígaro", mas têm condições de refletir sobre a política internacional, porque estudaram bastante o assunto.A citação à ópera de Mozart não é gratuita. Até o início da década, a primeira fase do concurso para diplomatas (que elimina mais de 90% dos inscritos) era composta de questões de conhecimentos gerais como essa. Havia perguntas sobre música (dodecafônica, até), literatura, artes plásticas e filosofia grega, que mediam muito mais o verniz do candidato do que sua capacidade de raciocínio e conhecimento real. Levava vantagem, naturalmente, quem vinha de um ambiente mais erudito e sofisticado. A maioria dos aprovados hoje ainda é de classe média alta, mas há um programa de estudos claro, que todos podem seguir.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

DEM barra votação do Estatuto da Igualdade Racial

Sexta-Feira, 28 de Agosto de 2009
Notícias

26/08/2009 - 18h30

Renata Camargo
A votação do Estatuto da Igualdade Racial foi adiada, mais uma vez, nesta quarta-feira (26), após obstrução do DEM e do PP à reunião da comissão especial para apreciar a matéria. Em sala lotada de representantes de movimentos negros, os membros da comissão não chegaram a um consenso após duas horas de conturbada reunião.
O impasse recai, sobretudo, sobre cinco pontos do projeto. O principal deles trata da titulação de terras para remanescentes das comunidades quilombolas. O estatuto garante aos remanescentes que estejam ocupando terras o título definitivo da propriedade. Deputados ruralistas, no entanto, questionam esse direito e pedem a retirada do item que traz a definição de remanescente quilombola – o que na prática poderá derrubar também o artigo que prevê o reconhecimento da propriedade definitiva da terra. (art. 34).
“Essa definição da comunidade negra pode dar interpretações diferentes. Se alguém dizer que ‘meu avô quilombola esteve perambulando por essa terra’, ele poderá reivindicar a terra. Estão tomando terras dos produtores rurais. Vemos claramente qual o interesse desse estatuto”, considerou o deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que esteve em obstrução durante a sessão.
Para o deputado Domingos Dutra (PT-MA), o único representante de remanescentes quilombolas eleito no Congresso, a estratégia ruralista é retirar a definição para anular o benefício da titulação de terras e manter a “definição genérica” de remanescente quilombola prevista na Constituição. “A definição na Constituição está em aberto e o conceito de remanescentes quilombolas envolve vários outros critérios como a territorialidade. Eles querem derrubar essa definição e com isso o conteúdo principal do estatuto que é o direito a terra, uma reparação mínima aos remanescentes de quilombos”, defende o petista.
Impasse
Não há consenso também no artigo que dispõe que o “Poder Público adotará programas de ação afirmativa destinada a assegurar o preenchimento de vagas, pela população negra” nas universidades federais e nas escolas federais de ensino técnico (art. 18). O projeto inicial, vindo do Senado, trazia percentuais de cotas específicos para negros. Esses percentuais, no entanto, foram retirados do texto, mas se manteve a necessidade de ações afirmativas.
No projeto, o DEM quer que seja retirado também o item que prevê que cada partido ou coligação deve reservar, no mínimo, 30% do número de vagas para candidaturas de representantes da população negra (art. 70). O partido exige ainda que seja revisto o artigo que obriga a inclusão do quesito raça ou cor, preenchidos de acordo com autoclassificação, em todo o instrumento de coleta de dados do Censo Escolas (art. 16).
“Temos cinco pontos de discordância que valeria o esforço de encontrar um entendimento. O DEM propõe que nós concedamos mais duas semanas para buscar entendimento e nos comprometeremos a não obstruir a sessão. Da forma como está, esse projeto racializa a sociedade brasileira”, disse Onyx Lorenzoni (DEM-RS), propondo acordo que não foi aceito pelos membros da comissão especial.
Discordância
O último ponto questionado pela bancada do DEM é o artigo que propõe que na produção de filmes e programas de TV e cinema deve ser adotada a prática de conferir iguais oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros. Segundo interpretação do partido, esse artigo abre brecha para que sejam exigidas cotas iguais para negros, brancos e pardos (art. 48).
“Pedimos que seja retirada a palavra ‘iguais’, porque pode levar a interpretação de que 50% tem que ser branco e 50% negro. Isso vai gerar uma demanda judicial desnecessária”, defendeu Onyx.
Ao final da sessão, o deputado Índio da Costa (DEM-RJ) protestou também contra outros dois pontos do texto do projeto do estatuto: os incisos VI e VII do artigo 4º. O artigo trata sobre a igualdade de participação da população negra na vida econômica, social, política e cultural do país.
O inciso VI coloca que deve haver estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas mediante, “inclusive, de implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos e contratos públicos”. Já o inciso VII garante a implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades raciais em várias esferas, incluindo “ações para financiamentos públicos, contratação pública de serviços e obras”.
“Esses artigos ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Licitações. Por ser negro, ele será beneficiado em uma licitação? É uma enorme irresponsabilidade desta Casa que se passe por cima da Lei de Licitações. Vejo com muita preocupação que contratos públicos sejam priorizados por raça e cor e não por competência. Esse projeto rasga a Lei de Responsabilidade Fiscal”, protestou Índio exaltado.
A reunião em que seria votado o projeto que cria o Estatuto de Igualdade Racial foi suspensa após o início da ordem do dia. O presidente da comissão especial, deputado Carlos Santana (PT-RJ), pretende retomar a reunião após do fim da sessão plenária. O DEM e o PP, no entanto, já anunciaram que mantém a obstrução.