quarta-feira, 3 de junho de 2009

As cotas e a lei



Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento*


Na semana passada, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, apreciando Representação de Inconstitucionalidade, suspendeu a eficácia da lei que previa políticas de ação afirmativa no acesso às universidades públicas estaduais, reservando vagas para estudantes pobres e pertencentes a grupos desfavorecidos, como ex-alunos de escolas públicas, afrodescendentes e portadores de deficiência. Até o dia de hoje, a decisão ainda não foi publicada, mas as notícias que circulam na imprensa informam que a sua principal justificativa teria sido a violação ao principio da isonomia.

O argumento não é procedente. A isonomia no direito brasileiro não é meramente formal. Nossa ordem jurídica reconhece que existe uma situação de profunda desigualdade social no país, que apresenta um indisfarçável componente racial, e se propõe a combatê-la, com o objetivo de construir uma sociedade mais justa e menos opressiva. As políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino superior são medidas voltadas a este propósito de promoção da igualdade substancial, que servem também à compensação de injustiças históricas e à garantia do pluralismo nas instituições de ensino o que favorece não apenas os alunos beneficiados, mas também todos os demais, que passam a estudar em um ambiente acadêmico mais diversificado e enriquecedor.

Há quem argumente que, ao invés de promover medidas de discriminação positiva no acesso às universidades, o Estado deveria preocupar-se com a melhoria do ensino básico. Porém, este é um falso dilema. É perfeitamente possível atuar simultaneamente nas duas frentes, lutando por melhorias no ensino fundamental e médio, mas também implementando políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino superior. É desejável que o poder público invista recursos significativos no ensino superior. Mas estes gastos devem beneficiar também pessoas dos extratos mais vulneráveis da sociedade, e não apenas a elite de sempre.

O Poder Judiciário, no exercício do controle de constitucionalidade das leis, deve, em geral, manter uma postura de deferência diante das escolhas políticas feitas pelo legislador, só as invalidando quando contrariarem visivelmente a Constituição. É que os juízes, ao contrário dos parlamentares, não são eleitos pelo povo. Porém, para proteger os direitos de minorias estigmatizadas, que tendem a ser atropelados no processo político majoritário, justifica-se que os juízes adotem uma postura mais ativista. O que não é aceitável é um ativismo judicial voltado contra minorias vulneráveis.

A decisão do TJ-RJ não encerrou a controvérsia sobre as quotas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro. Cabe ainda àquele tribunal julgar o mérito da Representação de Inconstitucionalidade, e, da sua decisão, poderá ser interposto recurso para o STF. Vários ministros do Supremo já se manifestaram, doutrinariamente ou em votos, a favor das políticas de ação afirmativa, inclusive das quotas para afrodescendentes no ensino superior. Por isso, confiamos que o Judiciário brasileiro não sepultará esta importante estratégia de promoção da igualdade material.


*Cláudio Pereira de Souza Neto é conselheiro federal da OAB.

*Daniel Sarmento é procurador regional da República e professor de direito constitucional da Uerj.

Artigo publicado no Jornal do Brasil, em 1 de junho de 2009.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Pesquisa do Senado mostra rejeição a cotas raciais

Segundo a consulta feita pela internet, 52% concordam com vagas sociais
Catarina Alencastro
BRASÍLIA.
Uma pesquisa promovida pelo Senado em seu site na internet mostrou que apenas 2,7% dos participantes são favoráveis às cotas raciais nas universidades públicas. Outros 52% concordam com as cotas sociais e 45% são contra o sistema de reserva de vagas. A enquete, no ar desde 28 de abril, havia recebido, até ontem, 357.504 votos. O tema é objeto de projeto já aprovado na Câmara e que pode ser votado esta semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
A relatora, Serys Slhessarenko (PTMT), lerá seu voto, favorável às cotas.
A proposta a ser apreciada pelos senadores prevê que 50% das vagas nas universidades federais sejam preenchidas por alunos saídos de escolas públicas. O texto prevê uma subcota racial para autodeclarados negros, pardos e indígenas.
O percentual a que cada grupo étnico terá direito seguirá o que registra censo demográfico do IBGE em cada estado.
Ontem, a senadora Serys não tinha conhecimento da enquete e desqualificou o levantamento, realizado pela Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública do Senado.
Segundo ela, a pesquisa não corresponde às inúmeras manifestações favoráveis ao projeto que tem recebido. A senadora disse que ontem mesmo participava de uma mobilização com mais de 40 entidades pró-cotas em São Paulo.
- É engraçado esse resultado, eu tenho recebido tantas manifestações a favor...
Internet é um negócio complicado, quem vota é quem realmente tem acesso e procura se posicionar por esse meio.
Não que não tenha valor - ponderou, dizendo que não sabe quantos brasileiros têm acesso à internet e que, portanto, não pode mensurar o alcance da pesquisa.
Já o presidente da CCJ, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), disse acreditar que o resultado mostra que o projeto de lei não tem popularidade. Ele prepara um voto em separado para apresentar em contraponto ao parecer da colega Serys.
- Esse resultado massacra a ideia de que o brasileiro quer se ver dividido em raças. Isso mostra que nem popular o projeto das cotas é, que a sociedade prefere o quesito mérito. O governo tem que aprender que o investimento básico e profundo deve ser no ensino fundamental. É isso que vai dar as condições para que as pessoas saiam da miséria - disse.
O senador defende que o critério da cota seja apenas o social, limitado a, no máximo, 30% das vagas. Sua proposta prevê que o percentual decresça gradativamente a cada quatro anos, até desaparecer completamente. Após a apresentação do parecer da relatora, Demóstenes pedirá vista e tentará contestar a constitucionalidade do projeto de lei. Caso não consiga derrubá-lo, vai para o voto com seu parecer contrário ao de Serys: - Temos de derrubar essa tentativa de transformar o Brasil num país racista.
Data: 02/06/2009Horário:
Veículo: O GLOBO
Editoria: O PAÍS
Jornalista(s): Catarina Alencastro
Assunto principal:
ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO SUPERIOR