terça-feira, 25 de maio de 2010

Minorias e positivismo


por: MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA


Ações afirmativas, como as cotas para negros no ensino superior, podem ser eficiente meio para a queda de alguns desses mitos



ESTÁ PREVISTA para o início de março, no Supremo Tribunal Federal, audiência pública sobre políticas de ação afirmativa de reserva de vagas no ensino superior, em vista de ações judiciais que tratam do tema das cotas raciais. A relevância da matéria, e da manifestação a esse respeito pela suprema corte, é óbvia.


Enfrentando a questão das minorias, dentre elas a racial, percebe-se o seu tratamento na perspectiva essencialmente positivista.


Por minorias, entendem-se aqui grupos que, na perspectiva das relações de poder, encontram-se em estado de sujeição em face de outros a partir de certos aspectos, como racial, de gênero ou de etnia. Isso se dá ainda que tais agrupamentos sejam numericamente expressivos.


Já o positivismo, em apertada síntese, trata-se de método que almeja uma racionalidade para a explicação dos fatos sociais semelhante àquela típica das ciências naturais, prestigiando, com isso, as noções de organização e de uma suposta cientificidade hasteada na neutralidade axiológica.
O tema das cotas, não raro, sucumbe à tentação de ser tratado a partir de tais postulados. Para comprovar a assertiva, inicio pela ideia, advogada por vários, de que não existiria mais a noção de raça, o que seria confirmado pelo que há de mais moderno no estudo da genética. Com isso, não seriam possíveis ações afirmativas com base em algo que não existe.


Trata-se de constatação tipicamente positivista, que submete o tema da raça a uma investida meramente biológica, com clara insuficiência na resposta de matéria tão complexa. Aliás, o positivismo tem o costume de se apropriar das questões sociológicas a partir de categorias tipicamente biológicas, retirando a complexidade de algumas categorias e naturalizando as consequências mais nefastas.


Assim, quando se afirma que não existe mais sentido em falar em raça, especialmente em países como o Brasil, em que houve um elevado grau de miscigenação, olvida-se que, aqui, os principais centros de poder são ocupados por brancos.


Esquece-se, assim, que a matéria envolve o poder, o que afasta a disputa racial de meras ilações de natureza biológica -até mesmo porque a luta pelo poder se processa de forma distinta entre os animais irracionais.


Aliás, essa questão, para o direito e, portanto, em certa perspectiva do poder, já se encontra resolvida. A Constituição admite o conceito de raças em diversas oportunidades (como no seu artigo 3º, inciso IV).


Nos mesmos moldes, pode-se inserir, por exemplo, a discussão relativa às mulheres. Para essas, não raro se diz ser natural que, em vista da maternidade, sejam-lhes atribuídas mais funções no âmbito da vida privada do que ao homem.


Em um mundo tão competitivo e em que se fala constantemente em escassez de recursos, vive-se o pior pesadelo positivista: o de naturalizar a exclusão de alguns, por critérios como o racial ou o de gênero, para que outros possam melhor viver. E fica a triste constatação de que, se a natureza é seletiva porque é da sua essência, o mesmo jamais poderia se dar com seres humanos em suas relações sociais. Caso contrário, estaria autorizado, a partir de interpretações legalmente consentidas, verdadeiro estado de barbárie, em que se referendaria dissimulada antropofagia social.


Isso o direito não pode convalidar. Na realidade, o que se percebe é que tais argumentos, de índole positivista e que frequentemente assumem lugar no imaginário popular, escondem aspectos ideológicos de uma sociedade que pretende deixar claro o lugar que deve ser ocupado por cada um dos grupos eleitos como oprimidos. Redundam, portanto, em aspectos, aparentemente científicos para a preservação, por alguns, de seus espaços de poder, e precisam, para o bem de nossa sociedade, ser desmistificados.


Ações afirmativas, como as cotas para negros no ensino superior, podem consubstanciar, no contexto de uma política pública de inclusão social bem organizada, eficiente meio para a queda de alguns desses mitos.


O Brasil tem uma dívida social que precisa ser urgentemente resgatada.


Não podemos mais nos entregar a propostas que, de forma idealizada, sejam protraídas no tempo.


Afinal de contas, considerada a abolição da escravatura, o atraso para a solução do problema data de apenas mais de cem anos.


MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA , 45, doutor e livre-docente pela USP, professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e da área de concentração em direitos humanos da pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, é juiz federal em São Paulo (SP).

FONT: Folha de São Paulo

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/indices/inde02032010.htm


segunda-feira, 24 de maio de 2010

PROFESSOR PARTICIPA DE OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA

PROFESSOR PARTICIPA DE OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA

O professor Paulo César Carbonari, do Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE), foi nomeado pelo Ministro da Justiça como membro do Conselho Científico do Observatório da Justiça Brasileira, que ficará sediado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenado pelo professor Leonardo Avritzer. A Portaria nº 823, que nomeou o Conselho, foi publicada no Diário Oficial da União de 24 de maio de 2010.

O Conselho Científico tem a responsabilidade de aprovar as áreas prioritárias de pesquisa e os editais de concursos das pesquisas sobre a Justiça Brasileira que serão desenvolvidas por instituições de ensino superior de todo o Brasil. O Conselho Científico é formado por 22 pessoas, entre elas, além do professor Carbonari, Paulo Abrão Pires Junior, Rogério Favreto, José Renato Nalini, Rogério Gesta Leal, Boaventura de Sousa Santos, José Geraldo de Sousa Junior, Antônio Carlos Wolkmer, Miracy Barbosa de Sousa Gustin e Oscar Vilhena Vieira.

O Observatório da Justiça Brasileira é baseado no Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, vinculado ao Ministério da Justiça de Portugal e coordenado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. No Brasil, será implementado pela Secretaria de Reforma do Judiciário, em conjunto com a Secretaria de Assuntos Legislativos e a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Três eixos norteiam a criação do instituto: o aproveitamento das pesquisas acadêmicas para orientar futuras reformas, a avaliação dos seus efeitos por meio de diagnósticos e a construção de um banco de dados para replicar as boas práticas dos órgãos de Justiça e da sociedade civil. Também caberá ao Observatório analisar o desempenho das instituições que integram a Justiça brasileira, as recentes reformas aprovadas, além de sugerir novas formas gestão da Justiça e meios alternativos de resolução dos conflitos. A intenção é ampliar o acesso à Justiça, garantir maior celeridade processual e desenvolver políticas públicas que garantam os direitos fundamentais dos cidadãos.

Relatora da ONU sobre Escravidão Contemporânea se reúne com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara

Relatora da ONU sobre Escravidão Contemporânea se reúne com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara

Nesta terça-feira (25), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados receberá a advogada Gulnara Shahinian, atual Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Formas Contemporâneas de Escravidão.

Brasília(DF) – Nesta terça-feira (25), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados receberá a advogada Gulnara Shahinian, atual Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Formas Contemporâneas de Escravidão.

Gulnara Shahinian é armênia e exerce a função desde a sua criação, em maio de 2008.

Sua missão ao Brasil, que teve início no último dia 17, prossegue até o dia 28. A agenda inclui reuniões com representantes do poder público, entidades da sociedade civil, pesquisadores e lideranças comunitárias, além de visita a áreas onde foram registradas ocorrências de trabalho escravo.

Na Câmara e no Senado tramitam várias propostas sobre trabalho escravo e regimes laborais análogos à escravidão, com destaque para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que foi aprovada em primeiro turno ainda em 2004, mas enfrenta impasse para ser votada no segundo turno.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), apenas em 2009, 3.769 pessoas foram resgatadas da condição de trabalho escravo ou semi-escravo.

Para o deputado Domingos Dutra (PT-MA), vice-presidente da CDHM, a visita da relatora ocorre num momento importante e pode reforçar a luta no Brasil pelo fim da escravidão contemporânea. “A missão da relatora acontece num período especial, já que, até agora, não conseguimos acumular força suficiente para aprovar a PEC do trabalho escravo. Esperamos que a sua passagem pelo país impulsione esta bandeira e logo tenhamos a PEC aprovada, o que significará um grande avanço na luta pelo fim dessa mazela entre nós”, declarou o parlamentar.

O encontro da relatora com os parlamentares da CDHM está marcado para 11h, na sala da Comissão.

Para acessar a PEC 438/2001, clique no link abaixo:

http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=36162

Acompanhe a CDHM no Twitter: http://twitter.com/cdhcamara

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Mais informações:
Comissão de Direitos Humanos e Minorias
Câmara dos Deputados
Fone: (61) 3216.6570
E-mail: jose.tomaz@camara.gov.br / cdh@camara.gov.br
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Ilê Axé Oxumarê informa: Sessão especial na Câmara Municipal comemora Odum Adotá

Os 50 anos de Luta e Resistência da Mulher para Preservação do Axé – Odum Adotá – serão comemorados com a realização de uma sessão especial na Câmara Municipal, marcada para o próximo dia 26 de maio (quarta-feira), às 19 horas. O evento, promovido pela Associação Cultural e Religiosa São Salvador - Ilê Axé Oxumarê, pretende uma reflexão sobre a história do candomblé e do terreiro Oxumarê, que confunde-se com o histórico de lutas e articulações políticas do povo negro em busca de liberdade, dignidade, respeito por seu credo e reconhecimento da sua importância para a construção da identidade nacional. A Orquestra Afro Sinfônica, do maestro Ubiratan Marques, fará uma apresentação no local.As comemorações continuam no dia 27 de maio (quinta-feira), a partir das 14 horas, com a realização da mesa redonda “Ancestralidade: quem é de axé diz que é”, acompanhada da inauguração da Praça Babá Salacó, que terá como palco o Terreiro Ilê Axé Oxumaré, na Avenida Vasco da Gama. As comemorações serão encerradas no dia 29 (sábado) com a celebração religiosa Odum Adotá, também no terreiro, às 20 horas.O evento está sendo organizado por voluntários da associação religiosa. A sessão especial, proposta pelo vereador Carballal (PT), contará com a participação do Profº Carlos Alves Moura, Assessor Especial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e do assessor Especial da Petrobrás, Rosemberg Pinto. HISTÓRICOA Associação Cultural e Religiosa São Salvador - Terreiro de Candomblé Ilê Axé Oxumarê - mantém as suas atividades desde o final do século XIX. Essa associação foi registrada em cartório no ano de 1988. Ao longo desses 21 anos de existência, tem realizado uma série de projetos sociais focados para a comunidade do seu entorno, ou seja, o bairro da Federação e a Avenida Vasco da Gama. Dentre os últimos projetos executados e ainda em execução destacam-se: Criar e tocar - um projeto de formação de alabês via a junção de conhecimentos musicais aliado ao aprendizado de fabricação de atabaques; Consórcio da Juventude - um projeto realizado em parceria com o Ministério do Trabalho, a fim de inclusão de jovens aprendizes no mercado de trabalho; PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil dos Governos Federal e Municipal, no qual o terreiro, na qualidade de parceiro, colabora com reforço escolar aliado a práticas ludo-pedagógicas de ensino; Infocentro - Programa de Inclusão Digital em parceria com o Governo do Estado da Bahia, a fim de facilitar os acessos da comunidade do entorno aos recursos da informática. MAIS INFORMAÇÕESAtravés do Projeto “ODUM ADOTA: CINQUENTA ANOS DE LUTA E RESISTÊNCIA DA MULHER PARA PRESERVAÇÃO DO AXÉ” pretende-se celebrar e difundir, através de eventos públicos, a importância do odum adotá para as mulheres de santo, em especial as mulheres do terreiro Ilê Axé Oxumarê, para a preservação e continuidade do candomblé, religião de matriz africana por excelência e que tem, nesta data um marco de sua própria história de lutas por liberdade, respeito, reconhecimento e valorização da população negra. O Odum adotá celebra os cinqüenta anos de iniciação religiosa no candomblé e, por conseqüência, 50 (cinqüenta) anos de preservação do axé. Representa para o religioso e seu templo o término de um ciclo e inicio de outro. Representa um único e especial momento, renovado a cada cinqüenta anos, para reflexão sobre a história da religião e do terreiro que o celebra. História que se confunde com a história dessas mulheres que deixam a condição de egbomis para assumirem o posto de abas: conselheiras, orientadoras, manancial vivo de informação, conhecimento, preservação, inspiração, exemplo para os mais novos e continuidade do axé.Através deste Projeto o Ilê Axé Oxumaré propõe-se a celebrar, publicamente, conquistas de suas abas e sua continuidade e preservação, ao largo de cerca de cento e cinqüenta anos de existência. Celebrar na Bahia, em pleno ano de 2010 do século XXI, o odum adotá de mulheres do candomblé remete à reflexão sobre a história dessa religião e do terreiro Oxumarê que confunde-se com o histórico de lutas e articulações políticas do povo negro em busca de liberdade, dignidade, respeito por seu credo e reconhecimento da sua importância para a construção da identidade nacional. Histórico de lutas que, iniciadas em 1875 com o Babalorixá Antonio de Oxumarê, também conhecido como seu Antonio das Cobras, filho de santo de velhas africanas tiveram sua continuidade garantida por mulheres que a lideraram e mantiveram a casa em função com a força da sua fé, são elas: Iyalorixá Cotinha de Yewá, cujo nome civil era Maria das Mercês e que comanda o Axé Oxumarê até 1947; a Iyalorixá Francelina do Ogun [de 1947 até 1954], sucessora de Cotinha de Yewá; Simpliciana da Encarnação ou Simplícia de Ogun (de 1954 até 1967) como era conhecida, que recebeu o Axé Oxumare das mãos de sua irmã de santo Francelina de Ogun ainda em vida; egbomy Nilzete de Iemanjá, filha biológica de Iyá Simplícia do Ogun, que assume e reabre as funções da Casa de Oxumare em 1974, conduzindo-a, com grande descortino e sensibilidade , até 1990, quando veio a falecer.Celebrar o Odum Adotá das mulheres guerreiras do Ilê Axé Oxumarê significa garantir a continuidade da preservação dessa história de lutas e conquistas e o acesso das novas gerações de iniciados no candomblé a bens de valor imaterial, com a conseqüente dinamização, preservação, valorização e resgate do espaço do terreiro e do candomblé como expressões culturais de valor material e imaterial para o patrimônio da nação.A história de fé, resistência e luta destas guerreiras deu origem àquilo que hoje denominamos de candomblé, e se distinguem entre si através de nações baseadas em diferenças de rituais e de vocabulário, identificados com partes do continente africano (Ketu, Angola, Jeje, jeje-nagô etc.), juntamente com os centros de Caboclos, Rodas de gira e Umbanda. Estes territórios se constituem ao longo dos tempos em verdadeiros espaços de liderança feminina, resistência cultural e de coesão social, de afirmação das identidades negras recriadas no Brasil e, em particular, na Bahia, seja através da preservação das diversas línguas africanas como o Kikongo, Kibundo, Umbundo, Fon e o Yorubá, passando pelas sociedades matrilineares onde as mulheres e os mais velhos têm uma importância fundamental nas instâncias decisórias, até chegarmos às formas hierarquizadas de relações e papéis sociais pré-estabelecidos aos seus adeptos. As riquezas contidas nessas manifestações religiosas preservadas por estas mulheres são tão plenas que se eternizam por gerações, vencem preconceito, superam o racismo e a discriminação fundada em raça, cor, gênero e credo religioso para instalar-se no seio da sociedade como um poder que influencia e redefine conceitos. Inteligência, energia, generosidade, iniciativa, conhecimento litúrgico que são transferidos de geração a geração pela abás. Portanto, homenagear publicamente o odum adotá destas mulheres do candomblé significa, a um só tempo, o resgate do processo de identidade da população negra, e a continuidade de sua maior e mais reconhecida contribuição para a formação da identidade do povo brasileiro: o candomblé, religião dos orixás.Neste contexto é que destaca-se a importância da celebração pública do Odum Adotá das Egbomis do Terreiro Oxumarê, seja para a preservação e continuidade do candomblé, religião, para cuja preservação, estas mulheres desempenharam e desempenham importante papel; seja para ressaltar a importância desta religião para a construção da identidade nacional, a elevação da estima e consolidação de direitos da população negra. Contato:Associação Cultural e Religiosa São Salvador- Ilê Axé Oxumarê71 3237-2859 Jornalista responsável: Chico Araújo (MT-Ba 1355)9137-5222 / 8856-6680

-- Muito Axé!
Ilê Axé Oxumaré.Acesse: www.casadeoxumare.com.brBlog: www.casadeoxumare.blogspot.comTel: (71) 3331-0922/3237-2859

domingo, 23 de maio de 2010

Fortalecendo argumentos e enfrentando o racismo ambiental

Fortalecendo argumentos e enfrentando o racismo ambiental

Entrevista: Cristiane Faustino

A equipe de comunicação do Terramar entrevista Cristiane Faustino, representante da Instituição, no GT de Combate ao Racismo Ambiental, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Com exemplos e argumentos sobre as formas de opressão e exploração sofridas pelas populações tradicionais, Cris comenta o contexto de realização das Oficinas de Combate ao Racismo Ambietal, mobilizadas pelo GT CRA neste primeiro semestre de 2010.
Para fortalecer as lutas populares dos movimentos sociais contra o modelo de desenvolvimento capitalista, uma das estratégias de ação do Instituto Terramar tem se materializado na participação no GT Combate ao Racismo Ambiental (GT CRAS) da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA).

O GT Combate, que existe desde 2005, atualmente é composto por 51 entidades e 21 participantes individuais em todo o Brasil. Sua militância reside na construção de um espaço de socialização de experiências, realização de campanhas e construção de conhecimento sobre os impactos sofridos pelas populações tradicionais nos conflitos ambientais.

Ao grupo, emerge o desafio de consolidar o debate das injustiças socioambientais sob a ótica do Racismo Ambiental. Nesse sentido, entrevistamos Cristiane Faustino, Assessora do Programa de Democratização da Participação Política, do Terramar, que representa essa entidade no GT. Aqui um pouco da concepção, ação e desafios identificados, por ela, a partir de sua participação nas Oficinas de Combate ao Racismo Ambiental no Nordeste, realizadas no Ceará e na Bahia, neste primeiro semestre de 2010.

Instituto Terramar (IT): Inicialmente, obrigada pela disponibilidade. E, para começar, você poderia nos ajudar a perceber a dimensão do Racismo Ambiental na conformação das injustiças ambientais?

Cristiane Faustino (CF): Desnudar o viés racial das injustiças ambientais, a meu ver, permite visibilizar como uma das perversas estruturas de desigualdades, o racismo, incide e se imbrica inelutavelmente na produção, reprodução e agravamento das injustiças sociais e ambientais. Além disso, fortalece a construção de identidades e sujeitos coletivos entre as populações atingidas diretamente pela implementação de políticas e projetos voltados para o crescimento e desenvolvimento econômico capitalista. Pois, populações que historicamente trazem, em seus corpos e modos de ser e de viver, as marcas étnicas e raciais consideradas de “segunda categoria”, ou folclorizadas sob o signo do “exótico”, são incluídas nesse modelo na condição de exploração e/ou se tornam parte daquilo que deve ser exterminado. É o caso, por exemplo, dos povos indígenas e populações negras e “não-brancas”, se se quer chamar assim, que enfrentam na vida cotidiana os conflitos ambientais, concretizados por diferentes violências, desde a perda, ou ameaça de perda, dos territórios, agressões físicas, assassinatos e criminalizações pelo estado e suas instituições, passando pela violência psicológica e simbólica.

IT: A partir do seu exemplo, perguntamos se é possível afirmar que a dimensão étnica e racial é algo marcante na exploração realizada pelos sistemas de dominação e de acumulação do capital?

CF: O encontro dos debates entre injustiça ambiental e racismo ganha ainda mais sentido se tomarmos em conta que essas populações foram e ainda estão, na história do Brasil, situadas em lugares de não direitos, de negação de sua participação política e do acesso à riqueza produzida. Essas condições continuam e mesmo se agravam nas novas dinamizações do capital, que por sua vez sempre se forjou nas injustiças econômicas e em sistemas de hierarquizações sociais racistas e patriarcais. Nesse processo, as populações inferiorizadas pelo racismo continuam sendo tratadas em condições de subalternidade e, em muitos casos, têm negado o próprio direito à existência. Ilustra isso o enfrentamento que as populações tradicionais têm que fazer frente à expropriação de seus territórios e dizimação de suas culturas, assim como o perfil dos grupos (em geral pobres e pretos) a quem têm se destinado diretamente os malefícios da sobreexploração da natureza e dos rejeitos das atividades produtivas. Atividades essas voltadas exclusivamente para a acumulação e concentração de riqueza, e pautadas na criminosa privatização dos bens ambientais e exploração das pessoas e das relações, ao fim e ao cabo, “coisificadas” e instrumentalizadas para o enriquecimento e privilégio de uns poucos.

IT: E na Zona Costeira - território da ação do Terramar –, destacando as questões socioambientais dos conflitos contra os grandes projetos que vendem a promoção do turismo, da energia e da carcinicultura como ferramentas do progresso e do desenvolvimento, observamos a continuidade na exploração e concentração de riquezas. Por isso, pergunta-se como articular tais questões com o debate do Racismo Ambiental?

CF: É importante destacar que, ao falar de Racismo Ambiental, não me refiro somente à discriminação pela cor da pele, apesar desta ser uma das mais importantes determinantes no racismo brasileiro. Refiro-me a todo um modelo de desenvolvimento cuja consolidação não se deu, nem se dá, sem a dizimação e exploração dos grupos considerados étnica e racialmente inferiores, e que, por isso, ao alongo da história ficaram alijados dos processos decisórios, não têm representações nas instituições da democracia burguesa e ficaram no plano prático, simbólico e cultural situados como cidadãos de segunda (ou de nenhuma) categoria.

As comunidades costeiras - geralmente, negras e indígenas ou “não brancas” - guardam em seus modos de vida uma importante interdependência com a natureza; e estabelecem nas trocas para a sobrevivência relações que obviamente não visam à acumulação e ao lucro, nem instrumentalizam os bens ambientais como mercadoria e fonte de dinheiro. Portanto, suas experiências não estão pautadas no modelo capitalista-ocidental-branco. Pelo contrário, o mar e o mangue, por exemplo, têm significado existencial muito para além da sobrevivência material, abarcando todo um campo de valores e significados simbólico e cultural - e se pode dizer, também, sentimental.

Essas populações, de caráter não burguês, digamos assim, enfrentam historicamente muitas ausências, como das políticas setoriais fundamentais para suprir necessidades básicas, como o saneamento, saúde e educação contextualizadas. A degradação ambiental provocada por esses empreendimentos, que se concretizam pela lógica do lucro e instrumentalização da natureza, significa o agravamento das ausências e aumento da dependência monetária das comunidades. É nesse contexto que a expansão capitalista se impõem, por sua força econômica e política legitimada por políticos autoritários e no discurso do desenvolvimentismo invasivo e arrogante.

Por outro lado, no contexto das ausências e dificuldades, que funciona também como um “terreno” previamente gerado pela lógica burguesa racista, esses empreendimentos econômicos se justificam pela capacidade que têm de travestir-se em promessas para a superação de todas as dificuldades que essas comunidades enfrentam. Entretanto, alcançar essa “superação” exige libertar-se do atraso, que se configura na visão burguesa branca como abrir mão de si mesmo (lugar onde reside o arcaico) e submeter-se ao outro, portador do progresso e do desenvolvimento. Não é à toa que ainda permeia em nossa sociedade o mito da democracia racial ou, quando se reconhece o racismo, não se identifica o racista, nem tampouco se atenta para os múltiplos processos que lhe dão corpo. Ou, ainda, não se fazem os vínculos necessários entre racismo e etnocentrismo e as desigualdades e injustiças.

IT: Nossas primeiras perguntas tentaram dar conta, um pouco, do debate conceitual em torno da temática do racismo ambiental. Diante do que você já comentou, como esse argumentário vem se materializando na ação política do GT Combate neste ano de 2010?

CF: Foi considerando esse campo de questões que nos últimos meses (março/abril/maio) o Grupo de Trabalho Combate ao Racismo Ambiental da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), mobilizou um rico processo de formação e de diálogos voltados para fortalecimento da ação política por justiça ambiental no Nordeste. Essa mobilização consistiu na realização de duas oficinas temáticas - uma no Ceará e outra na Bahia - ambas reunindo representantes de comunidades, organizações e militantes ambientalistas, de diferentes estados da região Nordeste. Além das oficinas, o GT também organizou um encontro de diálogos estratégicos entre a Rede Brasileira de Justiça Ambiental e organizações de advogados e advogadas populares (RENAP, AATR, Justiça Global e Dignitatis). Junto a toda essa movimentação, também foram feitos diálogos com os meios de comunicação, divulgações e apresentações públicas do Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, realizado pela Fiocruz e Fase, com base em informações da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e de seus GTs, e que se encontra disponível no site www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br. Esse mapa é um importante instrumento pelo qual podemos identificar que as injustiças ambientais têm cor e raça.

Foto: Eduardo Chaves


Todas essas ações nasceram a partir da necessidade que alguns membros do GT identificavam como importantes para construir e fortalecer sujeitos coletivos que enfrentam diretamente a luta contra as injustiças ambientais, visibilizando e problematizando o racismo e o etnocentrismo determinantes na geração e/ou agravamento das injustiças ambientais. E, com a possibilidade de acessar um edital da CESE, de apoio a iniciativas de enfrentamento das injustiças ambientais no Nordeste, surgiu a oportunidade de construirmos um processo de formação e articulação nesse sentido.

IT: Por que a escolha do Nordeste para a realização das oficinas?

CF: A mobilização das populações do Nordeste em torno desses debates tem todo um sentido, uma vez que nas ultimas três décadas a região, antes tida como “terra da infertilidade”, é hoje uma das principais zonas de expansão do capital e de sua diversificação, como no caso do agro e hidronegócio, da indústria de energia, do turismo de massa e da mineração, dentre outros. Isso significa toda uma carga de impactos negativos sobre as populações nordestinas, que são marcadamente negra e indígena, onde existem e resistem povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais que têm perdido ou estão ameaçados de perder seus territórios, o que, claro, significa um processo de genocídio em nome da acumulação e do lucro. Na Zona Costeira do Ceará, por exemplo, essa expansão não acontece sem uma forte base na privatização da terra e da água; na degradação ambiental e marginalização das populações locais; e nos incontáveis impactos negativos sobre as atividades produtivas, sociais e culturais, tradicionais e sustentáveis. Outra questão a se considerar é que esse novo viés desenvolvimentista do Nordeste, posto pelas elites locais como a grande revolução nordestina, agravam a histórica concentração fundiária, o autoritarismo das políticas e a violência institucional contra os núcleos de resistência. Assim, a criminalização, a perseguição, a desqualificação e toda sorte de violação de direitos, são, indubitavelmente, os recursos utilizados pelas classes dominantes e pelo Estado para impor os grandes projetos econômicos. Pois, quando as pessoas se organizam, constroem conhecimentos, elaboram as denúncias e contraposições, as faces perversas desses processos são claramente evidenciadas. Então, a perspectiva transformadora do pensamento, da argumentação e da ação da sociedade - organizada ou não - precisa ser negada e silenciada, uma vez que o discurso desenvolvimentista é tão falacioso que a maior parte de sua força está concentrada na antidemocracia de sua “democracia” e na violência de seus instrumentos.

Foto: Eduardo Chaves


IT: Queremos agradecer a sua contribuição e, para finalizar, perguntamos sua opinião sobre o significado desse processo de articulação que está sendo construído entre os movimentos sociais e o GT Combate?

CF: A formação e os diálogos buscaram fortalecer alianças na construção da justiça ambiental, visibilizando e denunciando a face perversa da dimensão racial das desigualdades que perpassam as injustiças sociais e ambientais — entendidas de forma articuladas e imbricadas entre si e com o próprio racismo e sua lógica antidemocrática. Nesse percurso dialógico, destacou-se a participação de organizações e pessoas que compõem os movimentos sociais, ambientalistas, e ainda movimentos comunitários que se impõem em resistência à expansão e diversificação do capital nos conflitos ambientais por ele gerado. Tal processo significou, pois, um importante momento de construção e socialização de pensamentos, idéias e estratégias de enfrentamento ao racismo ambiental e sobre a democratização e acesso à justiça. A sistematização desses processos está sendo elaborada e em breve será socializada nas redes de articulação política e com a sociedade de um modo geral. Por enquanto, quem se interessar pode acessar os relatórios da I Oficina aqui (Relatório 1ª oficina) ou no Blog do GT, onde também está disponível o relatório do Encontro com @s Advogad@s Populares.

http://www.terramar.org.br/oktiva.net/1320/nota/159475