Desde o início de 2011, aumentou o consenso entre os economistas em torno do processo de desindustrialização pelo qual passa o Brasil. Poucos hoje ainda duvidam de que o País esteja enfrentando uma "comoditização" da sua economia, cujo fenômeno começou pelas exportações, mas já é sentido no mercado doméstico. A importância relativa da indústria decresceu nos últimos anos, aproximando-se, agora, de 13% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Já esteve mais para 1/3 do PIB.
Tecnicamente, um país pode ser considerado desindustrializado se o peso desse setor for menor do que 10% da economia (exceção feita aos países já desenvolvidos). A Argentina é um exemplo muito usual de desindustrialização e decadência econômica na segunda metade do século 20, sobre o qual todos em geral concordam. O apogeu da sua crise ocorreu em 2001. Ainda assim, a indústria no vizinho mercosurenho responde por cerca de 35% das riquezas produzidas no país.
Em relação à sua economia, o Brasil pode, então, ser considerado menos industrializado que a Argentina? Antes que uma resposta precipitada nos leve a questionar a parceria regional, é preciso constatar o que temos em comum. Há, na verdade, um fator que nos une muito mais importante a ser levado em conta: voltamos a desempenhar alegremente o papel de celeiros do mundo. A indústria alimentícia é a mais dinâmica em ambas as nações.
Os economistas brasileiros listam uma série de variáveis cruciais para compreender as dificuldades observadas na nossa indústria manufatureira. O câmbio sobrevalorizado, os maiores juros do mundo, infraestrutura afunilada, baixos níveis de educação, precária inovação tecnológica, rigidez das leis trabalhistas, impostos muito elevados, vantagens comparativas e deslealdades de competidores internacionais são algumas delas, frequentemente citadas. Mas esses mesmos economistas parecem suprimir uma variável decisiva representada pela integração regional das cadeias produtivas.
Os blocos latino-americanos vivem profunda crise, que até 2008 foi encoberta pela criação de novas instituições, numa espécie de fuga para a frente. Os anos dourados da integração regional sul-americana ocorreram mesmo entre 1991 e 1998, quando Brasil e Argentina se tornaram os maiores parceiros comerciais um do outro, momento em que entrelaçamos nosso destino de maneira virtualmente irreversível. De lá para cá, ladeira abaixo, a parceria é agora agravada pelo advento da China, que progressivamente afasta brasileiros e argentinos. Não somos mais os principais parceiros entre nós. Nosso maior sócio hoje, a China, integra suas cadeias industriais no sudeste asiático numa escala em que o Mercosul só se pode defender.
Se a China, que tem sozinha o maior crescimento econômico e o maior mercado potencial do mundo, se integra regionalmente, nada explica o desaparecimento da variável regional aqui, no Brasil. Temos sido levados pelo aumento extraordinário no valor das commodities. E isso nos faz negligenciar a própria região, cujas características primário-exportadoras nos tornam concorrentes. O Brasil só não está de costas para a região porque também é atraído pelo comércio no Pacífico. As novas estradas com os vizinhos facilitam o escoamento da produção brasileira rumo à Ásia. Ou seja, mudamos a rota comercial, depreciando a qualidade da nossa inserção internacional.
Não há nada de errado ou menor em exportar comida, minério de ferro ou outros produtos do gênero. O que não parece compreensível é abrir mão da indústria, limitarmo-nos à montagem final de bens duráveis e passar a depender, agora, das necessidades chinesas para o nosso próprio desenvolvimento. Menos compreensível ainda é o desaparecimento do contexto regional nos diagnósticos econômicos sobre a desindustrialização. A um só tempo, o Brasil está deixando de ser um global trader equilibrado e líder no comércio com os países sul-americanos.
PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UFRJ E DO IUPERJ, É COORDENADOR DO LABORATÓRIO DE ESTUDOS DA AMÉRICA LATINA (LEAL)