segunda-feira, 12 de julho de 2010

MPE entra com ação contra Serra e religiosos por antecipar campanha Serra teria feito propaganda irregular em evento em Santa Catarina.

12/07/2010 12h15 - Atualizado em 12/07/2010 12h26

MPE entra com ação contra Serra e religiosos por antecipar campanha
Serra teria feito propaganda irregular em evento em Santa Catarina.
Propaganda eleitoral está liberada por lei desde 6 de julho.

Débora Santos
Do G1, em Brasília

imprimir
saiba mais

PSDB rebate manifesto de centrais sindicais contra José Serra Serra reafirma no CE promessa de ampliar Bolsa Família O Ministério Público Eleitoral (MPE) protocolou neste fim de semana no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) novo pedido de multa ao candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, e aos religiosos Cesino Bernardino, Reuel Bernardino e José Lima Damasceno por supostamente antecipar campanha.

A propaganda irregular teria sido feita no dia 1º de maio, em Camboriú (SC), durante o 28º Congresso Internacional de Missões dos Gideões Missionários. De acordo com o MPE, pastores do grupo religioso teriam se referido a Serra como próximo presidente da República.

O MPE pede multa máxima de R$ 25 mil a todos os envolvidos. Seguno a vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, o candidato tucano teria exposto a ao política em evento aberto, que teria contado com teles espalhados pela cidade e um público estimado em 180 mil pessoas.

Na ação, que será analisada pelo ministro do TSE Joelson Dias, o MPE afirma ainda que a propaganda irregular se caracteriza pela "induvidosa intenção de revelar ao eleitorado o cargo político que se almeja". Por lei, a propaganda eleitoral está liberada desde 6 de julho.
~

http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/07/mpe-entra-com-ao-contra-serra-e-religiosos-por-antecipar-campanha.html

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Lula nega que ações afirmativas realcem diferenças raciais

Sábado, 3 de julho de 2010
Lula nega que ações afirmativas realcem diferenças raciais


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu as iniciativas de seu governo para os afrodescendentes, negando que as políticas de ações afirmativas, como a instituição de cotas para negros em universidades e a demarcação de terras quilombolas, realcem as diferenças raciais no país, ameaçando a harmonia racial.

“Não é verdade, não é verdade. O preconceito está aí, está em cada esquina, está em cada rua, está em cada casa. Não adianta tratar essas coisas com mentiras”, afirmou o presidente em entrevista à TV Brasil Internacional, um dia antes de embarcar para uma viagem a seis países da África.

Lula citou a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial como conquistas importantes para a consolidação das políticas afirmativas.

O presidente lembrou também a aprovação da obrigatoriedade do ensino das culturas afro-brasileira e africana nas escolas. “Tudo isso é extremamente importante para o futuro do país, para a construção da nova consciência cidadã que precisamos ter.”

Na entrevista, Lula destacou ainda o fato de ter sido aprovada pela Câmara da Universidade Luso-Afro-Brasileira a implantação dessa instituição de ensino em Redenção, no Ceará. A intenção é formar recursos humanos para desenvolver a integração entre o Brasil e os demais países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente os africanos

“Nós queremos uma universidade com 10 mil alunos, 5 mil brasileiros e 5 mil africanos, com parte do currículo africana, parte do currículo brasileira, ou seja, tudo afro-brasileiro, com professores dos dois continentes”, detalhou Lula.

A entrevista do presidente à TV Brasil Internacional será exibida a partir de sábado (2) nos 49 países africanos para os quais o canal é transmitido, coincidindo com o início de sua viagem ao continente. O primeiro país visitado será Cabo Verde. Em seguida, o presidente irá à Guiné Equatorial, ao Quênia, à Tanzânia, a Zâmbia e à África do Sul.

Da Agência Brasil


http://br.groups.yahoo.com/group/discriminacaoracial/message/60124

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Federação de candomblé de SP fica surpresa com denúncias sobre pedofilia e maus-tratos em terreiros

Federação de candomblé de SP fica surpresa com denúncias sobre pedofilia e maus-tratos em terreiros
Plantão | Publicada em 07/07/2010 às 17h44m

Marcelle Ribeiro - O Globo

Comente
Comentários
SÃO PAULO - O presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo (Fucesp), Pai Salum, ficou surpreso com as denúncias de que uma menina de 10 anos de idade foi encontrada com cortes pelo corpo e a cabeça raspada em um terreiro de candomblé em Várzea Paulista, a 62 km da capital paulista, e de que abusos de menores de idade supostamente aconteceriam em outros dois templos da cidade. A menina ainda teria ficado 14 dias em um templo, e foi orientada a não sair do local, o que, segundo o Ministério Público, pode configurar cárcere privado. Segundo o presidente da Fucesp, não são comuns os casos em que os participantes da religião sofrem cortes com punhais em rituais.

- Nunca soube de rituais em que crianças têm a cabeça raspada. Só se isso for uma ritual exclusivo dessa pessoa. E não se usa mais fazer marcações pelo corpo com punhais. Isso é uma coisa antiga e não se pode fazer com uma criança. A federação não recomenda esse tipo de coisa - afirmou Pai Salum.

Segundo o presidente da Fucesp, há participantes do candomblé adultos que raspam a cabeça, mas isso é cada vez mais raro. Sobre o fato de terem sido encontrados dvds, revistas pornográficas e camisinhas em dois templos de Várzea Paulista, Pai Salum disse que trata-se de "coisa de louco". Ele informou que os isolamentos de praticantes do candomblé podem ser feitos em alguns casos, mas com adultos e com duração máxima de uma semana.

Pai Salum teme que a imagem do candomblé fique prejudicada com as denúncias e admite que não é possível ter um controle do que acontece em todos os terreiros.

- Se isso começar a surgir, vai ficar ruim para nós. Mas a religião é livre, cada um faz o que quer. Nós recomendamos não fazer certas coisas.

A Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo (Fucesp) representa cerca de dois mil templos de candomblé e umbanda do estado.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Ex-ministra Matilde diz não vê sentido em Estatuto sem cotas

Ex-ministra Matilde diz não vê sentido em Estatuto sem cotas
Por: Redação - Fonte: Afropress - 5/7/2010

S. Paulo - Dois anos, quatro meses e dez dias depois de deixar o cargo, na primeira entrevista em que falou abertamente de sua exoneração da SEPPIR e da gestão do seu sucessor, o deputado Edson Santos, a ex-ministra Matilde Ribeiro manifestou desaprovação ao acordo que resultou na aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Senado.

“Todo projeto tem uma alma. O centro do Estatuto são as ações afirmativas para a população negra. Da forma como foi agora, esse centro foi comprometido. O esqueleto se mantém, mas não faz sentido a aprovação do Estatuto sem as cotas, assim como não faz sentido o Estatuto sem uma visão que fortaleça essa construção da política da igualdade racial, que ainda não é vista pela sociedade brasileira como importante”, afirmou.

Para a ex-ministra, que faz questão de ressalvar que não está alinhada com os movimentos que pregam o veto e evita críticas direta a direção da SEPPIR, que conduziu o processo de negociação com o senador Demóstenes Torres, do DEM, de Goiás “faltou análise estratégica, faltou análise política”.

“Olhando de fora, a impressão é de que o momento estratégico era até novembro do ano passado. Em não tendo sido votado até novembro, devia ter sido feita uma avaliação de deixar as coisas e retomar lá na frente em outra conjuntura”, acrescenta.

Segundo a ex-ministra que, no final deste mês completa 50 anos, “o conteúdo do Estatuto tinha de ser mais contundente”. “Se tivesse nesse papel de negociação não forçaria para que ele fosse votado nesse momento”, insiste.

Na entrevista, que concedeu ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira, Matilde conversou por quase duas horas na sede da Viração (ONG que publica a revista "Viração", feita por jovens da periferia e da Febem e apoiada pela Unesco e pelo Unicef, na Rua Augusta), sobre a sua exoneração do cargo acusada de gastos excessivos no cartão corporativo, o que ela chama de uma “chapoletada”; da SEPPIR, do Governo Lula e do papel político que acabou de assumir.

Ela foi convidada na semana passada pela direção do PT paulista a assumir uma das suplências – a 2ª – do empresário e apresentador Netinho de Paula, candidato ao Senado pelo PC do B na coligação com o Partido. Observou ter recebido o convite com surpresa “porque não estava esperando esse tipo de retorno”. “Embora não estivesse pleiteando é hora de voltar”, acrescentou.

Leia, na íntegra, a entrevista da ex-ministra a Afropress.

Afropress - Ministra qual é a sua avaliação sobre o acordo feito pela SEPPIR para aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, no Senado?

Matilde Ribeiro - Todo projeto tem uma alma. O centro do Estatuto são as ações afirmativas para a população negra. Da forma como foi agora, esse centro foi comprometido. O esqueleto se mantém, mas não faz sentido a aprovação do Estatuto sem as cotas, assim como não faz sentido o Estatuto sem uma visão que fortaleça essa construção da política da igualdade racial, que ainda não é vista pela sociedade brasileira como importante.

O momento em que foi votado não foi dos melhores. O presidente Lula não precisava de nenhum marco legal. Foi esse Governo que criou a SEPPIR, a política para os quilombolas, ou seja: apresentou proposição de mudanças fundamentais na política da igualdade racial. Era melhor aguardar um pouco mais e garantir negociações que não tirassem a essência do Estatuto.

O conteúdo do Estatuto tinha de ser mais contundente. Se tivesse nesse papel de negociação não forçaria para que ele fosse votado nesse momento.

Faltou análise estratégica, faltou análise política. Olhando de fora, a impressão é de que o momento estratégico era até novembro do ano passado. Em não tendo sido votado até novembro, devia ter sido feita uma avaliação de deixar as coisas e retomar lá na frente em outra conjuntura.

Afropress - Mas, a SEPPIR alega ter promovido reuniões em que ouviu entidades negras a respeito do acordo e da aprovação?

Matilde - Não adianta fazer uma avaliação chamando para uma reunião com 20, 30 pessoas. Talvez fosse o caso de se fazer uma audiência pública no formato que o STF promoveu para as cotase, no caso do Estatuto. Todo o debate feito acabou desgastando, agora tudo foi apressado demais.

Afropress - Faltou visão, então, de quem negociou?

Matilde - Tenho dificuldade de dizer isso. O próprio senador Paim teria dito que não tinha mais como manter os mesmos interesses naquele momento. Em relação ao ex-ministro Edson , todo o político quer deixar uma grande marca. A minha dúvida é se essa é uma grande marca. O contexto para o Brasil não era favorável.

Não existem leis completas. Dialogar e ter como principal interlocutor o DEM.. Não faz parte das minhas opções políticas. O que vejo é o seguinte: está feito, será sancionado e temos de tomar como lição e procurar construir anteparos a isso.

Por isso temos de estar atentos a política de quilombos, ampliar o diálogo com quem toma decisões na política. Outra coisa: não é hora de mexer com esse negócio [a votação da ADI dos quilombos] no Supremo Tribunal Federal.

Duas coisas considero fundamentais na agenda política: a manutenção do alerta em relação as cotas e a questão quilombola. A política de quilombos tem de ter respaldo na sociedade. As condições exigem respostas contundentes por parte do Governo.

O Estatuto está em baixa, mas é só uma peça do jogo. Isso não começou aqui, mas também não termina aqui.


Afropress - Se convidada, a senhora estará na cerimônia que deve acontecer no Planalto para a sanção do Estatuto pelo Presidente Lula?

Matilde - Não faço questão de estar lá. Faço questão de continuar discutindo o rumo da política da igualdade racial no Brasil. É um evento na história que pode ser revertido com uma avaliação do processo. Uma vez que chegou a esse ponto e não tem uma movimentação de peso para mudar o rumo, o sancionamento vai acontecer. Cabe a quem tem visão crítica, entender que isso aconteceu e não entregar o jogo.

Não me neguei a participar de nenhum momento estratégico, de dialogar com o PT, com o Movimento Negro. Mantive uma relação muito próxima em relação a CONAQ. Me coloco como colaboradora. Eu tomei a decisão de não fazer enfrentamentos. Mas, não faço questão de estar lá.

Afropress - Como é que foi e é a sua relação política com o seu sucessor, o ministro Edson Santos?

Matilde - Em relação ao ministro Edson, ele nunca foi meu concorrente, meu rival. Fiquei muito na torcida de tudo dar certo, embora sofrendo o impacto da "chapoletada".

Afropress - A senhora não esteve na II Conferência de Promoção da igualdade Racial, realizada em Brasília, em junho do ano passado...

Matilde - Não fui convidada.

Afropress - Passados mais de dois anos, a senhora pode explicar melhor sua saída do Governo?

Matilde - Não tenho dúvida nenhuma de que minha saída do Governo foi o resultado de uma afronta ao Governo Lula e a construção da política de igualdade racial. Não foi um recado, foi uma “chapoletada”. A questão mais concreta foi a com a BBC [a entrevista em que ela disse que quem foi açoitado a vida inteira não tinha obrigação de gostar de quem o açoitou].

Uma resposta talvez infeliz da minha parte levantou uma onda de questionamentos. Tudo porque eu disse que quem tinha a lembrança do açoite, não tinha porque ter boas lembranças de quem o escravizou.

A situação no Brasil não está resolvida. Existem escravizados e escravocratas.

O Alexandre Garcia [jornalista da Rede Globo] chegou a dizer que eu não tinha condições de ser ministra. Essa situação me custou uma situação muito difícil, fui alvo de questionamento na Procuradoria da República, por parte da senadora Kátia Abreu, questionando se a afirmação não configurava prática de racismo. Ou seja: estava se criando a possibilidade de uso contra mim, de uma Lei criada para definir que racismo é crime.

Estou citando esse fato para dizer que já era alvo do interesse midiático, não por mim, mas por quanto a questão racial incomoda. Não era a mim, era ao presidente Lula, o destinatário desse tipo de questionamento.

Afropress - A senhora já se queixou em público de não ter tido apoio do Movimento Negro...

Matilde - Pelas minhas escolhas políticas acabei ficando sem apoio. O Movimento Negro não agiu a contento. A defesa foi pequena. Eu saí em acordo com o Presidente Lula.

Afropress - A senhora guardou alguma mágoa, do presidente por tê-la exonerado?

Matilde - Tenho uma admiração muito grande pelo Presidente Lula, pela condução que está sendo dada, com todas as contradições, tem um investimento em mudança. Meu acordo com o Presidente Lula foi de ser colaboradora, tendo por alvo a SEPPIR. Sou uma pessoa extremamente comprometida com a condução dessa política.

Afropress - Como a senhora enfrentou, de repente, o furacão da sua exoneração do Governo acusada de extrapolar gastos com dinheiro público?

Matilde - Minha vida pessoal foi virada de cabeça prá baixo. Não nasci em berço de ouro. Ainda machuca muito o fato de ter saído do governo com um ataque público de uma coisa que não fiz. Minha família, minhas irmãs [ela tem seis irmãs, duas do casamento do seu pai, Manoel, já falecido, com dona Cida, a quem considera sua segunda mãe] sofreram muito, até mais do que eu. A Cida, que todas temos como nossa segunda mãe, me ligava dizendo que a vizinha tinha vindo na casa dela dizendo que eu estava sendo acusada de roubar dinheiro do governo. Essa mágoa ficou e vai ficar pelo resto da vida. Então adotei uma postura recuada,não quer dizer deixar de agir politicamente.

Afropress - Qual o balanço que a senhora faz da política de igualdade racial nos dois Governos Lula?

Matilde - São oito anos de governo. Toda a construção da política de igualdade racial trouxe avanços sem precedentes no Brasil. As mudanças são favoráveis, mas é muito difícil construir. O Estatuto é um exemplo.

Afropress - Como recebeu a indicação para ocupar uma suplência na chapa com Netinho para o Senado?

Matilde - Me surpreendeu porque não estava esperando esse tipo de retorno. Mas, embora não estivesse pleiteando é hora de voltar para um papel mais visível na campanha. Tive convites explícitos para ir para outros partidos. O PC do B, por exemplo, me convidou de maneira muito enfática. Mas, meu DNA é petista. É uma chamada que vale a pena responder. Buscar condições mais visíveis. A disputa não será fácil. O jogo é prá valer e não é um amistoso.

O Netinho não se tornou candidato a senador com toda essa inserção à toa. Acompanho a vida do Netinho, desde a época do Negritude. Ele está num momento de maturidade política importante. O histórico do Netinho é muito próximo do meu. Temos de apostar.

Afropress - Qual na sua opinião deve ser o papel do Movimento Negro no atual momento do país?

Matilde - Fazer política concreta, dar significado à política da igualdade racial. Não são só leis, não são só propostas. Mas ter um pensamento estratégico de colocar propostas em desenvolvimento, sem guetizá-las. É preciso que tenhamos uma estrutura institucional que nos favoreça, respeitando processos organizativos para tomada de decisões, mas tendo um lugar decisório.

Afropress - A senhor deixou amigos na SEPPIR

Matilde - Sim, deixei sim. Sempre mantive diálogo como Martvs [Chagas, Secretário de Ações Afirmativas], com o Flavio Jorge [liderança negra de S. Paulo, atualmente na Fundação Perseu Abramo, do PT].

Afropress - A senhora nunca fala da sua vida pessoal

Matilde - Já fui casada duas vezes. Estou separada há mais de 10 anos. Não sei se casarei de novo. Filhos, agora só adotando. Sou muito dedicada a minha família. Vou ao supermercado de chinelo havaiana.

http://www.afropress.com/noticiasLer.asp?id=2273

domingo, 4 de julho de 2010

A Produção Intelectual das Mulheres Negras e o Epistemicídio: Uma breve contribuição

quarta-feira, 9 de junho de 2010
A Produção Intelectual das Mulheres Negras e o Epistemicídio: Uma breve contribuição

Jaqueline Lima Santos (1)

A primeira vez que escutei esta palavra estranha, epistemicídio, levantei várias hipóteses sobre o seu significado. "Episteme" estaria ligada ao conhecimento, e "cídio" me lembrou a palavra homicídio, que significa "crime que mata outrem", logo cheguei à conclusão que o epistemicídio seria o assassinato do conhecimento de alguém. E quem seria este alguém que está sujeito ao epistemicídio? Nesse texto pretendo trazer uma breve apresentação do conceito, e posteriormente tratar da produção intelectual das mulheres negras.
Em busca de referências para entender melhor o epistemicídio, encontrei trabalhos da filósofa Sueli Carneiro(2), que citavam o sociólogo Boaventura de Souza Santos(3), idealizador do conceito. Segundo Sueli Carneiro, epistemicídio é um conceito que se refere às formas de conhecimento que não estão estabelecidas.
Alia-se nesse processo de banimento social a exclusão das oportunidades educacionais, o principal ativo para a mobilidade social no país. Nessa dinâmica, o aparelho educacional tem se constituído, de forma quase absoluta, para os racialmente inferiorizados, como fonte de múltiplos processos de aniquilamento da capacidade cognitiva e da confiança intelectual. É fenômeno que ocorre pelo rebaixamento da auto-estima que o racismo e a discriminação provocam no cotidiano escolar; pela negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do Continente Africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade; pela imposição do embranquecimento cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar. A esses processos denominamos epistemicídio (Carneiro, 2005). (4)
Em seu livro "Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social"(5), Boaventura de Souza Santos defende que a produção de conhecimento ocidental, colocada como hegemônica, precisa ser deslocada do lugar de ciência única e legítima, pois "a compreensão de mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental de mundo".
Segundo Boaventura, essa ciência ocidental, o saber no Norte (dos países denominados "desenvolvidos"), acabou se tornando predominante nas relações do Sul (países periféricos), o que teve como conseqüência a produção de teorias fora do lugar, que não se ajustam as realidades sociais locais, e, apesar de diversas experiências estarem sendo desenvolvidas no Sul, elas continuam sendo pensadas através da perspectiva do Norte. As universidades do Sul ainda seguem o modelo do Norte, e ao olhar para o Sul a partir do saber do Norte as teorias acabam por reproduzir as desigualdades entre Sul e Norte.
Para o conhecimento do Norte, ao longo da história, foram construídos mecanismos para sua legitimação e negação dos conhecimentos alternativos e científicos das comunidades não ocidentais, tornando-os objetos de pesquisa. Para mudar este quadro, Santos propõe que reinventemos a emancipação social a partir do Sul, o que permitiria um pensar organizado fora dos centros hegemônicos, através daquilo que ele propõe como "Sociologia das Ausências", uma maneira de enfrentar o desperdício de experiências sociais que é o mundo.
(...) uma sociologia insurgente para tentar mostrar que o que não existe é produzido ativamente como não-existente, como uma alternativa não crível, como uma alternativa descartável, invisível a realidade hegemônica do mundo. (BOAVENTURA, 2007, P. 28-29).
A lógica positivista ocidental impôs que a ciência é independente da cultura. Boaventura contraria esta idéia propondo que nós devemos ser objetivos e não neutros:
Objetividade, porque possuímos metodologias próprias de ciências sociais para ter um conhecimento que queremos que seja rigoroso e que nos defenda de dogmatismos. E, ao mesmo tempo, vivemos em sociedades muito injustas, em relação as quais não podemos ser neutros. (BOAVENTURA, 2007, P. 32).
Segundo Boaventura há cinco formas de produzir ausência em nossa racionalidade ocidental que as ciências sociais compartem. A primeira seria a monocultura do saber e do rigor – aquela para a qual existe um único saber científico, os outros não têm validade, eliminam as realidades fora dos padrões ocidentais, os saberes populares. "(...) Essa monocultura do rigor baseia-se, desde a expansão européia, em uma realidade: a da ciência ocidental". Essa monocultura do saber e do rigor ao negar as outras formas de se produzir conhecimento, produz o que Boaventura chama de "epistemicídio": "a morte de conhecimentos alternativos". A segunda seria a monocultura do tempo linear: "(...) a idéia de que a cultura tem um sentido, uma direção, e de que os países desenvolvidos estão na dianteira". Parte do pressuposto que tudo que existe nesses países desenvolvidos estão à frente dos outros países, eles se colocam na condução da história. A terceira monocultura da naturalização das diferenças: Naturaliza as condições das diferenças, como se as hierarquias fossem frutos de classificações naturais, "(...) não se pensa diferenças com igualdade; as diferenças são sempre desiguais". A quarta seria a monocultura da escala dominante: Coloca a Hegemonia do global, universal, invisibiliza o local, o particular. A quinta e última forma de produzir ausências seria a monocultura do produtivismo capitalista: a idéia de que o ciclo de produção determina a produtividade humana, tudo que não é produtivo na lógica ocidental é considerado improdutivo e estéril. Ser improdutivo é a maneira de produzir ausência.
A sociologia das ausências seria o mecanismo pelo qual o que esta ausente passe a estar presente. "Há cinco formas de ausência que criam esta razão metonímica, preguiçosa e indolente: o ignorante, o residual, o inferior, o local ou particular e o improdutivo" (BOAVENTURA, 2007).
Se queremos inverter essa situação – por meio da sociologia das ausências- temos de fazer com que o que está ausente esteja presente, que as experiências que já existem, mas são invisíveis e não-críveis estejam disponíveis; ou seja, transformar objetos ausentes em objetos presentes". (BOAVENTURA, 2007, P. 32).
O fato de não sabermos trabalhar com os objetos ausentes é uma herança do positivismo. Boaventura afirma que a falta da ausência é um desperdício, e propõe a substituição das monoculturas pelas ecologias no procedimento da Sociologia das Ausências, com o objetivo de tornar as experiências ausentes em experiências presentes.
São cinco as Ecologias para tornar as experiências ausentes em experiências presentes: A primeira é a ecologia dos saberes – Fazer com que o saber científico dialogue com todos os saberes, fazendo um uso contra-hegemônico da ciência hegemônica. Essa ecologia contraria a idéia de ciência única e valoriza outros saberes, os conhecimentos tradicionais. A segunda é a ecologia das temporalidades – reconhecer a existência de outros tempos além do tempo linear. Se reduzirmos todas as temporalidades a temporalidade linear afastamos todas as outras coisas diferentes das nossas. Ex: O tempo dos antepassados nas comunidades africanas, "os que estão antes estão conosco". Cada um tem o seu tempo. A terceira é a ecologia do reconhecimento – somente aceitar as diferenças depois que as hierarquias forem descartadas. Descolonizar as mentes para entender o que é produto da hierarquia e o que não é. A quarta é a ecologia da transescala – Articulação em nossos projetos das escalas locais, nacionais e globais. O local pode ser embrionário se pode conduzir ao nacional. A quinta e última é a ecologia das produtividades – recuperação e valorização dos sistemas alternativos de produção, das organizações populares, cooperativas, movimentos sociais que a ortodoxia capitalista desacreditou.
O que Boaventura nos propõe é a valorização das diversas possibilidades de pensar a vida, das diversas formas de produzir conhecimento, e que uma não seja mais importante que a outra. Outro mundo é possível dentro das diversas possibilidades.
Não podemos reduzir a heterogeneidade do mundo em homogeneidade, e por isso o autor propõe o "procedimento de tradução" para entender a realidade do outro: "é traduzir saberes em outro saberes, traduzir práticas e sujeitos uns aos outros, é buscar inteligibilidade sem "canibalização", sem homogeneização". É preciso compreender sem destruir a diversidade.
E porque esta discussão é importante aqui? A universidade é um espaço de produção de conhecimento para a sociedade, ela produz a ideologia dominante, logo ela sustenta a existência de uma elite, as relações de poder. Hoje estamos reivindicando a inclusão de grupos historicamente excluídos nesses espaços, mas queremos que eles reproduzam as mesmas relações de dominação e desigualdades que estão postas? Ou queremos que sejam capazes de transformar, a partir das respectivas realidades vivenciadas em suas comunidades, as maneiras conservadoras, pautadas em um modelo de pensar único e universal, que estruturam a sociedade? É preciso que esses grupos possam valorizar as suas diferentes experiências, e não entrem na universidade para se tornarem meros receptores do conhecimento hegemônico, ocidental. Precisamos formar questionadores, que busquem a valorização do saber marginalizado, saberes que estão historicamente ligados com o seu passado e o passado de seus ancestrais, com a situação dos seus semelhantes nos dias de hoje. É preciso valorizar as diferentes experiências sociais, evitando o desperdício tão criticado por Boaventura.
Segundo Sueli Carneiro:
O genocídio que pontuou tantas vezes a expansão européia, foi também um epistemicídio. Eliminaram-se povos estranhos porque também tinham formas de conhecimento estranhas. E eliminaram-se formas de conhecimento estranhas porque eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos". Adequada aos dias correntes, essa idéia permite pensar a incapacidade de diversos grupos sociais conviverem com a diversidade, criando mecanismos desiguais de reprodução social. No caso dos negros, o epistemicídio atua como um conjunto de práticas educacionais desfavorecedoras e constrangimentos sociais quotidianos, visando obstar a trajetória do sujeito negro como sujeito de conhecimento. Impossibilitando esse papel, trava-se um processo social de emancipação do sujeito e de seu grupo.(6)
Em 7 anos de universidade, levando em consideração a graduação e o mestrado, na área de Ciências Humanas, tive pouco contato com intelectuais negras e negros, africanas e africanos, que transgrediram o pensamento tradicional, e posso afirmar que se não fosse o meu interesse em buscar a contribuição que os mesmos trouxeram para a minha área de pesquisa, teria, ao longo desses anos, uma formação totalmente branco-ocidental. Posso dizer também que o pouco contato que tive com produções intelectuais indígenas, partiu do meu próprio interesse. Outro dado relevante é que de todo o referencial teórico apresentado a mim pela universidade, as produções de mulheres não superaram os 10%, e se levar em consideração a produção intelectual das mulheres negras, esta foi nula, nunca nenhum professor me indicou uma referência teórica deste segmento, mesmo sabendo da existência de Lélia Gonzalez, Maria Firmino dos Reis, Maria Nazareth Fonseca, Petronilha Betriz Gonçalvez, Nilma Lino Gomes, Sueli Carneiro, bell hooks (7), Patrícia Hill Collins, Edna Roland, Deise Benedito, Margareth Menezes, Maria Inês Barbosa, Maria Beatriz Nascimento, Vilma Reis, Jurema Werneck, Fernanda Lopes, Luiza Bairros, Ilma Fátima, Conceição Evaristo, Mãe Menininha dos Gantóis, Makota Valdina, Maria Nilza Iracy, Luiza Bairros, Matilde Ribeiro e tantas outras Aqualtunes, Dandaras e Acotirenes que produzem conhecimento em seus diferentes campos: na academia, na música, no terreiro, na comunidade, na política, nas ruas e etc.
Em muitos momentos, ao citar o trabalho dessas autoras, ativistas, artistas, que produzem, de uma forma ou de outra, conhecimento sobre a nossa sociedade e em prol da mesma, fui questionada sobre a objetividade de seus trabalhos, isto porque, a maioria delas não separam sua condição social de mulher negra de suas produções intelectuais. Cansei de ter que intervir, na maioria das vezes, no sentido de provar que as produções intelectuais dessas mulheres trazem grande contribuição para a sociedade, e que na produção intelectual não existe um olhar que não seja comprometido, todo discurso, todo o enunciado, parte de algum lugar, e está comprometido com algo, principalmente nas Ciências Humanas onde o conhecimento não é algo exato, está em constante construção.
Pude perceber que as pessoas que me questionavam, sendo a maioria homens brancos, falavam também de um lugar, do lugar em que legitimavam seu espaço dentro da universidade, como o único produtor e legítimo dono de conhecimento, que continuava subjugando-nos como objetos de pesquisa. Não seria esse também um olhar comprometido? Comprometido com a dualidade ocidental, com o colonialismo, com a dominação?
As mulheres negras, desde a colonização do Brasil, trouxeram diversas contribuições intelectuais que constituem a formação do país. Hoje continuam inseridas nos diversos espaços, sejam eles políticos, acadêmicos, comunitários, em movimentos sociais, culturais, comunidades tradicionais e etc. Ignorar essas contribuições e trajetórias de vida é o mesmo que cometer o epistemicídio. Segundo Sueli Carneiro, anular e tornar invisíveis seus conhecimentos faz parte de um "conjunto de estratégias que terminam por abalar a capacidade cognitiva das pessoas negras, que conspiram sobre a nossa possibilidade de nos afirmarmos como sujeito de conhecimento, ou seja, todos os processos que reiteram que nós somos, por natureza, seres não muito humanos, e portanto, não suficientemente dotados de racionalidade, capazes de produzir conhecimento e, sobretudo, ciência".
Para finalizar, reafirmo as colocações de Sueli Carneiro em sua palestra realizada no evento "Resposta ao Racismo: Um Seminário na UNICAMP", em que a autora afirma que a experiência das (os) estudantes negras (os) nos espaços de orientação educacional é uma experiência de obstáculos:
"Desde os primeiros estágios, ele tem de se defrontar com, pelo menos, uma tríade de desafios: "A branquitude do saber, a profecia auto-realizadora e a autoridade da fala [brancas]", que articulam intrincadamente as idéias de racialidade, saber e poder, gerando submissão, abandono escolar, desprezo pela atividade intelectual e a franca percepção do não-lugar. "O processo de discriminação contra crianças negras constitui uma prática pedagógica", nos diz a autora. O sujeito negro é forçado a perceber desde cedo os fantasmas com os quais terá de lutar, hostilizado por eles continuamente. A confrontação final desse embate pedagógico, segundo a filósofa, se dá na Universidade. Apoiando-se nos intelectuais negros e ativistas estadunidenses bell hooks e Cornel West(4) – ambos interessados em discutir a situação do intelectual negro como sujeito de conhecimento e os mecanismos sociais que obstam essa realidade – afirma que o enfrentamento nesse espaço ocorre sem mediações. O dilema do intelectual negro, para usar uma expressão de West, se constitui, entre outras ações, em superar a visão de ser um herói solitário. Ele deve agregar à sua produção de conhecimento uma ação comunitária, capaz de diferenciar seu produto intelectual, com uma perspectiva negra. Isso, em grande medida, significa correr o risco de sair do padrão esperado e controlado pelo ambiente universitário, provocando, portanto, uma insubordinação às expectativas acadêmicas em relação a esse intelectual negro.(8)
Espero que possamos desconstruir a lógica cartesiana de um único lugar, uma única possibilidade, uma única resposta, uma única verdade, e que os conhecimentos ditos "periféricos" e "subalternos" também sejam deslocados para o centro de nossas formações.
__________
(1) Jaqueline Lima Santos é estudante de mestrado em Ciências Sociais – Antropologia pela UNESP, pesquisadora do NUPE – Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão, militante do Movimento Negro Unificado (MNU), do Fórum de HIP HOP do interior e da AMO.
(2) Sueli Carneiro possui doutorado em Educação pela FE - Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é coordenadora executiva do Geledes Instituto da Mulher Negra. Tem experiência em pesquisa e atuação nas áreas de raça, gênero e direitos humanos.
(3) Boaventura de Souza Santos é doutor em sociologia do direito pela Universidade Yale, professor titular da Universidade de Coimbra, Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Diretor do Centro de Documentação 25 de Abril da mesma Universidade e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.
(4) Em Legítima Defesa – Sueli Carneiro. Fonte: http://www.geledes.org.br/.
(5) SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social. São Paulo: Boitempo, 2007.
(6) Trecho da apresentação de Sueli Carneiro no evento "Respostas ao Racismo: Um seminário na Unicamp", retirado da matéria elaborada por Mário Augusto Medeiros da Silva e publicada no Portal Irohin: www.irohin.org.br.
(7) Escreve seu nome com letras minúsculas como forma de protesto a condição social que lhe é colocada como mulher negra.
(8) Mário Augusto Medeiros da Silva (2009), "Respostas ao Racismo: Um seminário na Unicamp", publicada no Portal Irohin: http://www.irohin.org.br/.


http://jaquelinecontraoepistemicidio.blogspot.com/2010/06/producao-intelectual-das-mulheres_09.html