segunda-feira, 20 de abril de 2009

EUA devem liderar pelo exemplo, diz Obama

Ao final de 1ª visita à América Latina, presidente cita prestígio de médicos cubanos ao definir sua doutrina de política externaEle defende negociação com rivais, diz que não pode só "mandar armas" ao mundo e relativiza a exportação do modelo norte-americano
SÉRGIO DÁVILAENVIADO ESPECIAL A PORT OF SPAIN
No último dia de sua primeira visita à América Latina, o presidente Barack Obama elogiou o trabalho dos médicos cubanos e sugeriu que os Estados Unidos deveriam seguir o exemplo e mandar mais do que armas à região e ao mundo como maneira de promover os interesses americanos. Disse que duvidava que dialogar com Venezuela e Cuba feriria os interesses estratégicos americanos.Ao fazer isso, Obama definiu o "obamismo" -literalmente. Instado a enunciar o que era a Doutrina Obama, o presidente brincou com o neologismo, mas cedeu ao pedido. O importante era reconhecer que, na interação de seu país com o resto do mundo, "o poderio militar é apenas um braço".Sob um sol inclemente, na varanda de um hotel afastado e para uma plateia de cerca de 30 jornalistas que o acompanharam no périplo, entre os quais a Folha, Obama elencou os pontos de sua doutrina como se numa palestra de faculdade.Três pontosBasicamente, começou, os EUA continuam a ser o país mais poderoso e rico do mundo, mas têm de ouvir, não só falar. "Problemas que enfrentamos, como os cartéis de drogas, mudança climática, terrorismo, o que você quiser, não podem ser resolvidos por um só país", disse, distanciando-se do unilateralismo do antecessor, o republicano George W. Bush.Segundo ponto, continuou: os EUA, em seus melhores momentos, representam um conjunto universal de valores e ideais que devem ser promovidos pelo exemplo, não pela força. "É a ideia de práticas democráticas, liberdade de expressão e religião, uma sociedade civil em que as pessoas são livres para perseguir seus sonhos", disse.Mas outros países têm culturas e perspectivas diferentes, ponderou. Assim, "se praticamos o que pregamos e, ocasionalmente, confessamos nos ter desviado de nossos valores e ideais, isso nos fortalece e nos permite falar com mais força moral e clareza a respeito dessas questões. Os povos do mundo apreciarão se falarmos que não vamos fazer sermão, mas mostrar por meio de nossas ações os benefícios desses valores e ideais".Como consequência de ouvir, concluiu, é preciso levar em conta interesses alheios. Esse pragmatismo, afirmou, pode mitigar o sentimento antiamericano e fazer com que a população dos países torne mais fácil para os governantes cooperarem com os EUA.Dessa maneira, conciliatória para o mandatário das mais poderosas Forças Armadas e da maior economia do mundo, Obama conclui seu périplo de quatro dias, que se iniciou na Cidade do México, na quinta, e terminou ontem, em Port of Spain, no encerramento da 5ª Cúpula das Américas, que reuniu líderes dos 34 países da região, com exceção de Cuba.Resposta a críticosNuma turnê que se destacou pela distensão entre os EUA e seus mais ferrenhos críticos regionais, mas notável também pela ausência de medidas concretas, o jovem presidente norte-americano passou a nova mensagem de Washington: queremos ouvir e conversar.Em relação a Cuba, terminou por citar um dos cartões-postais do regime castrista, o trabalho de médicos cubanos na região, elogiado por dirigentes latino-americanos. "São uma lembrança para nós, nos EUA, de que se nossa única interação com muitos dos países é o combate às drogas, nossa única interação é a militar, poderemos não desenvolver as conexões que, no longo prazo, podem aumentar nossa influência."Criticado pela oposição republicana e comentaristas conservadores nos EUA pelos contatos cordiais com o venezuelano Hugo Chávez durante a cúpula, Obama disse que não teme estender a mão a inimigos. "A ideia de que mostrarmos cortesia ou abrirmos diálogo com governos que antes eram hostis a nós seja uma demonstração de fraqueza não faz sentido", disse. "O povo americano não comprou essa ideia."Sobre a "ameaça" Chávez, disse: "A Venezuela é um país cujo orçamento de defesa é 1/600 do dos EUA. Eles são donos da Citgo [distribuidora de combustíveis nos EUA]. É improvável que, como resultado de eu apertar as mãos ou ter uma conversa educada com o senhor Chávez, estejamos pondo em risco os interesses estratégicos dos Estados Unidos".
São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo

Ban Ki-moon abre conferência sobre racismo criticando "quem nega o holocausto" e a islamofobia

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, abriu nesta segunda-feira em Genebra a Conferência sobre Racismo, ofuscada por várias ausências e pela presença do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad, famoso por sua oposição a Israel.
No discurso de abertura, Ban Ki-moon condenou as pessoas que negam o Holocausto.
Também afirmou estar "profundamente decepcionado" com a ausência de certos países, ao mesmo tempo que persistem todas as formas de racismo.
"Estamos falando de encontrar uma nova unidade como pede nossa época. No entanto, seguimos frágeis e divididos como antes", disse Ban.
"Estou profundamente decepcionado com as recriminações mútuas e com alguns países que não estão aqui".
O secretário-geral da ONU afirmou ainda que a "islamofobia" é uma forma de racismo, assim como o antissemitismo.
Em consequência da presença do polêmico presidente iraniano, Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Holanda, Itália, Israel e Polônia decidiram boicotar a conferência, que pretende dar sequência ao primeiro encontro contra o racismo, organizado em Durban (África do Sul) em 2001.
da France Presse, em Genebra . 20/04/2009 - 07h07 . Folha In Line. Mundo

Dissertação de mestrado realizado na USP aponta papel educativo do jornal Ìrohìn


Pesquisa mostrou como o Jornal Ìrohìn contribui efetivamente para a informação e formação da comunidade afro-descendente brasileira, desvelando o racismo que fica encoberto pela mídia tradicional.

Num país onde os monopólios midiáticos dão o tom de toda a cobertura jornalística, jornais produzidos e editados com temática específica do negro são cada vez mais importantes do ponto de vista educativo, pois atuam efetivamente na visibilidade de temas e no combate a preconceitos.
Essa é uma das conclusões da dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) sob o título Jornal Ìrohìn: estudo de caso sobre a relevância educativa do papel da imprensa negra no combate ao racismo (1996-2006). A tese defendida pelo sociólogo Ariovaldo Lima Junior, foi apresentada na última segunda-feira, dia 16 de março.
De acordo com o autor da dissertação, na medida em que o Jornal Ìrohìn traz o pensamento de intelectuais negros, por meio de artigos e entrevistas que não aparecem na cultura de massa em geral, o Jornal cumpre um papel pedagógico importante. “Nós temos o esforço de reunir essa produção negra para consulta, mas ela ainda é sofrível no Brasil. E nesse sentido, o Ìrohìn traz matérias do passado e do presente. Então ele é importante do ponto de vista pedagógico”, destacou Lima.

Para Sueli Carneiro, professora doutora em Educação e membro da Geledés (Instituto da Mulher Negra), o fato de as pesquisas realizadas na Universidade de São Paulo, incorporarem temas e objetos como o Jornal Ìrohìn, é fundamental para desvelar saberes que são invisibilizados pela grande mídia e pelos meios de comunicação em geral. “Acredito que ao se abrir para pensar temas como esse, a universidade cumpre um dever da sua missão pública que é de incorporar temas de relevância para a população brasileira em geral, e, no caso do Ìrohìn pela abrangência que tem ao recortar o universo dos negros, sistematicamente silenciado”, diz.
Além disso, a dissertação, que pelo tema pesquisado poderia ter sido defendida nos cursos de comunicação ou história, foi realizada na Faculdade de Educação, o que garante uma especificidade na forma de abordagem do objeto. Para o professor doutor em educação, Rafael dos Santos, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), que fez parte da banca examinadora, “a importância de defender na Faculdade de Educação é de mostrar que a construção de conhecimentos fora da escola pode contribuir para produção de conhecimento dentro dela, e mostrar que educação se dá em todos os espaços”, disse. Segundo ele, a escola é o meio educativo convencionalmente instituído e é importante que as minorias tenham acesso à escola, onde o conhecimento é legitimado. Por outro lado, “existem outros mecanismos de produzir saberes que precisam ser valorizados”, ressaltou ao falar do Ìrohìn.
De fato, um dos pontos levantados durante o caloroso debate da defesa da dissertação foi a invisibilidade do tema nas coberturas jornalísticas em geral, ainda que haja uma demanda cada vez maior por publicações voltadas ao publico negro. Para Sueli Carneiro, a mídia brasileira ainda está calcada numa visão branca e eurocêntrica, sendo essa a visão hegemônica na maior parte das coberturas. Enquanto isso, “existe uma demanda que não é atendida. Há nichos editoriais que não são atendidos e a nossa gente está revelando isso, buscando criar canais de opinião, de reflexão, de entretenimento, de moda, de beleza, que dêem conta do universo negro”, ressaltou.
Desafios Assim como qualquer pesquisa acadêmica, existem desafios e dificuldades encontradas, tanto do ponto de vista metodológico, quanto do ponto de vista da abordagem do objeto que são intrínsecas ao processo. No entanto, no caso desta pesquisa em específico, outras dificuldades e desafios precisaram ser transpostos. A professora doutora em Educação, Roseli Fischman, que orientou todo o trabalho, apontou a carga histórica que pesa sobre os ombros dos estudantes negros, como um dos mais difíceis desafios. “Eu tenho orientado muitos estudantes negros e existe uma coisa que é permanente com todas essas pessoas, que é o fato de pesar uma carga histórica muito grande”, disse.
Segundo a professora, isso vem diminuído nos últimos 15 anos, mas ela ainda vê diferenças na orientação prestada aos estudantes negros em relação aos estudantes brancos e de outras etnias.
“No caso dos negros existe essa carga adicional, uma carga histórica, como que uma sentença proferida de que “Não vencerás!””, afirma. “Isso se torna pra mim uma questão filosófica é como aquela imagem que vem a cabeça em Entre o passado e o futuro, de Hannah Arendt: como se houvesse um passado empurrando, que quer que chegue logo o futuro e o futuro que também eima em não chegar, que resiste. A pessoa fica no meio [...] tudo que a pessoa gostaria era de sair e olhar de cima, deixar que passado e futuro se resolvessem. Mas não é assim que acontece”, completa.
Outras dificuldades encontradas ao longo da pesquisa foi o fato se encontrar pouquíssima bibliografia escrita sobre imprensa negra. “Existe uma tese ou outra, mas não existem fontes abundantes, modelos prévios de metodologia”, disse Roseli. “A curta vida dos outros jornais de imprensa negra acabou deixando que algumas coisas se perdessem no tempo”. Além disso, houve certa dificuldade também para se estabelecer uma estrutura, o arcabouço da pesquisa. “Mas o Ariovaldo sistematizou tudo e deu conta”.
Para Roseli, orientar um trabalho sobre o Jornal Ìrohìn além de ser uma contribuição do ponto de vista da produção acadêmica, de garantir material para pesquisas futuras, foi também uma satisfação do ponto de vista pessoal. “Acredito que o Ìrohìn é um grande exemplo de uma luta não violenta, dentro da tradição do Luther King do combate não violento. Ao invés de ir para uma briga no braço, usa essa coisa do argumento, tenta convencer”, concluiu.

19/03/2009 - 10:24:37.
Por Ana Claudia Mielki

domingo, 19 de abril de 2009

Soweto, símbolo da resistência, se divide em mansões e casas com teto de zinco

DO ENVIADO A JOHANESBURGO
Mártir da luta contra o apartheid, Chris Hani, morto em 1993 por extremistas brancos, dá nome à avenida que corta o distrito do Soweto, dividindo-o em duas metades distintas.Para o sul, está o Soweto gravado no imaginário coletivo mundial, de grandes favelas com casas de teto de zinco e chão de terra alaranjada. Para o norte, intercalado com shoppings, escolas e hospitais, há um lugar com casas de tijolo de muro alto, jardins com grama cortada e eventualmente uma BMW virando a esquina. E que também se chama Soweto.Nenhum lugar na África do Sul adquiriu o simbolismo desse distrito de 1 milhão de pessoas (na verdade, uma coleção de 87 subdistritos), ao sudoeste de Johanesburgo, na resistência à segregação racial. Nelson Mandela e o arcebispo Desmond Tutu mantêm casas ali.Nos últimos anos, Soweto perdeu muito de sua homogeneidade, embora continue sendo quase 100% habitado por negros. Diepkroof, um subdistrito, surgiu no final do apartheid para abrigar negros com alguma escolaridade. Hoje lembra um condomínio fechado.Ali vivem profissionais liberais que trabalham no centro de Johanesburgo ou em Pretoria, a capital do país, a 50 km de distância. "As pessoas pensam nesse lugar como uma área de classe alta, e não como Soweto", diz Reabetswe Mogatusi, 19, estudante universitária.Diepkroof fica no alto de uma colina, de onde se avista a Soweto tradicional, de favelas intermináveis. O governo do CNA afirma ter construído 2,7 milhões de casas populares, algumas visíveis no local.Mas nada disso chegou, por exemplo, a Mutswalete, que tem o título de subdistrito, mas pode ser chamado de favela.Há luz nas vielas de chão de terra, mas não dentro das casas. "Usamos baterias de carro para ligar um radinho ou acender uma lâmpada", diz Innocent Sithole, 26. O maior problema é o desemprego. "Os empregos que aparecem são muito ruins", diz Floyd, 25, que vende cabritos para sobreviver.Mesmo assim, não há dúvida em quem Soweto vota. "CNA: poder para as pessoas!", responde Floyd. Ele é paciente: "O estrago de 50 anos [de apartheid] não tem como ser desfeito rapidamente". (FZ)
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo

Eleição sul-africana coroa ciclo turbulento

Pela primeira vez desde o fim da segregação racial, liderança histórica dos negros se divide em dois partidos diferentesPaíses vizinhos seguem com atenção disputa eleitoral na potência econômica e militar que dita os rumos de boa parte do continenteDO ENVIADO ESPECIAL A JOHANESBURGO
A eleição sul-africana da próxima quarta-feira coroa quatro anos de turbulência no país. O monolito político que era o Congresso Nacional Africano (CNA), partido que liderou a luta contra o apartheid e que capturou o poder desde o fim do regime, espatifou-se em uma ácida disputa entre o ex-presidente Thabo Mbeki e o virtual futuro presidente, Jacob Zuma."Superpotência" econômica e militar africana, a África do Sul dita os rumos do continente, e por isso a eleição vem sendo acompanhada de perto pelos países vizinhos.A guerra entre Mbeki e Zuma, vencido por este, teve um componente pessoal, de dois homens que passaram as três últimas décadas rivalizando à sombra do ícone Nelson Mandela, primeiro presidente pós-apartheid.No ano passado, após Mbeki ser alijado por Zuma primeiro da liderança do partido e depois da Presidência, parte de seus aliados promoveu o primeiro racha sério desde os anos 60 no quase centenário CNA.BispoFormaram o Cope (Congresso do Povo), que lançou o bispo metodista Mvume Dandala como candidato presidencial. Pela primeira vez, o CNA não pode mais se caracterizar como o partido dos negros contra uma oposição saudosista da discriminação racial.Não apenas Dandala é negro, mas seu partido é formado por pessoas com impecáveis credenciais antiapartheid."Esta eleição é tão importante quanto a de 1994 [que encerrou o apartheid]. É uma segunda transição política", afirma Justin Sylvester, analista do Instituto para a Democracia na África do Sul. A comparação pode ser exagerada, mas essa é uma eleição como nenhuma outra na história sul-africana. Mandela, hoje com 90 anos, apoia Zuma, e é esperado hoje num comício do candidato em Johanesburgo. (FÁBIO ZANINI)
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo