Igualdade e liberdade dependem da permanente jurisdição constitucional, diz presidente do STF na Alemanha
“A verdadeira concretização da igualdade e da liberdade depende da vigilância permanente da jurisdição constitucional”. A afirmação foi feita, nesta segunda-feira (17), pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, em palestra na Universidade de Münster, na Alemanha”.
Coube a Gilmar Mendes fazer a palestra de abertura do fórum jurídico “Igualdade e Liberdade no Direito”, que se realiza na Faculdade de Direito da Wilhelms-Universität (Universidade Guilherme), naquela cidade. O ministro falou sobre o tema “a jurisdição constitucional brasileira e sua importância para a liberdade e a igualdade” e, em seguida, debateu o assunto com participantes do curso de Direito em Língua Estrangeira – Direito Brasileiro.
Tribunais dão a verdadeira dimensão dos valores
Em sua palestra, o ministro disse que “as decisões de fato dos tribunais constitucionais dão a esses valores uma dimensão real, diante das peculiaridades históricas e culturais das diversas sociedades”.
Segundo ele, “este é, também no Brasil, o mais importante papel do STF, na qualidade de guardião da Constituição. Onde os direitos e garantias fundamentais não são efetivamente protegidos, não há como se falar em Estado de Direito e tampouco em democracia”.
Fraternidade
O ministro fez essas afirmações após observar que liberdade e igualdade são valores indissociáveis no Estado democrático de direito e, reportando-se ao jurista alemão Peter Häberle, ressaltar a pouca atenção que se tem dado ao terceiro valor fundamental da Revolução Francesa, que é o da fraternidade.
“No início deste Século XXI, o conceito de liberdade e igualdade deve ser reavaliado, reposicionando-se o da fraternidade”, observou o presidente do STF. “Quero com isso dizer que a fraternidade pode colocar em nossas mãos a chave com que poderemos abrir diversas portas no sentido da solução das mais importantes questões da liberdade e da igualdade com que se debate, hoje, a humanidade”.
Ao reportar-se ao contexto pós 11 de setembro de 2001 (atentado ao World Trade Center, em Nova York), Gilmar Mendes disse que, neste contexto, a tolerância em sociedades multiculturais ocupa posição central da abordagem dos desafios referentes à liberdade e à igualdade que o novo século colocou à humanidade.
Anti-semitismo e cota racial
O ministro citou, neste contexto, dois casos emblemáticos colocados em julgamento na Suprema Corte brasileira. O primeiro deles, julgado em 2003, foi o Habeas Corpus 82424, o chamado “Caso Ellwanger”, envolvendo a publicação, distribuição e venda de escritos anti-semitas. O segundo caso, o das cotas raciais nas universidades, é questionado em duas ações diretas de inconstitucionalidade (as ADIs 3330 e 3197).
Quanto à primeira questão, Gilmar Mendes relatou que a Constituição Federal (CF), em seu artigo 5, inciso XLII, tipifica o racismo como um crime inafiançável e imprescritível. Entretanto, como relatou, além desse enquadramento, o Tribunal teve de ocupar-se da relação entre comportamentos e manifestações de opiniões racistas e a liberdade de opinião, confrontando dois direitos fundamentais: o da liberdade de opinião (e não-censura) e o de não sofrer discriminação.
“Como é possível entrever, a discriminação racial oriunda do exercício da liberdade de opinião compromete a idéia da igualdade em si, como um dos pilares do sistema democrático”, observou o ministro. “A liberdade de opinião não pode conduzir à intolerância ou ao racismo; tampouco deve afetar a dignidade da pessoa humana e a democracia, ou seja, os valores intrínsecos a uma sociedade pluralista”.
“Nesse sentido, o Supremo Tribunal Brasileiro decidiu que, diante dos objetivos da preservação dos valores intrínsecos a uma sociedade pluralista, da proteção da dignidade humana e da liberdade de opinião, esta (a liberdade de opinião) não se aplica à intolerância racista e à instigação à violência. Se ela tivesse um valor absoluto e fosse intocável, inúmeros outros bens protegidos constitucionalmente seriam sacrificados”.
Cota racial: discriminação positiva
O segundo caso emblemático citado por Gilmar Mendes foi o das cotas para minorias, introduzidas em universidade brasileiras para negros, índios e deficientes que tenham freqüentado escolas de segundo grau públicas ou tenham sido bolsistas em 100% , em escolas privadas nesse nível. O caso ainda não foi julgado pelo STF.
“A questão da constitucionalidade de ações afirmativas para compensar desigualdades com fundamento histórico entre grupos populacionais étnicos e sociais no interesse da justiça social requer uma redefinição da igualdade como valor”, afirmou o presidente do STF. “Precisamos questionar-nos, simplesmente, até que ponto, em sociedades pluralistas, a preservação do status quo não acaba desaguando na perpetuação dessas desigualdades”.
“Por um lado, o conceito clássico-liberal da igualdade, como valor puramente formal, está superado há muito tempo em virtude de seu potencial para legitimar a preservação de situações de injustiça”, observou o ministro Gilmar Mendes. “Por outro, o objetivo de proporcionar uma igualdade real verdadeira sempre precisa levar em conta a necessidade de respeitar os outros valores da Constituição”.
O presidente do STF opinou que “a solução de tais problemas não está na importação, sem crítica, de modelos desenvolvidos em momentos históricos específicos tendo em vista realidades culturais, sociais e políticas, completamente diversas das presentemente em nossa realidade brasileira”. Segundo ele, “a solução reside, isto sim, na interpretação do texto constitucional na medida das peculiaridades históricas e culturais da sociedade brasileira”.
“É certo que o Brasil se move no sentido de um modelo próprio de ações positivas com objetivo da inclusão social, considerando as particularidades culturais e sociais de sua sociedade que vêm impedindo o acesso do indivíduo a bens fundamentais, como a educação, a cultura o trabalho”, constatou Gilmar Mendes. Entretanto, segundo ele, “o modelo de ações positivas a ser escolhido não deve levar em conta tão somente a raça ou a cor da pele do indivíduo, mas sim a sua situação cultural, econômica e social”.
“Os dois exemplos apresentados mostram como a verdadeira concretização da igualdade e da liberdade depende da vigilância permanente da jurisdição”, concluiu o ministro.
Programa
Em visita à Alemanha, o presidente da Suprema Corte brasileira participou, sexta-feira (14) e sábado (15), da Reunião Anual da Associação Luso-Alemã de Juristas, na cidade universitária de Heidelberg. Ontem (17), na Universidade Humboldt (“Humboldt-Universität”), em Berlim, ele fez uma palestra sobre o tema “Desenvolvimento da Jurisdição Constitucional no Brasil” e, em seguida, debateu o assunto com participantes do curso de Direito em Língua Estrangeira – Direito Brasileiro. Hoje à noite, ele deverá embarcar de volta para o Brasil.
“A verdadeira concretização da igualdade e da liberdade depende da vigilância permanente da jurisdição constitucional”. A afirmação foi feita, nesta segunda-feira (17), pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, em palestra na Universidade de Münster, na Alemanha”.
Coube a Gilmar Mendes fazer a palestra de abertura do fórum jurídico “Igualdade e Liberdade no Direito”, que se realiza na Faculdade de Direito da Wilhelms-Universität (Universidade Guilherme), naquela cidade. O ministro falou sobre o tema “a jurisdição constitucional brasileira e sua importância para a liberdade e a igualdade” e, em seguida, debateu o assunto com participantes do curso de Direito em Língua Estrangeira – Direito Brasileiro.
Tribunais dão a verdadeira dimensão dos valores
Em sua palestra, o ministro disse que “as decisões de fato dos tribunais constitucionais dão a esses valores uma dimensão real, diante das peculiaridades históricas e culturais das diversas sociedades”.
Segundo ele, “este é, também no Brasil, o mais importante papel do STF, na qualidade de guardião da Constituição. Onde os direitos e garantias fundamentais não são efetivamente protegidos, não há como se falar em Estado de Direito e tampouco em democracia”.
Fraternidade
O ministro fez essas afirmações após observar que liberdade e igualdade são valores indissociáveis no Estado democrático de direito e, reportando-se ao jurista alemão Peter Häberle, ressaltar a pouca atenção que se tem dado ao terceiro valor fundamental da Revolução Francesa, que é o da fraternidade.
“No início deste Século XXI, o conceito de liberdade e igualdade deve ser reavaliado, reposicionando-se o da fraternidade”, observou o presidente do STF. “Quero com isso dizer que a fraternidade pode colocar em nossas mãos a chave com que poderemos abrir diversas portas no sentido da solução das mais importantes questões da liberdade e da igualdade com que se debate, hoje, a humanidade”.
Ao reportar-se ao contexto pós 11 de setembro de 2001 (atentado ao World Trade Center, em Nova York), Gilmar Mendes disse que, neste contexto, a tolerância em sociedades multiculturais ocupa posição central da abordagem dos desafios referentes à liberdade e à igualdade que o novo século colocou à humanidade.
Anti-semitismo e cota racial
O ministro citou, neste contexto, dois casos emblemáticos colocados em julgamento na Suprema Corte brasileira. O primeiro deles, julgado em 2003, foi o Habeas Corpus 82424, o chamado “Caso Ellwanger”, envolvendo a publicação, distribuição e venda de escritos anti-semitas. O segundo caso, o das cotas raciais nas universidades, é questionado em duas ações diretas de inconstitucionalidade (as ADIs 3330 e 3197).
Quanto à primeira questão, Gilmar Mendes relatou que a Constituição Federal (CF), em seu artigo 5, inciso XLII, tipifica o racismo como um crime inafiançável e imprescritível. Entretanto, como relatou, além desse enquadramento, o Tribunal teve de ocupar-se da relação entre comportamentos e manifestações de opiniões racistas e a liberdade de opinião, confrontando dois direitos fundamentais: o da liberdade de opinião (e não-censura) e o de não sofrer discriminação.
“Como é possível entrever, a discriminação racial oriunda do exercício da liberdade de opinião compromete a idéia da igualdade em si, como um dos pilares do sistema democrático”, observou o ministro. “A liberdade de opinião não pode conduzir à intolerância ou ao racismo; tampouco deve afetar a dignidade da pessoa humana e a democracia, ou seja, os valores intrínsecos a uma sociedade pluralista”.
“Nesse sentido, o Supremo Tribunal Brasileiro decidiu que, diante dos objetivos da preservação dos valores intrínsecos a uma sociedade pluralista, da proteção da dignidade humana e da liberdade de opinião, esta (a liberdade de opinião) não se aplica à intolerância racista e à instigação à violência. Se ela tivesse um valor absoluto e fosse intocável, inúmeros outros bens protegidos constitucionalmente seriam sacrificados”.
Cota racial: discriminação positiva
O segundo caso emblemático citado por Gilmar Mendes foi o das cotas para minorias, introduzidas em universidade brasileiras para negros, índios e deficientes que tenham freqüentado escolas de segundo grau públicas ou tenham sido bolsistas em 100% , em escolas privadas nesse nível. O caso ainda não foi julgado pelo STF.
“A questão da constitucionalidade de ações afirmativas para compensar desigualdades com fundamento histórico entre grupos populacionais étnicos e sociais no interesse da justiça social requer uma redefinição da igualdade como valor”, afirmou o presidente do STF. “Precisamos questionar-nos, simplesmente, até que ponto, em sociedades pluralistas, a preservação do status quo não acaba desaguando na perpetuação dessas desigualdades”.
“Por um lado, o conceito clássico-liberal da igualdade, como valor puramente formal, está superado há muito tempo em virtude de seu potencial para legitimar a preservação de situações de injustiça”, observou o ministro Gilmar Mendes. “Por outro, o objetivo de proporcionar uma igualdade real verdadeira sempre precisa levar em conta a necessidade de respeitar os outros valores da Constituição”.
O presidente do STF opinou que “a solução de tais problemas não está na importação, sem crítica, de modelos desenvolvidos em momentos históricos específicos tendo em vista realidades culturais, sociais e políticas, completamente diversas das presentemente em nossa realidade brasileira”. Segundo ele, “a solução reside, isto sim, na interpretação do texto constitucional na medida das peculiaridades históricas e culturais da sociedade brasileira”.
“É certo que o Brasil se move no sentido de um modelo próprio de ações positivas com objetivo da inclusão social, considerando as particularidades culturais e sociais de sua sociedade que vêm impedindo o acesso do indivíduo a bens fundamentais, como a educação, a cultura o trabalho”, constatou Gilmar Mendes. Entretanto, segundo ele, “o modelo de ações positivas a ser escolhido não deve levar em conta tão somente a raça ou a cor da pele do indivíduo, mas sim a sua situação cultural, econômica e social”.
“Os dois exemplos apresentados mostram como a verdadeira concretização da igualdade e da liberdade depende da vigilância permanente da jurisdição”, concluiu o ministro.
Programa
Em visita à Alemanha, o presidente da Suprema Corte brasileira participou, sexta-feira (14) e sábado (15), da Reunião Anual da Associação Luso-Alemã de Juristas, na cidade universitária de Heidelberg. Ontem (17), na Universidade Humboldt (“Humboldt-Universität”), em Berlim, ele fez uma palestra sobre o tema “Desenvolvimento da Jurisdição Constitucional no Brasil” e, em seguida, debateu o assunto com participantes do curso de Direito em Língua Estrangeira – Direito Brasileiro. Hoje à noite, ele deverá embarcar de volta para o Brasil.