segunda-feira, 12 de maio de 2008

ADESÃO AO MANIFESTO EM DEFESA DA JUSTIÇA E CONSTITUCIONALIDADE DAS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA

VOTE A FAVOR DA MANUTENÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL! O DOCUMENTO SERÁ ENTREGUE AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM BRASÍLIA, QUE JÁ ESTÃO JULGANDO A LEI QUE CRIOU O PROUNI.

Clique aqui para ler a Lei que criou o PROUNI:

O primeiro voto do julgamento contra o PROUNI, apresentado pelo relator do processo, Ministro Ayres de Britto, já foi proferido: FAVORÁVEL à manutenção da Lei.

Clique aqui para ler o voto:

Clique aqui para ler artigo de Luiz Fernando sobre a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa nos direitos brasileiro e internacional:



"120 DE ABOLIÇÃO INCONCLUSA - MANIFESTO EM DEFESA DA JUSTIÇA E CONSTITUCIONALIDADE DAS AÇÕES AFIRMATIVAS "

Para consignar o seu voto a favor da manutenção das polítcas de ação afirmativa, clique aqui:

domingo, 11 de maio de 2008

OS BODES NEGROS E O PROCESSO ABOLICIONISTA

OS BODES NEGROS E O PROCESSO ABOLICIONISTA

Após a morte em 24 de agosto de 1882 do advogado negro Luiz Pinto da Gama, em São Paulo - cujo sepultamento fora acompanhado por uma multidão de três mil pessoas numa cidade que, na época, tinha 46 mil habitantes - o promotor de justiça e depois juiz Antonio Bento, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco de São Paulo, jurou diante do túmulo de Gama em continuar sua obra abolicionista. Para tal empreitada, ele organizou uma sociedade secreta chamada "Os Caifazes", cujos membros eram recrutados em todas as camadas sociais e nas três principais lojas maçônicas de São Paulo: " América", " Piratininga" e " Amizade". Essa sociedade retirava à força das fazendas paulistas os escravos e os encaminhava para o Quilombo de Jabaquara, em Santos, ou então para quilombos do Rio de Janeiro, onde os maçons fluminenses, mantinham locais específicos para abrigar os negros vindos de São Paulo. Um desses locais ficava no Leblon e os maçons fluminenses envolvidos nesta luta tinha a camélia como símbolo do movimento de liberdade escrava.Já o enterro de José do Patrocínio, jornalista mulato, morto em 30 de janeiro de 1905, contou com um roteiro previamente traçado pelos líderes abolicionistas, para que diversos oradores se revezassem em discursos de louvação ao morto ilustre em determinados lugares da cidade - como a Praça Tiradentes e Campo de Santana, por exemplo -, até chegar ao Cemitério do Caju, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro ( Junior: 1969).Era uma estratégia para reverenciar o " Tigre da Abolição", aquele que fora uma das faces mais vivas e militantes pela causa da libertação escrava. Para seus amigos e para população carioca, o sepultamento de Patrocínio deveria ser uma acontecimento nacional a ser lembrado por muitas e muitas gerações, como acontecera com o sepultamento de Gama, em São Paulo. Patrocínio, nos anos 1880 do século XIX, se tornara a face popular/militante do movimento abolicionista, travando lutas ideológicas intermináveis com os representantes das elites escravocratas. Era uma mistura de Espartaco com Desmoulins, segundo Joaquim Nabuco, no livro " Minha Formação".Sua figura pública também expressava a articulação nacional/internacional do movimento abolicionista, que, desde dos anos 1920 do século XIX, vinha ganhando espaço/corpo na opinião pública nacional.Embora sintetizasse o símbolo do pensador estrutural do movimento abolicionista, o engenheiro mulato André Rebouças, no entanto, não teve um sepultamento grandioso como os de Gama e Patrocínio, pois, morrera, no exílio, em Funchal, na Ilha da Madeira, Portugal, em 9 de maio de 1898, e seu corpo chegara dias depois ao Rio de Janeiro. No entanto, seus amigos e a direção da então Escola Politécnica, no Largo de São Francisco, hoje o IFCS ( Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da UFRJ, no Rio de Janeiro, da qual fora aluno, professor e pioneiro em introduzir novas cadeiras de engenharia civil, prestaram-lhe homenagens que se estenderam até o século XX. Na verdade, Rebouças fora um ícone para os demais abolicionistas, pois, com sua rara inteligência, era uma espécie de civilizador do século XIX, segundo o historiador José Murilo de Carvalho, na orelha de uma obra de Maria Alice Rezende Carvalho sobre o engenheiro afrodescendente, de 1998. Outros dois negros também se destacaram nas lutas sociais do início do século XIX. O primeiro deles fora o advogado Francisco Barbosa Gê Acayaba Montezuma, que chegou a ser a maior autoridade maçônica do seu tempo, pois, fora, Grande Comendador Soberano do Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito, organismo que ele trouxe da Bélgica e que disciplinou a maçonaria brasileira ainda ascendente no Brasil. Ou seja, era uma das grandes figuras maçônicas de seu tempo.Em 17 de maio de 1865, Acayaba, ou o Visconde de Jequitinhonha, apresentou no Senado vários projetos de extinção gradual da escravidão. Entre os quais, se destacam: ao fim de 10 anos dali em diante, seria concedida liberdade para escravos maiores de 15 anos e ao fim de 15 anos liberdade para os demais, com a cláusula segundo a qual os senhores de escravos seriam indenizados pelo fim do trabalho escravo. Era proposta conciliatória, bem peculiar dos liberais da época, onde não queriam desagradar aos senhores de escravos nem se assemelharem com refinados escravocratas.Conservador e " caramuru " ( partidário de Dom Pedro I no período das regências) , Montezuma chegou a ser ministro de estado duas vezes e fundou a Ordem dos Advogados do Brasil e Instituto Histórico Geográfico do Brasil. Consta ainda que Montezuma fora o primeiro integrante do governo de D. Pedro I a se posicionar contra a escravidão no Brasil, segundo o Barão do Rio Branco, também maçom, e autor do lei do Ventre Livre.Trajetória não menos surpreendente pertence a outro mulato maçom, o livreiro Francisco de Paula Brito, descobridor do talento de Machado de Assis e editor do primeiro romance no Brasil, chamado " O Filho do Pescador" ( 1843), de outro mulato, o escritor cabo-friense Antônio Gonçalves Teixeira e Souza.De origem humilde, Paula Brito, que nasceu liberto, fora um dos primeiros tipógrafos brasileiro da Corte, cujo mercado, na época, era monopolizado pelas tipografias francesas Nacional, Ogier e Plancher. Ao lado de sua tipografia, na Praça Tiradentes, num clube criado e intitulado por ele de "Sociedade Petalógica", se reunia a nata da literatura brasileira da época que tornara o local o centro da vida literária da Corte.Paula Brito foi um dos primeiros afrodescendentes a participar dos debates raciais no início do século XIX ao lançar, em 1833, o jornal " O Homem de Cor", num momento de surto nativista, onde os brasileiros procuravam valorizar suas origens étnicas em relação aos colonizadores portugueses. Na época, em livrarias, bares, lojas comerciais, ruas e praças da Corte discutia-se a identidade racial brasileira em contraponto a cor européia, e a imprensa fora um campo privilegiado onde esse debate se visibilizou.Havia uma mídia negra, digamos, assim, que repercutia a discussão racial através de jornais com títulos bem sugestivos, tais como " O Crioulinho", " O Crioulo", " O Brasileiro Pardo" e outros.Um traço marca a trajetória de todas estes cinco homens do século XIX : todas eram maçons em lojas cariocas e paulistas, e levaram para dentro da ordem maçônica a luta contra o escravismo. Também entre eles figurava o maestro mulato Carlos Gomes, autor da ópera o " O escravo", também maçom, só que sem a militância aguda dos demais.A maçonaria incorporou as propostas abolicionistas e o fim do trabalho escravo entrou na ordem do dia de diversas lojas, provocando contradições e discussões complicadas sobre o negro e sua perspectiva de liberdade na sociedade brasileira. Neste sentido, Gama, Patrocínio, Rebouças, Montezuma e Paula Brito, talvez tenham sido os afrodescendentes que mais se destacaram numa sociedade antagônica a eles, naquele período, pois, eram homens com personalidades-almas complexas: embora nascidos livres, sentiam dores internas profundas ao verem a totalidade dos negros fazendo os serviços mais pesados e humilhantes da sociedade brasileira. Para eles, a liberdade do escravo entrou na ordem do dia de suas ações políticas. Enquanto os demais negros estavam atados a correntes, eles, os maçons negros, podiam ter escravos e ascenderem naquela sociedade, pois, estavam articulados com instâncias superiores do poder que facultavam a eles uma certa ascensão em meio a negregada sem direitos. Mesmo por isso, eles fundamentaram suas vidas em defesa da liberdade escrava, pois, sabiam, que, naquela forma de organização social, estava contra as novas tendências político-econômicas – principalmente o capitalismo - que implicava um novo sistema, ou seja, a venda da mão-de-obra no mercado de trabalho.Diante destas apresentações políticos-estratégicos, perguntamos: como foi possível, numa sociedade escravocrata, afrodescendentes livres da escravidão, ingressarem em sociedades secretas e se tornarem militantes fundamentais da causa abolicionista, esgrimindo críticas radicais até contra as próprias ideologias dos estratos sociais que, de certo modo, favoreceram suas ascensões ? Em que medida, esta ascensão social faz parte de um esforço pessoal de " subir na vida" e não do favor, tão comum na época ? Em que medida suas ligações maçônicas facilitaram a propagação das idéias abolicionistas ? De que modo suas vozes e trajetórias raras - para os demais mulatos livres da sociedade escravocrata - não teriam um limite político-ideológico, pois, eles, eram, por outro lado, ligados as elites urbanas ? E, por fim, que tipo de contribuição político-estratégico é possível identificar nessas trajetórias para futuras ações negras no Brasil ? Acho muito difícil responder estas perguntas em virtude da magnitude dos problemas levantados através delas. Neste sentido, acho mais importante perseguir algumas pistas deixados por eles e por outros para entender uma época chave de libertação negra na corte imperial.Tenório de Albuquerque, em "A maçonaria e a inconfidência mineira", mostra como a maçonaria brasileira foi diretamente influenciada pela francesa, e que o ambiente revolucionário daquele país impactou os maçons brasileiros, que viam na escravidão um entulho a ser removido para a modernização política do país. " A maçonaria lutava intimoratamente pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade, combatia a exploração do Homem pelo Homem", escreve ele.Claro, era uma explicação liberal que atendia a determinados pressupostos históricos sobre ascensão negra e maçonaria no século XIX, um dois mais politizados da história brasileira, devido às tentativas constantes de mudanças provocadas através de movimentos populares.Então, a influência francesa no Brasil ganha uma dimensão particular, pois, os principais líderes da Revolução Francesa eram maçons ( Desmoulins, Marat, Mirabeau, Robespierrre, Danton) juntamente com os enciclopedistas Diderot, Voltaire e Court de Geblin. A maçonaria européia do século XVIII, além de seu caráter iluminista, era " escolas práticas de governo", segundo Célia Marinho Azevedo, em "Maçonaria, cidadania e a questão racial no Brasil escravagista", baseando-se em estudiosos europeus.No Brasil, a maçonaria esteve desde cedo combatendo a escravidão. Em 1798, em Salvador, uma das (supostas) primeiras lojas maçônicas, a " Cavaleiros da Luz", ajudou aos escravos a iniciar a Revolta dos Alfaiates, inaugurando a primeira revolução social brasileira. Não se sabe da presença de maçons negros na " Cavaleiros da Luz". Mas, por volta de 1820, encontramos maçons negros participando das primeiras lutas contra a escravidão, de acordo com Albuquerque, em "Os maçons e a abolição da escravatura", tendo como aliados intelectuais urbanos maçons, que, também sonhavam com o fim da monarquia e a instauração da república. Em geral, o papel dos " bodes negros" ( bode é como é apelidado o maçom brasileiro) era o de ser o elo de ligação do liberalismo das lojas e a sociedade civil, ou seja, as idéias discutidas em loja maçônica, podiam ser aplicadas para a reforma política do estado e da sociedade civil.Em São Paulo, em meados do século XIX, Luiz Gama era o advogado da loja " América" dedicado a libertar escravos através de ações judiciais ou mesmo tirando-os à força das fazendas e, depois, encaminhado-os para esconderijos articulados com a luta abolicionista como o Quilombo de Jabaquara, em Santos. Gama se tornara, então, um herói popular em todo o Brasil, e é provável que tenha libertado centenas de escravos em ações judiciais.Existem várias biografias sobre André Rebouças. Destacamos algumas delas, quais sejam: "André Rebouças", de José Louzeiro; "André Rebouças e seu tempo", de Sidney G. dos Santos; "O quinto século. André Rebouças e a construção do Brasil", de Maria Alice Rezende de Carvalho, e "André Rebouças. Reforma e utopia no contexto do segundo reinado", de Joselice Juca. Esses autores enfatizam a inteligência, o caráter e a capacidade de Rebouças em pensar a ação abolicionista para frente, ou seja, Rebouças, previa, após a Abolição, a instalação da reforma agrária, onde os libertados poderiam receber terras para desenvolver atividades agrícolas, já como cidadão livre dos grilhões. Maçom, de uma loja não identificada, possivelmente a "União e Tranqüilidade", do Rio de Janeiro, ao qual pertencia Patrocínio, Rebouças fora amigo de outro maçom negro famoso, o maestro Carlos Gomes, que, no entanto, nunca foi um militante das causas abolicionistas.Cyro Flamarion Cardoso organizou estudos variados no livro "Escravidão e Abolição no Brasil", onde cita autores que mostram que o processo abolicionista foi um movimento social urbano, apoiado pelas massas excluídas do processo de cidadania, com base na classe média, sem posses agrárias, que surgia nas cidades, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Este fato fica bem claro ao acompanharmos a trajetória de Patrocínio em "A vida turbulenta de José do Patrocínio", de Raimundo Magalhães Jr., onde as redes de relações do jornalista estavam mais fincadas em novas elites urbanas, sustentadas pelo positivismo e pelas idéias republicanas, que, dos meados do século XIX até 1889, caminharam juntas com o processo abolicionista.Neste sentido, ao nos aproximarmos, por exemplo, da análise dos jornais abolicionistas ( existiram vários), é necessário também consultar os jornais de linha escravocratas, que também exprimiram as reações das elites agrárias expressas em golpes regimentais na Câmara e Senado para que leis abolicionistas não fossem aprovadas; manipulações de processos jurídicos; cooptação de líderes abolicionistas; apadrinhamentos e aplicação de políticas imigracionistas, entre outras reações ao fim da escravidão no Brasil no século XIX.Por conseguinte, neste texto, queremos mostrar, que o processo abolicionista contou com a presença fundamental de mulatos livres, que no século XIX, apesar de circularem livres na estrutura de poder, se dedicaram a causa da libertação afro, tendo como pano de fundo a conspiração positiva das lojas maçônicas a que pertenciam, que também se incorporaram na luta pela libertação escrava. Gama, por exemplo, em São Paulo, se tornara, por três vezes, em presidente da loja " América", e fora delegado por esta loja como representante no judiciário paulista para mover ações de libertação ou alforria em beneficio dos escravos. Consta que ele libertou mais de 300 escravos em ações jurídicas.Como presidente em duas ocasiões da loja " União e Tranqüilidade", no Rio de Janeiro, o jornalista e farmacêutico Patrocínio, aproveitou a infra-estrutura maçônica para percorrer o Brasil em defesa da causa da abolição, entrando em contato com maçons de outros estados, que organizavam as cerimônias onde sua presença era fundamental.Enfim, há muita coisa a se contar da presença maçônica na História do Brasil e de suas ações em benefício da comunidade negra brasileira.
Por Carlos Nobre

O Estado do Rio não é laico

Estado do Rio não é laico

Arquidiocese lança livros didáticos católicos para as escolas públicas. As obras desrespeitam a Constituição, burlam a própria lei do Ensino Religioso, discriminam religiões afro-descendentes e representam um retrocesso na luta em defesa da diversidade.

Stela Guedes Caputo

Aproveitando a brecha aberta através da lei estadual 3.459/2000, que regulamentou o Ensino Religioso como confessional no Rio de Janeiro, no final do ano passado, a Arquidiocese lançou quatro livros didáticos católicos de ensino religioso. A coleção é coordenada por Dom Filippo Santoro, Bispo da Educação e do Ensino Religioso e ilustrada também pelo cartunista Ziraldo. “O lançamento desses livros do Ensino Religioso Confessional e Plural das Escolas Públicas do Rio de Janeiro é muito importante porque indica uma perspectiva na qual se comunica uma mensagem muito clara, um conteúdo”, afirmou Dom Filippo Santoro, em matéria publicada no jornal O Testemunho da Fé, em agosto de 2007.As obras desrespeitam a Constituição, burlam a própria lei do Ensino Religioso, discriminam religiões afro-descendentes e representam um retrocesso em importantes conquistas de educadores e educadoras preocupados (as) com a diversidade do país. Na página 56, do volume “A Igreja de Cristo”, por exemplo, há um ataque declarado aos praticantes de religiões afro-descendentes. Diz o texto: “A umbanda não faz uso de sacrifícios de animais em seus rituais, porque respeita a vida e a natureza”. Para o presidente da Associação Brasileira dos Templos de Umbanda e Candomblé, Pai Guimarães de Ogum, a afirmação, além de equivocada, discrimina. “A umbanda é uma religião brasileira que mistura pajelança, candomblé, kardecismo, catolicismo, xamanismo, orientalismo cigano. Cada casa vai desenvolver uma linha mais de acordo com seu dirigente e todas são umbanda. Nas mais próximas ao candomblé haverá a oferta de animais. Nossa identidade não se define em função das oferendas, mas pela relação com as entidades e com o divino”. O problema começou em 1549, com a chegada dos jesuítas que já marcaram o início da escolarização brasileira com objetivos colonizadores e de catequese. A proclamação da República, em 1889, separa Estado e Igreja Católica e só a Constituição de 1891 vai garantir o ensino laico nas escolas públicas. O Ensino Religioso sairá de cena, mas por apenas quatro décadas. De lá para cá a mobilização e pressão da Igreja Católica vem garantindo sucessivas vitórias políticas sobre os setores laicos da educação. Mais próximo aos nossos dias, é na Constituição de 1988 que estes setores sofrem a primeira grande derrota, já que a lei manteve o caráter obrigatório para a oferta do Ensino Religioso nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.Minimizando o dano, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, reincorpora o dispositivo “sem ônus para os cofres públicos”, mas o lobby da Igreja Católica não deixaria por menos e a LDB é modificada e considera o Ensino Religioso “parte integrante da formação básica do cidadão”. A restrição aos gastos públicos com o Ensino Religioso desaparece e caberá aos estados regulamentarem os procedimentos para definir o conteúdo dessas disciplinas, bem como a forma de selecionar e contratar seus professores. Estava aberta a brecha para cada um fazer o que quiser, como bem entender e, por que não, como bem mandar a fé de governos, professores e diretores de escolas? Presbiterianos e eleitos com grande apoio das igrejas evangélicas, o “casal Garotinho” aproveitou a chance. Em setembro de 2000, o marido sanciona a Lei 3.459, do ex-deputado católico Carlos Dias (PP-RJ) que estabelece o ensino religioso confessional na rede estadual. Em 2004, a esposa Rosinha, já governadora, realiza concurso público e contrata 500 professores de Ensino Religioso. A relação é: Católicos (68,2%); evangélicos (26,31%) e “outras religiões” (5,26%). Não existem professores de candomblé, por exemplo. Para explicar porque o candomblé ficou de fora, a Coordenação de Ensino Religioso informa que não existe registro na pesquisa realizada em 2001 de alunos que praticam esta religião, mas garante que não há proselitismo na disciplina. Entrevistas com professores de Ensino Religioso, com diretores de escola onde se reza o Pai-Nosso na entrada e com alunos de candomblé revelam o contrário. Uma professora católica diz como seleciona conteúdos: “Uso textos do Padre Marcelo Rossi e também a bíblia, selecionando os trechos comuns a católicos e evangélicos”. E outra, evangélica, acrescenta: “No ano passado eu tinha uns 8 alunos que eram ogans, que se convenceram que estavam errados e hoje são cristãos. Quando somos tolerantes eles acabam entendendo que estão errados”. Não é à toa que muitas crianças de candomblé, por exemplo, nos terreiros sentem orgulho de sua fé, mas, na escola, dizem que são católicas para não serem discriminadas.Missa de Pentecostes nas escolas, Dia do Papa, Dia do Pároco e aulas sobre a Campanha da Fraternidade. Tudo isso faz parte do calendário de atividades para o professor de Ensino Religioso, presente em todos os volumes. Trata-se da segunda maior vitória política da Igreja Católica, já que o tema da Campanha da Fraternidade deste ano é: “Fraternidade e Defesa da Vida”, e o lema “Escolhe, pois, a vida”. Para ficar mais claro: “A escolha do tema deste ano é a expressão da preocupação com a vida humana, ameaçada desde o início pelo aborto até sua consumação com a eutanásia. Tema preciso e desafiador! Somos colocados diante de uma escolha entre a morte (aborto e eutanásia) e a vida”, disse Dom Jacyr Francisco Braido, bispo de Santos, na ocasião do lançamento da Campanha. Não estranhemos se os próximos volumes desses livros didáticos condenarem os métodos contraceptivos, a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a pesquisa com embriões humanos, o divórcio. Tudo isso faz parte da Agenda do Vaticano.Quando o Papa Bento Ratzinger XVI esteve por aqui, em maio de 2007, os principais jornais do país, divulgaram a tentativa do pontífice em fechar um acordo entre Brasil e Vaticano para regulamentar os direitos da Igreja no país que contempla patrimônio, ensino e formação religiosos. Os jornais destacaram a “firmeza do presidente Lula”, que não assinou o acordo por defender o Estado laico, e a frustração de Ratzinger. Ora, se o ensino religioso já é obrigatório, se no Rio é confessional, se os mais caros princípios católicos estão impressos em caríssimo papel couché, belamente ilustrados e disponíveis para as escolas públicas, por que o Papa saiu daqui frustrado? Além de desejar aprofundar o que já é ruim por aqui,Ratzinger não foi embora sem antes recomendar que a Igreja ficasse longe da política. Contudo, no volume “Os sinais do Espírito”, no capítulo “Um jeito novo de ser responsável na Igreja”, lemos: “Escolha candidatos competentes que tenham boa conduta pessoal e sejam coerentes. É indispensável, ainda, que sejam comprometidos com a ética social, com os valores cristãos, com o resgate das dívidas sociais e com as posições defendidas pela Igreja, tais como: o ensino religioso nas escolas, a condenação do aborto, dos jogos de azar, a eutanásia, etc.” A restrição de Ratzinger diz respeito apenas aos setores progressistas da política porque política conservadora pode. É claro que a coisa não pára por aí.A aliança católico-evangélica já estabelecida na seleção de conteúdos comuns no Ensino Religioso é reforçada pela publicação dessas obras que também divulga conteúdos comuns. A mesma aliança pode ser notada na própria Coordenação de Ensino Religioso, órgão da Secretaria Estadual de Educação onde apenas católicos e evangélicos possuem representação em Departamentos. A chefia da Coordenação é católica e nomeada pela Arquidiocese, que também nomeia a diretora do Departamento Arquidiocesano de Ensino Religioso Católico. Já a diretora do Departamento de Ensino Religioso Evangélico é nomeada pela Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil. Por telefone, a diretora desse último, que preferiu se identificar apenas por Vera Lúcia disse: “Nós não temos ainda nosso próprio material específico didático. Por enquanto, usamos os livros que foram cedidos pela Sociedade Bíblica do Rio de Janeiro. Fizemos um levantamento de seus livros didáticos e escolhemos os que tinham a ver com nosso plano básico. Trabalhamos de maneira amigável com os católicos”. O senador Marcelo Crivella, ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e pré-candidato do PRB à Prefeitura do Rio, deve sacramentar a aliança com o PTB, que apresenta como candidato a vice o ex-deputado estadual Carlos Dias, ninguém mais, ninguém menos que o autor da lei do Ensino Religioso Confessional do Rio. A escola, nesse momento, representa um mercado religioso a ser dividido e conquistado por esta aliança que deixa de lado antigas divergências em benefício de interesses religiosos e políticos estratégicos dentro e fora da escola.Logo depois de assumir, o ex-secretário de Educação do Rio, Nelson Maculan, declarava aos jornais, no dia 13/4/2006, que pretendia acabar com o ensino religioso confessional e nunca mais tocou no assunto. Parece que o problema também não existe para a nova secretária Tereza Porto. O silêncio só interessa aos setores envolvidos na aliança católico-evangélica, que, devagar e em surdina conseguiu acabar com a laicidade do Estado do Rio. Aos professores e professoras que defendem que escola não é lugar de qualquer religião, nenhum silêncio interessa.
Estela Caputo é jornalista, Doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ.
Fonte: CARTA MAIOR - Colunistas - Debate aberto 25/04/2008

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela CONFENEN no STF contra Sistema Cotas para negros e pessoas com deficiência da UERJ e da UENF

Para baixar ou ler o aquivo PDF* que contém a petição inicial da ADI 3197 ajuizada pela CONFENEN no STF clique aqui:

Representação por inconstitucionalidade ajuizada pelo deputado estadual pelo DEM Flávio Bolsonaro junto ao TJ RJ contra o sistema de Cotas UERJ e UENF

EXMO. SR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.














FLÁVIO BOLSONARO, Deputado Estadual (doc. 1 - fotocópia do diploma eleitoral), brasileiro, solteiro, portador do CIC/MF no 087.011.227-97, domiciliado em seu Gabinete Parlamentar, situado no Palácio XXIII de Julho, gabinete 311, na Rua Dom Manuel s/no, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20.010/090, vem, com base no art. 162, caput, da Carta Estadual, junto com seu advogado (doc. 2 - procuração com poderes específicos), com escritório no mesmo endereço acima, ajuizar REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Fluminense no 4.151, de 4 de setembro de 2003 (doc. 3 - fotocópia anexa), por desrespeito aos arts. 5º, 206-I e 208-V da Constituição Federal e arts. 9º, § 1º, 306 e 307-I da Carta Estadual, pelas razões que passa a expor.


1. LEGITIMIDADE ATIVA

O Representante é Deputado Estadual em exercício de mandato, conforme faz prova o Diploma Eleitoral anexo (doc. 1) sendo, por força do caput do art. 162 da Carta Estadual, parte legítima para propor a presente Representação por Inconstitucionalidade.

2. FATOS
2.1. O Governo Estadual já editou a Lei nº 3.524, de 28 de dezembro de 2000, a Lei nº 3.708, de 9 de novembro de 2001, regulamentada pelo Decreto nº 30.766/02, e a Lei nº 4.061, de 2 de janeiro de 2003, todas visando a disciplinar o sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas estaduais.

2.2. O Poder Judiciário, em razão dos nefastos efeitos que tais leis causaram à maioria da população, em detrimento de eventuais privilégios obtidos por alguns, já promoveu decisões contrárias ao estabelecimento de cotas para ingresso em estabelecimentos de ensino públicos, dado à sua flagrante inconstitucionalidade, tanto no âmbito federal quanto no estadual.

2.3. Com o objetivo claro de fugir ao cumprimento das decisões judiciais, o Governo Estadual adota a manobra de editar novas leis sobre o assunto, revogando as anteriores já submetidas ao exame do Poder Judiciário, cujas demandas, em conseqüência, perdem o objeto.

2.4. Assim ocorre com a Lei nº 4.151, de 4 de setembro de 2003, ora atacada, que revoga as Leis nºs 3.524/00, 3.708/01 e 4.061/03, todas objetos de Representações de Inconstitucionalidades.

2.5. Tanto as leis anteriores, revogadas pelo diploma ora atacado, quanto a atual, na realidade, discriminam de forma grotesca as pessoas de raças diferentes das dos negros e as que não tenham cursado o ensino fundamental e médio em escolas e colégios de rede pública, seja estadual ou municipal, reduzindo-lhes a possibilidades de desfrutarem do serviço público de ensino superior gratuito, ainda que tenham estudados em escolas públicas em virtude de terem obtido bolsa de estudo.

2.6. Ao querer beneficiar, com facilidade de ingresso em estabelecimentos públicos de ensino superior, os alunos oriundos de escolas públicas do 2º ciclo do ensino fundamental e do ensino médio além de rotular que tais escolas são de qualidade inferior, comete-se o equívoco de não considerar as reconhecidas excelências de muitas delas, dentre as quais podemos citar o Colégio Pedro II, o Colégio Militar do Rio de Janeiro, o Cap-UERJ e o Cap-UFRJ.

2.7. É importante, ainda, salientar que a Lei nº 4.151/03, traz em seu texto indefinições sobre os segmentos que deseja “beneficiar”, tal como o que seja “negro” (Art. 1º-II) e “pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas” (Art. 1º-III).

2.8. É sabido que o povo brasileiro é composto da miscigenação entre diversas raças onde a negra é preponderante o que dificultaria qualquer definição neste caso. Também inviável definir o que seria pessoa com deficiência que justificasse algum tipo de privilégio para ingresso em estabelecimento de ensino público.

2.9. No mesmo norte, é de total incoerência querer privilegiar integrantes de minorias étnicas pois, à luz do dicionário, estas pessoas simplesmente pertenceriam a um povo ou raça, a um grupo biologicamente homogêneo, que nem sempre seria formado de carentes, humildes ou mesmo discriminados.

2.10. Em resumo, a aplicação da lei ora atacada antes de propiciar a redução de desigualdades étnicas, sociais ou econômicas, acirra eventuais ranços entre tais segmentos.



3. OFENSA AO ART. 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O art. 5º da Carta Magna assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Assim, não seria razoável privilegiar determinados segmentos em prejuízo de outros.

4. OFENSA AOS ARTS. 206-I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O art. 206-I, estabelece que o ensino será ministrado com base nos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola . Desta forma, o estabelecimento de cotas destinadas para pessoas que, em alguns casos, poderão até usufruir de melhores condições de acesso ao ensino superior é frontalmente inconstitucional.

5. OFENSA AO ART. 208-V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O art. 208-V, estabelece o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação segundo a capacidade de cada um. Destarte, fica evidente a não observância do critério constitucional qualitativo, uma vez que, candidatos com melhor pontuação terão cerceados seus direitos de acesso à universidade em detrimento dos beneficiados pela Lei ora atacada, ainda que com notas inferiores.

6. OFENSA AO ART. 9º, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
A Constituição Estadual, no art. 9º, § 1º, veda a discriminação em virtude de particularidade ou condição, proibindo, destaque-se que, em virtude delas, haja prejuízos ou privilégios.
O diploma ora atacado institui forma de discriminação racial, étnica e por deficiência ao reservar, sem razão, percentuais de vagas em universidades públicas estaduais a pessoas que cursaram o ensino fundamental e médio em escolas e colégios das redes públicas estadual e municipal, a uma determinada raça em detrimento das mais variadas outras componentes da população brasileira, de deficientes e de pertencentes a grupos étnicos minoritários.

7. CONTRARIEDADE AO ART. 306 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
A Constituição Estadual, em seu art. 306, impõe que a educação vise à eliminação de todas as formas de racismo e de discriminação.
Em sentido oposto, a Lei nº 4.151/03, institui forma de discriminação e racismo, visto que os estudantes nela não mencionados passam a competir entre si por percentual de vagas reduzido nos exames vestibulares das universidades públicas estaduais, beneficiando, evidentemente, os agraciados pelas disposições nela contidas.


8. CONTRARIEDADE AO ART. 307-I, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
A Constituição Estadual, em seu art. 307-I, garante igualdade de condições para o acesso e permanência nas escolas.
É flagrante que o diploma que ora se deseja impugnar cria, por meio de discriminação social e racial, enorme desigualdade de condições para o acesso às universidades públicas estaduais.
9. MEDIDA CAUTELAR
9.1. Os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora estão presentes para que seja concedida medida cautelar destinada a suspender a eficácia da Lei Estadual nº 4.151, de 4 de setembro de 2003.

9.2. O fumus boni juris decorre da clara violação aos arts. 5º, 206-I e 208-V, da Constituição Federal e aos art. 9º, § 1º, art. 306 e art. 307-I, da Constituição Estadual.

9.3. O periculum in mora decorre dos prejuízos irreversíveis causados aos estudantes que deixarão de ser matriculados em universidades públicas estaduais, por não estarem enquadrados na lei ora atacada, embora melhores classificados do que seus concorrentes por ela abrangidos.

9.4. Há de se considerar, também, que, a exemplo de vestibulares passados, certamente os candidatos que se sentirem prejudicados recorrerão ao judiciário para obter seus direitos legítimos, acarretando sobrecarga aos já abarrotado Poder Judiciário estadual, dado às limitações que lhe são impostas.



10. PEDIDO
Em face das razões fáticas-jurídicas acima elencadas, é a presente para requerer a esse E. Tribunal o seguinte:

10.1. Concessão de medida cautelar, com efeitos ex nunc, para que seja suspensa a eficácia da Lei Estadual nº 4.151, de 4 de setembro de 2003;

10.2. Solicitação de informações à Assembléia Legislativa e à Excelentíssima Governadora do Estado do Rio de Janeiro, a respeito da presente Representação;

10.3. Intimação das doutas Procuradoria-Geral do Estado e de Justiça para se manifestarem sobre o presente feito; e

10.4. Declaração da Inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 4.151, de 4 de setembro de 2003.


Protestando provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidas, dá à causa, para efeitos meramente fiscais, o valor de R$ 1,00 (um real).

Rio de Janeiro, 09 de setembro de 2003.


FLÁVIO BOLSONARO
Deputado Estadual


ANTONIO MOFATO
OAB/RJ 46.255