segunda-feira, 25 de julho de 2011

Lei de Cotas para deficientes completa 20 anos e divide especialistas.

Lei de Cotas para deficientes completa 20 anos e divide especialistas.

  A Lei de Cotas (Lei 8.213/1991), que completa 20 anos neste domingo (24/07), divide a opinião dos especialistas ouvidos pelo Última Instância. Enquanto alguns celebram o fato de que a lei garante a presença de pessoas com deficiência no mercado, outros dizem que a norma exclui tais pessoas do ambiente de trabalho. Todos, entretanto, são unânimes ao afirmar que a visão da sociedade em relação às pessoas com deficiência precisa mudar.

A norma estabelece o número de profissionais portadores de deficiência ou em reabilitação no quadro das empresas, de acordo com a quantidade de funcionários que possui. Entretanto, para Maria Lúcia Benhame, advogada especializada em Direito Trabalhista, mesmo com duas décadas de vigência, a lei não melhorou o panorama de trabalho destes profissionais.

"O cenário hoje é pior do que em 1990, pois inclui menos pessoas no mercado do trabalho e as deixa à margem da sociedade. Algumas pessoas às vezes não entram na Lei de Cotas, mas não são aprovadas num exame médico admissional", afirmou, em entrevista a Última Instância.

Para Maria Lúcia, um decreto de 2005 que alterou a Lei de Cotas é um dos principais responsáveis pelo atual cenário que, segundo ela, limita a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

"Ficou uma definição mais drástica. As pessoas com deficiência que antes eram inseridos na década de 1990, a partir de 2005, não seriam inseridos mais. Passou-se a inserir apenas aqueles que antes já eram considerados completamente incapacitados e, dessa forma, recebiam o auxílio do Governo", completou.

A opinião da advogada é crítica em relação ao cenário atual da legislação para pessoas com deficiência ou profissionais em reabilitação. Quem discorda, entretanto, afirma que a Lei de Cotas garante a participação destes profissionais no mercado de trabalho e permite que a sociedade passe a vê-los de outra forma. Segundo informações do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 14,5% da população brasileira possui algum tipo de deficiência.

"Hoje o que acontece é que existe uma demanda muito grande para as contratações. Logicamente existem problemas. Nem todas as empresas cumprem e nem todas as pessoas com deficiência abrem mão de seus benefícios para entrar no mercado de trabalho. Mas a lei funciona sim, ela tem um significado muito importante", avalia Edson Defendi, coordenador de empregabilidade e projetos especiais da Fundação Dorina Nowill para Cegos.

A Fundação Dorina Nowill para Cegos é uma das instituições que buscam preparar as pessoas com alguma deficiência física para ingressar no mercado de trabalho. Segundo Defendi, é falsa a ideia de que há uma falta de profissionais qualificados para atender à Lei das Cotas.

"Isso (falta de profissionais) é um problema geral. O Brasil está num crescimento econômico e tem vagas que não são preenchidas porque não há pessoas capacitadas. Hoje há mecanismos para capacitar essas pessoas com deficiência. Até mesmo as empresas estão desenvolvendo esses cursos", completou.

A Lei das Cotas determina que o número de pessoas com deficiência no quadro de empregados irá variar de acordo com o número de funcionários da empresa. A cota foi fixada em 2% para quem tem entre 100 e 200 funcionários, 3% para 201 a 500 funcionários, 4% para aqueles que possuem entre 501 e 1000 e 5% para as empresas cujo quadro supera os mil empregados.

De acordo com a advogada Simone Varanelli Lopes, especializada em Direito Trabalhista, a própria punição imposta a algumas empresas fez com que a questão fosse mais bem assimilada e cumprida pelo setor empresarial. Para ela, a demanda por profissionais com alguma deficiência tende a aumentar, já que as empresas precisam se adequar às cotas.

"As empresas tem cada vez mais buscado esses profissionais. Acho que elas, no geral, já sofreram algumas punições. As próprias punições que as outras empresas já sofreram foram divulgadas. Então, para evitar esse tipo de problema, as empresas têm buscado esses profissionais no mercado", concluiu.

Punição às empresas

Para Simone, um dos maiores desafios das empresas atualmente é preencher a cota reservada a elas. "O maior problema é a empresa conseguir mão de obra qualificada para conseguir respeitar a cota. Hoje você ainda tem muitas empresas autuadas. O maior problema nem é as empresas quererem burlar a lei e sim a dificuldade em conseguir profissionais com esse perfil no mercado de trabalho", analisou.

Os dados recém-divulgados pelo MPT-SP (Ministério Público do Trabalho do Estado de São Paulo) comprovam o aumento no número de denúncias em relação à Lei das Cotas. No primeiro semestre deste ano, o órgão registrou aumento de 83,3% nas denúncias em relação ao mesmo período de 2010. As reclamações dizem respeito às humilhações no ambiente de trabalho, além de empresas que não cumprem a cota exigida e profissionais que são dispensados logo após a cota ser cumprida. Para Maria Lúcia, no entanto, falta vontade política para se resolver a questão.

"Esse é um assunto que não se discute porque as pessoas têm medo de não ser politicamente corretas. O deficiente não é um 'coitadinho'. Ele é um ser humano, uma pessoa como outra qualquer. Com direitos, obrigações, defeitos e qualidades. É necessário discutir tudo isso. Não há vontade política para se resolver a questão", afirmou a advogada que seguiu sua crítica em relação ao cenário atual da lei.

"Há um quadro muito complexo. Nem todo deficiente é bonzinho e nem todo empresário é ruim. Tenho clientes que ouvem de trabalhadores com deficiência que faltam ou chegam atrasado algo como: ‘se você não está contente eu vou embora, mas cuidado com as cotas’.
Como também há empresas que ficam calculando quanto é a multa para não inserir nenhum deficiente. Há os dois lados. Há pessoas com deficiência que não querem ser inseridos, pois tem um trabalho informal onde ganham mais ou até pelo LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), que tem um valor baixo, mas é garantido", explicou.

O benefício citado pela advogada é destinado às pessoas que não tem condições de trabalhar e não contribuíram com a previdência social. No valor de um salário mínimo, o benefício atende aqueles cuja renda per capita da família é igual ou inferior a um quarto do salário mínimo. Muitas vezes, o deficiente prefere a garantia do benefício ao invés de ingressar no mercado de trabalho. Caso seja admitido por alguma empresa, o deficiente para de receber o LOAS. No entanto, se for demitido, nunca mais poderá recebê-lo.

"Se inserido, o deficiente vai passar a angústia que todo trabalhador passa. Ou seja, se continuará empregado ou não, por exemplo. Ele será inserido na sociedade para o bem e para o mal. Essas questões são abordadas desde que a lei foi criada e agora, por conta do aniversário, volta à tona, mas nunca são discutidas", completou Maria Lúcia.

Mudança de tratamento

As avaliações da advogada Maria Lúcia e da Fundação diferem quanto ao desempenho da lei. No entanto, todos os entrevistados foram unânimes ao dizer que a sociedade precisa mudar o modo como trata e enxerga o deficiente no mercado de trabalho.

"As pessoas precisam compreender que o deficiente é uma pessoa como qualquer outra. O ingresso maior de pessoas com deficiência no mercado faz com que todas as outras percebam que ela é tão competente quanto às outras", avaliou Defendi. Para ele, ainda existe a ideia de que o deficiente é menos capaz do que os outros funcionários.

"Muitos ainda têm uma crença e uma ideia muito distorcida de que a pessoa com deficiência não é capaz, não pode produzir, que precisa ser tutelada no trabalho. Quando ela vai para um ambiente de trabalho que está preparado para acolhê-la e as pessoas entendem que ela é tão capaz quanto qualquer outra pessoa, cai por terra essa imagem do deficiente coitadinho, ou daquele superpoderoso que pode fazer tudo", complementa.

Ainda segundo o coordenador, o deficiente precisa ser encarado como os outros funcionários da empresa. "O deficiente é uma pessoa que está ingressando, tem expectativas, anseios e quer ser produtivo como qualquer outra pessoa", avaliou Defendi.

Para Maria Lúcia, a discussão sobre o assunto está atrasada e precisa evoluir o quanto antes. "O primeiro passo é você enxergar o deficiente como uma pessoa. Sem preconceito. Esse trabalho deveria ser feito desde a década de 1990, mas virou um jogo de empurra. O Governo joga para a empresa a obrigação de incluir, a empresa não consegue incluir porque não tem pessoas com capacitação", completou.


Fonte: Última Instância, por Thassio Borges, 25.07.2011

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