Estado laico, mídia pública e diversidade religiosa
02 de julho de 2011
Correio Braziliense | Opinião | BR
TEREZA CRUVINELPresidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)
Nos últimos dois dias, a representação da Unesco no Brasil e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizaram, em Brasília, seminário internacional sobre as mídias públicas e os desafios deste século 21. Estiveram conosco profissionais e especialistas do Brasil e do exterior, destacando-se, entre estes, Toby Mendel, Alicia Shepard, Tarja Turtia, Betina Peters. Aos poucos, a comunicação pública vai entrando na agenda brasileira com mais naturalidade. Começa a ser discutida como na Europa e nos Estados Unidos, onde é tratada como elemento da democracia e não como instrumento partidário ou aparatista.
Discutiu-se financiamento, modelos de gestão, garantias de independência editorial, qualidade dos conteúdos e formas de participação da sociedade, entre outras singularidades da mídia pública. Uma questão, que nem estava no programa, foi abordada muito lateralmente. Falo da polêmica sobre a presença de programas religiosos na programação de emissoras públicas, de rádio e TV.
É sabido que, faz pouco tempo, o Conselho Curador da EBC determinou que tiremos do ar as missas transmitidas pela TV Brasil e pela Radio Nacional de Brasília, e ainda outros dois programas, um evangélico e outro católico, transmitidos pela TV Pública. Falou-se muito, no Conselho, que o Estado é laico, devendo a laicidade prevalecer também na grade de uma emissora pública cujo maior financiamento é estatal. Falou-se, também, que apenas duas religiões eram favorecidas, o que é verdade, e não é correto mesmo. O conselheiro João Jorge, da Bahia, muito protestou contra a ausência de espaço para as religiões de raiz africana. Fui voz vencida, já que voto não tenho ali. Voto tinha e foi também vencido o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira. Como ele, penso que o Estado deve ser laico, mas que a sociedade, em si, não é laica. É diversa. É cultural, social, econômica e religiosamente diversa.
O Estado deve ser laico exatamente para que, em sua atuação, voltada para todos os cidadãos, não se torne seguidor ou partidário de nenhuma religião. Se o Estado adota um credo, fatalmente discriminará quem adota outros. Deve ser laico não porque deve ser "contra" a religião, e sim porque deve ficar fora dessa esfera, respeitando o direito de todos à opção religiosa, na sociedade livre marcada pela diversidade.
Essa laicidade do Estado deve ser observada pela escola, pelo sistema de saúde e pelos demais serviços garantidos a todos os cidadãos, sem distinção de cor, origem social, credo político ou religioso. Mas não pelos serviços de radiodifusão pública que, onde melhor floresceram, como na Europa, têm compromisso com a expressão da diversidade e da pluralidade. Sendo públicos, estão a serviço da sociedade (não do governo ou do Estado). Desses canais deve-se cobrar é a garantia de espaço para todos os credos. A TV Brasil e a Rádio Nacional herdaram programas que atendem a apenas duas religiões e, na minha opinião pessoal, deveriam garantir também espaço para seguidores do espiritismo, da umbanda, do candomblé e de outras religiões de grande penetração.
Exprimo tal opinião apenas como reverência à liberdade de expressão. O marco legal do sistema público gerido pela EBC, a Lei nº 11.652/2008, prevê a supremacia do Conselho Curador em decisões sobre a programação dos canais. Nós, dirigentes da EBC, cumpriremos a determinação, que prevê ainda a apresentação, até setembro, de uma proposta de programa que busque expressar, debater e informar sobre o universo religioso brasileiro. Será difícil, mas nada foi fácil até aqui. Houve uma consulta pública sobre o assunto, meses atrás, mas o baixo número de pessoas que se manifestaram pela internet não lhe confere caráter plebiscitário. O debate, portanto, ainda voltará, como ocorreu agora no Seminário EBC-Unesco.
A sociedade brasileira vem enfrentando temas espinhosos com desenvoltura crescente e produzindo soluções que elevam nosso padrão democrático e civilizatório. Há pouco o STF liberou as marchas a favor da descriminalização da maconha. Atendeu uma fração minoritária da sociedade, certamente, mas atendeu a diversidade. No Congresso, discutimos uma reforma política que, agora ou mais tarde, terá de ser aprovada adotando o financiamento público das campanhas eleitorais. Assim, vamos marchando, e isso é que importa.
Nos últimos dois dias, a representação da Unesco no Brasil e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizaram, em Brasília, seminário internacional sobre as mídias públicas e os desafios deste século 21. Estiveram conosco profissionais e especialistas do Brasil e do exterior, destacando-se, entre estes, Toby Mendel, Alicia Shepard, Tarja Turtia, Betina Peters. Aos poucos, a comunicação pública vai entrando na agenda brasileira com mais naturalidade. Começa a ser discutida como na Europa e nos Estados Unidos, onde é tratada como elemento da democracia e não como instrumento partidário ou aparatista.
Discutiu-se financiamento, modelos de gestão, garantias de independência editorial, qualidade dos conteúdos e formas de participação da sociedade, entre outras singularidades da mídia pública. Uma questão, que nem estava no programa, foi abordada muito lateralmente. Falo da polêmica sobre a presença de programas religiosos na programação de emissoras públicas, de rádio e TV.
É sabido que, faz pouco tempo, o Conselho Curador da EBC determinou que tiremos do ar as missas transmitidas pela TV Brasil e pela Radio Nacional de Brasília, e ainda outros dois programas, um evangélico e outro católico, transmitidos pela TV Pública. Falou-se muito, no Conselho, que o Estado é laico, devendo a laicidade prevalecer também na grade de uma emissora pública cujo maior financiamento é estatal. Falou-se, também, que apenas duas religiões eram favorecidas, o que é verdade, e não é correto mesmo. O conselheiro João Jorge, da Bahia, muito protestou contra a ausência de espaço para as religiões de raiz africana. Fui voz vencida, já que voto não tenho ali. Voto tinha e foi também vencido o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira. Como ele, penso que o Estado deve ser laico, mas que a sociedade, em si, não é laica. É diversa. É cultural, social, econômica e religiosamente diversa.
O Estado deve ser laico exatamente para que, em sua atuação, voltada para todos os cidadãos, não se torne seguidor ou partidário de nenhuma religião. Se o Estado adota um credo, fatalmente discriminará quem adota outros. Deve ser laico não porque deve ser "contra" a religião, e sim porque deve ficar fora dessa esfera, respeitando o direito de todos à opção religiosa, na sociedade livre marcada pela diversidade.
Essa laicidade do Estado deve ser observada pela escola, pelo sistema de saúde e pelos demais serviços garantidos a todos os cidadãos, sem distinção de cor, origem social, credo político ou religioso. Mas não pelos serviços de radiodifusão pública que, onde melhor floresceram, como na Europa, têm compromisso com a expressão da diversidade e da pluralidade. Sendo públicos, estão a serviço da sociedade (não do governo ou do Estado). Desses canais deve-se cobrar é a garantia de espaço para todos os credos. A TV Brasil e a Rádio Nacional herdaram programas que atendem a apenas duas religiões e, na minha opinião pessoal, deveriam garantir também espaço para seguidores do espiritismo, da umbanda, do candomblé e de outras religiões de grande penetração.
Exprimo tal opinião apenas como reverência à liberdade de expressão. O marco legal do sistema público gerido pela EBC, a Lei nº 11.652/2008, prevê a supremacia do Conselho Curador em decisões sobre a programação dos canais. Nós, dirigentes da EBC, cumpriremos a determinação, que prevê ainda a apresentação, até setembro, de uma proposta de programa que busque expressar, debater e informar sobre o universo religioso brasileiro. Será difícil, mas nada foi fácil até aqui. Houve uma consulta pública sobre o assunto, meses atrás, mas o baixo número de pessoas que se manifestaram pela internet não lhe confere caráter plebiscitário. O debate, portanto, ainda voltará, como ocorreu agora no Seminário EBC-Unesco.
A sociedade brasileira vem enfrentando temas espinhosos com desenvoltura crescente e produzindo soluções que elevam nosso padrão democrático e civilizatório. Há pouco o STF liberou as marchas a favor da descriminalização da maconha. Atendeu uma fração minoritária da sociedade, certamente, mas atendeu a diversidade. No Congresso, discutimos uma reforma política que, agora ou mais tarde, terá de ser aprovada adotando o financiamento público das campanhas eleitorais. Assim, vamos marchando, e isso é que importa.
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