domingo, 30 de maio de 2010

Direitos civís dos afro-descendentes na América Latina

Direitos civís dos afro-descendentes na América Latina

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Existe um conjunto de desafios relacionados ao reconhecimento dos direitos dos afro-descendentes e a luta contra a discriminação e o racismo; também se verifica a necessidade de redobrar os esforços para fomentar programas de eqüidade e de melhoria das condições de vida das pessoas de ascendência africana entre as quais se encontram políticas de emprego, educação, habitação, assim como uma política específica de terras para as comunidades rurais. Também se requer a implementação de programas de saúde integral destinados à população afro-descendente em áreas rurais e urbanas. O desafio é a transformação geral das condições que permitem o racismo e a discriminação racial dos afro-descendentes, o que inclui o acesso a melhores condições de vida mas também a participação e a toma de decisões nas estruturas de poder e nos organismos de representação popular.


I.

Obrigações e compromissos estabelecidos pela Conferência de Durban, particularmente no referido à implementação de planos de ação nacional. Em termos gerais, a maioria dos países teve um desempenho discreto e em alguns casos insuficiente quanto ao cumprimento dos compromissos adquiridos em Durban e Santiago. Existem escassos exemplos de adesões substantivas e de cumprimento da Declaração e do Programa de Ação de Durban. Os informes do CERD e dos Relatores Especiais mostram que a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância têm plena vigência ainda nos países que se comprometeram a combater estes flagelos. A maior parte dos Estados não realizou planos de ação nacional e as medidas prévias requeridas para sua formulação. Por isso o desafio é que os Estados assumam à brevidade o reconhecimento, a ratificação, a implementação e o monitoramento formal e material dos instrumentos jurídicos nacionais e internacionais e a reformulação e a harmonização da legislação nacional, constitucional e secundária, que garantam a interculturalidade, a eqüidade nas oportunidades e os direitos coletivos dos afro-descendentes e outros grupos culturalmente diferenciados e discriminados. Igualmente, se requer que os Estados formulem políticas, planos e programas de direitos humanos cuja implementação esteja baseada em um enfoque que destaque princípios como o da não-discriminação.

II.

Implementação de medidas tendentes à redução da pobreza e à realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Apesar da implementação de políticas e a criação de instituições, corpos legais e programas de ação, os afro-descendentes continuam dentro dos grupos mais pobres da América Latina e do Caribe. O Banco Mundial destacou inclusive que ser indígena na América Latina aumenta a probabilidade de um indivíduo de ser pobre, relação que se manteve mais ou menos igual do começo ao final da década. O desafio é que os Estados posam redobrar os esforços com respeito às estratégias de superação da pobreza, assim como identificar e atacar as áreas onde a globalização econômica se transformou em um fator de recrudescimentos das desigualdades sociais. Dentro deste desafio se requer adequar os Objetivos do Milênio integrando as metas econômicas e o desenvolvimento social com os princípios de igualdade e não-discriminação.

III.

Implementação de políticas de ação afirmativa que integrem os princípios de igualdade e não-discriminação em todos os níveis. Existe o desafio de elaborar políticas que integrem de maneira permanente os princípios de igualdade e não-discriminação, bem como também se necessita que vários países incorporem a eqüidade étnica como uma política de Estado. Igualmente, se requer que as políticas de ação afirmativa sejam o eixo da política pública naqueles países onde os grupos vítimas do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e das formas conexas de intolerância, configuram uma porcentagem relevante da população.11 Entretanto, ainda que um grupo não constitua uma porcentagem significativa de população dentro de um país, os Estados devem adotar medidas tendentes a cumprir com as recomendações de Durban. Existe um desafio específico para combater o racismo e a discriminação nas estruturas de representação, nos organismos do Estado, nos serviços públicos e no âmbito da justiça. Neste último âmbito existe preocupação pelo desigual acesso de alguns grupos à justiça e pela discriminação do qual são objeto alguns grupos em relação com um trato diferenciado e negativo nos procedimentos e condenações da justiça penal.12

IV.

Reconhecimento e visibilidade por parte dos Estados do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e das formas conexas de intolerância em geral que sofrem os afro-descendentes. O racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância continuam sendo objeto de negação por parte de diversos atores e inclusive por parte de alguns governos e Estados. Uma condição básica para combater o racismo e a discriminação é o reconhecimento objetivo de que os mesmos existem. O desafio neste ponto é alcançar maiores graus de consciência entre as autoridades e os diferentes poderes do Estado. Se requer assim mesmo um maior compromisso com o marco internacional e regional dos direitos humanos. Outro desafio é que se promova e difunda entre a cidadania, suas organizações e ONGs, os valores da diversidade, da igualdade e da não-discriminação, assim como o conhecimento mútuo e a compreensão.13

V.

Emergência de formas contemporâneas de racismo e discriminação. Em vários países aumentaram as manifestações de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância contra os afro-descendentes. Em outros países surgiram novas formas como as que se dão através dos meios de comunicação, transmissão de dados e interconexão; por exemplo, na Internet. Existe o desafio de redobrar o compromisso das ações que se empreendem, pois as mesmas políticas de combate ao racismo e a discriminação, ao colocar em evidência estos flagelos ou ao visualizar os sujeitos vítimas da discriminação, os faz mais vulneráveis e objeto do racismo, o que ocorre se os programas ou as iniciativas não contam com um verdadeiro compromisso e vontade política das autoridades correspondentes.

11 Sobre este ponto ver as “Conclusões e recomendações” da Oficina Regional para a Adoção e Implementação de Políticas Afirmativas para Afro-descendentes da América Latina e o Caribe, Montevidéu, República Oriental do Uruguai, do dia 7 ao dia 9 de maio de 2003.

VI.

Fortalecimento dos organismos governamentais e dos organismos independentes de direitos humanos. A criação de mecanismos, instituições e programas de eqüidade étnico-racial são positivos; entretanto, são insuficientes se não os dotam de recursos necessários para seu funcionamento ou carecem de autonomia e legitimidade política dentro do contexto institucional dos Estados. O desafio é transformar a institucionalidade pública e os marcos jurídicos nacionais outorgando-lhes mais autonomia e poder. Ao mesmo tempo, se requer adequar as estruturas do Estado, as instituições e os programas às realidades multi-culturais, pluriétnicas e multi-raciais dos países da região. As instituições não devem ser cegas à diversidade e aos problemas que derivam dela. Se requer também um maior compromisso dos Estados para a criação de organismos de direitos humanos independentes e autônomos.

VII.

Geração e tratamento da informação. Apesar das contribuições de algumas instituições e organismos regionais, ainda existem carências em termos do tratamento e a desagregação da informação. Este é um ponto central para a toma de decisões nos âmbitos como a implementação de políticas públicas de combate ao racismo e a discriminação racial ou o estabelecimento de planos de ação nacional. O desafio é trabalhar em conjunto com organismos técnicos, governos e organismos multilaterais e de cooperação com o fim de estandardizar informação que possa ser comparável ou a partir da qual se possam estabelecer indicadores para medir avanços.

VIII.

A educação e seu papel no combate ao racismo e a discriminação racial. Outro aspecto que sustenta a formulação de planos de ação é a educação. A região mostra que ainda existem grandes desafios em termos de incorporar as práticas não-discriminatórias no currículo e nos objetivos específicos e gerais dos sistemas educativos.

IX.

Incorporação da perspectiva de gênero no combate ao racismo e a discriminação, especialmente no referido à situação das mulheres. Persiste o desafio de incorporar a perspectiva de gênero vinculada com as políticas e as ações de combate ao racismo e à discriminação que afetam às mulheres. As mulheres se encontram entre os grupos que sofrem com maior força a discriminação múltipla ou agravada.14

X.

A discriminação e o acesso no avanço material das pessoas para o cumprimento dos direitos econômicos, sociais e culturais. Existe o desafio de que as políticas públicas destinadas a combater a discriminação incorporem medidas tendentes a melhorar o acesso ao emprego, à educação, à saúde, à habitação e o acesso aos serviços sociais.

XI.

Combate dos estigmas, das imagens falsas e dos estereótipos negativos de grupos e pessoas vulneráveis. Os meios de comunicação de massas, como a televisão, o rádio e a Internet, se converteram nos principais veículos para a difusão de estereótipos negativos sobre determinados grupos. Como destaca a
Declaração de Durban, um dos desafios mais urgentes é a transformação dos meios de comunicação como veículos eficazes para transmitir os valores da igualdade e a não-discriminação. Os meios de comunicação devem representar a diversidade da sociedade multi-cultural e desempenhar sua função na luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância. Neste sentido, a publicidade tem um papel fundamental nos estigmas, nas imagens e nas representações que se comunicam.

XII.

Erradicar expressamente e especificamente o racismo e proibir a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância, diretas ou indiretas, em todas as esferas da vida pública e privada. As reformas tanto nos organismos de administração de justiça como nos corpos legais, realizadas nos anos recentes pelos Estados da região, prestaram escassa atenção às normas que combatem o racismo e a discriminação. Ainda existem países que contam com normas discriminatórias que atentam contra os princípios fundamentais nos quais se baseiam o combate ao racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância. Por isso, os Estados têm, entre seus desafios principais, a adoção de medidas constitucionais, legislativas e administrativas necessárias para fomentar a igualdade entre as pessoas e os grupos vítimas do racismo e da discriminação racial e a promoção da integração social de todos os indivíduos e grupos em condições de igualdade. Do mesmo modo, e como o destaca o Art. 1 da ICERD, se devem promulgar leis que estipulem que, em todos os casos de manifestações ou práticas delitivas, a motivação preconceituosa, discriminatória ou de ódio baseada na raça, na cor, na origem nacional ou étnica, o idioma, a religião ou o sexo, ou qualquer outra condição semelhante, constituirá uma circunstância agravante; e, promulgar leis que definam o delito de ódio como o praticado com ânimo ou motivação racial ou étnica e outras formas semelhantes de discriminação, sancionando tal prática no âmbito penal e civil.

XIII.
Ações a favor da infância afro-descendente. Durban destacou que os menores e os jovens, particularmente as meninas, figuram entre as vítimas do racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância; por isso, estamos diante da necessidade de incorporar medidas especiais, de conformidade com o princípio do interesse superior da criança e o respeito de suas opiniões, nos programas contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância, com o fim de prestar atenção prioritária aos direitos e à situação dos menores e dos jovens que são vítimas dessas práticas.


ÁLVARO BELLO e MARCELO PAIXÃO
http://donizetimarcolino.blogspot.com/2010/05/direitos-civis-dos-afro-descendentes-na.html


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