sexta-feira, 19 de março de 2010

Carta aberta dos professores do IUPERJ

De: Irineu Belo
Para: Terceiro Setor Grupo <3setor@yahoogrupos. com.br>
Enviadas: Quinta-feira, 18 de Março de 2010 23:06:55
Assunto: [ 3setor ] Fwd: Carta aberta dos professores do IUPERJ


De: Marcelo Jasmin
Data: 16 de março de 2010 16:26
Assunto: Carta aberta dos professores do IUPERJ

Prezados colegas da comunidade científica e amigos do IUPERJ

Pedimos a sua atenção e leitura para a carta aberta dos professores (em anexo) sobre a crise que ameaça a existência institucional do IUPERJ que acaba de completar 40 anos.

Enviamos também o artigo do Prof. Luiz Werneck Vianna, já veiculado pela imprensa, sobre o mesmo assunto.

Agradecemos desde já,

Atenciosamente,

Diana Lima
Marcelo Jasmin
Ricardo Benzaquen

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Rio de Janeiro, 15 de março de 2010.

Prezados colegas e amigos do IUPERJ,

Voltamos, nós do IUPERJ, a recorrer aos colegas das Ciências Sociais e da Academia em geral. Dirão alguns decerto que se trata da continuada crise que os ocupou em nosso apoio, em momento crítico há seis anos atrás. Sim, é a mesma, só que agravada ao seu mais extremo limite, pois agora o que está em jogo é o encerramento das atividades da instituição.

Nestes últimos anos, a situação da Universidade Candido Mendes, mantenedora do IUPERJ, só fez deteriorar-se. Nos últimos dois anos, não recebemos 9 salários dos 26 devidos e vários direitos trabalhistas não são honrados desde 1999. Em 2010 não temos qualquer perspectiva de que receberemos salários ao longo de todo o ano letivo. Ora, como não temos recursos próprios, que fazer para evitar um desfecho que nos é catastrófico?

Estamos negociando com o Governo Federal, através do Ministério da Ciência e Tecnologia, a formação de uma Organização Social, entidade que propiciaria aporte de recursos públicos, inclusive orçamentários, e privados para o Instituto: trata-se da única alternativa capaz de garantir a sobrevivência institucional. Ocorre, porém, que não são poucos os obstáculos nesse caminho, até mesmo uma argüição de inconstitucionalida de das OS no Supremo Tribunal Federal. Se superados todos os obstáculos, vale lembrar, só alcançaremos resultados tangíveis em 2012, não obstante o apoio manifestado por diversas agências governamentais.
Incerto e longo, o caminho não será percorrido sem o apoio e a solidariedade da comunidade científica, os quais, diga-se a bem da verdade, jamais nos foram negados. O alerta aos poderes públicos só se efetivará de fato com crescentes manifestações de preocupação com o destino do IUPERJ.

O IUPERJ é sua história, o empenho de seus estudantes, funcionários e professores nestes últimos 40 anos; seus programas de Ciência Política e Sociologia, respectivamente com graus 6 e 7 na avaliação da CAPES e ambos totalmente gratuitos; as 281 teses de doutorado e 471 dissertações de mestrado aqui defendidas; o fato de que 41% de seus doutores egressos ensinam e pesquisam em universidades públicas e 23% o fazem em instituições particulares; os 40 doutores do exterior aqui diplomados; os 11 grupos de pesquisa ora cadastrados no CNPq. É por tudo isso que acreditamos numa solução institucional e decidimos iniciar o ano letivo mesmo sem salários.

Queremos continuar a fazer o que sempre fizemos. A instituição é maior que cada um de nós. Tudo faremos para tentar salvá-la, mas nem tudo está ao nosso alcance. Por isso, pedimos, e é este o verbo, o apoio dos colegas.

Adalberto Moreira Cardoso Argelina Maria Cheibub Figueiredo
Carlos Antonio Costa Ribeiro Cesar Augusto C. Guimarães
Diana Nogueira de Oliveira Lima Fabiano Guilherme M. Santos
Frédéric Vandenberghe Jairo Marconi Nicolau
João Feres Júnior José Maurício Domingues
Luiz Antonio Machado Silva Luiz Jorge Werneck Vianna
Marcelo Gantus Jasmin Marcus Faria Figueiredo
Maria Regina S. de Lima Nelson do Valle Silva
Renato de Andrade Lessa Renato Raul Boschi
Ricardo Benzaquen de Araújo Thamy Pogrebinschi

O IUPERJ vale uma missa?
A moderna pós-graduação em Ciências Sociais no Rio de Janeiro nasceu no Museu Nacional e no IUPERJ em fins dos anos 1960. Veio à luz em momento pouco propício â o recrudescimento do regime político autoritário, que culminou com a edição do AI-5, em 1969. Na mesma época, em São Paulo, fundava-se o CEBRAP, centro de pesquisas criado por professores da USP compulsoriamente aposentados, que assim repetiam, pouco tempo depois, o triste destino dos professores da Faculdade Nacional de Filosofia da UFRJ, da Fundação Osvaldo Cruz e do ISEB.
Banidos de seus lugares tradicionais, os cientistas sociais reinventam seus papéis e se tornam criadores de instituições, tal como o CEBRAP e o IUPERJ. Insulados em suas novas agências, sua reação ao regime autoritário se vai realizar a partir de uma intervenção critica, em que o tema de fundo será o da inquirição das raízes históricas do autoritarismo brasileiro e o do diagnóstico das desigualdades sociais reinantes. Paradoxalmente, esse insulamento dos intelectuais, em meio a um clima de repressão das liberdades civis e públicas, estimulou sua reaparição na esfera pública e no processo de formação da opinião. Ao abrigo das disputas políticas diretas, desvinculados da vida partidária, exercendo a vocação do seu ofício e se expressando como intérprete do interesse geral e não como representante do particularismo de indivíduos e grupos, acabam por conquistar uma espécie de mandato implícito, com respaldo na ciência, para
falarem em nome da sociedade.

Daí uma importante mutação quanto aos intelectuais do período pré-64: se, antes, sob a democracia, seus vínculos com as instâncias da sociedade civil, como partidos, sindicatos e a vida associativa, eram, em geral, estabelecidos individualmente, no contexto autoritário se instituem como corpus, apresentando- se com a linguagem da ciência. A constituição dessa nova identidade conhece, então, uma extraordinária difusão, de que a ANPOCS (Associação Nacional da Pós-graduação em Ciências Sociais) e outras instituições são exemplares, congregando, anualmente, cada vez um número maior de filiados.
Nesses corpus, sob controvérsias, sedimentam-se opiniões, diagnósticos que são selecionados pela mídia ou partidos, e eventualmente, dependendo da oportunidade e/ou relevância, canalizados para a esfera pública. Foi assim que, sob o regime ditatorial, a pós-graduação brasileira e os centros de pesquisa isolados, sempre no registro do trabalho científico especializado, estabeleceram suas redes de comunicação com o mundo exterior, mantendo preservada a sua autonomia quanto aos demais atores sociais, principalmente os partidos políticos. Essa não foi, é claro, uma estratégia consciente, embora muito bem
sucedida para os fins a que se dispunha, qual seja a de instituir uma agenda razoável para o assentamento da questão democrática e da social.

Assim, pode-se sustentar, sem triunfalismos patéticos, que a história da resistência ao autoritarismo e a da conquista da democracia não pode ser contada desconhecendo o papel desempenhado por essas novas agências de intelectuais, inclusive â e, em certos momentos, principalmente â, pelas instituições de pós-graduação, como é o caso do IUPERJ, que, entre outras características, estimulou a formação e abrigou as primeiras secretarias da ANPOCS.

O IUPERJ começa sua história com foco no tema das instituições políticas democráticas, rejeitando as concepções que as entendiam como formas vazias de conteúdo. Sua ênfase, desde sempre, foi a de que âo substantivoâ deveria encontrar canais institucionais livres, a fim de se expressar na esfera pública como demandas a serem realizadas. Com essa orientação, abriu sua agenda para as questões sociais, dedicando-se à pesquisa e à formação especializada dos seus alunos em temas estratégicos à nossa sociedade, tais como sindicatos, violência, profissões, pobreza e marginalidade, raça e gênero. Seus pesquisadores, nessas duas frentes de trabalho, produziram dezenas de trabalhos, publicados pelas principais editoras do país, e participaram da orientação de centenas de pesquisas, para fins de teses de doutorado ou de dissertações de mestrado â um repertório respeitado nacional e internacionalmente. Ademais, conservando seu
caráter de instituto orientado para as diferentes linhas de especialização que se afirmam nas Ciências Sociais, o IUPERJ mantém e aprimora a tradição institucional de privilegiar a cultura humanista e o pensamento clássico brasileiro em Ciências Sociais, patente na sua lista de publicações e nas teses defendidas.

Essa é uma história de êxitos e a opinião pública reconhece e valoriza essa instituição. Mas, passados 40 anos, ela se encontra sob o risco iminente de acabar por absoluta falta de recursos para a preservação dos seus quadros de professores e funcionários. O fim tem data marcada, que está próxima. A ironia dessa história, de uma instituição que se apresentou para a sociedade como capaz de ajudá-la a resolver seus problemas, é que, agora, o problema é ela própria.

Luiz Werneck Vianna
Professor-pesquisad or do IUPERJ,
Ex-presidente da ANPOCS

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