quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Ponto de Vista Carnaval da desigualdade

Ponto de Vista
Carnaval da desigualdade
Publicada: 10/02/2010 | Atualizada: 10/02/2010

Consuelo Pondé de Sena


Tem sido divulgada, à exaustão, a balela de que o Carnaval da Bahia é uma festa que congrega pobres e ricos num mesmo espaço democrático. Nada mais falso e surpreendente. Diria que, no Carnaval de Salvador, funciona o “apartheid” mais vergonhoso que existe no País, porque rotulado como “festa do povo” harmonizado pelas diferenças.
Que povo, minha gente de Deus?

Deslavada hipocrisia! Espaço ideal para a disputa de interesses e predomínio absoluto do dinheiro. Lugar das multidões sequiosas pelo brilho artificial, pelas luzes e cores dos camarotes Vips, pelo dinheiro obtido com facilidade, graças à infelicidade dos incautos.

Tempo de servidão para os pobres e miseráveis, para os que passam os dias catando latas de cervejas e refrigerantes, distanciados dos ricos e poderosos por condicionantes indestrutíveis. Retrato fiel de uma sociedade hipócrita, desigual, desumana, na qual o supérfluo é o essencial para as classes dominantes e o desafogo para os miseráveis.
Carnaval da falta de talento de muitos “compositores” de araque. Da tirania do dinheiro, da pressão econômico-financeira exercida sobre os cordeiros, transformados em “escravos de ganho”, do esforço dos tolos, dos necessitados de vender o sono, do revoltante triunfo dos sabichões.

Carnaval dos vícios. De homens e mulheres, desenfreadamente, entregues aos prazeres da carne. Das drogas da moda, dos traficantes e atravessadores. Do contágio que escraviza as criaturas e destroem suas vidas.
Carnaval dos prazeres etílicos, das mulheres nuas e seminuas, dos homens violentos, dos ímpetos de maldade. Dos relatos impressionantes, da conversa fútil e picante.

Da gratificação fácil e imediata para os espertos. Dos méritos e das glórias duvidosos. Do descontrole e da falta de medida. Das aparências. Das culpas pertinentes e dos arrependimentos tardios. Da consagração da falta de mérito. Dos imprevistos de toda natureza. Das pessoas mal intencionadas. Das calamidades humanas.

Sem ser falso moralista, enxergo o Carnaval de hoje como o império da mentira, do engodo, da exploração, da desvalorização da mulher, das tragédias pessoais, da falta de reflexão, dos “aproveitadores da vida”.

Não se pode dizer, porque se recairia na inverdade, que o Carnaval do passado também não discriminava ricos e pobres. Existiam os grandes clubes, nos quais tinham acesso os sócios ou os pagantes. Mas na rua, na via pública, não existiam as “castas”, hoje representadas pelos que podem pagar abadás caríssimos e comprar lugares especiais nos camarotes de luxo.
É verdade que existem camarotes para os “pobres”, mas esses só reúnem picaretas e piriguetes. Gente que tem que usar o sistema de “roldana” para que lhes cheguem as cervejas e os refrigerantes até o lugar onde estão sentados meio mundo de pessoas sem dinheiro, mas com muita disposição para roubar.

Por último, um protesto contra os desmandos provocados na Barra e num dos mais belos cartões-postais da cidade. Refiro-me ao Farol da Barra, cada vez mais espoliado e maltratado pelos que dele fazem uso em todas as épocas do ano, especialmente, no barulhento e avassalador Carnaval.

Que Santo Antônio, a quem deve o nome primitivo, abra os olhos de quem não quer ver e daqueles que, por insensibilidade, fazem uso inadequado daquele belo e antigo monumento arquitetônico de nossa terra. Que Senhor do Bonfim o proteja.

Publicada: 10/02/2010 Atualizada: 10/02/2010

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