domingo, 24 de janeiro de 2010

Lenda do jazz europeu Django Reinhardt faria 100 anos

24.01.2010



Django Reinhardt é apontado como o pai do jazz cigano e um dos
melhores guitarristas do gênero. Na França, shows, edições especiais
de CDs e programas televisivos homenageiam o músico.

Paris está comemorando o centenário de Jean "Django" Reinhardt com uma
série de shows e eventos especiais. Vários clubes estão investindo na
música de Django e até uma praça foi batizada na quinta-feira passada
(20/01) com o nome dele. Reinhardt completaria 100 anos neste sábado,
23 de janeiro.

Nascido na Bélgica, mas criado em Paris, Reinhardt é tido com o pai do
jazz europeu. O músico desenvolveu um estilo único de tocar guitarra
depois de um acidente doméstico ter provocado sérias queimaduras no
seu corpo, incluindo a mão esquerda.

Django foi reverenciado por seu pioneirismo nos anos 1930, e o estilo
próprio da sua guitarra é popular na França até hoje. Entre os seus
seguidores estão muitos músicos não oriundos da etnia sinti, que faz
parte do povo conhecido como cigano. Mas são os sinti franceses,
conhecidos como manouches, que realmente levantam a bandeira de
Django.

Os Maillies são uma das tantas famílias ciganas que se dedicam à
música. Eles vivem num subúrbio de Paris. Sentado no seu trailer perto
de uma fábrica abandonada, o jovem Vincent, de 23 anos, empunha uma
guitarra enquanto espera o padastro afinar a dele.

A mãe e irmãs de Vincent estão à volta e são as ouvintes quando a
dupla começa a tocar uma das favoritas de Django: I can't give
anything but love.

"Essa música é quem nós somos, mesmo que não saibamos tocá-la muito
bem", explica Vincent. "Todos na minha família tocam guitarra. Essa
música é nossa marca registrada – algo inventado pelos ciganos, e foi
Django quem fez isso."

Da tragédia ao triunfo

Reinhardt viveu em acampamentos cigano durante a maior parte da sua
juventude, aprendendo a tocar banjo, guitarra e violino ainda jovem.
Aos 18 anos, um incêndio no seu trailer causou graves ferimentos no
corpo do músico: a perna direita ficou paralisada e os dedos médio e
anular da mão esquerda ficaram seriamente compromotidos.

De forma inesperada, Reinhardt pôde voltar a andar com a ajuda de uma
bengala. Apesar de os médicos terem-lhe dito que ele não teria mais
condições de tocar guitarra, a deficiência na mão esquerda acabou
forçando-o a desenvolver uma técnica musical completamente nova. Ele
usava os dedos sãos da mão esquerda, especialmente o polegar, para
tocar solos, deixando os dedos paralisados apenas para o violão
acústico.

A genialidade de Django também se expressou na sua mistura do jazz de
New Orleans nos anos 1920, valsas francesas (valses musettes) e música
cigana. Dessa mistura de géneros surgiu o que ficou conhecido como
gypsy swing.

Em 1934, Reinhardt, ao lado do violinista parisiense Stéphane
Grappelli, formou o Quintette de Hot Club de France, que incluía ainda
o irmão de Django, Joseph, e Roger Chaput nas guitarras e Louis Vola
no baixo. Em algumas ocasiões, Pierre Ferret substituía Chaput.

O Quintette de Hot Clube de France ajudou a colocar a Europa no mapa
do jazz mundial e o se tornou um dos poucos grupos de jazz composto
apenas por instrumentos de cordas.

Gypsy jazz continua

Enquanto muitos integrantes das etnias sinti e roma foram assassinados
pelos nazistas, Djando conseguiu sobreviver à Segunda Guerra Mundial
vivendo em Paris, aparentemente aproveitando a proteção de um oficial
da Luftwaffe que admirava seu talento musical.

Durante sua carreira, Reinhardt – que preferia a pouco usual guitarra
Selmer-Maccaferri – tocou com lendas do jazz, como Coleman Hawkins,
Louis Armstrong, Duke Ellington e Dizzy Gillespie. Inúmeros músicos
contemporâneos o citam como influência fundamental.

E ainda hoje, mais de 50 anos após a prematura morte de Django, aos 43
anos, a música criada por ele permanece em evidência. Alguns dos
artistas mais famosos do jazz francês são guitarristas ciganos, como
Christian Escoude e Bireli Lagrene.

O gypsy jazz toca com frequência nas rádios francesas, e palcos para o
jazz cigano surgem por toda a parte em Paris. O mais antigo deles é o
Chope aux Puces, de propriedade de Marcel Campion, que também abriu
uma escola para o género no andar superior do clube.

"O que caracteriza essa música é um ritmo de acompanhamento que nós
chamamos de the pump", diz Campion. "É muito difícil dominá-lo. É algo
típico do ritmo. Mas se você consegue fazê-lo, você pode fazer
qualquer coisa."

Django não foi o único a inventar esse efeito, diz Campion, mas muitas
dos acordes usados pelos guitarristas de jazz atuais foram inventados
por Django, que reinterpretou com três dedos os acordes de cinco
dedos. "Isso os tornou mais simples, o que, para o jazz, foi melhor.
Ele deu a essa música uma atitude."

Nova geração

Frangy Delporte, uma das estrelas em ascensão do jazz cigano,
claramente tem algo dessa atitude, e já se apresentou em algumas das
melhores casas de jazz de Paris, como a Duc dês Lombards. O astro de
28 anos usa seu cabelo engomado para trás, assim como Django trazia.

"Ouço Django desde criança por causa do meu tio. Era a única coisa que
ele ouvia", lembra Delporte. "Depois eu comecei a ouvir tecno, dance,
esse tipo de coisa; e então, de repente, eu peguei uma guitarra e
comecei a tocar canções de Django. Comecei a ouvir a música dele o
tempo todo. Ela me tocou e me fez querer tocá-la."

Talvez a habilidade de revelar sensibilidades musicais seja outro dos
legados de Django, palavra que, em romani, significa "acordei".

Autores: John Laurenson/Louisa Schaefer/Alexandre Schossler

© Deutsche Welle

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