terça-feira, 20 de outubro de 2009

Distrito 9 - Realismo incômodo

Seção : Críticas - 16/10/2009 07:00

Distrito 9 - Realismo incômodo

Ficção científica retrata chegada de alienígenas à Terra mas mantém foco em problemas humanos

Marcello Castilho Avellar - EM Cultura
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Sony/Divulgação


Pelo menos três públicos aparentemente distintos têm boas chances de apreciar Distrito 9. O primeiro é formado pelos amantes da ficção científica. A trama parte da chegada de uma gigantesca nave espacial à Terra, com 1 milhão de alienígenas dentro – os recém-chegados são alojados num imenso campo nos arredores de Joanesburgo, África do Sul. Vinte anos depois, durante tentativa de transferi-los para outro lugar, um ser humano é infectado por uma estranha substância, começa a se transformar num dos alienígenas. O segundo público é o dos filmes de ação: Wikus (Sharlto Copley), o homem infectado, torna-se objeto de interesse da empresa para a qual trabalha, que pretende desvendar sua genética híbrida para ser capaz de operar o armamento dos extraterrestres, e começa também a ser perseguido por mercenários. Por fim, quem gosta de uma boa obra política, sintonizada com questões importantes da contemporaneidade, não pode perder o filme.

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O filme de ficção científica é singular no confronto com seus congêneres nesta época de novas tecnologias. Temos a nave pairando sobre a cidade como um fantasma ameaçador, as armas, os combates, tudo com efeitos especiais – mas eles nunca dominam a imagem. Em geral, encontramos efeitos especiais com centro de imagens que parecem completamente criadas para abrigá-los. Em Distrito 9, a maioria das imagens são sujas, representações de uma realidade empobrecida (o campo dos refugiados rapidamente se transforma numa enorme favela). O elemento alienígena está presente o tempo todo, mas o foco continua nos problemas dos humanos, não como estilização, mas com um realismo incômodo.

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O filme de ação, por sua vez, é mais comum – e nisso tem boas chances de conquistar seu público. Distrito 9 parece uma enciclopédia de citações de obras do gênero, desde a maneira como seus conflitos são enquadrados pela câmera até a grandiloquência dos diálogos nos momentos de suspense. Quando vem pancadaria, é sempre muita de uma vez só, sem perder tempo com o drama do herói. Conhecemos os truques e somos capazes de prever muitas das situações, de modo que é uma sensação gostosa quando somos pegos de surpresa por eles, pela variação específica que assumem aqui, pela maneira como o filme lida com a transformação de um homem comum em herói.

A obra política, contudo, está acima dos dois. Distrito 9 lida com dois temas distintos mas inseparáveis. Primeiro, fala do preconceito – e não é sem razão que a obra é ambientada na África do Sul, país que por mais tempo manteve o racismo como instituição legal em nossa época. A condição dos alienígenas em Distrito 9 evoca os guetos negros da África do Sul na era racista. Ou os campos de concentração dos palestinos nos dias de hoje. Situações em que alguém tem interesse em que aquela condição permaneça, e conta, para esta permanência, com a facilidade com que o homem comum aceita a ideia de que o diferente é perigoso, é sujo, é ignorante. Segundo, fala da coisificação dos seres humanos numa era dominada pelo lucro e pelo consumo. Os alienígenas só interessam pela possibilidade de comercialização de sua tecnologia bélica, Wikus só é relevante como instrumento para alcançá-la. Em torno deles, o mundo simplesmente não se transforma: cada um luta por seu próprio interesse (ou pelo que pensa ser seu próprio interesse), mesmo se essa luta pode significar perda e miséria para a maioria.

No fim das contas, Distrito 9, entre a ação e a ficção científica, acaba sendo uma obra sobre o surgimento da consciência. Wikus vai descobrir a injustiça contra os alienígenas quando percebe que os mesmos opressores estão dispostos a agir contra ele. No processo, tomará conhecimento de que entre quaisquer seres sensíveis e conscientes, há menos diferenças que semelhanças: todos lutam pela vida, pela liberdade, pela oportunidade de serem felizes. Todos são aptos para a solidariedade e o sacrifício, desde que saibam por que estão lutando.

DISTRITO 9 -








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