sábado, 26 de setembro de 2009

“É como apagar incêndio com gasolina”

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“É como apagar incêndio com gasolina”

por Michelle Amaral da Silva última modificação 25/09/2009 11:46

Para dirigente do Movimento Negro Socialista, com pretenso motivo de combater o racismo, o Estatuto utiliza políticas que aprofundam a prática

Para dirigente do Movimento Negro Socialista, com pretenso motivo de combater o racismo, o Estatuto utiliza políticas que aprofundam a prática



25/09/2009


Michelle Amaral

da Redação


Ao contrário dos que defendem o Estatuto da Igualdade Racial como uma conquista para a população afrodescendente, o Movimento Negro Socialista (MNS) tece críticas à implementação da norma. O MNS foi criado em 2006 por militantes do movimento operário e popular que desde o ano 2000 haviam se manifestado contra o Estatuto, apresentado um ano antes pelo senador José Sarney. Em entrevista ao Brasil de Fato por e-mail, o coordenador do Movimento Negro Socialista, José Carlos Miranda, explica o posicionamento do movimento.


A que se deve o posicionamento contrário do MNS ao Estatuto da Igualdade Racial?

José Carlos Miranda: Em primeiro lugar, ressaltamos que o racismo existe, mas ele é fruto dos tortuosos caminhos em busca do lucro, é uma ideologia de dominação que como as outras opressões da sociedade de classes tem uma função objetiva de justificar uma exploração injustificável. Para nós, socialistas que se mantém fiéis à sua classe e à luta pelo socialismo, a divisão fundamental da sociedade é entre explorados e exploradores, entre latifundiários e sem terra, entre operários e burgueses, finalmente entre uma ínfima minoria que tudo tem e a imensa maioria que só tem sua força de trabalho e luta diariamente contra as desigualdades econômicas e sociais do sistema capitalista.


Com o pretenso motivo de combater o racismo, o estatuto cria as bases a partir de políticas para aprofundar o mesmo. É como apagar um incêndio com gasolina. A nova redação aprovada novamente na Câmara dos Deputados, diga-se de passagem por acordo, portanto sem a necessidade de votação nominal dos deputados, mantém um artigo que dá preferência para empresas que aplicarem a política de cotas raciais e tem relações comerciais com os órgãos públicos, ou seja, privilegia trabalhadores "negros" com a mesma condição social em lugar de outros "brancos". Essa lei só pode beneficiar os patrões, que contratando "negros" em detrimento de "brancos", que utilizando essa lei de "discriminação positiva", jogará trabalhadores contra trabalhadores e, seguramente, continuará explorando ainda mais a todos... Imagine os sindicatos discutindo as demissões, contratações, dissídios coletivos com imposição da "cota racial". Essa lei só aprofundará o racismo que existe, dividindo os trabalhadores, criando mais um obstáculo para a construção da unidade de todos os trabalhadores em defesa de suas reivindicações imediatas e históricas. Nós não podemos aceitar a racialização das relações sociais no Brasil, como acontece nos EUA.


A única dívida que podemos exigir são menos recursos para os banqueiros e mais recursos para os serviços públicos, vagas para todos e menos recursos para os tubarões do ensino.


A aprovação do Estatuto na Câmara foi comemorada por membros do movimento negro como uma conquista. Como o MNS avalia este contexto?

Infelizmente, a maioria dos chamados movimentos negros são verdadeiras ONG's com financiamento dos governos e ou fundações milionárias, verdadeiros aparelhos a serviço de uma política que distorce a história e uma pretensa luta contra o racismo. Na verdade, implementam uma política de divisão do povo trabalhador brasileiro em "negros" e "brancos". Esses movimentos sustentam uma tese romântica de uma "diáspora africana". Eles negam a luta de classes, inclusive seu desenvolvimento na própria Africa, que propiciou a captura e venda de africanos pelos próprios africanos, ou seja, existia uma elite, tanto na Africa quanto na América, que enriqueceu com o comércio de escravos tanto quanto os europeus que sustentavam o inicio da revolução industrial com a produção das "plantantions" nas Américas.


Esses movimentos desistiram de lutar por uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna, que só pode ser uma sociedade com o controle democrático da classe operaria e de todo povo trabalhador sobre os grandes meios de produção, uma economia planificada baseada na propriedade social e nas necessidades da imensa maioria da humanidade, e não na busca do lucro.


Esses movimentos querem constituir uma elite fundamentada na cor da pele e que perpetuará o funil do "mais apto", do mais "adaptado", ou seja, das bases ideológicas que fundamentam as políticas capitalistas do individualismo e da competição. Eles desistiram de lutar pela igualdade e pelo socialismo.


Nesse sentido, quais são as propostas do movimento para a luta pelo fim da desigualdade racial?

Em primeiro lugar, travar um combate para enterrar de vez a crença que existem "raças humanas". A luta contra o racismo é uma luta de todos. O racismo é uma ideologia, como dissemos anteriormente com uma função objetiva, e foi fundamentado "cientificamente" durante um certo período e por isso é tão enraizado. O Brasil, pelo menos desde o princípio do século passado, nunca chegou a racializar as relações sociais, ele [o racismo] sempre ficou disfarçado, escondido. O sincretismo cultural e a miscigenação foi tão forte na nação brasileira que manteve essa tradição. Porém, ele [o racismo] existe e sempre aparece nos momentos de tensão social, em especial nos órgãos de repressão e na burocracia estatal e privada. Por isso, temos que continuar um combate cotidiano contra o racismo.


O racismo é crime, portanto, cadeia para os que cometem esse crime! É necessário que os governos tenham políticas públicas permanentes que ressaltem a igualdade de todos, ou seja, a igualdade de direitos.


Trabalho igual, salário igual! Aí está a chave da questão, quanto mais igualdade - o que só pode ser de fato realizado por meios materiais - melhor educação, saúde, saneamento básico, empregos, lazer, etc.


Um exemplo bem claro é a confecção do orçamento: no ano passado só com a desoneração fiscal do governo federal, que beneficiou principalmente os bancos e as multinacionais (que em plena crise obtiveram lucros astronômicos), poderia-se tranquilamente aumentar radicalmente o número de vagas no ensino superior nas universidades públicas e essa discussão de cotas raciais seria coisa do passado!


Nós poderíamos resumir que quanto mais igualdade de direitos, portanto de meios materiais, menos opressão, menos racismo.


Para nós a genial síntese "Racismo e capitalismo são faces da mesma moeda" continua sendo nosso norte orientador. A luta pela sobrevivência, a luta do povo trabalhador já é muito dolorosa para permitir que um mal maior se faça.


http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/entrevistas/201ce-como-apagar-incendio-com-gasolina201d


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