domingo, 23 de agosto de 2009

Universidade estatizada e fundações de apoio



São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009




TENDÊNCIAS/DEBATES

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Universidade estatizada e fundações de apoio

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Nesse contexto, fundações de apoio são necessárias em seu papel complementar à gestão universitária

OTERMO "fundação" designa em geral um tipo de sociedade civil sem fins lucrativos, com finalidades sociais definidas num marco legal próprio. No particular, "fundações universitárias" são organizações não estatais concebidas para apoiar atividades de pesquisa, extensão e ensino em instituições públicas de ensino superior.
No início do século passado, entidades mantenedoras de instituições públicas de educação superior são criadas com o nome de fundação (por exemplo, na Bahia, bem antes da UFBA, a Fundação Escola Politécnica e a Fundação Faculdade de Direito).
Nos governos JK e Jango, universidades públicas são instituídas sob a forma de fundações, visando à autonomia universitária. O paradigma dessa institucionalidade é a Fundação Universidade de Brasília, criada em 1961 a partir de projeto de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, com patrimônio imobiliário e financeiro próprios, cuja renda seria revertida para desenvolvimento institucional independente da fonte orçamentária da União.
A ditadura militar reverte a tendência à autonomia da universidade. Reprime a experiência inovadora da UnB e, simultaneamente à edição do AI-5 e do decreto 477, impõe uma controversa reforma universitária.
Durante a década de 1970, as atividades acadêmicas ocorrem numa conjuntura de controle ideológico e institucional de um governo forte, porém ilegítimo, com assessorias jurídicas e de inteligência centralmente subordinadas. Com esse modelo de modernização perversa, os militares e seus colaboradores no campo da educação celebram a reincorporação da universidade ao Estado.
Apesar de ter contribuído para redemocratizar o país, a universidade brasileira, no ordenamento jurídico pós-Constituição de 1988, não consegue superar a herança de um Estado patrimonialista que reforça concepções fiscalizadoras e repressivas de justiça e práticas funcionalistas de governo. Enfraquecida e desmoralizada por crises políticas de realização, conforma-se com uma declaração de autonomia retórica e genérica no artigo 207 da Constituição.
Nos anos 1990, as heterodoxias e pirotecnias da era Collor produzem a quase falência do sistema de pesquisa e pós-graduação das universidades (um dos poucos legados positivos da época militar) que, na complexidade do governo Itamar, apenas parcialmente se recupera.
Em seguida, o mandato presidencial de um prestigiado acadêmico demonstra opção preferencial pelo setor empresarial de ensino, impondo às universidades federais o maior desinvestimento de sua curta história, além de um estrangulamento burocrático que permite ao governo de então supostamente demonstrar a ineficiência da instituição pública.
Ao final desse ciclo, emerge no Brasil um modelo, projetado pelos tecnocratas dos governos militares, de universidade estatizada, alienada da sociedade, sem autonomia administrativa e orçamentária, travada pela cultura do serviço público, controlada da mesma maneira que outras agências governamentais.
Culminando o processo de submissão da universidade, patrimônio da sociedade, ao Estado, as procuradorias jurídicas que hoje atuam nas universidades federais a elas não mais pertencem. Fazem parte da Advocacia Geral da União e operam como agentes do governo na gestão de instituições que, no marco constitucional, deveriam ter a autonomia respeitada.
MEC e Andifes agora discutem medidas capazes de viabilizar uma autonomia parcial das universidades brasileiras ainda dentro do arcabouço administrativo estatal.
Será que ampliar a autonomia de meios já concederia às universidades um horizonte de gestão eficiente e produtiva, prescindindo do apoio das fundações? Penso que não, pois, a despeito de orçamento crescente e conquistas recentes, longe estamos da estabilidade e flexibilidade de fontes e parâmetros de financiamento.
Nesse contexto, reguladas por sistemas de avaliação próprios da comunidade acadêmica, fundações de apoio são necessárias em seu papel complementar à gestão universitária.
O estabelecimento de níveis e modalidades de relação institucional, diferenciando fundações de apoio de fundações parceiras e outras entidades credenciadas para objetivos específicos, pode garantir a interface social necessária ao cumprimento da missão histórica da universidade autônoma, crucial para o desenvolvimento nacional.
Superando o modelo de instituição pública estatizada dos tecnocratas, espero que rapidamente as universidades brasileiras encontrem o caminho da autonomia.


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, 57, doutor em epidemiologia, pesquisador 1-A do CNPq, é reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor, com Boaventura de Sousa Santos, de "A Universidade do Século XXI: Para uma Universidade Nova" (Almedina, 2009).

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