segunda-feira, 20 de abril de 2009

Mandela interrompe retiro e surge em comício de Zuma

Em final apoteótico de campanha presidencial, ícone sul-africano não cita candidatoFavorito à Presidência apesar de escândalos do passado, candidato diz que marca do governista CNA é "mais popular que nunca"
FÁBIO ZANINIENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO
Para surpresa de uma plateia de 40 mil pessoas no estádio de Ellis Park, o Maracanã do rúgbi sul-africano, Nelson Mandela surgiu ontem a bordo de um carrinho de golfe para abençoar a candidatura de Jacob Zuma a presidente do país.Foi um final teatral para a campanha de Zuma e de seu Congresso Nacional Africano, no último comício antes da eleição de depois de amanhã.Aos 90 anos, o ícone antiapartheid foi convencido pela liderança do partido a interromper momentaneamente a aposentadoria para emprestar sua imagem a um candidato de estilo polêmico e com acusações de corrupção ainda não esclarecidas pesando sobre si. Zuma, porém, tentou vender à plateia a ideia de que foi Mandela quem pediu para ir ao evento.Ele preferiu não falar no comício, limitando-se a dar uma volta olímpica no estádio dentro do carrinho, acenando para a multidão delirante, com Zuma sentado a seu lado.Apenas uma rápida mensagem gravada pedindo apoio ao partido, mas sem citar o candidato, protagonista de polêmicas, como minimizar a epidemia de Aids, foi exibida no telão do estádio. "O CNA tem a responsabilidade histórica de liderar nossa nação e ajudar a construir uma sociedade unida e não-racial", disse Mandela.Como a não deixar dúvida do fascínio que ele ainda desperta sobre os sul-africanos, a plateia acompanhou emocionada pelo telão a sofrida escalada de Mandela ao palco no meio do gramado, dez degraus demoradamente vencidos. Um coro de apoio empurrou-o, e o que pareceu um grito de gol comemorou sua chegada ao topo.Durante quase toda a campanha, o frágil ícone sul-africano manteve-se distante, aparecendo apenas uma vez num evento pró-Zuma. Mas seu sobrenome está presente na eleição, por meio do neto Mandla e da ex-mulher Winnie, ambos candidatos a deputados.Ontem, a presença de Mandela no comício foi confirmada à imprensa poucos minutos antes de sua chegada, e anunciada ao público apenas quando ele surgiu sentado no carrinho.O CNA vestiu para o evento seu melhor figurino de partido de libertação nacional, com hinos antiapartheid entoados a todo momento. A cada dois minutos, o grito de "Amandla!" (poder, em língua zulu) era puxado pelo mestre de cerimônias. Coros sobre o comunismo esquentavam a multidão, que suportou quase três horas de espera sob o sol.MetralhadoraUma das canções, a polêmica "Umshini Wami" ("Traga minha metralhadora"), foi cantada pelo próprio Zuma, microfone em punho. Ex-chefe de inteligência do braço armado do CNA nos anos 80, o provável futuro presidente só tomou o cuidado de não fazer o gesto imitando uma rajada sendo disparada, que costuma acompanhar a canção.Em contraste com a desenvoltura ao cantar e dançar, Zuma leu o discurso de maneira entediante, transitando entre o zulu, sua língua natal, e o inglês. "Previam dificuldades para nós, mas a marca do CNA é mais popular do que nunca."Além dos 40 mil de Ellis Park, mais 40 mil acompanhavam o comício pelo telão num estádio ao lado. O evento foi boicotado pelo ex-presidente Thabo Mbeki, deposto por aliados de Zuma no ano passado.Zuma listou uma serie de promessas genéricas para saúde, educação, combate à criminalidade e à corrupção, e prometeu que o CNA, mesmo com vitória esmagadora, vai se comportar de maneira "responsável". O partido colocou como meta obter dois terços dos votos, o que permitiria aprovar emendas constitucionais.Ele tentou neutralizar as críticas da oposição de que a concentração de poder é perigoso. "Não há na Constituição o que diga que uma grande maioria para um partido é uma ruim."Acusado de associação num escândalo de venda de armas, Zuma foi investigado pela Promotoria sul-africana e liberado há duas semanas por uma tecnicalidade. Também foi julgado por estupro e absolvido.Ele atribui as acusações a uma campanha fomentada pela mídia e pelo Judiciário, duas instituições para as quais fez ameaças veladas.
São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo

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