segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Marina imaculada Politicamente correta, com biografia sem nódoas e uma doçura sem par, a senadora verde diz por que deixou o PT e o que defenderá na c

Sábado, Agosto 29, 2009

Veja Entrevista Marina Silva


Marina imaculada

Politicamente correta, com biografia sem nódoas e uma doçura sem
par, a senadora verde diz por que deixou o PT e o que defenderá na
corrida à Presidência da República em 2010


Sandra Brasil

Lailson Santos
William R. Voss
"Também sou negra, mas seria muito pretensioso da minha parte me apresentar como similar ao Obama"


A senadora Marina Silva, do Acre, causou um abalo amazônico ao Partido dos Trabalhadores. Depois de trinta anos de militância aguerrida, abandonou a legenda e marchou para o Partido Verde, seduzida por um convite para ser a candidata da agremiação à Presidência da República em 2010. Para o PT, o prejuízo foi duplo: não só perdeu um de seus poucos integrantes imaculadamente éticos, como ganhou uma adversária eleitoral de peso. Os petistas temem, e com razão, que a candidatura de Marina tire muitos votos da sua candidata ao Planalto, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na semana passada, Marina, de 51 anos, casada, quatro filhos, explicou a VEJA as razões que a levaram a deixar o PT – e opinou sobre temas como aborto, legalização da maconha e criacionismo.

A senhora será candidata a presidente pelo Partido Verde?
Ainda não é hora de assumir candidatura. Há uma grande possibilidade de que isso aconteça, mas só anunciarei minha decisão em 2010.

"Não vou me colocar em uma posição de vítima em relação à ministra Dilma. Não é por termos divergências que vou transformá-la em vilã. Não vou fazer o discurso fácil da demonização"

Se sua candidatura sair, como parece provável, que perfil de eleitor a senhora pretende buscar?
Os jovens. Eles estão começando a reencontrar as utopias. Estão vendo que é possível se mobilizar a favor do Brasil, da sustentabilidade e do planeta. Minha geração ajudou a redemocratizar o país porque tínhamos mantenedores de utopia. Gente como Chico Mendes, Florestan Fernandes, Paulo Freire, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, que sustentava nossos sonhos e servia de referência. Agora, aos 51 anos, quero fazer o que eles fizeram por mim. Quero ser mantenedora de utopias e mobilizar as pessoas.

Sua saída abalou o PT. Além da possibilidade de disputar o Planalto, o que mais a moveu?
O PT teve uma visão progressista nos seus primeiros anos de vida, mas não fez a transição para os temas do século XXI. Isso me incomodava. O desafio dos nossos dias é dar resposta às crises ambiental e econômica, integrando duas questões fundamentais: estimular a criação de empregos e fomentar o desenvolvimento sem destruir o planeta. O crescimento econômico não pode acarretar mais efeitos negativos que positivos. Infelizmente, o PT não percebe isso. Cansei de tentar convencer o partido de que a questão do desenvolvimento sustentável é estratégica – como a sociedade, aliás, já sabe. Hoje, as pessoas podem eleger muito mais do que o presidente, o senador e o deputado. Elas podem optar por comprar madeira certificada ou carne e cereais produzidos em áreas que respeitam as reservas legais. A sociedade passou a fazer escolhas no seu dia a dia também baseada em valores éticos.

A crise moral que se abateu sobre o PT durante o governo Lula pesou na decisão?
Os erros cometidos pelo PT foram graves, mas estão sendo corrigidos e investigados. Quando da criação do PT, eu idealizava uma agremiação perfeita. Hoje, sei que isso não existe. Minha decisão não foi motivada pelos tropeços morais do partido, mesmo porque eles foram cometidos por uma minoria. Saí do PT, repito, por falta de atenção ao tema da sustentabilidade.

Ou seja, apesar de mudar de sigla, a senhora não rompeu com o petismo?
De jeito nenhum. Tenho um sentimento que mistura gratidão e perda em relação ao PT. Sair do partido foi, para mim, um processo muito doloroso. Perdi quase 3 quilos. Foi difícil explicar até para meus filhos. No álbum de fotografias, cada um deles está sempre com uma estrelinha do partido. É como se eu tivesse dividido uma casa por muito tempo com um grupo de pessoas que me deram muitas alegrias e alguns constrangimentos. Mudei de casa, mas continuo na mesma rua, na mesma vizinhança.

No período em que comandou o Ministério do Meio Ambiente, a senhora acumulou desavenças com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Como será enfrentá-la em sua eventual campanha à Presidência?
Não vou me colocar numa posição de vítima em relação à ministra Dilma. Quando eu era ministra e tínhamos divergências, era o presidente Lula quem arbitrava a solução. Não é por ter divergências com Dilma que vou transformá-la em vilã. Acredito que o Brasil pode fazer obras de infraestrutura com base no critério de sustentabilidade. Temos visões diferentes, mas não vou fazer o discurso fácil da demonização de quem quer que seja.

Um de seus maiores embates com a ministra Dilma foi causado pelas pressões da Casa Civil para licenciar as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira. A senhora é contra a construção de usinas?
No Brasil, quando a gente levanta algum "porém", já dizem que somos contra. Nunca me opus a nenhuma hidrelétrica. O que aconteceu naquele caso foi que eu disse que, antes de construir uma usina enorme no meio do rio, era preciso resolver o problema do mercúrio, de sedimentos, dos bagres, das populações locais e da malária. E eu tinha razão. Como as pessoas traduziram a minha posição? Dizendo que eu era contra hidrelétricas. Isso é falso.

"Creio que Deus criou todas as coisas como elas são, mas isso não significa que descreia da ciência. Não é necessário contrapor a ciência à religião. Há pesquisadores e cientistas que creem em Deus"

Se a senhora for eleita presidente, proibirá o cultivo de transgênicos?
Eis outra falácia: dizer que sou contra os transgênicos. Nunca fui. Sou a favor, isso sim, de um regime de coexistência, em que seria possível ter transgênicos e não transgênicos. Mas agora esse debate está prejudicado, porque a legislação aprovada é tão permissiva que não será mais possível o modelo de coexistência. Já há uma contaminação irreversível das lavouras de milho, algodão e soja.

O que a senhora mudaria no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)?
Eu não teria essa visão de só acelerar o crescimento. Buscaria o desenvolvimento com sustentabilidade, para que isso pudesse ser traduzido em qualidade de vida para as pessoas. Obviamente, é necessário que o país tenha infraestrutura adequada. Mas é preciso evitar os riscos e problemas que os empreendimentos podem trazer, sobretudo na questão ambiental.

Na economia, faria mudanças?
Não vou me colocar no lugar dos economistas. Prefiro ficar no lugar de política. Em linhas gerais, acho que o estado não deve se colocar como uma força que suplanta a capacidade criativa do mercado. Nem o estado deve ser onipresente, nem o mercado deve ser deificado. Também gosto da ideia do Banco Central com autonomia, como está, mas acho que estão certos os que defendem juros mais baixos.

No seu novo partido, o PV, há uma corrente que defende a descriminalização da maconha. Como a senhora se posiciona a respeito desse assunto?
Não sou favorável. Existem muitos argumentos em favor da descriminalização. Eles são defendidos por pessoas sérias e devem ser respeitados. Mas questões como essa não podem ser decididas pelo Executivo, e sim pelo Legislativo, que representa a sociedade. A minha posição não será um problema, porque o PV pretende aprovar na próxima convenção uma cláusula de consciência, para que haja divergências de opinião dentro do partido.

Os Estados Unidos elegeram o primeiro presidente negro de sua história, Barack Obama. Ele é fonte de inspiração?
Eu também sou negra, mas seria muito pretensioso da minha parte me colocar como similar ao Obama. Ele é uma inspiração para todas as pessoas que ousam sonhar. A questão racial teve um peso importante na eleição americana. Mas os Estados Unidos têm uma realidade diferente da do Brasil. Eu nunca fui vítima de preconceito racial aqui.

A senhora poderia se apresentar como uma candidata negra na campanha presidencial?
Não. É legítimo que as pessoas decidam votar em alguém por se identificar com alguma de suas características, como o fato de ser mulher, negra e de origem humilde. Mas seria oportunismo explorar isso numa campanha. O Brasil tem uma vasta diversidade étnica e deve conviver com as suas diferentes realidades. Caetano Veloso (cantor baiano) já disse que "Narciso acha feio o que não é espelho". Nós temos de aprender a nos relacionar com as diferenças, e não estimular a divisão. A história engraçada é que, durante as prévias do Partido Democrata americano, quando a Hillary Clinton disputava a vaga com Obama, um amigo meu brincou comigo dizendo que os Estados Unidos tinham de escolher entre uma mulher e um negro, e, se eu fosse candidata no Brasil, não teríamos esse problema, porque sou mulher e negra.

A senhora é a favor da política de cotas raciais para o acesso às universidades?
Há quem ache que as cotas levam à segregação, mas eu sou a favor de que se mantenha essa política por um período determinado. Acho que há, sim, um resgate a ser feito de negros e índios, uma espécie de discriminação positiva.

Mas a senhora entrou numa universidade pública sem precisar de cotas, embora seja negra, de origem humilde e alfabetizada pelo Mobral.
Sou uma exceção. Tenho sete irmãos que não chegaram lá.

Aos 16 anos, a senhora deixou o seringal e foi para a cidade, a fim de se tornar freira. Como uma católica tão fervorosa trocou a Igreja pela Assembleia de Deus?
Fui católica praticante por 37 anos, um aspecto fundamental para a construção do meu senso de ética. Meu ingresso na Assembleia de Deus foi fruto de uma experiência de fé, que não se deu pela força ou pela violência, mas pelo toque do Espírito. Para quem não tem fé, não há como compreender. Esse meu processo interior aconteceu em 1997, quando já fazia um ano e oito meses que eu não me levantava da cama, com diagnóstico de contaminação por metais pesados. Hoje, estou bem.

A senhora é mesmo partidária do criacionismo, a visão religiosa segundo a qual Deus criou o mundo tal como ele é hoje, em oposição ao evolucionismo?
Eu creio que Deus criou todas as coisas como elas são, mas isso não significa que descreia da ciência. Não é necessário contrapor a ciência à religião. Há médicos, pesquisadores e cientistas que, apesar de todo o conhecimento científico, creem em Deus.

O criacionismo deveria ser ensinado nas escolas?
Uma vez, fiz uma palestra em uma escola adventista e me perguntaram sobre essa questão. Respondi que, desde que ensinem também o evolucionismo, não vejo problema, porque os jovens têm a oportunidade de fazer suas escolhas. Ou seja, não me oponho. Mas jamais defendi a ideia de que o criacionismo seja matéria obrigatória nas escolas, nem pretendo defender isso. Sou professora e uma pessoa que tem fé. Como 90% dos brasileiros, acredito que Deus criou o mundo. Só isso.

A senhora é contra todo tipo de aborto, mesmo os previstos em lei, como em casos de estupro?
Não julgo quem o faz. Quando uma mulher recorre ao aborto, está em um momento de dor, sofrimento e desamparo. Mas eu, pessoalmente, não defendo o aborto, defendo a vida. É uma questão de fé. Tenho a clareza, porém, de que o estado deve cumprir as leis que existem. Acho apenas que qualquer mudança nessa legislação, por envolver questões éticas e morais, deveria ser objeto de um plebiscito.

Seu histórico médico inclui doenças muito sérias, como cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose. A senhora acredita que tem condições físicas de enfrentar uma campanha presidencial?
Ainda não sou candidata, mas, se for, encontrarei forças no mesmo lugar onde busquei nas quatro vezes em que cheguei a ser desenganada pelos médicos: na fé e na ciência.





domingo, 30 de agosto de 2009

Uma gota de discórdia


sábado, 29 de agosto de 2009, 15:00 Online

Crítico do sistema de cotas nas universidades brasileiras esquadrinha a história do racismo
Christian Carvalho Cruz, O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO
- Cinco anos atrás, ao matricular sua filha em um colégio paulistano, o sociólogo e colunista do Estado Demétrio Magnoli se deparou com uma "aberração". Por orientação do Ministério da Educação, o formulário trazia um campo pedindo a raça do aluno. Magnoli tascou um "humana" na ficha e voltou para casa decidido a escrever Uma Gota de Sangue - História do Pensamento Racial (Editora Contexto, 400 págs., R$ 49,90), que chega às livrarias na quarta-feira, 2.

Libelo contra o que o autor chama de mito das raças - a necessidade de diferenciar seres humanos por sua ancestralidade, por uma única gota de sangue -, o livro mergulha fundo nas origens do racismo e seus desdobramentos nos tempos atuais. "Raças não existem. O que existe é o mito da raça, uma invenção recente, nascida há 150 anos junto com a expansão das potências europeias na África e na Ásia e usada para conquistar poder político e econômico", diz Magnoli.

Uma Gota de Sangue mostra como essa invenção teria sido desinventada no pós-guerra e reinventada pelos movimentos multiculturalistas de 30 anos mais tarde, culminando em um tema caro a Magnoli: a crítica ao sistema de cotas raciais adotadas em universidades públicas brasileiras. Para ele, uma política de Estado que "cria uma clientela eleitoral" e "instala o ódio racial no meio da classe média baixa trabalhadora".

O autor sustenta ainda um polêmico paradoxo: o de que os defensores de leis raciais de hoje resgatam o discurso que ontem ajudou a justificar a segregação entre brancos e negros. "Para os multiculturalistas, a igualdade é uma falsificação, pois não existe no mundo real; no mundo verdadeiro as pessoas não são iguais, dizem. Por isso eles querem abolir a igualdade, preferem a diferença. É um pensamento do século 19", afirma. "Mas raça e igualdade são palavras de mundos distintos. Igualdade é democracia. Raça é diferença. Ou existe igualdade, ou existe raça." A seguir, os principais trechos da entrevista de Magnoli ao Aliás.

A INVENÇÃO DA RAÇA

"O conceito contemporâneo de raça como famílias humanas separadas pela ancestralidade que mantêm relações hierárquicas entre si surgiu e se consolidou no quadro do evolucionismo darwinista da segunda metade do século 19. A ciência oficial criou a raça. Esse período coincidiu, e não por acaso, com o imperialismo europeu na África e na Ásia.

Muitos imaginam que o conceito de raça surgiu com a escravidão moderna. É falso. A ideia de raça não veio para explicar ou justificar a escravidão e sim para explicar e justificar o imperialismo europeu, que vinha na esteira do iluminismo e da ideia de igualdade natural entre os seres humanos. Isso tinha consequências explosivas. Como dominar uma nação se todos são iguais? Não pode haver dominação. Então precisaram de algo que relativizasse a igualdade, que, afinal, ‘é um bom princípio, mas a ciência nos mostra que ele é falso, pois na verdade não existem pessoas iguais’.

Curioso notar que só nas sociedades fundadas sobre a ideia de igualdade se torna necessário invocar o mito da raça. As sociedades fundada sobre a diferença, como todas até o iluminismo, não precisam dele. O ‘racismo científico’ se fez necessário para justificar um dos grandes processos do mundo contemporâneo, o da expansão do poder econômico das grandes nações europeias.

DESINVENÇÃO E REINVENÇÃO

"O conceito de raça foi desinventado no final da 2ª Guerra como reação ao nazismo, ao Holocausto, aos campos de extermínio. O mundo olhou para trás e disse: ‘Essa ideia de que a humanidade está dividida em raças produz sangue em grande escala, não aceitamos mais isso’. A raça então foi desconstruída, combatida nas grandes declarações sobre direitos humanos, algo a ser abolido das sociedades democráticas. Mas 20 ou 30 anos depois ela foi reiventada pelo multiculturalismo e suas políticas descritas como ações afirmativas. Essas políticas voltaram, agora sob a alegação de fazer o bem, às ideias raciais do século 19. No momento em que a genética decifra o DNA e afirma que a raça não existe, que a cor da pele é uma adaptação superficial a diferentes níveis de insolação, e que é controlada por 10 dos 25 mil genes do ser humano, a raça reaparece pelo viés cultural, como algo essencial e imutável de um povo, como gene novamente. A Bolívia, por exemplo, está se reinventando com base num conceito racial, está se tornando um país polarizado entre ameríndios e brancos. No Brasil essa proposta está codificada como Estatuto da Igualdade Racial - uma frase inviável. Raça e igualdade são palavras de universos distintos. Igualdade é democracia. Raça é diferença. Ou existe igualdade ou existe raça. O perigo do multiculturalismo é que ele quer eliminar o mestiço. Os multiculturalistas dizem que ‘esse negócio de igualdade é uma falsificação, pois não existe no mundo real; no mundo verdadeiro as pessoas não são iguais’. Eles querem abolir a igualdade, preferem a diferença. Um pensamento do século 19.

A REVIRAVOLTA OBAMA

"Nos anos 60, o que Martin Luther King fez o tempo todo foi pedir que os Estados Unidos respeitassem o princípio da igualdade previsto na Constituição americana, ou seja, ele pretendia abolir o conceito de raça da política. Barack Obama foi mais longe ao se definir como mestiço. Foi uma afirmação revolucionária, porque a mestiçagem não existe no censo e nas leis americanas. Lá, ou você é branco ou é negro, pois para se fazer leis raciais elimina-se a mestiçagem, definindo claramente a raça de cada um. E a mestiçagem é a indefinição, a não-raça. Então, quando Obama diz que é mestiço, filho de mãe branca e pai negro, ele dá um passo além de Luther King. Não se trata só de eliminar a raça da política, mas também da consciência das pessoas.

O BRASIL SE QUER MESTIÇO

"No Brasil, os racialistas propõem que as estatísticas demográficas tomem pardos e pretos como negros. Eles precisam transformar o quadro intermediário, cheio de tons indefinidos, em algo mais simples, com duas cores, para sustentar o mito da raça. Só que 42% dos brasileiros se dizem pardos, ou seja, não se classificam em raças. Vão dizer que se declarar pardo é uma proteção contra a discriminação racial, que é pior com os negros. Mas comparando os censos de 1940 e 2000 vemos que a proporção de brasileiros que se declaram pretos se reduz e a dos que se declaram brancos também. Dizer que o número de pardos aumenta porque as pessoas querem ‘embranquecer’ para fugir do preconceito é um argumento de quem lê as estatísticas só até a metade. O Brasil caminha para um momento em que 90% da população vai se dizer parda. E esse é o grande problema para lideranças do movimento negro que defendem as leis raciais. Não se faz lei racial num país em que as pessoas não definem sua raça.

NÃO SOMOS RACISTAS

"Há racismo no Brasil. O que não há é um conceito popular de que estamos separados por raças, como nos EUA. Assim, não somos racistas no sentido de a maioria dos brasileiros não interpretar o Brasil pelo prisma da raça; e também no sentido de o Estado brasileiro não ter feito leis raciais ao longo da história. Não somos racistas, embora existam racistas no Brasil. O racismo aparece na operação ilegal de certas instituições, claramente a parte da polícia que ainda prefere parar o jovem negro a parar um jovem branco. Mas o fato é que o racismo no Brasil está sempre ligado à questão socioeconômica. A violência policial baseada no preconceito racial é muito clara nas periferias e favelas. Pessoas que não têm pele branca, mas vivem em bairros de classe média, estão menos sujeitas a uma abordagem racista da polícia. Cada vez que o racismo se manifesta aqui é um escândalo, o que mostra o caráter antirracista da nação. Isso é uma vantagem, mas os defensores de leis raciais acham o contrário. Dizem que é melhor um racismo explícito à la americana do que o racismo envergonhado à la brasileira. O racismo explícito ajuda a definir interesses de raças - necessários aos que se dizem líderes raciais.

A ETERNA QUESTÃO REGIONAL

"No Brasil a desigualdade é essencialmente socioeconômica - e é terrível . Não é racial. A maioria dos pretos e pardos do País está no Norte e no Nordeste, as regiões mais pobres, enquanto a maioria dos que se declaram brancos está no Sul e no Sudeste, as regiões mais ricas. A partir disso algum perturbado poderia sugerir a criação de cotas para nordestinos. Os filhos de Tasso Jereissati, Ciro Gomes e José Sarney adorariam, porque as cotas sempre favorecem a nata do grupo privilegiado por elas. Eu não estou dizendo que não haja maior incidência de pobreza entre pretos e pardos. Há, mas em função do que ocorreu no fim da escravidão - quando os descendentes de escravos, por falta de ensino público abrangente e por falta de reforma agrária, não foram incluídos na sociedade que se modernizava - e não em função do racismo atual.

DISCRIMINAÇÃO REVERSA

"As cotas raciais não são um meio válido para corrigir diferenças socioeconômicas porque nunca reduziram pobreza em lugar nenhum onde foram implantadas. Elas beneficiam a nata do grupo privilegiado. A cota racial para ingresso em universidades públicas não está tirando vaga dos ricos, dos filhos de empresários. Esses, ou fizeram colégios e cursinhos tão bons que conseguirão passar no vestibular mesmo com um número de vagas menor em disputa ou cursarão universidade no exterior. O que a cota faz é instalar uma competição dentro da classe média baixa, uma competição racial dentro de um grupo social que veio do ensino público, entre os filhos de trabalhadores da classe média baixa. São aqueles que terminam o ensino médio. Não sejamos demagogos: vamos tirar os miseráveis dessa história, porque eles não terminarão o ensino médio, eles não serão beneficiados pelas cotas. Então, quem acaba beneficiado é o jovem de classe média baixa da cor ‘certa’ em detrimento do jovem de classe média baixa da cor ‘errada’. É a discriminação reversa.

À CAÇA DE VOTOS E PODER

"Os racialistas dizem estar fazendo justiça social por meio do sistema de cotas. É falso. O que as leis raciais visam é criar zonas de influência política e eleitoral. Isso acontece no Brasil, cada vez mais na Bolívia e em outros lugares onde falar em nome de uma etnia ou raça é desenvolver uma clientela política, é dizer ‘votem em mim porque eu defenderei os interesses desse grupo que eu acabei de definir’. A função é produzir lideranças políticas, carreiras política, poder político. Você não precisa falar para a sociedade como um todo, explicando que vai defender os interesses gerais dos cidadãos e assim competir com um monte de gente que diz a mesma coisa.

FRONTEIRA NO ÔNIBUS

"Ações afirmativas socioeconômicas, como cotas sociais e políticas de melhoria rápida e dramática das escolas públicas nas periferias, ajudariam mais os pobres a ingressar no ensino superior. Fazer isso por meio de ações afirmativas raciais leva o aluno branco a olhar para o lado e pensar: ‘Este é quem não tinha o direito de estar aqui, mas está porque tem a cor que agora virou "certa"; e eu estou separado dele não só pela cor da pele, mas pelas leis deste país, que o colocam num grupo com certos privilégios; ele está aqui porque alguém da minha cor de pele, mas com a mesma renda dele, não está’. Esse é um grande risco: cotas raciais traçam uma fronteira dentro dos ônibus, dentro dos bairros periféricos, no meio do povo, porque vizinhos de bairro e colegas de trabalho com a mesma renda vão se olhar e entender que estão separados pela cor da pele. Isso é instalar no meio do povo o ódio racial."