Um grupo de nigerianos viaja clandestino em um navio para tentar entrar no Brasil, mas a polícia não deixa e eles enfrentam condições sub-humanas a bordo.
Pela única abertura do depósito no navio, um homem pede socorro em um português precário: “Brasil, ajuda nós, por favor. Somos trabalhadores. Esperamos estar feliz. Ajuda nós a sair daqui, por favor, por favor, por favor, daqui, por favor”.
O cargueiro, de bandeira turca, estava parado há 14 dias em frente ao porto de Paranaguá, no Paraná. Não podia atracar, nem zarpar. Em outra parte do barco, barras de ferro soldadas trancam a sala. Os presos são nove nigerianos, que entraram na embarcação clandestinamente. O navio partiu da Nigéria, no dia 7 de setembro. Vinha buscar soja.
Os nigerianos contam que era madrugada quando eles se jogaram no mar, foram nadando até o navio que estava ancorado e chegaram até um ponto próximo ao leme. Serraram a grade que protegia contra a entrada de imigrantes, subiram e ficaram protegidos da água em um espaço muito pequeno. Foi ali que atravessaram o oceano.
Os homens viajaram oito dias agarrados uns aos outros, para não cair na água. Sobreviveram com a pouca comida e água que levaram. No dia 15 de setembro, decidiram lançar uma corda na água e fazer barulho batendo no casco.
Os marinheiros ouviram, abriram a escotilha que dá acesso ao leme e o comandante turco colocou os nigerianos para dentro, mas a convivência pacífica durou pouco. Na chegada ao Brasil, depois de uma briga a bordo, os marinheiros trancaram os nigerianos no depósito e na sala usada como academia.
A equipe do Fantástico obteve, com exclusividade, imagens que mostram os nigerianos presos por uma grossa corrente. Pela fresta da porta, eles recebiam água e comida.
A Polícia Federal foi informada da presença dos clandestinos e não permitiu o desembarque. “Até porque nós não sabemos a vida pregressa deles, não sei se são terroristas. É questão de segurança pública. É questão, também, de saúde pública, de saber se são portadores de doença infectocontagiosa”, justifica o delegado Jorge Fayad.
Seis dias depois de a polícia ser avisada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) visitou o navio. “Eu acho isso extremamente preconceituoso, porque são nove homens desarmados, só com a roupa do corpo. Não vi nenhum problema de segurança nacional ali. E os médicos, logo depois que estive no navio, fizeram duas visitas, fizeram exame de sangue. Todos eles estavam em perfeitas condições de saúde”, diz Dálio Zippin, advogado da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Paraná.
A empresa da Turquia também procurava uma solução. “Tanto os clandestinos quanto a própria empresa, realmente, fizeram pedido para a Polícia Federal para desembarcar os clandestinos o quanto antes. A embarcação não tem espaço próprio para confinar ninguém, não é um cárcere, jamais seria”, diz Eduardo Digiovani, advogado da empresa de transporte.
Na sexta-feira, a Justiça concedeu uma liminar para libertar os nove africanos. Eles vão pedir refúgio no Brasil.
Bas'llele Malomalo, sociólogo do Congo radicado no Brasil, explica que o grupo de nigerianos pode ter saído da África em busca de trabalho: “Eles têm por motivo uma ascensão social e econômica, porque a pessoa quer sair de uma situação de pobreza e procurar emprego. Quando você compara com outros países africanos, a Nigéria não é um país bom. A distribuição dos bens econômicos produzidos não chega a todo mundo. Não é uma questão religiosa ou étnica, é mais uma questão de classes”.
Os nigerianos estão em liberdade vigiada, não podem nem sair do hotel. Segundo a Polícia Federal, nesta segunda (3) o pedido de refúgio será encaminhado para o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), em Brasília. O órgão se reúne a cada dois meses para analisar pedidos de refúgio. O próximo encontro será no fim de outubro. Se o caso dos nigerianos for incluído na pauta dessa reunião, será julgado se eles são realmente vítimas de perseguição e se podem ficar no Brasil ou devem ser mandados de volta.
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