quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"A liberdade religiosa está ameaçada no país"

Antropóloga afirma que o Estado está sendo questionado na Justiça por tentar privilegiar o ensino católico nas escolas públicas e que livros didáticos associam os ateus aos nazistas

Solange Azevedo
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ESPECIALISTA
Debora desenvolve pesquisas sobre laicidade e direitos humanos
O trabalho da antropóloga e documentarista carioca Debora Diniz tem si­do amplamente reconhecido mundo afora. Aos 41 anos, ela já recebeu 78 prêmios por sua atua­ção como pesquisadora e cineasta. Professora da Universidade de Brasília, Debora é autora de oito livros. O último deles – “Laicidade e En­sino Religioso no Brasil” – trata de uma discussão que está emergindo no País e deverá ser motivo de debates acalorados no Supremo Tribunal Federal. “Além de a lei do Rio de Janeiro sobre o ensino religioso nas escolas públicas estar sendo contestada no Supremo, há uma ação da Procuradoria-Geral da República contra a concordata Brasil-Vaticano, assinada pelo presidente Lula em 2008”, lembra Debora. “Um artigo da concordata prevê que o ensino religioso no País seja, necessariamente, católico e confessional. Isso é inconstitucional.”
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"O acordo Brasil-Vaticano prevê que o ensino religioso
seja, necessariamente, católico e confessional"
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"A criminalização da homofobia incomoda comunidades religiosas
porque resultará em restrição de liberdade de expressão"
ISTOÉ -
O ensino religioso nas escolas públicas, num Estado laico como o Brasil, é legítimo? 
DEBORA DINIZ -
Sim e não. Sim porque está previsto pela Constituição. E não quando se trata da coerência com o pacto político. Chamo de coerência a harmonia com os outros princípios constitucionais: da liberdade e do pluralismo religiosos e da separação entre o Estado e as igrejas. Falsamente, se pressupõe que religião seria um conteúdo necessário para a formação da cidadania. 
ISTOÉ -
O pluralismo religioso é respeitado nas escolas públicas? 
DEBORA DINIZ -
Não. A Lei de Diretrizes e Bases delega aos Estados o poder sobre a definição dos conteúdos e quem são os professores habilitados. Isso não acontece com nenhuma outra matriz disciplinar no País. A LDB diz que o ensino religioso não pode ser proselitista. Apesar disso, legislações de vários Estados – como a do Rio de Janeiro – afirmam que tem de ser confessional. Determinam que seja católico, evangélico. 
ISTOÉ -
As escolas viraram igrejas? 
DEBORA DINIZ -
As aulas de ensino religioso, obrigatórias nas escolas públicas, se transformaram num espaço permeável ao proselitismo. Não é possível a oferta do ensino religioso confessional sem ser proselitista. Se formos para o sentido dicionarizado da palavra proselitismo, é professar um ato de fé. É a catequização. O proselitismo é um direito das reli­giões. Mas isso pode ocorrer na escola pública? A LDB diz que não. 
ISTOÉ -
É possível haver ensino religioso sem ser proselitista? 
DEBORA DINIZ -
É. A resposta de São Paulo foi defini-lo como a história, a filosofia e a sociologia das religiões. 
ISTOÉ -
São Paulo seria o melhor exemplo de ensino religioso no País? 
DEBORA DINIZ -
No que diz respeito ao decreto estadual, segundo o qual o ensino não deve ser confessional, sim. Mas se é o melhor exemplo na sala de aula, não temos pesquisas no Brasil para afirmar isso. A LDB diz que a matrícula é facultativa. Então, também devemos perguntar: o que a criança faz quando não está na aula de religião? 
ISTOÉ -
O ensino religioso, da forma como está configurado, é uma ameaça à liberdade religiosa? 
DEBORA DINIZ -
É. Quanto mais confessional for a regulamentação dos Estados, quanto mais os concursos públicos forem como o do Rio – em que o indivíduo tem de apresentar um atestado da comunidade religiosa a que pertence e, caso mude de religião, perde o concurso –, maior é a ameaça. A liberdade religiosa está ameaçada no País e a justiça religiosa também. 
ISTOÉ -
Há uma tentativa de privilegiar uma ou outra religião? 
DEBORA DINIZ -
Quase todos os Estados se apropriam do que aconteceu no Rio, nominando as religiões dos professores. No Ceará, por exemplo, o professor tem de ter formação em escolas teológicas. Mas religiões afro-brasileiras não têm a composição de uma teologia formal. Essa exigência privilegia os católicos e os protestantes. 
ISTOÉ -
Por que o MEC não define o conteúdo do ensino religioso? 
DEBORA DINIZ -
Há uma falsa compreensão de que o fenômeno religioso é um saber para iniciados, e não para especialistas laicos. Também há um equívoco sobre o que define o pacto político num Estado laico. O fenômeno religioso não é anterior ao fato político. Religião não pode ter um status que não se subordine ao acordo constitucional e legislativo. Isso é verdade em algumas coisas, tanto que o discurso do ódio não é autorizado. O debate sobre a criminalização da homofobia causa tanto incômodo às comunidades religiosas porque resultará em restrição de liberdade de expressão. Não se poderá dizer que ser gay é grave perversão, como algumas fazem atualmente. 
ISTOÉ -
Os livros didáticos dizem... 
DEBORA DINIZ -
Dizem porque há essa lacuna de regulação e de fiscalização. Há uma subordinação do nosso pacto político ao fato religioso. O que é um equívoco. Também há uma falsa presunção de que o saber religioso não possa ser revisado. O MEC tem um painel em que todas as controvérsias científicas são avaliadas por uma equipe que diz o que pode e o que não pode entrar nos livros didáticos. A despeito de pequenas comunidades no campo da biologia dizerem que criacionismo é uma teoria legítima sobre a origem do mundo, o filtro do MEC diz que criacionismo não é ciência. Por que, então, o MEC não define o que pode entrar nos livros de ensino religioso e os parâmetros curriculares? 
ISTOÉ -
O que os livros didáticos de religião pregam? 
DEBORA DINIZ -
Avaliamos 25 livros didáticos de editoras religiosas e das que têm os maiores números de obras aprovadas pelo MEC para outras disciplinas. Expressões e valores cristãos estão presentes em 65% deles. Expressões da diversidade cultural e religiosa brasileira, como religiões indígenas ou afro-brasileiras, não alcançam 5%. Muitas tratam questões como a homofobia e a discriminação contra crianças deficientes de uma maneira que, se fossem submetidas ao crivo do MEC, seriam reprovadas. A retórica sobre os deficientes é a pior possível. A representação simbólica é de quem é curado, alguém que é objeto da piedade, que deixa de ser leproso e de ser cego. É a do cadeirante dizendo obrigado, num lugar de subalternidade. 
ISTOÉ -
A submissão ao sagrado é estimulada? 
DEBORA DINIZ -
É uma submissão ao sagrado, à confessionalidade. Mas a confessionalidade não se confunde com o sagrado. O sentido do sagrado pode ser explicado. No caso do “Alcorão”, é possível explicar que a escrita tem relação com a história do islamismo. Não precisamos de livros que violem o sagrado, que digam que Maria não era virgem. Mas eles não precisam se submeter à confessionalidade, dizer que há só uma verdade. 
ISTOÉ -
Há um estímulo ao preconceito e à intolerância nos livros? 
DEBORA DINIZ -
Sem dúvida. Há a expressão da intolerância à diversidade – das pessoas com deficiência, da diversidade sexual e religiosa, das minorias étnicas. Há, também, uma certa ironia com as religiões neopentecostais. 
ISTOÉ -
A ideia da supremacia moral dos que têm religião é defendida? 
DEBORA DINIZ -
É. Há equívocos históricos e filosóficos, como a associação de ­Nie­tz­s­che ao nazismo. As pessoas sem Deus são representadas como uma ameaça à própria ideia do humanismo. É muito grave a representação dos ateus. Isso pode gerar desconforto entre as crianças cujas famílias não professem nenhuma religião. Já que, nos livros, elas estão representadas como aquelas que mataram Deus e associadas simbolicamente a coisas terríveis, como o nazismo. 
ISTOÉ -
As aulas facultativas podem se tornar uma armadilha? 
DEBORA DINIZ -
Sem dúvida. A criança terá de explicar suas crenças, o que deveria ser matéria de ética privada. Pior: ao sair da aula com um livro como esse, as crianças talvez tenham de explicar por que não têm Deus. 


ISTOÉ -
Não há reflexões históricas sobre o significado das religiões? 
DEBORA DINIZ -
Nenhuma. Há uma enorme dificuldade de nominar as comunidades indígenas como possível religião. Elas possuem tradições e práticas religiosas ou magia. No caso das afro-brasileiras, também se fala em tradição. 
ISTOÉ -
O que levou o Estado a proteger o ensino religioso na Constituição? 
DEBORA DINIZ -
Foi uma concessão a comunidades religiosas numa disputa sobre o lugar de Deus e da religiosidade na Constituição. A religião foi mantida no que caracterizaria a vida boa e a formação da cidadania. Isso é um equívoco. A religião pode ser protegida pelo Estado, mas não no espaço de promoção da cidadania que é a escola. 
ISTOÉ -
O ensino religioso está ganhando ou perdendo espaço no mundo? 
DEBORA DINIZ -
Essa é uma controvérsia permanente. Nos Estados Unidos, um país bastante religioso, não está na escola pública. Na França, o país mais laico do mundo, também não. Exceto na região da Alsácia-Mosele. Na Bélgica e no Reino Unido está. Esses países hoje enfrentam com muita delicadeza a islamização de suas sociedades. Na Alemanha, grupos islâmicos já começaram a exigir o ensino de sua religião nas escolas públicas. 
ISTOÉ -
Mas na França também há o outro lado, de proibirem vestimentas... 
DEBORA DINIZ -
Esse é o paradoxo que a França enfrenta neste momento, sobre como respeitar o modelo da neutralidade. A lei do país proíbe símbolos religiosos ostensivos nas escolas públicas – cruz grande, solidéu, véu. O que o outro lado vai dizer? Que isso viola um princípio fundamental, que é a expressão das crenças individuais estar no próprio corpo. 
ISTOÉ -
Quais são os desafios do ensino religioso no Brasil? 
DEBORA DINIZ -
São gigantescos e podem ser divididos em três esferas. Uma é a esfera legal. O ensino religioso está sob contestação nos foros formais do Estado: no Supremo, no MEC e no Ministério Público Federal. Além de a lei do Rio de Janeiro estar sendo contestada no Supremo, há uma ação da Procuradoria-Geral da República contra a concordata Brasil-Vaticano, assinada pelo presidente Lula em 2008. 
ISTOÉ -
E do que trata esta ação? 
DEBORA DINIZ -
Um artigo da concordata prevê que o ensino religioso na escola pública seja, necessariamente, católico e confessional. Isso é inconstitucional. Estamos falando da estrutura da democracia. Segundo o ministro Celso de Mello, em toda a história do Supremo, só tínhamos tido uma ação que tocava na questão da laicidade do Estado. Isso foi nos anos 40. Agora, temos pelo menos duas. A segunda esfera é como o ensino religioso pode ou não pode ser implementado. O MEC precisa definir quem serão os professores, como serão habilitados e quais conteúdos serão ensinados. A terceira esfera é a sala de aula, a garantia de que vai ser um ensino facultativo e de que o proselitismo religioso será proibido.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Claudia Leitte compara críticas sobre Rock in Rio a atitude nazista




cantora Claudia Leitte não ficou nem um poucosatisfeita com as críticas que lhe foram feitas após sua apresentação no Rock in Rio IV, na sexta-feira (23), em Jacarepaguá, Rio de Janeiro.
Os ataques foram principalmente direcionados aos roqueiros, que acharam uma péssima escolha inseri-la num festival cujo nome remete ao rock, chegando a comparar suas frases a atitudes nazistas.
"Ok. Não gostar de Axé é normal! Anormal é achar-se superior porque conhece John Coltrane ou porque adora o Metallica. Procurem no Google sobre a história de um ariano que se achava superior aos judeus", escreveu, referindo-se ao líder da Alemanha Nazista, Adolf Hitler.
No dia de sua apresentação no festival, o tópico @claudiarreia, criado especialmente para falar negativamente de sua apresentação, se tornou Trending Topics (os mais comentados) no Twitter.
"O desrespeito é mais fácil de ser tolerado porque é uma atitude Rock and Roll? Não seria isso alienação?", lançou. "Liberdade é respeitar. Liberdade é conviver com as diferenças. Liberdade é ter opinião própria. Tudo o que representa o oposto disso não cheira bem".
Claudia encerrou o post confirmando que, com ou sem críticas, estará na próxima edição do Rock in Rio na capital fluminense, em 2013, bem como na versão lusitana do evento.

Morre mais gente nos hospitais do Rio do que americanos no Iraque

20-09-2011
Morre mais gente nos hospitais do Rio do que americanos no Iraque

Fonte: redação da Tribuna do Advogado
Quase seis mil pessoas morreram nas emergências de apenas quatro hospitais do Rio de Janeiro, de janeiro a agosto de 2011, de acordo com relatório do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro. Os números foram divulgadas nesta terça-feira, dia 20, pela entidade aos representantes das comissões de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e da OAB/RJ que visitaram o Hospital Municipal Souza Aguiar.

Somente nesta unidade de emergência, que é considerada referência de atendimento hospitalar municipal, morreram 1.800 pessoas durante os primeiros oito meses do ano. No Lourenço Jorge, o número de óbitos atingiu 1.600; no Salgado Filho, 1.250; e no Miguel Couto morreram 1.111 pacientes em busca de socorro médico. Isso dá um total de 5.761. Se comparado com os militares norte-americanos mortos na guerra do Iraque, a situação do Rio é de calamidade pública: de 2003 até 2011, caíram mortos no país árabe 4.471 soldados dos EUA.

Parlamentares e integrantes da OAB/RJ estiveram esta terça no Hospital Municipal Souza Aguiar para averiguar a qualidade do atendimento que vem sendo dado à população do Rio. O pedido de visitas e de audiências públicas - que vão ocorrer nos próximos meses e fazem parte de um processo de instalação de uma CPI da Saúde - foi feito por diversas entidades do setor.

Estiveram no Souza Aguiar a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, Margarida Pressburger, e quatro parlamentares que integram a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados: Chico Alencar e Jean Wyllis (PSOL-RJ); Domingos Dutra (PT-MA) e Arnaldo Jody (PPS-Pará). O vereador Paulo Pinheiro (PSOL) e integrantes do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) também participaram da visita ao hospital.

De acordo com os parlamentares, as entidades de profissionais de saúde vêm fazendo insistentes denúncias de péssima qualidade de atendimento à população em nove capitais do Brasil e enumeram, inclusive, as causas do problema. Hoje, os grandes nós são a insuficiência de profissionais, que chega a 70% das equipes, os baixos salários e a falta de regulação das redes de saúde.

Margarida disse ao diretor do hospital, Josué Kardek Nahon, que a OAB/RJ passou a se envolver na questão porque vem sendo insistentemente procurada por pessoas que não conseguem atendimento na área pública. “Lutar pela saúde transformou-se hoje em um caso concreto de defesa dos direitos dos pacientes e da sociedade, assim como dos médicos e dos enfermeiros”, afirmou a advogada.

“Vamos elaborar um relatório a ser encaminhado ao Ministério da Saúde e cobrar das autoridades a organização do setor”, informou Chico Alencar. Para o vice-presidente da CPI, o deputado Arnaldo Jody, um dos maiores gargalos da saúde está no fato de o SUS não atuar como um sistema único de saúde, de forma coordenada, o que transforma os pacientes em bolas de pingue-pongue, sendo encaminhados de uma unidade para outra sem atendimento. “Não há complementaridade de atendimento entre União, estado e município”, enfatizou.

O Rio de Janeiro é o segundo estado visitado pela caravana da saúde. Na segunda-feira desta semana, seus integrantes estiveram no Hospital Arthur Sabóia, em Jabaquara, São Paulo. E estão sendo agendadas visitas em Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre e Fortaleza.

http://site.oabrj.org.br/detalheNoticia/68543/Morre%20mais%20gente%20nos%20hospitais%20do%20Rio%20do%20que%20americanos%20no%20Iraque.html