OPINIÃO
05/06/2010
A indesejável das pesquisas
Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br
Para o os institutos que pesquisam a opinião de eleitores, as variáveis a serem consideradas numa pesquisa para presidente da República são escolaridade, renda, município, região, sexo e idade. Como se justifica a ausência da variável cor/raça?
A cor não interfere, a cor não tem importância – como se concluiu afinal que a cor do eleitor nada significa? Lembrei-me de uma dedicatória de Cora Coralina em um livro de poemas que adquiri em sua casa, em Goiás Velho, em 1980. Entrei quase ao mesmo tempo em que chegava com estardalhaço um grupo de turistas, mais interessados em fotos do que em poemas, e mantive-me afastado o suficiente para deixar claro que nada tinha a ver com o grupo. Saí apressado e somente na rua li a dedicatória de Cora Coralina: “Para o amigo, que muito falou no seu silêncio”.
A ausência da cor nas pesquisas parece desses silêncios carregados de significação. Devemos nos deter com mais atenção sobre o processo pelo qual a cor acaba por desaparecer das pesquisas, que desse modo enfatizam, digamos, a irrelevância sociológica das distinções raciais.
Pode-se especular, por exemplo, que entre as variáveis que distinguem os brasileiros há uma capaz de fazer um tipo de oposição indesejável. Profundamente indesejável. Aquela capaz de “introduzir divisões perigosas”.
“Introduzir” implica considerar e admitir uma realidade antecedente em que a distinção não existe ou não é significativa. Perguntar sobre a cor é fazer entrar o indesejável. Parece que nenhum outro traço (renda, sexo, idade, escolaridade, região) é suscetível de opor, separar, como a indesejável das pesquisas.
Já citei alhures uma fala de Rubem Ricupero, em um seminário realizado na Câmara dos Deputados, em 1986, sobre relações Brasil-África. A questão racial, ele dizia, é um tema complexo e nos divide como nenhum outro, mas temos que enfrentá-lo.
As pesquisas eleitorais não querem enfrentar, portanto, um tema que nos divide como nenhum outro. Vejam bem que é muito diferente ‘não enfrentar o que nos divide’ de ‘introduzir o que nos divide’. Assim me parece legítimo indagar que dimensão da realidade nacional se pretende ocultar quando as enquetes silenciam sobre distinção historicamente significativa - tão significativa ao ponto de nos dividir como nenhuma outra.
No início dos anos 80, o IBGE ainda vacilava quanto ao tema. Havia pressões externas e internas. Lúcia Oliveira, Rosa Porcaro e Tereza Costa, por exemplo, pesquisadoras do órgão, enfrentaram obstáculos para divulgar pesquisa em que demonstravam a importância da raça como princípio classificatório na sociedade brasileira.
Abdias do Nascimento, em 1983, ainda teve que inserir no PL 1.332, o primeiro sobre ações compensatórias em benefício da população negra, artigo que obrigava o IBGE “a incluir, em todas as pesquisas, estatísticas e censos demográficos, o quesito cor/raça ou etnia”. Isso era no tempo de Abdias, cujo mandato não serve de referência para a turma do sorriso negro e do abraço negro no DEM.
DataFolha, Ibope, etc. deveriam prestar atenção no que dizia Theodor W. Adorno, em palestra de 1968: “É possível que, em certas circunstâncias, ocupar-se exatamente com fenômenos supostamente secundários e opacos pode conduzir a conhecimentos sociais extraordinariamente relevantes” (Introdução à sociologia. São Paulo: Unesp, 2008, p. 74).
http://www.irohin.org.br/onl/new.php?sec=news&id=8082
domingo, 13 de junho de 2010
A indesejável das pesquisas
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 09:44 0 comentários
Marcadores: Discriminação, Notícias, Política
A tesoura de Demóstenes e o Estatuto
A tesoura de Demóstenes e o Estatuto
O parecer do senador Demóstenes Torres (DEM-Goiás) transformou o projeto do Estatuto da Igualdade Racial, apresentado em 2003 pelo Senador Paulo Paim como o texto legal capaz de sintetizar as principais reivindicações da população negra brasileira, em um monstrengo irreconhecível, um "frankstein".
O que nasceu para ser uma segunda Lei da Abolição – destinado a dar o conteúdo que faltou à primeira – tornou-se um "frankstein": feio por fora e pior ainda por dentro, dadas as intenções e propósitos inconfessáveis dos que manobram nos bastidores pela sua aprovação.
A desconstrução do projeto começa no artigo 1º com a supressão do objetivo do Estatuto: “combater a discriminação racial e as desigualdades estruturais e de gênero que atingem os afro-brasileiros, incluindo a dimensão racial nas políticas públicas e outras ações desenvolvidas pelo Estado”.
Também de saída, já no artigo 1º, o senador goiano rejeita o termo “população negra” recusando a classificação do IBGE que define os brasileiros como pretos, pardos, amarelos, brancos e indígenas. Demóstenes invoca para si o direito de dizer quem é afro-brasileiro: “as pessoas que se classificam como tais ou como negros, pretos, pardos ou por definição análoga”.
O senador goiano, como é sabido, pertence ao Democratas - o Partido que representa os interesses dos grandes ruralistas e fazendeiros. Natural, portanto, que fuja como o diabo da cruz da questão quilombola – uma pedra no sapato dos herdeiros dos donos da Casa Grande.
A tesoura
A tesoura de Demóstenes risca do projeto de Estatuto o termo “terras de quilombos”. Mas não fica por aí. Coerente com o discurso feito na audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal, em março, que discutiu a questão das ações afirmativas e cotas, quando pretendeu fazer a revisão da história do Brasil para dizer que os casos de estupro durante o escravismo haviam sido consentidos pelas mulheres negras, o senador passa a tesoura em todo o dispositivo que garantia que as medidas de ação afirmativa deveriam se nortear “pelo respeito à proporcionalidade entre homens e mulheres afro-brasileiros, com vistas a garantir a plena participação da mulher afro-brasileira como beneficiária deste Estatuto”
Para alguém que se dá ao direito de classificar quem é negro e quem não é – na contramão do próprio IBGE que assegura aos cidadãos brasileiros o direito à auto-declaração - Demóstenes considera uma bobagem a necessidade da obrigatoriedade do quesito cor “em todos os documentos de uso do SUS, como cartões de identificação, prontuários médicos, fichas de notificação de doenças, formulários de resultados de exames laboratoriais, inquéritos epidemiológicos, estudos multicêntricos, pesquisas básicas, aplicadas e operacionais, qualquer outro instrumento que produza informação estatística”
E, claro, para provar que é radical na sua negativa dos efeitos dos 350 anos de escravidão, a tesoura de Demóstenes é célere na supressão de todos os artigos que tratam da saúde da população negra. O artigo 14 tinha a seguinte redação: “O poder Executivo incentivará a pesquisa sobre doenças prevalentes na população afro-brasileira, bem como desenvolverá programas de educação e de saúde e campanhas públicas de esclarecimento que promovam a sua prevenção e adequado tratamento”. Para que? Pergunta Demóstenes do alto da varanda da Casa Grande. Tesoura neles.
Retrocesso
Mais célere do que a dona Solange dos tempos da censura na ditadura, Demóstenes também considerou uma bobagem o artigo 15 que dizia: “Os estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, que realizam partos, farão exames laboratoriais nos recém-nascidos para diagnóstico de hemoglobinopatias, em especial o traço falciforme e a anemia falciforme”.
A supressão desse artigo representa um retrocesso enorme porque o “teste do pezinho”, implantado de alguns para cá, ao invés de ser universalizado, passa a ser restringido.
Cotas? Nem pensar. O senador goiano, cá prá nós, considera essa história de cotas, conversa fiada de negro folgado querendo vaga sem esforço nas Universidades ou nas empresas.
Todo o artigo 70 do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados foi simplesmente riscado, sem dó. “O Poder Público adotará, na forma de legislação específica e seus regulamentos, medidas destinadas à implementação de ações afirmativas, voltadas a assegurar o preenchimento por afro-brasileiros de cotas mínimas das vagas relativas (...) “aos cursos de graduação em todas as instituições públicas federais de educação superior do território nacional”.
Mestres de capoeira virando instrutores “reconhecidos pública e formalmente pelo seu trabalho”, religiões de matrizes-afrobrasileiras? O que é que é isso, minha gente? Pergunta Demóstenes, tesoura em punho. Tesoura em todos os dispositivos que tratavam do “reconhecimento da liberdade de consciência e de crença dos afro-brasileiros e da dignidade dos cultos e religiões de matrizes africanas praticados no Brasil deve orientar a ação do Estado em defesa da liberdade de escolha e de manifestação de filiação religiosa, individual e coletiva, em público ou em ambiente privado”.
Mais retrocesso
Nem pensar em reconhecer “aos praticantes das religiões de matrizes africanas e afro-indígenas" o direito de "ausentarem-se do trabalho para a realização de obrigações litúrgicas próprias de suas religiões, podendo tais ausências serem compensadas posteriormente”. Que heresia! Diria Demóstenes com seus botões, pernas esticadas na rede da varanda.
O capítulo que tratava do mercado de trabalho igualmente foi suprimido pelo zeloso senador, bem como igualmente o que tratava dos direitos da mulher. “O Poder Público garantirá a plena participação da mulher afro-brasileira como beneficiária deste Estatuto da Igualdade Racial e em particular lhe assegurará “a instituição de política de prevenção e combate ao tráfico de mulheres afro-brasileiras e aos crimes sexuais associados à atividade do turismo”.
Que tremenda, bobagem! Essas negrinhas que consentiram ser estupradas nos bons tempos, agora querem ter essas regalias, teria resmungado, a tesoura pronta a desfechar o golpe fatal.
Não teve menos sorte todo o capítulo que tratava da Comunicação: a tesoura goiana foi implacável. A possibilidade de filmes e programas veiculados pelas emissoras de televisão apresentarem imagens de pessoas afro-brasileiras em proporção não inferior a 20% (vinte por cento) do número total de atores e figurantes, foi considerado, particularmente, um abuso desses negros que insistem em não "saber" o seu lugar. Participação de afro-brasileiros na publicidade? Nem pensar. Tesoura neles.
No quesito acesso à Justiça, Demóstenes – que já foi promotor público -, sabia exatamente o que estava fazendo quando suprimiu sem dó nem piedade “a inclusão da temática da discriminação racial e desigualdades raciais no processo de formação profissional das carreiras policiais federais, civil e militar, jurídicas da Magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública”.
Ópera bufa
Resumo dessa triste ópera: os senhores da Casa Grande – os mesmos que no Parlamento do Império impuseram as Leis do Ventre Livre, do Sexagenário, a Lei Áurea, apenas para dar alguma satisfação aos seus donos – (na época a poderosa Inglaterra, que pressionava pela Abolição, interessada em expandir o mercado assalariado, incompatível com o escravismo), continuam legislando para nós negros. E o que é pior: o fazem em nosso nome.
No processo de tramitação do Estatuto, os cortes já não foram poucos. Paim cedeu, compôs-se. O projeto foi sendo enxugado: primeiro retirou-se, por exigência da Fazenda, o Fundo de Promoção da Igualdade Racial, depois o seu caráter impositivo, tornaram-no autorizativo.
Na Câmara, depois da pressão que levou 100 mil assinaturas à Brasília, a partir de mobilização desencadeada em São Paulo, mais cortes; até o anúncio de um inusitado acordo com a bancada demo-tucana para aprová-lo.
O acordo foi descumprido pela bancada demo e agora eis que se anuncia o substitutivo fruto da tesoura de Demóstenes, e que ameaça ser aprovado – em tempo célere, rapidinho, como convém em acordos e negociações de bastidores, cujos propósitos não podem ser revelados à luz do dia.
Nos tais acordos e negociações, teriam se envolvido o ministro chefe da SEPPIR, Elói de Araújo, e o próprio senador Paim, a essa altura, provavelmente em crise existencial, em face do monstrengo, sem forma, nem conteúdo, que lhe é apresentado como o Estatuto que um dia pretendeu que fosse seu.
A pergunta que não quer calar é: a quem interessa que uma Lei que vem com 122 anos de atraso, seja transformada numa declaração vazia de conteúdo. Por que um Governo – como Governo Lula no alto dos seus quase 80% de popularidade, com maioria esmagadora no Senado e no Congresso, permite que os interesses de 50,3% de afro-brasileiros sejam repassados ao que há de pior na política brasileira – o DEM e os seus parceiros?
É preciso lembrar aos que estão tentados à comodidade do silêncio cúmplice: o que está sendo exibido ao distinto público não é o Estatuto da Igualdade; é um “frankstein” apenas para atender aos interesses de quem pretende transformá-lo em talismã eleitoral –, peça de marketing para satisfazer a tosquice dos ingênuos e o apetite dos espertos.
Com a palavra as entidades e lideranças do Movimento Negro Brasileiro – em especial os que fazem parte da base do Governo.
São Paulo, 12/6/2010
Dojival Vieira
Jornalista Responsável
Registro MtB: 12.884 - Proc. DRT 37.685/81
Email: dojivalvieira@hotmail.com; abcsemracismo@hotmail.com
Equipe de Redação:
Dojival Vieira, Dolores Medeiros, Julia Medeiros e Gabriel Silveira
http://www.afropress.com/editorial.asp
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 09:43 0 comentários
Marcadores: Discriminação, Notícias, Política
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Marina pede oração para se tornar primeira presidente negra do Brasil
10/06/2010-18h34
Marina pede oração para se tornar primeira presidente negra do Brasil
DE BRASÍLIA
DE SÃO PAULO
PUBLICIDADE
Tornada oficialmente candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva pediu durante seu discurso na convenção do partido nesta quinta-feira a oração e a torcida dos presentes para que ela se torne a primeira mulher negra, de origem pobre, presidente do Brasil.
"Que cada homem e mulher que tem fé possa rezar. Os que não tem, possam torcer para que no dia 1º de janeiro o Brasil possa ter a primeira mulher negra, de origem pobre, na Presidência do Brasil", afirmou.
Leia como foi a cobertura em tempo real da convenção
Veja fotos do evento
Marina cutucou o presidente Lula e o PT quando comentava a tese do plebiscito defendida pelos petistas, ao criticar novamente a polarização da campanha. "Não vamos aceitar o veredicto do plebiscito, ele vai ser revogado pelo povo brasileiro".
Sérgio Lima/Folhapress
Ao lado de Guilherme Leal e Leonardo Boff, Marina foi lançada como candidata à Presidência
Ex-petista que tenta impedir a eleição da candidata do presidente Lula, Dilma Rousseff, Marina saudou os presentes com um "companheiros e companheiras", frase comumente associada aos petistas. Em seguida, como sempre faz, agradeceu a Deus.
A canditata fez um afago ao vice, o empresário Guilherme Leal, que se atrapalhou por três vezes durante o discurso com a leitura do teleprompter. "Essa tua falta de jeito com a política só aumenta o nosso respeito pelo que tu és e vais fazer na Vice-Presidência. Quem faz política com P maiúsculo não treina como fala. Apenas faz".
Sobre Leal, que em seu discurso frisou a diferença nas origens de ambos, Marina disse que tinha que contar um segredo: "Eu queria fazer uma revelação. O empresário Guilherme leal é filho de paraense e comedor de açaí. O nosso encontro também está nas nossas origens, nas raízes que alimentam nosso coração", disse.
A senadora arrancou risadas da plateia em vários momentos. Um deles foi quando brincou com o início da trajetória de Leal, que começou a Natura, empresa de cosméticos, na garagem de casa. "Não estou dizendo para todo mundo sacar o FGTS e abrir um negócio de cosméticos em casa. Vão sair estragando o cabelo das pessoas".
Marina brincou com a criação do chamado "marinês", termos poucos conhecidos que ela usa na campanha. "Se não criamos o novo nas linguagens, nos processos, nas estruturas, vamos ficar no mesmo lugar", disse.
A candidata minimizou a falta de uma coligação. "Não temos política de aliança, pensando apenas com o velho cálculo pragmático de mais palanques, mais recursos, mais votos. Decidimos fazer aliança com os jovens, idosos, índios, negros, com todos os brasileiros e brasileiras que estão aqui".
Evangélica, Marina afirmou que uma das maiores conquistas do Brasil é ser um país laico. "Nesse país, uma das maiores bênçãos é sermos um país laico para que possamos respeitar todos que têm crença e todos aqueles que não têm crença. Esse é de fato uma grande conquista", disse.
A candidata disse que 20 milhões de brasileiros deixaram a linha de pobreza nos últimos anos e elogiou Lula. "Não preciso, porque sou candidata por outro partido, negar esse feito e a grande conquista do operário Luiz Inácio Lula da Silva, que quebrou o paradigma. Antes se dizia que era preciso crescer para distribuir o bolo. O Lula mostrou que foi distribuindo que continuamos e crescemos."
A candidata, que é professora, cobrou uma reformulação no ensino e a valorização dos professores. "Esse país ainda está na estagnação na qualidade do ensino. Quarenta por cento das crianças que chegam ao ensino fundamental não concluem a 8ª serie. A escola precisa ser criativa, valorizar professores, para que a gente sinta orgulho de dar aula. Esse desafio não foi superado no país", afirmou.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/748942-marina-pede-oracao-para-se-tornar-primeira-presidente-negra-do-brasil.shtml
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 11:25 0 comentários
Marcadores: Discriminação, Notícias, Política
quinta-feira, 10 de junho de 2010
O Investimento Social Privado e a questão racial No Brasil
O Investimento Social Privado e a questão racial No Brasil
Andrés A. Thompson*
O Investimento Social Privado (ISP) – ou simplesmente a filantropia - tem várias origens. Pode ser individual, familiar, comunitária ou empresarial. Em quase todas, responde a uma necessidade de “devolver” à sociedade parte do resultado de um processo de acúmulo de riqueza. Há, na maioria das vezes, um sentido altruísta nessa decisão, assim como também há questões ligadas à imagem, ao marketing e à estratégia empresarial.
No Brasil, os investimentos sociais privados de origem empresarial têm uma dimensão amplamente mais visível e relevante que as poucas e ainda tímidas ações filantrópicas familiares, individuais ou comunitárias. Isso se reflete no perfil dos associados do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), cujo número de organizações de cunho empresarial chega a 79%.
Falar de ISP hoje no Brasil é falar da empresa, do papel da empresa no desenvolvimento e, mais particularmente, sobre o papel da empresa no campo das questões sociais. Portanto, a relação entre o ISP e a chamada “responsabilidade social empresarial” (RSE) é muito estreita.
O censo feito pelo GIFE (2007-2008) sobre a ação social dos institutos e fundações que fazem filantropia, ou seja, que doam recursos financeiros a terceiros, revela duas questões que chamam muito a atenção. A primeira é que, ainda que o critério de financiamento esteja relacionado aos indicadores econômicos e sociais e de vulnerabilidade social, a questão racial não aparece como um tema que mereça investimentos. É de amplo conhecimento que há uma associação direta entre pobreza e raça, por exemplo, ou entre violência e raça.
De igual forma, ao analisar as principais áreas de investimento e atuação dos afiliados ao GIFE, a questão racial não figura nem mesmo entre as 12 primeiras ou principais. Surge daí a pergunta inevitável: por que será que, sendo a população negra (pretos e pardos) quase a metade dos brasileiros e que a essa população estejam relacionados os piores indicadores sociais e econômicos, as fundações e institutos empresariais não investem nas questões raciais? Será que é possível continuar pensando em ações sociais privadas que visam o desenvolvimento do Brasil sem pensar no desenvolvimento da população negra?
Foi diante dessas questões estruturantes que se organizou uma sessão especial no 6º Congresso GIFE, realizado no Rio de Janeiro, em abril. A primeira resposta foi clara e contundente e veio da diretora do GELEDÉS - Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro: “sim, é possível pensar no desenvolvimento do Brasil sem considerar a população negra. Isso tem sido feito ao longo de toda a nossa história”.
Sendo assim, cabe tentar entender o por quê. Uma primeira hipótese é que a falta de investimento social privado com uma dimensão racial responde a um fator mais abrangente: a negação nas elites de que esse é um problema, ou seja, a invisibilidade da exclusão racial.
Os processos de miscigenação e mestiçagem ocorridos no Brasil, ao serem compreendidos como processos de integração biológica, têm ocultado a permanência do racismo como forma de exclusão social. A idéia simples e popular de que “somos todos misturados; somos, sobretudo, brasileiros” (que responde ao discurso dos defensores de que há democracia racial no Brasil) tem servido para disfarçar as diferenças apontadas. É fato que, neste país, a população negra está em desvantagem considerável em relação aos brancos em termos de condições de saúde, mortalidade, educação, emprego, renda e riqueza.
Também estão amplamente sub-representados entre aqueles que têm cargos públicos, nos níveis mais altos do meio empresarial, nas imagens da mídia e nas instituições de ensino superior. Esse quadro é uma desproporção exagerada em relação à participação dos negros na população em geral e no conjunto dos pobres brasileiros.
Em conseqüência, se queremos avançar no tratamento da questão racial no campo dos investidores sociais privados, temos que primeiro olhar para dentro, para nossas organizações e discursos, analisando-os criticamente. A Fundação Kellogg, por exemplo, além de focar toda a programação e os nossos investimentos no Brasil na questão da equidade racial, também estamos promovendo internamente a diversidade em nossos quadros. Porque se não reconhecemos que há um problema será impossível enfrentá-lo. E o racismo é, sim, um grande problema.
A segunda hipótese é que a invisibilidade da exclusão racial leva ao desconhecimento (deliberado ou não) e à ignorância sobre o seu significado. Não se trata só de um debate ético ou moral, e nem mesmo de uma defesa dos direitos humanos. É também um problema de política econômica e portanto central para o investimento social privado. O Brasil não pode chegar a ser a quinta economia do mundo nos próximos dez anos deixando para trás metade de sua população. É preciso aproveitar os talentos e capacidades da população negra para que os frutos do desenvolvimento econômico sejam para todos os brasileiros e não só para uma parcela.
Algumas fundações, institutos e empresas no Brasil já começaram a fazer essas perguntas e a explorar ações nesse campo. Um grupo de cerca de dez organizações, entre elas Fundação Kellogg, Fundação Ford, Fundação AVINA, Oxfam e UNICEF, vem se reunindo e trabalhando o tema coletivamente. O fato do GIFE ter incorporado a temática racial no programa do seu último congresso, e dessa mesa ter sido a mais bem avaliada de todo o evento, é mais uma prova de um incipiente interesse.
Mas ainda há muito a fazer. É um problema complexo e para enfrentá-lo é necessária uma grande gama de pessoas e instituições comprometidas em fazer do Brasil um país cujos direitos sejam acessíveis para todos. É responsabilidade de cada um- empresas, governos, indivíduos e sociedade civil – em seus diferentes âmbitos de atuação, garantir que ninguém seja excluído.
*Andrés A. Thompson é Diretor de Programas da Fundação W.K. Kellogg.
http://site.gife.org.br/artigo-o-investimento-social-privado-e-a-questao-racial-no-brasil-13788.asp
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 16:42 0 comentários
Marcadores: Discriminação, Notícias, Política
Nós somos os penetras
Nós somos os penetras
Avaliação do Usuário: / 0
PiorMelhor
Notícias
Por: ANTONIO POMPÊO
Na peça teatral "Esse perverso sonho de igualdade", de Joel Rufino dos Santos - que fala da revolta dos alfaiates ocorrida na Bahia do século XVII -, um dos revoltosos entra em desespero e grita: "O mundo é dos brancos, nós somos os penetras!"
É assim que, às vezes, os não brancos da nossa sociedade se sentem: excluídos na invisibilidade. Ao andarmos, por exemplo, pelo Congresso Nacional, símbolo de democracia, constatamos a invisibilidade. Aí, perguntamos: por que isso acontece?
Existe uma sutileza nesse olhar que só sente quem está do lado de cá. Da mesma maneira sentimos a intenção de apagar o passado escravocrata deste país. Não dá. São apenas 122 anos. As marcas estão aí para quem quiser ver. Milhares de negros não conseguiram atravessar o Atlântico, ficaram no meio do mar, almas perdidas e esquecidas e que clamam por um reconhecimento histórico. Impossível dizer que a escravidão não aconteceu.
Durante muitos anos vivemos sob o véu da democracia racial. Foram anos de luta até admitirmos a desigualdade e o racismo. Graças à atuação de uma geração do movimento negro brasileiro, conseguimos colocar a questão racial em pauta. No entanto, a resistência a discutirmos o assunto ocasionou um hiato muito grande no atendimento de nossas reivindicações.
O racismo é uma serpente de muitas cabeças. Damos um golpe no seu corpo e ela se multiplica. Precisamos lutar para que essa igualdade exista e que todos possam participar. Mas nem sempre tratar os iguais igualmente dá certo. Às vezes necessitamos apressar os acontecimentos, tomar medidas urgentes. Este é o caso das ações afirmativas. Só com elas os negros poderão participar ativamente da divisão econômica no Brasil. As nossas reivindicações estão em análise no STF. Se a decisão for favorável, avançaremos; se for contrária aos nossos interesses, acataremos.
Na década passada ficamos iludidos pela entrada no século XXI. Com certeza, na medicina, na ciência e outras modalidades entramos neste século. Mas estamos atrasados nas relações humanas. Parece que nada mudou. Os conflitos mundiais estão aí para provar. A grande novidade foi a eleição de um negro, algo até então impensável, para a presidência dos Estados Unidos. Esperamos que esses ventos de mudanças cheguem por aqui.
O Brasil está deixando de ser o país do futuro e entrando no clube das nações do presente. Mas, para entrar definitivamente no novo século, precisamos incorporar essa leva de 49% de negros e pardos. Sem isso não há como avançar e se tornar um país competitivo. Zumbi, Machado de Assis, Juliano Moreira,Tia Ciata, Lima Barreto, Antonio Rebouças, Cartola, Lélia Gonzales, Carolina de Jesus, Mãe Menininha do Gantois, Aleijadinho, Pixinguinha e tantos outros e outras clamam por uma verdadeira democracia racial.
Texto publicado no Globo de hoje. O autor é ator, diretor e presidente do Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro (Cidan).
http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2010/06/10/nos-somos-os-penetras-298738.asp
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 16:41 0 comentários
Marcadores: Discriminação, Eventos, Notícias