domingo, 7 de março de 2010

Elio Gaspari: A Teoria Negreira do DEM saiu do Armário

Elio Gaspari: A Teoria Negreira do DEM saiu do Armário
Postado por ContiBosso em 7 março 2010 às 12:15
FOLHA SP : ELIO GASPARI
A TEORIA NEGREIRA DO DEM SAIU DO ARMÁRIO
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) é uma espécie de líder parlamentar da oposição às cotas para estimular a entrada de negros nas universidades públicas. O principal argumento contra essa iniciativa contesta sua legalidade, e o caso está no Supremo Tribunal Federal, onde realizaram-se audiências públicas destinadas a enriquecer o debate.
Na quarta-feira o senador Demóstenes foi ao STF, argumentou contra as cotas e disse o seguinte:
"[Fala-se que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. Gilberto Freyre, que hoje é renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual".
O senador precisa definir o que vem a ser "forma muito mais consensual" numa relação sexual entre um homem e uma mulher que, pela lei, podia ser açoitada, vendida e até mesmo separada dos filhos.
Gilberto Freyre escreveu o seguinte:
"Não há escravidão sem depravação sexual. É da essência mesma do regime".
"O que a negra da senzala fez foi facilitar a depravação com a sua docilidade de escrava: abrindo as pernas ao primeiro desejo do sinhô-moço. Desejo, não: ordem."
"Não eram as negras que iam esfregar-se pelas pernas dos adolescentes louros: estes é que no sul dos Estados Unidos, como nos engenhos de cana do Brasil, os filhos dos senhores, criavam-se desde pequenos para garanhões. (...) Imagine-se um país com os meninos armados de faca de ponta! Pois foi assim o Brasil do tempo da escravidão."
Demóstenes Torres disse mais:
"Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas chegaram. (...) Até o princípio do século 20, o escravo era o principal item de exportação da economia africana".
Nós, quem, cara-pálida? Ao longo de três séculos, algo entre 9 milhões e 12 milhões de africanos foram tirados de suas terras e trazidos para a América. O tráfico negreiro foi um empreendimento das metrópoles europeias e de suas colônias americanas. Se a instituição fosse africana, os filhos brasileiros dos escravos seriam trabalhadores livres.
No início do século 20 os escravos não eram o principal "item de exportação da economia africana". Àquela altura o tráfico tornara-se economicamente irrelevante. Ademais, não existia "economia africana", pois o continente fora partilhado pelas potências europeias. Demóstenes Torres estudou história com o professor de contabilidade de seu ex-correligionário José Roberto Arruda.
O senador exibiu um pedaço do nível intelectual mobilizado no combate às cotas


http://blogln.ning.com/profiles/blogs/elio-gaspari-a-teoria-negreira?xg_source=activity

sábado, 6 de março de 2010

Dia de Oxum é patrimônio imaterial do Estado do Rio

Publicada em 05/03/2010 às 13:39
Dia de Oxum é patrimônio imaterial do Estado do Rio
Fernanda Baldioti
RIO - Uma lei sancionada pelo governador Sérgio Cabral e publicada no Diário Oficial desta sexta-feira transforma o Dia de Oxum, comemorado anualmente no dia 8 de dezembro, em patrimônio imaterial do Estado do Rio. A nova norma, de autoria do deputado Átila Nunes (DEM), determina que festejos deverão ser programados e realizados pelas secretarias de Turismo e Ciência e Cultura e incluídos no calendário oficial e turístico do estado.

- Vários símbolos afro-brasileiros ultrapassaram a ligação com determinadas religiões. Você não precisa ser budista para ter admiração pelos ensinamentos de Buda, por exemplo, e isso acontece com muita regularidade com símbolos das religiões afro-brasileira. A Candelária e o Cristo deixaram de ser somente monumentos católicos para se tornarem referências do Rio, como a festa de Iemanjá passou a ser uma comemoração carioca. É importante preservar essas manifestações, e as celebrações para Oxum já são típicas na cidade há mais de 300 anos - ressalta Átila Nunes.

A Candelária e o Cristo deixaram de ser somente monumentos católicos para se tornarem referências do Rio
Segundo Átila, a proposta só enfrentou resistência da bancada evangélica:

- O Brasil confunde o religioso com a cultura. O importante é que a gente preserve e celebre os grandes símbolos de todas as religiões, como São Jorge. A minha maior dificuldade na Alerj foi na bancada evangélica. Mas, é importante reconhecermos as diferentes manifestações. O dia de Oxum também é dedicado a Nossa Senhora da Conceição.

Oxum é um orixá feminino ligado ao amor de mãe e que domina os rios e as cachoeiras. Segundo as lendas, ela adora ricas vestes e objetos de uso pessoal, como colares, joias, perfumes. Sua imagem é associada à maternidade e à fertilidade. Quando uma mulher tem dificuldade para engravidar é à Oxum que se pede ajuda. Além disso, ela tem funções de cura, e é o orixá do ouro, da riqueza e do amor.

- Os orixás são a energia da natureza. Oxum é não é só a cachoeira em si, mas a energia gerada pela queda d'água. Essa decisão é importante para que possamos ter mais suporte do poder público na hora de realizar as nossas homenagens e confraternizações -, explica Fátima Dantas, diretora da Congregação Espírita Umbandista do Brasil (Ceub).

Também nesta sexta-feira, a Assembleia Legislativa do Rio sedia o I Encontro Sobre Políticas Públicas para Comunidades de Terreiros. O encontro, que conta com a presença do ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, busca debater o Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa e de Promoção de Políticas Públicas para as Comunidades Tradicionais de Terreiro (PNCT). O Plano visa a combater a intolerância religiosa e assegurar a efetivação do direito à liberdade de consciência e de crença.

http://extra.globo.com/rio/materias/2010/03/05/dia-de-oxum-patrimonio-imaterial-do-estado-do-rio-915995837.asp

Ministro Joaquim Barbosa arquiva ADI contra Estatuto da Igreja Católica

Ministro Joaquim Barbosa arquiva ADI contra Estatuto da Igreja Católica

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Quinta-feira, 04 de Março de 2010
Ministro Joaquim Barbosa arquiva ADI contra Estatuto da Igreja Católica


O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4319, ajuizada pela Convenção de Ministros das Assembleias de Deus Unidas do Estado do Ceará (Comaduec) contra o Estatuto Jurídico da Igreja Católica do Brasil. A justificativa do ministro para negar o seguimento da ação foi a falta de legitimidade da entidade para propô-la.

A Comaduec pediu ao Supremo a declaração de inconstitucionalidade do Estatuto Jurídico da Igreja Católica do Brasil, aprovado pelo Decreto Legislativo 698/2009 e proveniente do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, assinado em novembro de 2008. Segundo a organização evangélica, o acordo fere a laicidade do Estado brasileiro e privilegia a Igreja Católica em detrimento das demais religiões, o que seria uma afronta ao princípio constitucional da igualdade das religiões.

Ao avaliar se a convenção dos ministros evangélicos preenchia os requisitos para ser proponente de ADI, conforme especificado no artigo 103, inciso IX da Constituição Federal, Joaquim Barbosa constatou que a Comaduec não é uma “entidade de classe”, porque seus membros não representam interesses profissionais definidos. Ele lembrou que o inciso IX confere legitimação às confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional para propor ADI.

“Essa corte, por diversas vezes, estabeleceu o alcance da expressão entidade de classe como aquela em que seus membros estão vinculados por relação econômica ou profissional”, explicou o ministro Joaquim Barbosa. “Como se vê, o liame que une os membros da Convenção de Ministros das Assembleias de Deus Unidas do Ceará (Comaduec) é de natureza estritamente religiosa, não havendo qualquer vínculo de natureza profissional ou econômica entre eles”, completou.

MG/LF//AM



Acompanhamento Processual Imprimir
ADI 4319 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
[Ver peças eletrônicas]
Origem: DF - DISTRITO FEDERAL
Relator: MIN. JOAQUIM BARBOSA
REQTE.(S) CONVENÇÃO DE MINISTROS DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS UNIDAS DO ESTADO DO CEARÁ - COMADUEC
ADV.(A/S) WILSON NOGUEIRA E OUTRO(A/S)
REQDO.(A/S) CONGRESSO NACIONAL
Andamentos
DJ/DJe
Jurisprudência
Deslocamentos
Detalhes
Petições
Petição Inicial
Recursos
Data Andamento Órgão Julgador Observação Documento
03/03/2010 Publicação, DJE Decisão de 19/02/2010. (DJE nº 38, divulgado em 02/03/2010)
Despacho

26/02/2010 Negado seguimento MIN. JOAQUIM BARBOSA Em 19/2/2010: "[...] o liame que une os membros da Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Ceará - COMADUEC é de natureza estritamente religiosa, não havendo qualquer vinculo de natureza profissional ou econômica entre eles. Nessa ordem de idéias, para os efeitos do art. 103, IX da CF/88, não se pode conceber que cidadãos ligados entre si por vínculo de natureza religiosa constituam uma classe, e, portanto, sua associação nacional possua legitimidade para instaurar a jurisdição constitucional concentrada. Do exposto, com fundamento no art. 21, § 1º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, e tendo em vista a ilegitimidade ativa da requerente, nego seguimento à presente ação direta de inconstitucionalidade. Fica prejudicada a análise do pedido de medida liminar. Publique-se."

03/11/2009 Conclusos ao(à) Relator(a)

29/10/2009 Juntada PG nº 132951/2009, da Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Estado do Ceará - COMADUEC, requerendo juntada de documentos, em cumprimento ao despacho de 19.10.2009.

29/10/2009 Petição PG nº 132951/2009, da Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Estado do Ceará - COMADUEC, requerendo juntada de documentos, em cumprimento ao despacho de 19.10.2009.

23/10/2009 Publicação, DJE Despacho de 19/10/2009. (DJE nº 200, divulgado em 22/10/2009)
Despacho

20/10/2009 Despacho Em 19.10.2009: "Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pela Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Estado do Ceará - COMADUEC contra o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 698/2009. A autora afirma ser associação civil de natureza religiosa que possui membros e atividade em todo o território nacional, sendo sediada em Fortaleza-CE.(...)Do exposto, comprove a autora, no prazo de 10 (dez) dias, possuir membros ou associados nos moldes acima descritos, a fim de caracterizar sua legitimidade prevista no art. 103, IX, da Constituição Federal, sob pena de indeferimento da inicial. Apresente, ainda, a autora, no mesmo prazo, cópia oficial do inteiro teor do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, aprovado pelo Decreto Legislativo 698/2009.Publique-se."

15/10/2009 Conclusos ao(à) Relator(a)


15/10/2009 Distribuído MIN. JOAQUIM BARBOSA

14/10/2009 Autuado

14/10/2009 Protocolado



DECISÃO: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, ajuizada pela Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Estado do Ceará – COMADUEC, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, aprovado pelo Decreto Legislativo 698/2009, publicado no dia 08.10.2009, oriundo do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, assinado em 13.11.2008.
A requerente sustenta que o mencionado Acordo ofende o disposto no art. 19, I da Constituição Federal, que “assegura o princípio da laicidade”. Afirma, ainda, que tal ato normativo fere o princípio da igualdade constitucional das religiões, estabelecendo privilégios para a Igreja Católica em detrimento das demais religiões, limitando a liberdade religiosa no país.
Entende que o Acordo Brasil-Santa Sé “sacramenta uma relação profunda de dependência entre o Estado Brasileiro e a Igreja Católica, onde o nosso país se torna submisso à estrutura eclesiástica católica, perdendo sua autonomia para a gestão da coisa pública” (fls. 04).
Requer a concessão de medida cautelar para suspender a eficácia do Decreto Legislativo 698/2009, e, no mérito, a procedência do pedido.
A fls. 71, determinei que a requerente comprovasse possuir membros ou associados em, pelo menos, nove Estados da Federação, bem como que juntasse cópia oficial do inteiro teor do Acordo ora atacado, o que foi atendido a fls.73-156.
É o relatório.

Decido.
A Constituição Federal, em seu artigo 103, estabelece o rol taxativo de legitimados à propositura de ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade. O inciso IX confere legitimação às confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.
Esta Corte, por diversas vezes, estabeleceu o alcance da expressão “entidade de classe” como aquela em que seus membros estão vinculados por relação econômica ou profissional.
No julgamento da ADI 894, ajuizada pela União Nacional dos Estudantes, o relator, ministro Néri da Silveira, com muita propriedade fez a distinção que caracteriza o entendimento da Corte acerca do conceito de classe para efeito de legitimidade ativa a entidades de âmbito nacional. Disse S. Exa.:

“No que concerne a ‘entidade de classe’ de âmbito nacional (‘segunda parte”, do inciso IX do art. 103 da Constituição), vem o STF emprestando-lhe compreensão sempre a partir da representação de interesses profissionais definidos. Não se trata, assim, apenas, de classe, no mero sentido de um certo estrato ou segmento da sociedade; cumpre se informe a noção de ‘classe’ de conteúdo, profissional ou econômico, determinado. Assim, têm se admitido como entidade de classe de âmbito nacional a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação Nacional do Ministério Público, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia, associações nacionais de áreas da produção, do comércio e da indústria”.

Do mesmo modo, o Ministro Celso de Mello, ao indeferir a inicial da ADI 3.214, afirmou que a noção de classe ”consoante tem ressaltado a jurisprudência desta Suprema Corte, abrange aquelas instituições que são integradas por membros vinculados a estratos sociais, profissionais ou econômicos diversificados, cujos objetivos, individualmente considerados, revelam-se contrastantes (...) (RTJ 141/3-4, Rel. Min. Celso de Mello)”. E continua S. Exa.:
“Na realidade, e tal como os Consultores Tributários (RTJ 147/372), os Teleprodutores Independentes (RTJ 141/3-4 - RTJ 147/3-4), os Engenheiros da Petrobrás (RTJ 156/26), os Ex- -Combatentes do Brasil (ADI 1.090/DF), os Diretores Lojistas (RTJ 150/84), os Engenheiros Agrônomos (ADI 1.771/DF), os Agentes Lotéricos (ADI 731/DF) e os Juízes de Paz (ADI 2.082/ES), também os Vereadores não formam classe alguma, para efeito de ativação da jurisdição constitucional “in abstracto” do Supremo Tribunal Federal”.

No mesmo sentido, afirmou a ministra Ellen Gracie ao apreciar a ADI 4.239, DJe 18.05.2009:
“Em diversos precedentes, o Supremo Tribunal Federal asseverou que para os efeitos do art. 103, IX, somente se considera entidade de classe aquela que reúne membros que se dedicam a uma só e mesma atividade profissional ou econômica. Confira-se, nesse sentido, a ADI 941, rel. min. Sydney Sanches, DJ 08.04.1994, a ADIU 1.804, rel. min. Ilmar Galvão, DJ 19.06.1998 e a ADI 31, rel. min. Nelson Jobim, DJ de 28.09.2001, dentre outras”.

No presente caso, a Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Ceará – COMADUEC, segundo consta no art. 1º de seu Estatuto, “é uma associação civil de natureza religiosa, sem fins lucrativos e de direito privado”, com atividades em todo o Brasil (fls. 23). Dentre suas finalidades destaco: (i) “promover a união e o intercâmbio das Assembléias de Deus do Brasil”; (ii) “atuar no sentido da manutenção dos princípios morais e espirituais das Assembléias de Deus do Brasil”; (iii) “zelar pela observância da doutrina bíblica, incrementando estudos bíblicos e outros eventos”; (iv) “promover e incentivar a proclamação do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, através da obra missionária”; (v) “promover o desenvolvimento espiritual e cultural das Assembléias de Deus, mantendo a unidade doutrinária”; (vi) “promover a educação em todos os níveis e a assistência filantrópica: criação de colégios para evangélicos, faculdades religiosas, cemitérios para evangélicos (denominados Campo Santo de Salém), como também receber qualquer tipo de doação de bens móveis e imóveis do Estado, da União ou do município, para execuções de trabalhos sociais recíprocos” (fls. 23).
Ao comprovar a atuação da entidade em mais de nove Estados da Federação, a requerente apresentou Fichas de Filiação de diversos membros, contendo os dados pessoais e as qualificações de cada um deles. Nesses documentos verifico que os membros da entidade exercem diversas atividades profissionais, as quais estão completamente desvinculadas da função religiosa por eles exercidas no âmbito da entidade requerente. Assim, dentre os integrantes da COMADUEC existem, dentre outros: serralheiro (fls. 77), agente de viagem (fls. 80), cabeleireiro (fls. 83), costureira (fls. 86), professora (fls. 92), mestre de obra (fls. 98), pedreiro (fls. 104) e também aposentados.
Como se vê, o liame que une os membros da Convenção de Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Ceará – COMADUEC é de natureza estritamente religiosa, não havendo qualquer vinculo de natureza profissional ou econômica entre eles.
Nessa ordem de idéias, para os efeitos do art. 103, IX da CF/88, não se pode conceber que cidadãos ligados entre si por vínculo de natureza religiosa constituam uma classe, e, portanto, sua associação nacional possua legitimidade para instaurar a jurisdição constitucional concentrada.
Por fim, verifico que a procuração outorgada ao patrono da requerente não contém poderes específicos para impugnar o ato ora atacado. Tendo em vista que a autora não preenche o requisito constitucional da legitimidade ativa para ajuizar a presente ação direta, deixo de determinar a regularização de sua representação processual.
Do exposto, com fundamento no art. 21, § 1º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, e tendo em vista a ilegitimidade ativa da requerente, nego seguimento à presente ação direta de inconstitucionalidade. Fica prejudicada a análise do pedido de medida liminar.
Publique-se.
Brasília, 19 de fevereiro de 2010.


Ministro JOAQUIM BARBOSA
Relator


http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3778102

Carta de repúdio ao Senador Demóstenes Torres (DEM)

Carta de repúdio ao Senador Demóstenes Torres (DEM)
Nós, Conselheiras e Conselheiros do Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR vimos através desta, repudiar a opinião expressada pelo excelentíssimo senador da república sr. Demóstenes Torres, Presidente da Comissão de Constituição Justiça e Cidadania do Senado Federal, no seu pronunciamento durante a Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF), no dia 03 de Março de 2010, que analisava o recurso instituído pelo Partido Democratas contra as Cotas para Negros na Universidade de Brasília.

Na oportunidade o mesmo afirmou que: as mulheres negras não foram vítimas dos abusos sexuais, dos estupros cometidos pelos Senhores de Escravos e, que houve sim consentimento por parte destas mulheres. Na sua opinião: Tudo era consensual!. O excelentíssimo senador da república Demóstenes Torres, continua sua fala descartando a possibilidade da violência física e sexual vivida por negras africanas neste período supracitado. Relembra-nos a frase: Estupra, mas não mata!!!.

O excelentíssimo senador Demóstenes aprofunda mais ainda seu discurso machista e racista, quando afirma que as mulheres negras usam de um discurso vitimizado ao afirmarem que são as vítimas diretas dos maus tratos e discriminações no que se refere ao atendimento destas na saúde pública. Que as pesquisas apresentadas para justificar a necessidade de políticas públicas específicas, são duvidosas e que nem sempre são confiáveis, pois podem ser burladas e conter números falsos.

Enquanto o estado brasileiro reconhece a situação de violência física e sexual sofrida pelas mulheres brasileiras, criando mecanismos de proteção como a Lei Maria da Penha, quando neste ano comemoramos 100 anos do Dia Internacional da Mulher, o excelentíssimo senador, vem na contramão da história e dos fatos expressando o mais refinado preconceito, machismo e racismo incrustado na sociedade brasileira.
Por isso, vimos através desta carta ao Povo Brasileiro repudiar a atitude do excelentíssimo senador Demóstenes Torres.

Ao tempo em que resgatamos a dignidade das mulheres negras e indígenas, que durante a formação desta grande nação, foram SIM abusadas, foram SIM estupradas, foram SIM torturadas, foram SIM violentadas em seu físico e sua dignidade. Aos filhos dos seus algozes, o leite do seu peito, aos seus filhos, o chicote. Não nos curvaremos ao discurso machista e racista do Senador! É inaceitável, que o pensamento dos Senhores de Engenho se expresse em atitudes no Parlamento Brasileiro.

Brasília, 05 de Março de 2010.

http://fazervaleralei.blogspot.com/

Black Rio - FILÓ: uma nova postura do negro, num contexto de repressão e autoritarismo

Nº. 25
ENTREVISTA
Black Rio - FILÓ: uma nova postura do negro, num contexto de repressão e autoritarismo
Asfilófio de Oliveira Filho (Filó), produtor da primeira banda Black Rio, esteve, desde o início, no centro dos agitados bailes soul dos anos 70, no Rio de Janeiro. Num momento do país em que as liberdades civis foram suprimidas, milhares de jovens negros reafirmaram sua identidade e fizeram dos bailes um exercício de liberdade, desafiando a repressão e o autoritarismo.
Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br
Páginas e mais páginas de histórias. Aos 60 anos e 40 deles dedicados à cultura negra, Asfilófio de Oliveira Filho - o produtor cultural Filó, contribuiu decisivamente para a criação dos bailes black nos anos 1970. Viu nascer a primeira roda de samba do Brasil, no Clube Renascença. E conviveu com grandes nomes da dramaturgia e da MPB: Elizete Cardoso, Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Zezé Motta, Zózimo Bulbul, Nei Lopes, Elis Regina, Belchior. Só pra citar alguns. Consciência negra, atitude, diversão e arte desviaram o caminho do jovem engenheiro. Dividia-se entre a administração da agência de automóveis da família e o agitado circuito Zona Norte-Zona Sul do Rio-e-Baixada Fluminense. Filó é figura histórica do showbusiness nacional. E tudo começou com a juventude reunida no clube negro Renascença. Embalou mais de um milhão de jovens do Rio de Janeiro no ritmo da Black Music. Ergueu a Soul Grand Prix. Disputou as paradas de sucesso e venda de LPs de Coletâneas de Soul, superando Roberto Carlos por semanas. Foi colunista do Jornal do Brasil e da Última Hora. Não escapou da repressão da ditadura, passou pelo DOPS. Virou alvo da grande mídia. Mas essa é mais uma das muitas revelações dessa entrevista ao Ìrohìn, que teve a participação de Carlos Alberto Medeiros (Coordenadoria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Rio de Janeiro) e Januário Garcia (excepcional fotógrafo e ativista) também personagens desse período que continuam na ativa.

Ìrohìn - Fale um pouco de você e de sua família.
Filó - Nasci no Rio, em 1949. Fui criado em várias comunidades, mas me fixei no Jacaré, próximo à Vila Isabel e ao Méier. Sou de família pobre: pai mecânico e mãe empregada doméstica. Meu pai conseguiu comprar e vender carros. Tornou- se dono de agência de automóveis e sócio de grandes empresários da época. Essa ascensão possibilitou a mim e à minha irmã a entrada na universidade. Fiz engenharia civil, na Fundação Souza Marques, que até hoje é de propriedade de família negra. Mas antes já tinha feito mecânica na Escola Técnica Nacional. A partir dos 17 anos, era o organizador da estrutura contábil administrativa da empresa, porque meu pai não tinha nem o primeiro grau (atual ensino fundamental).

Ìrohìn - Como começou seu envolvimento com a área cultural?
Filó - Com a comunidade. Aos 18 anos, ganhei um carro e comecei as andanças pelo Rio. Os negros tinham dificuldade de deslocamento. Zona Norte era Zona Norte, Zona Sul era Zona Sul, a Baixada era Baixada. Segregação socioespacial! O que unia eram as festas da Penha, os piqueniques na Praia de Guaratiba e Paquetá. Oportunidade para conhecer os sambistas, as tias, as comidas... Lembro que eu ia pro Irajá e quem mandava lá era o Nei Lopes. Saíamos da Zona Norte pra Zona Sul - no Beco da Fome, onde os artistas se reuniam. Lindaura era a tia do local. Servia três ou quatro pratos, só para os artistas que circulavam por ali: Toni Tornado, Tim Maia, Simonal. Era o meu point. Tinha vários amigos, como o Roberto Ribeiro, que estava começando.

Ìrohìn - Você já era sócio do Renascença?
Filó - Sim. Naquele momento, o Renascença era voltado para a família. Os diretores eram advogados, aposentados, engenheiros. Tinham posição, mas eram pessoas discriminadas em outros locais. Aconteciam festas básicas, como Miss Renascença, reuniões de almoço, baile da flor, baile de debutante. Havia pouco espaço para nós, jovens, e isso foi se tornando pesado. Chegamos ao ponto de que o grupo decidiu assumir o comando cultural do Renascença. Na época, Volnei da Almeida, Maneca, o falecido Haroldo de Oliveira e Airton Guimarães. Esse grupo fez com que o Renascença se transformasse num ponto cultural.
Medeiros - O pessoal tradicional do Renascença fazia festas tocando música erudita. A idéia era se diferenciar do negro pobre e do branco de classe média.
Filó - Exatamente. Havia a seguinte divisão: de agosto até março era o período do samba. As escolas de samba comandavam. Todos nós tínhamos as nossas alas. Grande parte do Renascença saía na ala Comigo Ninguém Pode da Mangueira. E eu estava lá. Mas tinha a galera do Salgueiro e da Portela. Acabou o carnaval, o que acontecia? Os grandes bailes! Era Ed Lincoln, Lafaiete. O esquema era cabelo gomado, visual todo trabalhado, sapatos de bico fino.

Ìrohìn - Como a dramaturgia entrou no clube? Qual o seu papel no grupo?
Filó - A palavra era transformação. Zona Sul, Zona Norte do Rio e Renascença começavam a mudar. E isso se deu através da cultura. Foi criado um grupo de teatro negro com Haroldo de Oliveira, Zózimo Bulbul, Zezé Motta, Geraldo Rosa. Montamos a peça Orfeu Negro com patrocínio da Letra S/A, que bancou um cenário sem cobertura, ao ar livre, no Renascença. Foi o maior sucesso. A música era do Paulo Moura e do Martinho da Vila. Só fera! Aquilo ali fez com que as portas se abrissem para essa galera jovem. Trabalhava como ator, mas minha praia era produção. Fiz iluminação e sonorização.

Ìrohìn - Aí você percebeu que tinha um potencial para a produção?
Filó - A partir do momento que se abriu espaço para a juventude, começamos a fazer uma atividade nas quintas-feiras. O ICBA (Instituto Cultural Brasil-Alemanha), através do nosso parceiro Itamar Fagundes, cedia equipamento e materiais. Convidamos a massa toda da comunidade local negra, principalmente das favelas do Macaco, Andaraí e Salgueiro. Havia uma onda de doença de Chagas, os barbeiros, e fazíamos palestras para a comunidade. Para atrair o pessoal, colocávamos filmes. E aquilo ali virou sucesso, todo mundo queria ouvir um som, começava a balançar. Aí começaram a nascer as atividades de domingo,os bailes . O Renascença se fortalece a partir dessa movimentação de saúde e cidadania. Nada de fazer festa pra ganhar dinheiro, nada disso. Tinha o samba do Bola Preta. Só que a casa não era nossa, não tinha identidade racial. Levamos esse desenho pro Renascença e montamos a primeira roda de samba do Brasil. Foi aí que o Renascença explodiu, ganhamos dinheiro pra caramba.

Ìrohìn - As rodas de samba aconteciam nos finais de semana?
Filó - Nas sextas-feiras acontecia uma roda de samba comandada por Elizete Cardoso. Só fera! Elizete Cardoso, Maestro Cipó. Surgiram Dona Ivone Lara, Emílio Santiago, Martinho da Vila, Roberto Ribeiro, Beth Carvalho. Tudo começando ali. E as grandes feras, Paulinho da Viola, Martinho já tinha estourado com a música Casa de Bamba. Elizete Cardoso era quem comandava. A roda de samba se tornou sucesso. Eu entrava com a produção, o visual, o som. O Renascença explodiu dessa forma. Tínhamos o Almeida na publicidade. Conseguimos fazer um projeto gráfico maravilhoso. Não havia computador, era tudo feito à mão.

Ìrohìn - Samba, teatro negro. E a agitação dos bailes Black e da Soul Music?
Filó - Era 1970, 1971. Costumam atribuir a Big Boy e Ademir Lemos, no Canecão, o surgimento do soul no Brasil. Mas isso não é verdade! O fato é que nós tínhamos intervenções no subúrbio por conta de vários outros companheiros, que se reuniam pra fazer festas nas casas. Baile não tinha, eram reuniões. O mesmo que acontecia no Rio acontecia em Salvador, com Vovô do Ilê Aiyê e Jorge Watusi. Paralelamente a isso, a Rádio AM 860 tocava black music. Quem era? Big Boy. Ele tocava eminentemente o rock! Botava lá um “James Brownzinho” no final do baile. Então ele não era o black da hora, só que tinha o material. Outra coisa. O primeiro baile não foi no Canecão. O primeiro baile foi na Zona Norte! O Big Boy só fazia no Canecão, porque a sua clientela era eminentemente branca. Só que houve a oportunidade de James Brown vir ao Brasil, ao vivo no Canecão. Foi aí que eles se projetaram.

Ìrohìn - Os bailes do Renascença eram conhecidos como “Noite do Shaft”. Por que a escolha desse nome?
Filó - Porque na época tinha um filme americano em que um ator negro interpretava, pela primeira vez, um detetive, figura central. A trilha musical era de Isaac Hayes, um dos nossos ícones. Aquela música foi fantástica. Aquilo ali mexeu. Pegávamos uma Kodak e fotografávamos. A garotada que ia ao baile anterior se via nas semanas seguintes. Eu cortava, fotografava e fazia o slide. Ali a gente tinha a foto do Januário ao lado do James Brown, do Isaac Hayes. Assim a gente associava a questão da auto-estima. E havia também as mensagens: “Eu estudo, e você?”, “Família negra”, “Seu brilho está em como você se vê”. O cara está dançando aqui e está se vendo lá. Era auto-estima pura. E tinha a hora da parada do baile, música lenta, e nessa hora você passava a mensagem, que era o nosso forte. Eu deixei de ser DJ para ser o MC. Todo mundo se vendo e olhando para o público. Nossa auto-estima era, até então, muito ruim, dentro de casa a gente se autodiscriminava. Se o cabelo estivesse passando um centímetro, já era macaco. Os moleques davam cascudo na gente. A gente tava cansado daquela onda. Aquilo era muito careta.
Medeiros - Os americanos estavam bombardeando com essas imagens de black.
Filó - Foi quando surgiram os blacks. E começamos a assumir dentro de casa. Cinco anos depois, meu pai já usava black, minha mãe deixou de alisar o cabelo. Mudou o contexto da família negra, o visual, e a auto-estima foi lá em cima! Os artistas mais sensíveis nós conseguimos atrair porque eles se reuniam no Teatro Tereza Raquel ou no Teatro Opinião às segundas-feiras. Participavam Milton Gonçalves, Zezé Motta, Haroldo Oliveira, Zózimo Bulbul. Uma porção de gente reunida e discutindo questão racial, mas sob observação da ditadura. Conseguimos atraí-los para o Renascença. A primeira festa do Shaft foi um grande sucesso. Em paralelo, tinham as reuniões - que eu posso falar melhor, porque eu participava - mas na festa todo mundo estava lá. Na criação do IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras) a gente se reunia na Universidade Cândido Mendes.

Ìrohìn - Quando foi criado o IPCN?
Medeiros - Em 1974, conheci Filó. As coisas estavam efervescendo. Aconteceu a primeira reunião na Cândido Mendes relativa ao 13 de maio, no Centro de Estudos Afro-asiáticos em Ipanema, com José Maria e Luiz Pereira à frente do processo. Depois, foi criado a Simba (Sociedade Brasil-África) e, em 75, foi fundado o IPCN.

Ìrohìn - E quando você percebeu mais concretamente a presença da repressão?
Filó - A repressão começa lá atrás, a partir do momento em que recebo meu diploma em 74. Um ano antes eu já tinha sido ameaçado. ‘Corta esse cabelo, tira essa bata africana, esse chinelo que na verdade é um tamanco, tira essa mochila, se não você não vai passar’. Era meu professor de Cálculo, e eu era o único aluno não militar. Tony Tornado na época falou: ‘Revolucione, estou contigo! Tinha que botar aquela beca e o chapéu. Eu tinha um terno todo branco, ele me deu um chapéu amarelo deste tamanho. “Negrão, é contigo”! Na hora em que eu fui chamado pra pegar o diploma, tiro a beca, pego o diploma, boto o chapéu e levanto o punho erguido.

Ìrohìn - Havia repressão aos bailes?
Filó - Antes da repressão bombar, a Soul Grand Prix estava crescendo e lançou o primeiro LP, que ganhou disco de ouro. Era uma coletânea de música soul e vendemos mais de 106 mil cópias em poucas semanas. Chegamos à frente do Roberto Carlos. A capa tinha uma black em cima duma moto - um negócio revolucionário na época. O primeiro disco foi lançado em 74/75; o segundo, em 76; e o último, em 77/ 78. Os bailes estavam atingindo um milhão de jovens no Rio de Janeiro - até então ninguém estava sabendo. Até que começam a se preocupar. Quando a coisa começou a pegar fogo, passamos a ser o foco da repressão. Aqueles que não tinham estrutura não podiam fazer o baile por algum motivo. E nós, o que fizemos? Viramos empresa. Pagamos impostos, não podiam dizer não porque pagávamos impostos.
Medeiros - Em 1976, sai uma reportagem que acabou dando nome ao movimento que até então não tinha nome. Uma reportagem no Jornal do Brasil, Black Rio, de quatro páginas, mostrando aquele fenômeno que já estava rolando há anos na Zona Norte.
Filó - Passamos a escrever regularmente como JBlack a ponto do Zé Reinaldo, na época como diretor da Última Hora, me conceder um documento dizendo que eu poderia, por trabalhos prestados, ser um jornalista, que na época não existia.

Ìrohìn - Como você foi parar no DOPS?
Filó - Eu tinha uma sala na Central do Brasil, onde era o escritório da Soul Grand Prix. Bateu um cara, você via que o cara não era black, mas botou uma roupa de black. Os caras queriam introduzir a droga pra incriminar a gente. Aí não deu.. A TV Globo e outras emissoras começaram a desqualificar e ridicularizar todos os negros. Elis Regina resolve conversar conosco, porque gravou “Black is beautiful” do Marcos Valle. E alguns artistas começaram a cantar a questão da negritude nesse âmbito do soul, Tim Maia, Simonal. Nesse burburinho, os caras me chamam pra uma conversa e quando eu vi me botaram um capuz preto. Só lembro que me jogaram dentro do camburão e rodaram pela cidade. Eu fui parar dentro do DOPS. Eles tiraram o capuz, jogaram uma luz que não me permitia ver ninguém, e perguntavam: “Cadê o milhão de dólares que a CIA te deu? Quem é?”. Era uma das lendas urbanas daquela época. A estratégia era a violência verbal e emocional. Já tínhamos lançado o segundo disco na Warner, onde o Janu (Januário Garcia) entra para fazer a produção das várias capas. Tínhamos também o Volnei trabalhando. Todos profissionais, ganhando legal. E tinha Gil, Candeia, Zezé Mota, Belchior. A Soul Grand Prix contratando oficialmente. Tudo na legalidade. Só que a imprensa...
Medeiros - A revista “Veja” até dizia que a nossa forma de atuar era divertida. O jornal Movimento, que era jornal da resistência, fez uma reportagem de última página dizendo que, entre outras coisas, o soul era o pior tipo de música americana. Eles não sabiam nem o que era soul. Discoteca estava começando, eles não sabiam o que era discoteca e o que era soul e confundiam tudo.
Filó - Antes disso a gente só tinha uma opção, que era o rock brasileiro: The Pops, The Brazilian Beetles, tudo imitação dos Beatles. No livro “Anos 70. Dicionário da música brasileira”, de Nelson Motta e de Ana Maria Bahiana, o Black Rio faz parte da música popular brasileira. Nelson Motta sempre falou isso. Somos o divisor de água entre a música americana e a MPB. Fizemos uma experiência com uma música americana, adaptamos com elementos brasileiros e virou um sucesso nos bailes blacks. A partir dessa música foi criada a banda Black Rio
Medeiros - Filó foi produtor da primeira banda Black Rio e depois veio a Warner e colocou essa música “Locomotivas” na novela Locomotivas da rede Globo (1977).
Filó - E aquilo explodiu de tal forma que virou business. Deixou de ser uma questão de “divertimento de negro pobre”. E, naturalmente, a elite se posicionou. Era Nei Lopes, Filhos de Gandhy, Quilombo e Soul. Aquilo ali era uma coisa fantástica. Rompemos com a visão de que nós não podíamos, nós conseguimos muito. E convivendo com a TV Globo num contexto autoritário.

Ìrohìn - Afinal de contas, qual o problema em se tomar como referência a produção cultural de negros norte-americanos e, a partir dessas referências, negros brasileiros mobilizarem outros negros, fortalecerem a identidade de outros negros? Vamos fazer uma síntese, Medeiros? Que balanço seria possível fazer?
Medeiros - Recentemente, a pesquisadora Márcia Conti lançou um livro sobre os bailes blacks, com base num estudo de 1994. Ela ouviu lideranças negras e notou que os bailes tiveram importância na identidade. É a ênfase na identidade negra que faz com que as pessoas melhorem a sua auto-estima, essa é a grande força do Soul. O Soul é uma espécie de trilha sonora da luta negra americana dos anos 1960. Lembro-me das primeiras vezes em que fui ao baile do Filó, vi gente chorar. Chegar e chorar, porque você se deparava com milhares de cabeças com cabelos afros balançando. Esse choro diz muito do impacto que tudo isso teve naquela época sobre quem pôde de alguma forma participar do processo, ir aos bailes.

Ìrohìn - E você, Filó, não pretende registrar em livro toda essa experiência?
Filó - Não só a minha fala. O importante seria recuperarmos a fala de todos que viveram o período, cada um tem um olhar. Pra você ter uma idéia, o nosso DJ foi um branco. Por que ele era branco? Porque ele trazia as informações da zona Sul. O nome dele era Luiz Stelzer, conhecido como Luizinho do Jockey Soul. Tocava na zona Sul, tinha uma visão e gostava da música Black. Ele era dançarino, abria os bailes das boates top e gostava de ouvir James Brown. Aquele nicho musical a gente trazia pra zona Norte para as nossas festas, porque a maioria era comprada nas importadoras. Sinfonie, Modern Sound, que eram os locais onde você comprava os discos importados. Era caríssimo. A outra opção era alguém trazer os discos dos Estados Unidos, alguém como aeromoça, piloto. Era assim que era o processo. Foi um momento de desconstrução do pensamento social brasileiro, segundo o qual não há racismo no Brasil, porque o negro sabe o seu lugar. E foi nesse momento que o negro saiu do lugar dele. Desconstruiu.

Ìrohìn - Quais os filhotes do soul?
Filó - Conscientemente falando é o Movimento Hip-Hop. Você tem algumas células que são fundamentais, como a célula da Bahia, através do Blackitude, movimentos como a Casa do Hip-Hop em São Paulo, que criou um consciência e reconhece o soul como um pai. Aqui, o Atitude Consciente deu o primeiro passo para a implantação do Hip- Hop no Rio. Paralelo a isso, temos os filhos não conscientes, mas que são também uma realidade. E uma realidade é o funk. O que faltou ao funk? A liderança que o soul tinha. A comunicação que o soul tinha e que o funk não soube absorver. Não tem essa liderança e, infelizmente, foi para um outro lado.

*Edson Cardoso entrevistou (Rio 04.06.09) e Isabel Clavelin editou.

FONTE:
http://www.irohin.org.br/imp/template.php?edition=25&id=210