sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Movimento de Luta pela Reparação para o Povo Negro e Povos Indígenas -MORENE

CONVITE



CENTRO CULTURAL JOSE BONIFÁCIO



Movimento de Luta pela Reparação para o Povo Negro

e Povos Indígenas -MORENE



Convidam para o seminário

"Pensamentos Políticos do Movimento Negro. Reparação ou Ação Afirmativa?"



Data: 12/12/2009 sábado



Local:- Centro Cultural José Bonifácio-Rua Pedro Ernesto, 80 - Gamboa.

Horário: 9h às 18h



Programação

9h - Abertura e credenciamento

10h às 10h30min - Apresentação dos Temas



Reparação -Yedo Ferreira



Ação Afirmativa - Ministro Edson Santos (a confirmar)

10h30min às 13h - Grupos Temáticos



13h às 15h- Almoço



15h às 18h - Plenário Conclusivo com apresentação dos relatórios dos grupos.



APOIO CCJB


Contatos: CCJB (21) 9550-7241 - Amauri


www.reparationsbrasil.org

Arquivada ação do jornal O Estado de S. Paulo contra proibição de veicular matérias sobre Fernando Sarney

Notícias STF
Quinta-feira, 10 de Dezembro de 2009
Arquivada ação do jornal O Estado de S. Paulo contra proibição de veicular matérias sobre Fernando Sarney


Por seis votos a três, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou a Reclamação (RCL) 9428, proposta pelo jornal O Estado de S. Paulo contra a proibição imposta pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) de publicar matérias sobre processo judicial que corre em segredo de justiça contra Fernando Macieira Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Em seu voto (leia a íntegra), seguido pela maioria, o relator da Reclamação, ministro Cezar Peluso, manifestou-se pela extinção do processo, por não ver na decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) conexão com a decisão tomada pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, conforme alegado pela empresa jornalística.

Naquele julgamento, a Suprema Corte declarou a completa inconstitucionalidade da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967). Segundo o ministro relator, naquela oportunidade, a Suprema Corte não tratou especificamente da censura à imprensa, mas sim, genericamente, da questão da liberdade de imprensa.

“O objeto da reclamação reduz-se ao impedimento de publicar dados de um inquérito judicial sob segredo de justiça”, sustentou o relator, afastando qualquer vinculação entre a decisão do TJDFT e o decidido na ADPF 130.

“Não encontro, no teor da decisão impugnada, desacato algum à decisão tomada pelo STF no julgamento da ADPF 130”, afirmou o ministro. Segundo ele, no julgamento da ADPF, deu-se uma resposta jurisdicional para revogar uma lei não recepcionada pela Constituição Federal de 1988, porque não estava compatível com a nova ordem constitucional.

Para Cezar Peluso, uma reclamação somente é admissível em duas hipóteses: quando discute a esfera de competência do STF e quando objetiva garantir a autoridade da Suprema Corte em suas decisões. E, no entender dele, não é este o caso na RCL 9428.

Em seu voto, o ministro determinou ao juiz federal no Maranhão que julga recurso do jornal contra a decisão do TJDFT, que apresse o julgamento da questão. A proibição de veicular matérias contra Fernando Sarney foi determinada pelo desembargador Dácio Vieira, do TJDFT. O jornal apelou, mas o tribunal se declarou incompetente para julgar a matéria e a afetou a um juiz federal do Maranhão, que julga um caso envolvendo a divulgação de degravações de escutas telefônicas.

Votos

O voto do ministro Cezar Peluso foi acompanhado pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Ele compartilhou o voto no sentido de que não há uma garantia fundamental absoluta – no caso a liberdade de expressão e o direito de informação, contrapostos ao direito à privacidade, individualidade, honra e outros direitos fundamentais da pessoa humana.

Segundo ambos, não há uma hierarquia entre tais garantias, assentadas sobretudo em diversos incisos do artigo 5º da Constituição Federal, devendo cada caso ser avaliado ponderando-se as diversas garantias para analisar qual delas está sendo mais afetada por uma determinada decisão ou conduta.

Divergência

O ministro Carlos Ayres Britto abriu a divergência em relação ao voto do ministro Cezar Peluso. Britto, que foi o relator da ADPF 130, observou que há plena relação entre a decisão do TJDFT que motivou a reclamação de “O Estado de S. Paulo” e o julgamento da ADPF 130, que resultou na declaração de inconstitucionalidade da Lei de Imprensa.

Segundo ele, naquela ADPF, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), a alegação era justamente que a lei embaraçava o disposto nos artigos 220 (liberdade de manifestação do pensamento, livre de censura) e no inciso IX do artigo 5º da CF (liberdade de expressão, também sem censura). Segundo ele, a ADPF voltava-se, inicialmente, contra 22 dispositivos da extinta lei, entre eles os artigos 61 a 64, que tratavam justamente da censura judicial prévia à imprensa.

O ministro Ayres Britto defendeu a liberdade de imprensa, sem censura, invocando os parágrafos primeiro e segundo do artigo 220 da Constituição Federal. Dispõe o primeiro deles que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV”. Por seu turno, o segundo deles dispõe que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

“O tamanho da liberdade de imprensa não pode ser medido pela trena da lei”, sustentou o ministro Carlos Ayres Britto. Isto, segundo ele, só é possível com aspectos periféricos dela, como por exemplo a disciplina do direito de resposta.

Dias Toffoli

O ministro José Antonio Dias Toffoli acompanhou o voto do relator, ministro Cezar Peluso. Segundo ele, a decisão atacada pelo jornal paulista não está fundamentada na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), que foi revogada quando o Supremo analisou a ADPF 130. “A via escolhida da reclamação não é cabível porque a decisão reclamada não está baseada na Lei de Imprensa, mas sim na Lei de Interceptações Telefônicas [Lei nº 9.296/96]. Nesse sentido, a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios não afrontou a decisão desta Suprema Corte na ADPF 130”, afirmou Dias Toffoli.

Cármen Lúcia

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou a divergência aberta pelo ministro Carlos Ayres Britto, ao conhecer da reclamação e votar pelo deferimento da liminar. “O ponto nuclear da discussão é se há pertinência ou não entre o paradigma apontado e o ato reclamado. O ato reclamado afronta, pelo menos à primeira vista e não para fins de procedência ou improcedência, mas para fins de cabimento ou não cabimento, a ADPF 130. Naquela decisão foi fixado que, fora as restrições que a Constituição faz para o estado de Direito, qualquer forma de inibição pode desconfigurar a liberdade de imprensa”, concluiu a ministra.

Ricardo Lewandowski

O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o relator, não conhecendo da reclamação porque, em sua opinião, há uma questão preliminar impossível de ser superada no caso. “Para o conhecimento da reclamação é preciso que haja uma estrita correspondência entre o ato reclamado e a decisão paradigma. Na presente reclamação, vejo que a decisão reclamada baseou-se no artigo 8º e 10 da Lei nº 9.296/96, que trata do sigilo das investigações judiciais. Verifico, estudando e analisando a ADPF 130, tão bem relatada pelo ministro Ayres Britto, que o que se decidiu naquela ação foi a não recepção da Lei de Imprensa pelo atual ordenamento constitucional”, ressaltou.

Eros Grau

O ministro Eros Grau acompanhou o voto do relator, entendendo que a reclamação é a via inadequada para o pedido. De acordo com ele, ao juiz incumbe decidir em cada caso sobre a relatividade da liberdade de imprensa e da proteção da intimidade. “Nenhuma é superior à outra, não há nenhuma absoluta e ao juiz incumbe, caso a caso, limitado pela lei, decidir a situação”, afirmou. Ele defendeu a importância da lei como fundamento e sustentação da liberdade de imprensa. Grau citou ainda Karl Marx, segundo o qual “o juiz está limitado pela lei, enquanto o censor não é limitado por lei nenhuma”. Portanto, segundo o ministro, “em juízo, não há censura. Há a aplicação da lei”. E é este, segundo ele, o caso da decisão do TJDFT.

Ellen Gracie

A ministra Ellen Gracie também entendeu não ser cabível a reclamação e acompanhou o voto do relator. Ela verificou uma contradição colocada entre a liberdade de imprensa e os poderes da jurisdição e abrangência dos seus ditames. Para a ministra, a matéria não foi objeto de discussão na ADPF 130 e, dentro do estreito limite que é posto pela reclamação, não parece cabível. “Acredito que, sem dúvida, a eventual erronia da decisão judicial atacada por esse meio será corrigida pela via recursal própria”, disse.

Celso de Mello

“Entendo particularmente grave e profundamente preocupante que ainda remanesçam no aparelho de estado determinadas visões autoritárias que buscam justificar, pelo exercício arbitrário do poder geral de cautela, a prática ilegítima da censura, da censura de livros, jornais, revistas, publicações em geral”, disse o ministro Celso de Mello. Ele conheceu da ação e acompanhou a divergência iniciada pelo ministro Carlos Ayres Britto, no sentido de deferir o pedido contido na ADI.

De acordo com ele, a censura “traduz a ideia mesma da perversão das instituições democráticas, não podendo subsistir num regime político onde a liberdade deve prevalecer”. Celso de Mello afirmou que a censura estatal, não importando o órgão de que emane (Executivo, Legislativo ou Judiciário), representa grave retrocesso político e jurídico no processo histórico brasileiro. Isto porque “devolvê-nos ao passado colonial e aos períodos em que declinaram em nosso país as liberdades públicas”.

O ministro salientou que o Estadão foi a única empresa jornalística atingida, uma vez que outros órgãos de comunicação social divulgaram, continuam divulgando e não sofreram interdição. “Portanto, essa interdição é, além de arbitrária, inconstitucional, ofensiva à autoridade do nosso julgamento proferido na ADPF 130, é uma decisão discriminatória e coincidentemente incide sobre um órgão de imprensa que já no final do segundo reinado fez da causa da República um dos seus grandes projetos políticos”, ressaltou.

Para o ministro, a apreensão de livros, revistas, jornais é um comportamento típico de regimes autoritários e não se pode retroceder no processo de conquistas de liberdades. “Eu entendo que tem sido tão abusivo o comportamento de alguns magistrados de tribunais que hoje, de certa maneira e é lamentável que se tenha que dizer isso, hoje o poder geral de cautela é o novo nome da censura judicial em nosso país”, disse, ao frisar que a conquista de direitos e garantias constitucionais não pode sofrer retrocesso.

Ele destacou que o peso da censura é algo insuportável e intolerável. “A censura representa esta face odiosa que compromete o caráter democrático de um país que deseja ser livre e que quer examinar sob escrutínio público a conduta dos seus governantes. Os cidadãos têm direitos a governantes probos”, finalizou.

FK,VP,JA,EC/LF



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MED. CAUT. EM RECLAMAÇÃO 9.428 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

RECLTE.(S) : S. A O ESTADO DE S. PAULO

ADV.(A/S) : MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA E

OUTRO(A/S)

RECLDO.(A/S) : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO

FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

INTDO.(A/S) : FERNANDO JOSÉ MACIEIRA SARNEY

ADV.(A/S) : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA E

OUTRO(A/S)

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator):

1. Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, proposta pela

empresa jornalística S. A. O Estado de São Paulo, contra decisão da 5ª Turma

Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que, nos autos do

Agravo de Instrumento n° 2009.00.2.010738-6, se dec larou absolutamente

incompetente para apreciar o recurso, reconhecendo conexão (art. 103 do

CPC) com decisão que decretou a quebra de sigilo telefônico proferida por juiz

federal no Estado do Maranhão, mantendo, porém, com base no poder geral de

cautela (art. 798 do CPC), decisão liminar do relator original da causa, que é

ação inibitória de publicação de dados sigilosos sobre o autor e contidos em

pendente investigação policial.

O relator - ao depois removido da relatoria por acolhimento de

exceção de suspeição -, perante decisão que indeferira pedido de antecipação

de tutela formulado em ação inibitória proposta por Fernando Sarney contra o

nora reclamante e proferida pelo Juízo da 12ª Vara Cível da Circunscrição

Especial da Vara Judiciária de Brasília, determinou, “em antecipação de tutela

recursal, que se abstenha quanto à utilização – de qualquer forma, direta ou

indireta – ou publicação dos dados relativos ao agravante, eis que obtidos em

sede de investigação criminal sob sigilo judicial”, bem como fixou pena de

multa de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) a cada ato de violação do

comando judicial.

Alega o reclamante, em síntese, desrespeito à decisão desta

Corte que, nos autos da ADPF n° 130 (rel. Min. CARLOS BRITTO, DJe

06.11.2009), declarou a revogação integral, ou não recepção pela ordem

jurídica vigente, da Lei n° 5250, de 09 de fevereir o de 1967, conhecida como

“lei de imprensa”, uma vez incompatível com Constituição Federal de 1988.

Nos termos da ementa, teria esta Corte definido os

componentes da “liberdade constitucional de relatar e opinar”, “verberando

destarte o reprovável modismo da ‘censura judicial’ operada sob as vestes da

proteção aos direitos da personalidade, tomados estes contudo em óptica

apertada e minguada, como se a eles pudesse ser forasteiro, apartado, quiçá

incompativelmente distante, o fundamental direito à manifestação de

pensamento”. (fl. 7)

Aponta manifesto conflito da decisão impugnada com o modelo

constitucional democrático brasileiro, que une indissociavelmente a liberdade

de imprensa e o regime democrático pós-ditatorial, vedando expressamente

todas as hipóteses de censura prévia. Alega ser impossível verificar violação a

direitos de personalidade a priori, sem que se conheçam as características da

informação por divulgar. Sustenta, ainda, inexistir “fundado receio” que ofereça

guarida ao poder geral de cautela adotado na decisão questionada, visto já

terem outros órgãos de imprensa propalado à larga o conteúdo das gravações

telefônicas cuja publicação se lhe atalhou.

Pede, enfim, que, “observados os pleitos liminares registrados

(...), esta reclamação seja agasalhada para o fim de cassar o acórdão –

exorbitante e antagônico àquilo que julgou na salientada ‘Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental’ (ADPF/130) – exarado pelo E.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no Agravo de Instrumento

(...), fazendo assim cessar, em conseqüência e de modo integral, as restrições

informativas (censura) que, pela vontade do E. Tribunal-Reclamado, foram

impostas a O Estado de São Paulo” (p.15)

É o Relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator):

1. O objeto claro desta reclamação reduz-se a que, na ótica do

reclamante, impedido de publicar reprodução de dados relativos ao autor da

ação inibitória, apurados em inquérito policial coberto por segredo de justiça,

teria a decisão ora impugnada, que confirmou a ordem liminar de impedimento,

desrespeitado a autoridade do acórdão proferido por esta Corte na ADPF nº

130.

Mas sua especificidade está em que, fundando-se tal decisão

liminar, editada em agravo de instrumento, na expressa invocação da

inviolabilidade constitucional dos direitos da personalidade, notadamente o da

privacidade, mediante necessária proteção do sigilo legal de “dados obtidos por

interceptação judicial de comunicações telefônicas, velados por segredo de

justiça”, perante pretensão, não do Estado, mas de particular representado pela

empresa jornalística, de os divulgar em nome da liberdade da imprensa, o caso

não se limita à configuração de contraste teórico e linear entre os direitos

fundamentais garantidos nos arts. 5º, inc. X, e 220, caput, da Constituição da

República, mas envolve ainda outra garantia, a da inviolabilidade do sigilo das

comunicações telefônicas, previsto no art. 5º, inc. XII, e assegurado por

segredo de justiça imposto em decisão judicial.

Daí, para espelhar, na inteireza, o objeto da reclamação, toda a

pertinência da remissão feita, na liminar, ao precedente da PET nº 2.702 (Rel.

Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 19.09.2003), onde se discutiu, na

significativa observação do Min. GILMAR MENDES, “interessantíssimo caso de

colisão de direitos fundamentais, não na sua acepção clássica de colisão entre

direitos diversos, aqui, a liberdade de expressão e de imprensa, de outro lado,

o direito à intimidade, à honra, mas, como demonstrou o eminente Relator,

cuida-se de um caso de colisão complexa, que envolve a consideração sobre a

própria inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas” (fls. 91), e,

acrescento, neste caso, da própria eficácia de decisão judicial que decreta

segredo de justiça.

A questão é, pois, saber se tal colisão complexa foi, em toda

sua singularidade, objeto da decisão constante do acórdão da ADPF nº 130,

em termos imperativos que pudessem ter sido vulnerados pelo teor da decisão

ora impugnada.

2. Escusaria lembrar que, consoante o disposto no art. 102, inc. I,

alínea "l", da Constituição Federal, bem como nos arts. 156 do Regimento

Interno desta Corte e 13 da Lei n.º 8.038, de 28.05.90, a reclamação, como

remédio processual excepcionalíssimo, só é admissível em duas hipóteses:

para a preservação da esfera de competência da Corte e para garantia da

autoridade das suas decisões. A só alegação de eventual ofensa à

Constituição da República, por mais grave que prefigure ou seja o atentado

contra direito fundamental ou liberdade institucional, não se lhe insere entre as

causas taxativas de admissibilidade.

Coisa tão indiscutível demonstra o alcance estrito desse

instituto constitucional, do qual se tira, logo, que não cabe, no âmbito desta via,

a título de questão autônoma, nenhum debate sobre delimitação de direitos,

como a liberdade de imprensa, sobre admissibilidade teórica de restrições às

respectivas previsões constitucionais, sobre suas características

conformadoras - se adotada a teoria interna dos direitos fundamentais –, nem

sobre a existência de limites expressamente previstos, autorizados ou não

autorizados pela Constituição, segundo o modelo taxinômico proposto por

Jorge Reis Novais (As Restrições aos Direitos Fundamentais Não

Expressamente Autorizadas pela Constituição, Coimbra: Coimbra, 2003).

Tampouco tolera análise acerca da possibilidade de, diante das

circunstâncias fáticas e jurídicas de caso concreto, serem afastados preceitos

constitucionais que apontem, como regra, a impossibilidade de vedação prévia

(censura) de manifestações informativas e de pensamento, em típica situação

da chamada colisão de direitos fundamentais.

Nem autoriza discutir a relação do Estado com a liberdade de

expressão e de informação, na tensa estrutura relevada por OWEN FISS: ao

mesmo tempo em que deve proteger a autonomia discursiva dos indivíduos,

mediante atuação de viés negativo, é mister do Estado promover e resguardar

a diversidade e a pluralidade do debate democrático, bem como a ampliação

da esfera pública, agora em intervenção de conteúdo positivo. (A Ironia da

Liberdade de Expressão: Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública,

Rio de Janeiro: Renovar, 2005).

Não há, por fim, lugar para estima da legitimidade do trâmite

processual da causa, embora admire, à primeira vista, a manutenção de liminar

concedida por magistrado afastado por suspeição em acórdão do Tribunal que

se declarou absolutamente incompetente para o feito, ao avistar conexão entre

o objeto do agravo de Instrumento e a decisão de quebra de sigilo telefônico

emitida por juiz federal do Estado do Maranhão.

3. O objeto da reclamação adscreve-se, pois, à alegação de

ofensa à autoridade do acórdão prolatado na ADPF n° 130 (rel. Min. AYRES

BRITTO, DJe 06.11.2009), que deu por inteiramente revogada ou não recebida

a lei de imprensa, sem que seja lícito, por inspiração das mais elevadas ou

nobres razões políticas ou institucionais, alargar-lhe os precisos limites

decisórios e instaurar, onde não cabe nem a fórceps, ampla querela

constitucional a respeito do alcance da liberdade de imprensa na relação com o

poder jurisdicional.

4. Nesses termos, que me impõe a moldura constitucional da

reclamação, não encontro, no teor da decisão impugnada, desacato algum à

autoridade do acórdão exarado na ADPF nº 130, assim contra seu comando

decisório (iudicium), como em relação aos seus fundamentos ou, como se diz,

aos seus motivos determinantes (rationes decidendi).

No que concerne ao dispositivo ou capítulo decisório do

acórdão (iudicium), consistente na resposta jurisdicional ao pedido certo de

revogação da lei, a razão é óbvia. Julgando procedente a ação, tal aresto

cingiu-se a declarar que a Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, foi revogada

pela atual Constituição da República, ou, noutras palavras, que não foi por esta

recebida.

Ora, como consta claríssimo da petição inicial da ação inibitória

movida contra a ora reclamante, baseia-se o autor na invocação de direitos da

personalidade previstos no art. 5°, incs. X e XII, da Constituição Federal, da

disposição do art. 12 do Código Civil, assim como da tipificação penal da

violação e divulgação de dados sigilosos oriundos de interceptação telefônica

autorizada judicialmente, consoante preceituam os arts. 8° e 10 da Lei federal

n° 9296/96, e o art. 153, §1°-A, do Código Penal) ( cf. fls. 22 e ss.), sem

nenhuma menção, próxima nem remota, a norma ou normas da lei ab-rogada.

Dá-se o mesmo com a decisão ora impugnada, que, atendo-se aos

fundamentos constitucionais e legais invocados pelo autor, tampouco se refere,

em algum passo, a dispositivos da Lei nº 5.250, de 1967 (fls. 104-112).

Nesse intransponível contexto, não vejo como nem por onde

excogitar-se desrespeito à autoridade do comando decisório do acórdão da

ADPF nº 130, coisa que só seria concebível se a decisão impugnada houvera

aplicado qualquer das normas constantes da lei que a Corte declarou estar fora

do ordenamento jurídico vigente.

O caso não se acomoda, pois, em nenhum aspecto, a hipótese

em que não podem deixar de reputar-se ofensivas à autoridade desta Corte,

decisões que têm por fundamento previsão normativa da revogada lei de

imprensa, como se viu na Rcl n° 9.362 (decisão monocrática do Rel. Min.

CARLOS BRITTO, j. 06.11.2009).

5. Não colhe, tampouco, argüição de injúria aos fundamentos ou

aos motivos ditos determinantes do acórdão paradigma (rationes decidendi).

E as razões aqui também não são sutis.

Conforme já assentou esta Corte, os fundamentos ou motivos

determinantes de decisão proferida no âmbito de controle concentrado e

abstrato de constitucionalidade, seja em sede liminar, seja em pronunciamento

definitivo, são dotados de eficácia vinculante transcendente (art. 102, § 2º, da

CF, e art. 28, § único, da Lei nº 9.868, de 10.11.1999), apta a ensejar, quando

evidenciada contrariedade de decisão, jurisdicional ou administrativa, ao

entendimento firme que ali se tenha firmado, a propositura de reclamação ao

Supremo Tribunal Federal (art. 102, inc. I, "l", da CF), para fazer prevalecer-lhe

a postura desrespeitada (Rcl nº 2.363, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de

01.04.2005; Rcl nº 2.143-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de

06.06.2003; RCL nº 1.987, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 21.05.2004;

Rcl nº 1.722, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 13.05.2005; Rcl nº 3.625-

MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 08.11.2005; Rcl nº 3.291, Rel. Min.

CEZAR PELUSO, DJ de 31.05.2005; Rcl nº 2.986-MC, Rel. Min. CELSO DE

MELLO, DJ de 18.03.2005; Rcl nº 2.291-MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ

de 01.04.2003).

Mas não é este o caso.

É que só se torna lícito cogitar de insulto à eficácia vinculante

de ratio decidendi de decisão lançada por esta Corte, no bojo de ADI, ADC ou

ADPF, quando o provimento jurisdicional ou administrativo verse a mesma

questão jurídica, adotando resolução em sentido contraditório ao teor do aresto

que se fundou na motivação contrariada. É necessário que a matéria de direito

(quaestio iuris) debatida na pronúncia, cuja autoridade se alegue ofendida, seja

em tudo idêntica, senão semelhante àquela sobre a qual se apóie a decisão

que teria desembocado em conclusão oposta. De outra forma, uma vez

distintas as situações jurídicas, não se legitima nem justifica reconhecer

eficácia vinculante para além dos limites objetivos e subjetivos da ação em que

se exerceu controle concentrado de constitucionalidade e da decisão

correspondente.

6. Ora, não se extraem do acórdão da ADPF n° 130 motivos

determinantes, cuja unidade, harmonia e força sejam capazes de transcender

as fronteiras de meras opiniões pessoais isoladas, para, convertendo-se em

rationes decidendi determinantes atribuíveis ao pensamento da Corte, obrigar,

desde logo, de maneira perene e peremptória, toda e qualquer decisão judicial

acerca dos casos recorrentes de conflito entre direitos da personalidade e

liberdade de expressão ou de informação. E, muito menos, nos exatos termos

em que está posta, na decisão impugnada, a complexa questão de

concordância prática, i. é, nos contornos do caso concreto, entre as garantias

constitucionais de inviolabilidade dos direitos à intimidade e à honra (art. 5º,

inc. X), o alcance da liberdade de imprensa (art. 220, caput) e a inviolabilidade

do sigilo das comunicações telefônicas, imposto por decisão judicial (art. 5º,

inc. XII), sob cominação da prática de crime (arts. 8º e 10 da Lei nº 9.296, de

1996, e art. 153, § 1º-A, do Código Penal).

Daquele acórdão nada consta a respeito desse conflito.

Salvas as ementas, que ao propósito refletem apenas a

posição pessoal do eminente Min. Relator, não a opinião majoritária da Corte, o

conteúdo semântico geral do acórdão traduz, na inteligência sistemática dos

votos, o mero juízo comum de ser a lei de imprensa incompatível com a nova

ordem constitucional, não chegando sequer a propor uma interpretação

unísssona da cláusula do art. 220, § 1°, da Constit uição da República, quanto à

extensão da literal ressalva a legislação restritiva, que alguns votos tomaram

como reserva legal qualificada.

Basta recordar as decisivas manifestações que relevaram a

necessidade de ponderação, tendentes a conduzi-los a uma concordância

prática nas particularidades de cada caso onde se lhes revele contraste teórico,

entre liberdade de imprensa e direitos da personalidade, como intimidade,

honra e imagem, para logo por em evidência o desacordo externado sobre a

tese da absoluta prevalência hierárquica da liberdade de expressão frente aos

demais direitos fundamentais.

O saudoso Min. MENEZES DIREITO, por exemplo, sobre

reconhecer tal necessidade de ponderação no caso de colisão de direitos

fundamentais (p. 86-87), afirmou:

“a sociedade democrática é valor insubstituível que exige, para sua

sobrevivência institucional, proteção igual à liberdade de expressão e a

dignidade da pessoa humana. Esse balanceamento é que se exige da

Suprema Corte em cada momento de sua história” (ADPF n° 130 ,

rel. Min. AYRES BRITTO, DJe 06.11.2009, p. 91, grifos

nossos).

O Min. RICARDO LEWANDOWSKI reconheceu a coexistência

teórica, enquanto situados no mesmo plano de eficácia plena e aplicabilidade

imediata, dos direitos de liberdade de expressão, pensamento e informação,

previstos nos arts. 5º, incs. IV e IX, e 220, da Constituição da República, e a

inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, garantida

no art. 5º, incs. V e X, concluindo pela mesma necessidade de a decisão do

caso concreto guiar-se pelo princípio da proporcionalidade (fls.102 e 103),

donde, por implicitude, haver negado caráter absoluto e irrestrito à liberdade de

imprensa:

“Com efeito, de um lado, a Constituição, nos arts. 5º, incisos IV e

IX, e 220 garante o direito coletivo à manifestação do pensamento, à

expressão e à informação, sob qualquer forma, processo ou veículo,

independentemente de licença e a salvo de toda restrição ou censura.

De outro, nos art. 5º, incs. V e X, a Carta Magna garante o direito

individual de resposta, declarando, ainda, inviolável a intimidade, a vida

privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a

indenização por dano moral ou material decorrente de sua violação.

São direitos de eficácia plena e aplicabilidade imediata – para usar a

consagrada terminologia do Professor José Afonso da Silva – como foi

acentuado pelo Deputado Miro Teixeira da tribuna, quando mais não

seja, por força do que dispõe o art. 5º, § 1º, do texto magno.

Não impressiona, data venia, a objeção de alguns, segundo a qual, se

a lei for totalmente retirada do cenário jurídico, o direito de resposta

ficaria sem parâmetros e a indenização por dano moral e material sem

balizas, esta última à falta de tarifação.

É que a Constituição, no art. 5º, V, assegura o “direito de resposta,

proporcional ao agravo”, vale dizer, trata-se de um direito que não pode ser

exercido arbitrariamente, devendo o seu exercício observar uma estrita

correlação entre meios e fins. E disso cuidará e tem cuidado o Judiciário.

Ademais, o princípio da proporcionalidade, tal com explicitado no

referido dispositivo constitucional, somente pode materializar-se em face

de um caso concreto. Quer dizer, não enseja uma disciplina legal

apriorística, que leve em conta modelos abstratos de conduta, visto que o

universo da comunicação social constitui uma realidade dinâmica e

multifacetada, em constante evolução.

Em outras palavras, penso que não se mostra possível ao legislador

ordinário graduar de antemão, de forma minudente, os limites materiais

do direito de retorção, diante da miríade de expressões que podem

apresentar, no dia-a-dia, os agravos veiculados pela mídia em seus vários

aspectos.”

O Min. JOAQUIM BARBOSA, abeberando-se na doutrina de

Owen Fiss, também advertiu:

“No seu voto, o eminente Relator optou por uma posição radical e

preconizou para o nosso País uma Imprensa inteiramente livre de

qualquer regulamentação ou de qualquer tipo de interferência por parte

dos órgãos estatais. Aparentemente, se não fiz uma leitura errada do

posicionamento de S. Exa, até mesmo a intervenção do Poder

Judiciário seria vista como suspeita.

Eu, contudo, a exemplo do pensamento sobre a matéria do

eminente professor Owen Fiss, da Universidade de Yale, em quem me

inspiro, penso que nem sempre o Estado exerce uma influencia

negativa no campo das liberdades de expressão e de comunicação.

O Estado pode, sim, atuar em prol da liberdade de expressão, e

não apenas como seu inimigo, como pode parecer a alguns.” (ADPF n°

130, rel. Min. AYRES BRITTO, DJe 06.11.2009, p. 109, grifos

nossos).

Não foi diversa a postura da Min. ELLEN GRACIE, ao deixar

nítido que a vedação constitucional de norma que constitua, a priori, embaraço

à liberdade de expressão e de imprensa, concebida no mesmo nível

constitucional dos outros direitos fundamentais, não preexclui a análise

casuística que compete ao Poder Judiciário:

“(...) não enxergo, com a devida vênia, uma hierarquia entre os

direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal que

pudesse permitir, em nome do resguardo de apenas um deles, a

completa blindagem legislativa desse direito aos esforços de

efetivação de todas as demais garantias individuais.

Entendo, com todo respeito e admiração à visão exposta pelo

eminente relator, Ministro Carlos Britto, que a inviolabilidade dos

direitos subjetivos fundamentais, sejam eles quais forem, não pode

ser colocada na expressão adotada pelo eminente relator, num

“estado de momentânea paralisia” para o pleno usufruto de apenas

um deles individualmente considerado. A idéia de calibração

temporal ou cronológica, proposta por Sua Exa., representaria, a

meu sentir, a própria nulificação dos direitos fundamentais à

intimidade, à vida privada, à imagem e à honra de terceiros. É de

todos bastante conhecida a metáfora de que se faz a respeito da busca

tardia pela reparação da honra injustamente ultrajada, esforço

correspondente àquele de reunir as plumas de um travesseiro, lançadas

do alto de um edifício.

Caberá sempre ao Poder Judiciário apreciar se determinada

disposição legal representou verdadeiro embaraço ao livre

exercício de manifestação, observadas as balizas constitucionais

expressamente indicadas, conforme disposto no artigo 220, § 1º, da

Constituição, nos incisos IV, V, X, XIII e XIV do seu artigo 5º.

Em conclusão, Senhor Presidente, acredito que o artigo 220 da

Constituição Federal, quando assevera que nenhum diploma legal

conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade

conferida aos veículos de comunicação social, observado o disposto no

artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV, quis claramente enunciar que a lei, ao

tratar das garantias previstas nesses mesmos incisos, esmiuçando-as, não

poderá nunca ser interpretada como empecilho, obstáculo ou dificuldade

ao pleno exercício da liberdade de informação.” (ADPF n° 130 , rel.

Min. AYRES BRITTO, DJe 06.11.2009, p. 127 e ss., grifos

nossos).

Definindo a questão, de ângulo que sobremodo interessa ao

caso, onde também se acha em jogo a incidência de regras de natureza penal,

sustentou o Min. CELSO DE MELLO:

“O fato é que a liberdade de expressão não pode amparar

comportamentos delituosos que tenham, na manifestação do

pensamento, um de seus meios de exteriorização, notadamente

naqueles casos em que a conduta desenvolvida pelo agente encontra

repulsa no próprio texto da Constituição, que não admite gestos de

intolerância que ofendem, no plano penal, valores fundamentais, como o

da dignidade da pessoa humana, consagrados como verdadeiros

princípios estruturantes do sistema jurídico de declaração dos direitos

essenciais que assistem à generalidade das pessoas e dos grupos

humanos.

É certo que a liberdade de manifestação do pensamento,

impregnada de essencial transitividade, destina-se a proteger qualquer

pessoa cujas opiniões possam, até mesmo, conflitar com as concepções

prevalecentes, em determinado momento histórico, no meio social,

impedindo que incida, sobre ela, por conta e efeito de suas convicções,

qualquer tipo de restrição de índole política ou de natureza jurídica,

pois todos hão de ser livres para exprimir idéias, ainda que estas

possam insurgir-se ou revelar-se em desconformidade frontal com a

linha de pensamento dominante no âmbito da coletividade.

Isso não significa, contudo, que a prerrogativa da livre

manifestação do pensamento ampare exteriorizações contrárias à

própria lei penal comum, pois o direito à liberdade de expressão, que

não é absoluto, não autoriza condutas sobre as quais já haja incidido,

mediante prévia definição típica emanada do Congresso Nacional, juízo

de reprovabilidade penal que se revele em tudo compatível com os

valores cuja intangibilidade a própria Constituição da República deseja

ver preservada.

É por tal razão que esta Suprema Corte já acentuou que não há,

no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam

de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse

público ou exigências derivadas do princípio de convivência das

liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por

parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas

individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos

estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas, bem por

isso, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e

considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas

incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a

proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a

coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou

garantia pode ser exercido em detrimento ou com desrespeito aos

direitos e garantias de terceiros.

(...)

Torna-se importante salientar, neste ponto, presente o

contexto em exame, que a superação dos antagonismos existentes

entre princípios constitucionais - como aqueles concernentes à

liberdade de informação, de um lado, e à preservação da honra, de outro

- há de resultar da utilização, pelo Poder Judiciário, de critérios que

lhe permitam ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de

determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta,

qual deva ser o direito a preponderar em cada caso, considerada a

situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do

método da ponderação de bens e interesses não importe em

esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais”

(ADPF n° 130 , rel. Min. AYRES BRITTO, DJe 06.11.2009, p.

160 e ss., grifos no original).

Na ocasião, manifestei-me da seguinte forma:

“A mim me parece, e isso é coisa que a doutrina, tirando - ou

tirante - algumas posturas radicais, sobretudo no Direito norteamericano,

é pensamento universal que, além de a Constituição não

prever, nem sequer em relação à vida, caráter absoluto a direito algum,

evidentemente não poderia conceber a liberdade de imprensa com essa

largueza absoluta e essa invulnerabilidade unímoda.

Quando a Constituição Federal se refere à plenitude desse direito,

ela, evidentemente, não apenas pressupõe as suas próprias restrições

literais que constam do caput do artigo 220, do § 1º e das outras normas

a que se remete, como estabelece que se trata de uma plenitude atuante

nos limites conceitual-constitucionais.

Noutras palavras, a liberdade da imprensa é plena nos limites

conceitual-constitucionais, dentro do espaço que lhe reserva a

Constituição. E é certo que a Constituição a encerra em limites

predefinidos, que o são na previsão da tutela da dignidade da

pessoa humana. Noutras palavras, a Constituição tem a

preocupação de manter equilíbrio entre os valores que adota,

segundo as suas concepções ideológicas, entre os valores da

liberdade de imprensa e da dignidade da pessoa humana.” (ADPF

n° 130 , rel. Min. AYRES BRITTO, DJe 06.11.2009, p. 122 e

ss., grifos nossos).

Em longo e erudito voto, o Min. GILMAR MENDES, após

proceder a larga reconstituição das concepções constitucionais da liberdade de

imprensa na tradição jurídica norte-americana e na germânica, não hesitou em

assentar-lhe, diante do cânone do art. 220 da nossa Constituição, o cunho

relativo, que a faz suscetível de restrição, não apenas pelo Legislativo, mas

também pelo Poder Judiciário: (fls. 225-227).

“O constituinte de 1988 de nenhuma maneira concebeu a

liberdade de expressão como direito absoluto, insuscetível de restrição,

seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo.

Ao contrário do disposto em alguns dos mais modernos textos

constitucionais (Constituição portuguesa de 1976, art. 18º, n. 3, e

Constituição espanhola de 1978, art. 53, n. 1) e do estabelecido nos

textos constitucionais que a antecederam (Constituição brasileira de

1934, art. 113, 9; Constituição brasileira de 1946, art. 141, § 5º;

Constituição brasileira de 1967-69, art. 153, § 8º), a Constituição de 1988

não contemplou, diretamente, na disposição que garante a liberdade de

expressão, a possibilidade de intervenção do legislador com o objetivo de

fixar alguns parâmetros para o exercício da liberdade de informação.

Não parece correta, todavia, essa leitura rasa do texto

constitucional, pelo menos se se considera que a liberdade de informação

mereceu disciplina destacada no capítulo dedicado à comunicação social

(arts. 220-224 da CF/88).

Particularmente elucidativas revelam-se as disposições constantes

do art. 220 da Constituição:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a

expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo

não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta

Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir

embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer

veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º,

IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política,

ideológica e artística.

§ 3º Compete à lei federal:

I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao

Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a

que não se recomendem, locais e horários em que sua

apresentação se mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à

família a possibilidade de se defenderem de programas ou

programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no

art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços

que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.

Pode-se afirmar, pois, que ao constituinte não passou

despercebido que a liberdade de informação haveria de se exercer de

modo compatível com o direito à imagem, à honra e à vida privada (CF,

art. 5º, X), deixa entrever mesmo a legitimidade de intervenção legislativa

com o propósito de compatibilizar os valores constitucionais

eventualmente em conflito. A própria formulação do texto

constitucional — “Nenhuma lei conterá dispositivo..., observado o disposto no art.

5º, IV, V, X, XIII e XIV” — parece explicitar que o constituinte não

pretendeu instituir aqui um domínio inexpugnável à intervenção

legislativa. Ao revés, essa formulação indica ser inadmissível, tão

somente, a disciplina legal que crie embaraços à liberdade de informação.

A própria disciplina do direito de resposta, prevista expressamente no

texto constitucional, exige inequívoca regulação legislativa.

Outro não deve ser o juízo em relação ao direito à imagem, à

honra e à privacidade, cuja proteção pareceu indispensável ao

constituinte também em face da liberdade de informação. Não fosse

assim, não teria a norma especial ressalvado que a liberdade de

informação haveria de se exercer com observância do disposto no art. 5º,

X, da Constituição. Se correta essa leitura, tem-se de admitir, igualmente,

que o texto constitucional não só legitima, como também reclama

eventual intervenção legislativa com o propósito de concretizar a

proteção dos valores relativos à imagem, à honra e à privacidade.

É fácil ver, assim, que o texto constitucional não excluiu a

possibilidade de que se introduzam limitações à liberdade de

expressão e de comunicação, estabelecendo, expressamente, que o

exercício dessas liberdades há de se fazer com observância do

disposto na Constituição. Não poderia ser outra a orientação do

constituinte, pois, do contrário, outros valores, igualmente

relevantes, quedariam esvaziados diante de um direito avassalador,

absoluto e insuscetível de restrição.

Mais expressiva, ainda, parece ser, no que tange à liberdade de

informação jornalística, a cláusula contida no art. 220, § 1º, segundo a

qual “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade

de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o

disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV”.

Como se vê, a formulação aparentemente negativa contém,

em verdade, uma autorização para o legislador disciplinar o

exercício da liberdade de imprensa, tendo em vista, sobretudo, a

proibição do anonimato, a outorga do direito de resposta e a

inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das

pessoas. Do contrário, não haveria razão para que se mencionassem

expressamente esses princípios como limites para o exercício da

liberdade de imprensa.

Tem-se, pois, aqui expressa a reserva legal qualificada, que

autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa

com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos

significativos, como os direitos da personalidade em geral.

Que a matéria não é estranha a uma disciplina legislativa é o

próprio texto que o afirma explicitamente, ao conferir à lei federal a

regulação das diversões e dos espetáculos públicos (natureza, faixas

etárias a que se não recomendem, locais e horários em que sua

apresentação se mostre inadequada), o estabelecimento de mecanismos

de defesa contra programas e programações de rádio e de televisão que,

v. g., sejam contrários a valores éticos e sociais da pessoa e da família

(CF, arts. 220, § 2º, e 221, IV).

Essas colocações hão de servir, pelo menos, para demonstrar que

o tema não pode ser tratado da maneira simplista ou até mesmo

simplória como vem sendo apresentado, até por alguns juristas.

Como se vê, há uma inevitável tensão na relação entre a liberdade

de expressão e de comunicação, de um lado, e os direitos da

personalidade constitucionalmente protegidos, de outro, a qual pode

gerar uma situação conflituosa, a chamada colisão de direitos fundamentais

(Grundrechtskollision).

7. É, em suma, patente que ao acórdão da ADPF nº 130 não se

lhe pode inferir, sequer a título de motivo determinante, uma posição vigorosa e

unívoca da Corte que implique, em algum sentido, juízo decisório de

impossibilidade absoluta de proteção de direitos da personalidade – tais como

intimidade, honra e imagem – por parte do Poder Judiciário, em caso de

contraste teórico com a liberdade de imprensa.

Tal afirmação não significa, nem quer significar, que toda e

qualquer interdição ou inibição judicial a exercício da liberdade de expressão

seja constitucionalmente admissível, o que constituiria rematado absurdo.

Pretende apenas sublinhar que se não descobre, à leitura atenta de todos os

votos componentes daquele acórdão, assim no iudicium, como nas rationes

decidendi, nenhuma pronúncia coletiva de vedação absoluta à tutela

jurisdicional de direitos da personalidade segundo as circunstâncias de casos

concretos, como supõe a tese o reclamante, e que, como tal, seria a única

hipótese idônea para autorizar o conhecimento do mérito desta reclamação.

E convém não esquecer que a decisão ora impugnada não

tangencia sequer aspectos normativos da revogada lei de imprensa, que foi o

objeto exclusivo do pedido da ADPF, cujo acórdão não se presta, pois, a

desconstituí-la nesta via excepcional, a título de ofensa à autoridade de

decisão desta Corte, porque o não permite a própria Constituição da República

ao delimitar o âmbito objetivo que define a serventia da reclamação.

Não há identidade entre a questão jurídica discutida nos autos

da reclamação e a decidida nessa argüição de descumprimento de preceito

fundamental, de modo que, não obstante compreensível e justo o propósito de

ver logo julgada sua relevantíssima pretensão jornalística, o reclamante

recorreu a via imprópria para lográ-lo, o que, à evidência, não o impede de

valer-se dos remédios jurídico-processuais adequados para tanto.

8. De todo modo, não me escuso, na oportunidade, de enfatizar a

parcimônia, senão o rigor e precisão, com que deve acolhida, entre nós, a

teoria da chamada transcendência dos motivos determinantes, à vista do

singular modelo deliberativo historicamente consolidado neste Supremo

Tribunal Federal.

É que aqui, diferentemente do que sucede em sistemas

constitucionais estrangeiros, não há, de regra, tácita e necessária concordância

entre os argumentos adotados pelos Ministros, que, em essência, quando

acordes, assentimos aos termos do capítulo decisório ou parte dispositiva da

sentença, já nem sempre sobre os fundamentos que lhe subjazem. Não raro, e

é coisa notória, colhem-se, ainda em casos de unanimidade quanto à decisão

em si, públicas e irredutíveis divergências entre os fundamentos dos votos que

a compõem, os quais não refletem, nem podem refletir, sobretudo para fins de

caracterização de paradigmas de controle, a verdadeira opinion of the Court.

9. Em que pesem o merecido prestígio do jornal O Estado de São

Paulo, do qual sou assinante há décadas e que, ao longo de gloriosa história,

tem sido poderoso instrumento da sociedade na luta pela preservação das

liberdades públicas e da democracia, contra as forças do arbítrio, da

prepotência e dos desmandos públicos, a gravidade e a urgência do caso, o

evidente interesse público no resguardo do desenho constitucional das

liberdades públicas, em especial da liberdade de imprensa, no seu conspícuo e

insubstituível papel institucional na estrutura, vivência e aprimoramento do

regime democrático, a aparência de lesão a preceito fundamental e, até, as

peculiaridades processuais observadas na causa de origem, não é apta esta

ação constitucional para tutelar o eventual direito da reclamante.

10. Diante do exposto, com fundamento no art. 38 da Lei nº 8.038,

de 28 de maio de 1990, art. 21, § 1º, do RISTF, e art. 267, inc. VI, do CPC,

extingo o processo da reclamação, sem resolução do mérito e sem prejuiízo

de recomendar, enfaticamente, ao juízo a quo que dê a necessária prioridade

para decisão de questão tão relevante. Oportunamente, arquivem-se.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A contrarrevoluçã o jurídica

FOLHA DE SÃO PAULO
TENDÊNCIAS/DEBATES

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

Trata-se de um ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos

ESTÁ EM curso uma contrarrevoluçã o jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles.
Entendo por contrarrevoluçã o jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições.
Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrá tico, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência.
A contrarrevoluçã o jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas.
Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econô micas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva.
Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional.
Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns.
- Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios. Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos.
Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.
- Terras indígenas e quilombolas. A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais.
Quanto a estas últimas, podem ser citadas as "cautelas" para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos "aldeamentos extintos", ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo.
- Criminalização do MST. Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista.
E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento.
- A anistia dos torturadores na ditadura. Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar.
Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais.
Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevoluçã o jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.


BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, 69, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007).

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Polícias do Rio e de São Paulo matam rotineiramente, afirma relatório da Human Rights

08/12/2009 - 12h54
Watch
Marina Lemle
Especial para o UOL Notícias
No Rio de Janeiro

Atualizada às 16h31

Policiais do Rio de Janeiro e de São Paulo recorrem à força letal de forma rotineira e frequentemente cometem execuções extrajudiciais, afirma um relatório divulgado hoje (8), no Rio de Janeiro, pela ONG Human Rights Watch.
Violência em SP e no Rio
Dramaturgo baleado não está mais sedado, mas permanece na UTI
Depois de assalto, Lady Francisco pensa em ser candidata a deputada
Estudante baleado durante assalto no Rio permanece em estado grave
O relatório "Força letal: violência policial e segurança pública no Rio de Janeiro e São Paulo", destaca o alto número de mortos pela polícia em supostos confrontos. São mais de mil mortos por ano nos dois estados juntos.

"As cifras são alarmantes", afirmou José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch, instituição internacional de caráter independente que realiza estudos sobre direitos humanos. "A polícia do Rio e de São Paulo mataram mais de 11 mil pessoas desde 2003. Muitas mortes são resultado de uso legítimo da força, mas muitas outras claramente não o são", disse Vivanco.

Só no Rio, em 2007, 1.330 mortes foram qualificadas como "autos de resistência" - em que o suspeito teria resistido à prisão. Em 2008, foram 1.137. Em São Paulo, o número é inferior mas também é alto: foram 2.176 casos nos últimos cinco anos, mais do que a África do Sul inteira (1.623), onde os índices totais de homicídios são muito maiores.

A Human Rights Watch notou que, em geral, as autoridades policiais e as autoridades do sistema de Justiça criminal --inclusive os procuradores-gerais de Justiça dos dois estados-- concordam que os policiais implicados em execuções extrajudiciais raramente são responsabilizados criminalmente.

"Muitos policiais fazem parte de esquadrões da morte ou milícias, grupos que matam muito. Muitas dessas mortes são encobertas pela própria polícia e os investigadores não se esforçam para esclarecer os casos, não possibilitando a responsabilização criminal e penal aos responsáveis. A impunidade continua sendo a norma, a regra geral", acrescentou Vivanco.

O relatório, de 134 páginas, é resultado de dois anos de estudos, baseados em dados de diversas pesquisas e entrevistas com promotores públicos, autoridades policiais, organizações sociais e familiares de vítimas. Foram examinados 51 casos nos quais policiais teriam executado supostos criminosos, reportando em seguida que as vítimas haviam morrido em tiroteios enquanto resistiam à prisão.

Vivanco contou que entregou o documento ao governador do Rio, Sérgio Cabral, que foi muito receptivo e comprometeu-se a estudar o relatório e fazer uma reunião com os representantes da instituição em janeiro ou fevereiro para ouvir suas recomendações.

A principal recomendação é a criação de unidades do Ministério Público com equipes de investigação especializadas e isentas para apurar casos de abuso policial e execuções extrajudiciais, em colaboração com promotores, para avaliar todos os casos de suposta resistência. De acordo com Fernando Delgado, advogado e principal autor do relatório, esses investigadores devem ser selecionados e devem responder exclusivamente ao MP, e não à hierarquia policial. A entidade defende também a garantia de que sejam realizados procedimentos apropriados nas cena de crime, de forma que a atenção médica possa chegar aos locais e sejam coibidas ações de acobertamento, como o falso socorro, e a punição de quem usa essas práticas.

"Enquanto a polícia tiver que investigar a própria polícia, a impunidade continuará", afirmou Vivanco. Ele acrescentou que há uma percepção equivocada que considera incompatível direitos humanos e segurança pública, e que investigar os abusos policiais fortaleceria os grupos criminosos. "Isso é falso. Uma maior transparência leva a uma forma mais eficaz de controle e isso aumentaria os níveis da segurança pública", completou.

O diretor da Human Rights Watch diz achar fundamental que líderes políticos, para mudar a cultura de violência, apoiem medidas para que policiais respondam por seus atos ilícitos e questionem a idéia errônea de que direitos humanos e segurança pública seriam contraditórios.

O relatório está disponível em português está no endereço: http://www.hrw.org/node/87056. do UOL Notícias



http://www.hrw.org/sites/default/files/reports/brazil1209ptwebwcover.pdf

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Polícias de SP e RJ matam mais que a da África do Sul, diz ONG

Por BBC, BBC Brasil, Atualizado: 8/12/2009 11:13
Polícias de SP e RJ matam mais que a da África do Sul, diz ONG

Polícias de SP e RJ matam mais que a da África do Sul, diz ONG

"Policial no Rio (foto de arquivo)"

Um relatório divulgado nesta terça-feira pela organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch revela que, em 2008, as polícias do Rio e de São Paulo mataram juntas 1.534 pessoas, número maior que o registrado em toda a África do Sul, país com taxa de homicídios mais alta que a dos dois Estados brasileiros.

No país africano, a polícia matou 468 pessoas (o cálculo sul-africano leva em conta o ano fiscal, de abril de 2008 a março de 2009). Nos Estados Unidos, país com nível de violência policial considerado alto, 371 pessoas foram mortas pela polícia em 2008.

O relatório Força Letal: Violência Policial e Segurança Pública no Rio de Janeiro e em São Paulo afirma que parte "substancial" dos mais de 11 mil casos de resistência seguida de morte registrados nos Estados do Rio e de São Paulo desde 2003 podem ter sido, na verdade, execuções extrajudiciais.

Os casos de resistência seguida de morte (ou autos de resistência) se referem a mortes cometidas por policiais em confrontos em que supostos suspeitos de crimes resistem à prisão.

"Em quase todos os casos no Rio e em São Paulo nos quais policiais mataram pessoas enquanto estavam em serviço, os agentes envolvidos relataram as mortes como atos de legítima defesa e afirmaram ter atirado somente em resposta a tiros disparados pelos susspeitos", diz o relatório Força Letal: Violência Policial e Segurança Pública no Rio de Janeiro e em São Paulo.

"Dado que os policiais em ambos os Estados frequentemente enfrentam ameaças reais de violência por parte de membros de gangues, muitos desses 'autos de resistência' são provavelmente resultado do uso legítimo de força por parte da polícia. Muitos outros, no entanto, claramente não sao", afirma o texto.

Letalidade

O relatório é resultado de uma investigação de dois anos A Human Rights Watch examinou 51 casos em que afirma ter "evidências" de que os mortos em autos de resistência "foram na verdade vítimas de execuções extrajudiciais".

O documento de 122 páginas usa estatísticas oficias para comparar o índice de letalidade desses confrontos nos dois Estados brasileiros, na África do Sul e nos Estados Unidos.

Em entrevista à BBC Brasil, o autor do estudo, Fernando Delgado, disse que a escolha dos dois países para comparação foi feita porque "tanto África do Sul quanto Estados Unidos também encaram um nível de violência policial bastante alto".

Segundo o relatório, em 2008 a polícia do Rio prendeu 23 pessoas para cada morte em autos de resistência. Em São Paulo, foram 348 prisões para cada morte. Nos Estados Unidos, essa média é de 37 mil prisões para cada caso de resistência seguida de morte.

No relatório, a organização afirma que os policiais responsáveis por homicídios ilegais raramente são levados à Justiça e que o principal motivo é o fato de o sistema judicial em ambos os Estados se apoiar quase iteiramente em investigadores policiais para resolver esses casos.

"O problema no Rio e em São Paulo persiste porque a equação básica permanece", disse Delgado à BBC Brasil. "À polícia é dada a responsabilidade para investigar esses casos de abuso policial, o que é uma receita para a continuação do abuso."

A Human Rights Watch afirma que, além dos muitos casos de resistência seguida de morte, há centenas de outros homicídios atribuídos a policiais fora de serviço, como parte de milícias no Rio e grupos de extermínio em São Paulo.

A organização diz ainda que policiais "frequentemente" agem para encobrir "a verdadeira natureza" dos casos de resistência seguida de morte.

Recomendações

"Enquanto forem deixadas para a própria polícia, essas execuções continuarão sem verificação e os esforços legítimos para conter as violência em ambos os Estados sofrerão", disse o diretor da Human Rights Watch para as Américas, José Miguel Vivanco.

"A execução extrajudicial de suspeitos de crimes não é a resposta para os crimes violentos. Os moradores do Rio e de São Paulo precisam de mais policiamento efetivo, não de mais violência por parte da polícia."

Segundo o autor do relatório, o documento já foi entregue ao governador do Rio, Sérgio Cabral, e será também entregue ao governo de São Paulo.

A Human Rights Watch recomenda às autoridades a criação de unidades especializadas para investigar esse tipo de crime e garantir que os policiais responsáveis por execuções extrajudiciais sejam levados à Justiça.

O documento também sugere que os casos de resistência seguida de morte sejam notificados imediatamente.

Recomenta ainda que seja estabelecido um protocolo de ação para impedir que policiais possam usar técnicas de acobertamento nesses casos, e que essas técnicas sejam investigadas e os policiais nelas envolvidos punidos.

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FONTE:

http://noticias.br.msn.com/brasil/artigo-bbc.aspx?cp-documentid=22818333