São Paulo, sexta-feira, 10 de julho de 2009
Estudo acompanhou 19.457 afroamericanos e brancos que tiveram tratamento igual, sem variáveis socioeconômicas
Segundo especialistas, não é possível saber se a situação se repete entre brasileiros; no país, não foram feitas pesquisas do mesmo tipo
CLÁUDIA COLLUCCIDA REPORTAGEM LOCAL Afroamericanos têm mais riscos de morrer de câncer de mama, próstata e ovário do que pessoas de outras etnias, mesmo quando recebem igual tipo de tratamento, conclui o primeiro estudo do gênero, publicado no "Journal of the National Cancer Institute". Não é possível saber se a situação é a mesma entre os negros brasileiros porque não há estudos semelhantes no país.Os pesquisadores acompanharam 19.457 pacientes de várias etnias durante mais de dez anos. Todos receberam os mesmos tratamentos e foram atendidos pelos mesmos médicos. Nos demais tipos de câncer, como tumores de pulmão, colorretal, leucemias, linfomas e mielomas, a taxa de sobrevida dos negros foi semelhantes à de pessoas de outras etnias."Nossos achados colocam em dúvida a teoria de que os afroamericanos têm baixa taxa de sobrevida do câncer por causa da pobreza, do pouco acesso aos serviços de saúde e de outros fatores socioeconômicos", disse à Folha a médica Kathy Albain, coordenadora do estudo, financiado pelo Instituto Nacional de Câncer dos EUA.Segundo Albain, os resultados sugerem que essa diferença pode se dar em razão de fatores biológicos do tumor (que o tornam mais agressivo) ou da variação de genes que controlam a ação de medicamentos.No decorrer do estudo, os negros americanos tiveram 49% mais chances de morrer de câncer de mama, 61%, de câncer nos ovários e 21%, de câncer de próstata.Para o oncologista Auro del Giglio, do hospital Albert Einstein, não há dúvidas de que as disparidades socioeconômicas tenham impacto negativo na detecção precoce e no tratamento de diversos tipos de câncer, o que leva a tumores mais avançados. "Da mesma forma, há evidências de comportamentos biológicos diferentes em alguns tipos de tumor em etnias diversas."Ele afirma que diferentes constituições genéticas também explicam variações de metabolismo das drogas, que podem ter impactos negativos nos resultados do tratamento. "Tanto a genética quanto as oportunidades de tratamento pautadas por diferenças socioeconômicas são importantes, e a literatura, de fato, reflete ambas as vertentes."PróstataSegundo o urologista Miguel Srougi, professor titular da Universidade de São Paulo, no caso do câncer de próstata, estudos já sugeriam que os negros desenvolviam tumores mais agressivos, mas surgiram trabalhos que atribuíam a diferença ao fato de eles terem menos acesso aos serviços de saúde e receberem tratamentos diferenciados, mais paliativos do que curativos."Esse estudo mostra que não é apenas a desassistência. Mesmo com tratamentos iguais, a evolução da doença foi pior entre os negros", diz Srougi.O mastologista José Luiz Bevilacqua, cirurgião do Hospital Sírio-Libanês, afirma que estudos anteriores já mostraram que os afroamericanos tendem a apresentar tumores de mama com características mais agressivas, porém, concluíam que, se fossem tratados de maneira adequada, teriam sobrevida semelhante à de outras etnias."O interessante nesse novo estudo é que a pesquisadora analisou essas diferenças num banco de dados de estudos prospectivos e randomizados do Southwest Oncology Group, o que, teoricamente, asseguraria que os grupos tiveram os mesmos tratamentos", diz o mastologista. "No entanto, não podemos assegurar, com certeza absoluta, que os resultados mostrem a realidade."Bevilacqua também pondera que o estudo americano é de análise de subgrupos e que não foi desenhado especificamente para responder se as diferenças raciais interferem ou não na sobrevida. "Sem dúvida, os novos estudos estão no grupo de melhor evidência disponível sobre o assunto, porém, acredito que isso ainda não seja uma questão fechada."