Muitos imigrantes ilegais têm filhos que são cidadãos americanos
Por DAVID GONZALEZ
Para o pai, a escolha era evidente: um engenheiro com vários empregos mas pouco dinheiro, ele não via futuro para sua filha e seu filho no Equador. Oito anos atrás ele pagou para que traficantes o levassem até o Texas, EUA, então seguiu para Nova York, onde sua mulher e seus filhos chegaram como turistas e ficaram. Mas as consequências dessa decisão não foram nada simples. A filha se saiu muito bem no colégio no Queens e se formou na faculdade com honras, mas, aos 22 anos, continua vivendo ilegalmente nos EUA. Ela faz contabilidade para uma pequena empresa dirigida por imigrantes, tem medo de sair da cidade e não pode ter uma carteira de motorista no país que passou a amar. Enquanto isso, seu irmão de 17 anos, que nasceu nos Estados Unidos durante uma estada anterior, e portanto é cidadão americano, goza de privilégios que sua família não possui, como passar as férias de verão no Equador com seus primos. Mas, entediado e solitário na maior parte das tardes, ele declarou no último outono que quer voltar ao antigo país. "Como ele pode pensar nisso?", disse sua mãe, surpresa. "Estamos nos sacrificando para que ele possa ter uma educação melhor e um bom emprego. Depois de abandonar tudo para vir para cá, ele -o único que tem documentos- quer voltar?" Esses quatro -que não quiseram ser identificados por medo da deportação- fazem parte de um grupo crescente do que muitas vezes é chamado de famílias de situação mista. Quase 2,3 milhões de famílias sem documentos, cerca de 75% das quais estão nos Estados Unidos clandestinamente, têm pelo menos um filho que é cidadão americano, segundo o Centro Hispânico Pew. Essa família de Queens ilustra como as crescentes disparidades nas famílias imigrantes estão levando seus membros em direções opostas e complicando os esforços para planejar um futuro comum. A mãe, de 47 anos, que abandonou sua carreira promissora no Equador como analista de informática e hoje trabalha como babá, não prevê as mesmas oportunidades nos EUA que o pai, da mesma idade, que encontrou um trabalho rentável como designer gráfico. Os pais estão entre uma proporção crescente de imigrantes ilegais com bom nível educacional -pelo menos um em cada quatro teriam feito parte do colegial. O pai foi primeiro para Nova York em 1986, depois de se formar entre os melhores de sua classe na Universidade Politécnica de Quito. Ele foi legalmente, com visto de estudante, para estudos de graduação em engenharia no City College, e pretendia voltar para sua mulher. Mas, quando soube que ela estava grávida da primeira filha, abandonou o curso e conseguiu emprego em uma fábrica -violando os termos de seu visto-, depois arranjou para que sua mulher e a bebê fossem levadas clandestinamente para o Texas e depois para Nova York, onde ele achava que poderia ganhar uma vida melhor para elas. "Eu sabia que estava entrando na clandestinidade", disse o pai, um homem jovial e bem posto. "Foi uma decisão muito difícil. Mas eu tinha de sustentá-las." Eles se mudaram para Miami e tiveram um filho, nascido cidadão americano. Mas suas esperanças de uma vida próspera nos Estados Unidos fracassaram, e em 1992 eles voltaram para Ambato, o pólo agrícola no Equador onde o pai havia crescido. Quando sua filha estudava no colégio lá, superando seus colegas, o pai se preocupou com a qualidade do ensino no Equador. Ele decidiu dar a ela e a seu irmão a educação americana que ele não havia concluído. Voltaram para Nova York em 2001. O pai encontrou trabalho em uma construtora no Queens, fazendo medições precisas em canteiros de obras e transformando-as em desenhos computadorizados. Ele ganha mais do que ganharia no Equador. A mãe, enquanto isso, cuida de crianças em apartamentos lotados, não tão bonitos quanto a casa moderna onde ela cresceu. As discrepâncias entre suas vidas abalaram um relacionamento já tenso; eles se separaram quatro anos atrás. Os filhos passam a maior parte dos dias de semana com o pai, no sótão estreito de uma casa escura no bairro de Elmhurst, no Queens. Nos fins de semana eles pegam o metrô e um ônibus até o apartamento que sua mãe aluga em Bayside, outra parte de Queens. Felizmente para a filha, ela mora em Nova York, um dos dez estados que permitem que imigrantes ilegais paguem impostos e se matriculem em universidades públicas. Frequenta uma faculdade na Cidade Universitária de Nova York. Mas ainda não tem o registro de seguro social necessário para se candidatar a um emprego ou a um estágio de verão. Por isso, enquanto suas amigas conseguiram empregos de US$ 70 mil por ano, ela procura em quadros de avisos na faculdade pequenas empresas que queiram se arriscar a contratá-la pela metade desse valor. "Às vezes eu tenho vontade de chorar e gritar", ela disse. O filho está muito ligado ao Equador. Como único membro da família que pode viajar livremente, ele passou três verões lá, jogando futebol e indo a parques de diversão com seus primos. Ele parece muito menos envolvido emocionalmente com Nova York. Mas a família insiste que ele fique nos EUA. "Como cidadão, todas as portas estão abertas para ele", disse a mãe. "Ele sabe que há uma diferença, que pode fazer o que nós não podemos." A meio mundo de distância, o ensolarado apartamento dúplex que a família construiu em sua última estada em Ambato está vazio. Os parentes os chamam para voltar. Os pais resistem. Eles não vieram tão longe, sacrificando suas carreiras e seu conforto, para não ver os filhos terem sucesso nos EUA. Se chegar esse dia, os dois pais dizem que voltarão alegremente para sua terra -inclusive ele, cuja firme decisão trouxe todos para os EUA. "Entrei em uma festa para a qual não fui convidado, e um dia me pedirão para sair", ele disse. "Eu sei. Este é um lugar para trabalhar, e não para morrer."
São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009. Folha de São Paulo e The NeW York Times