Apesar de décadas de mobilização, a verdade é que o racismo persiste. Nenhuma sociedade, rica ou pobre, está imune
A CONFERÊNCIA de Revisão de Durban aconteceu em Genebra na semana passada e o mundo não parou de girar, como os detratores da conferência queriam que pensássemos que aconteceria. De fato, é possível que o mundo tenha se tornado um lugar melhor, agora que a conferência adotou por consenso um documento que se inspira no compromisso, assumido em Durban (África do Sul) há oito anos, de combater a discriminação racial e a intolerância em todo o mundo. Apesar de décadas de mobilização, dos esforços de muitos grupos e de muitas nações e das inúmeras provas de suas terríveis consequências, a verdade é que o racismo persiste. Nenhuma sociedade, grande ou pequena, rica ou pobre, está imune. A conferência de Genebra (Suíça) foi uma oportunidade para os países chegarem a um acordo sobre um documento comum que consagrasse uma aspiração comum: a de rejeitar o racismo em todas as suas manifestações e trabalhar para eliminá-lo. No entanto, durante mais de um ano, algumas vozes apelaram ao boicote da conferência. Essa oposição se baseava, em grande medida, no receio de que o encontro desencadeasse a repetição das virulentas atividades antissemitas que algumas ONGs levaram a cabo em 2001, à margem da conferência em Durban. Os atos deploráveis de uns quantos mancharam a reputação de todo o processo, desde 2001 até este ano. Dez Estados-membros da ONU, incluindo Canadá, Israel, EUA, Austrália e Nova Zelândia, e 5 dos 27 países da União Europeia decidiram não participar do encontro de Genebra, que foi convocado pela Assembleia Geral da ONU para analisar a aplicação da Declaração e Programa de Ação de Durban, o documento final da conferência de 2001. A ausência desses países revelou-se preocupante quando, no primeiro dia da conferência, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, pronunciou um discurso em que atacava Israel, os EUA e outros Estados ocidentais, utilizando o fórum da ONU para uma retórica política facciosa. Contudo, essa atitude foi rotundamente rejeitada no dia seguinte com a adoção, por consenso, de um documento que constitui a última palavra da conferência. Os Estados demonstraram determinação, espírito de compromisso e respeito pela diversidade ao se mobilizarem, unidos, em prol de uma causa comum e urgente. Esperamos que o acordo gere efeitos benéficos duradouros para as inúmeras vítimas do racismo, da discriminação e da intolerância. No documento, os Estados se comprometeram a impedir manifestações de racismo, discriminação racial e xenofobia, sobretudo em relação a migrantes, refugiados e requerentes de asilo. Eles também acordaram em promover maior participação e oportunidades para as pessoas de origem africana e asiática, os povos indígenas e os indivíduos pertencentes a minorias étnicas, religiosas e linguísticas. Comprometeram-se a assegurar que a discriminação não afete aberta ou dissimuladamente o acesso a emprego, serviços sociais, cuidados de saúde e participação em outras esferas. O documento reafirma a importância fundamental da liberdade de expressão e sublinha sua compatibilidade com a legislação internacional em vigor que proíbe a incitação ao ódio. Isso deveria ajudar a superar a divisão artificial em torno de certos assuntos sensíveis relacionados com a religião, que, à força de ser tão falada, poderia tornar-se uma realidade, desencadeando um conflito de civilizações. Além disso, o documento final representa o importante reconhecimento das injustiças e atrocidades do passado e propõe medidas para evitar que voltem a acontecer. Entre elas figura o compromisso de proibir atividades violentas, racistas e xenófobas de grupos que adiram a ideologias baseadas na supremacia. A conferência proporcionou uma plataforma para um novo começo. Os poucos Estados que decidiram manter-se à margem deveriam avaliar agora o documento final em razão do seu mérito e conteúdo. Muitos desses Estados participaram da sua elaboração e fizeram parte do consenso que foi se estabelecendo até a véspera da conferência. É por isso que tenho esperança de que se associarão aos esforços internacionais para combater o racismo e a intolerância formulados nesse importante documento. Não devemos ceder espaço àqueles que pretendem alimentar uma controvérsia que contribui para a intolerância. É mais importante para não permitir que nos façam esquecer nosso objetivo principal: fomentar sociedades em que não haja discriminação e um mundo em que haja igualdade de tratamento e de oportunidades para todos nós ou, pelo menos, para nossos filhos e os filhos dos nossos filhos. NAVI PILLAY, mestre e doutora em direito pela Universidade Harvard, é a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Foi a primeira mulher não branca a atuar na Suprema Corte da África do Sul.