Publicado em: 29/03/2007
Criminosos colocam fogo nas portas de três apartamentos ocupados por 10 alunos africanos na Casa do Estudante da Universidade de Brasília
Luciene Cruz
As marcas do racismo ficaram cravadas nas portas dos apartamentos 106, 112 e 207 da Casa do Estudante Universitário, da Universidade de Brasília (UnB). Ironicamente, o local é conhecido como CEU, devido às iniciais do lugar. Mas, na madrugada de ontem, as labaredas que entravam nas residências remetiam justamente ao contrário. Por volta das 4h, um grupo de criminosos – possivelmente alunos da própria UnB – colocou alguns tijolos em volta das portas, jogou líquido inflamável e ateou fogo em frente aos quartos de dez estudantes africanos. A suposta tentativa de assassinato virou responsabilidade da Polícia Federal – já que se trata de Patrimônio da União –, que abriu uma sindicância para apurar os fatos e já identificou suspeitos.
O fone de ouvido salvou a vida do estudante de Sociologia Nivaldo Gomes, 31 anos, de Guiné Bissau. No momento em que o ato de vandalismo foi praticado, o universitário dormia ouvindo música. Como o objeto começou a incomodar, ele acordou. Foi aí que ouviu um barulho e percebeu os sinais de fumaça no primeiro andar do apartamento. "Era muita fumaça, não conseguíamos enxergar nada. Vivemos momentos de pânico."
Gomes estava acompanhado de mais três colegas com quem divide o quarto. Como a residência só possui uma porta de acesso, ficaram impossibilitados de deixar o lugar. A única alternativa encontrada foi pular a janela para o apartamento vizinho. "Isso é um absurdo. Estou decepcionado. Isso é racismo, é xenofobia (aversão a outras raças e culturas). Tentaram nos matar. Isso não pode ficar assim", disse Gomes. Quando saíram do apartamento vizinho, perceberam que o incêndio atingia outras dependências do prédio, provocando pânico entre os moradores.
A crueldade foi tão grande que os três extintores de incêndio que ficam localizados no primeiro andar do CEU foram esvaziados. "Foi maldade pura. Planejaram cada detalhe. Não pouparam nem os extintores de incêndio", comentou o estudante de Administração Quebá Carimo, 28 anos, de Guiné Bissau, que também mora num dos apartamentos incendiados.
Por sorte, os criminosos esqueceram de esvaziar o extintor do segundo andar, que foi usado no combate ao fogo. O esvaziamento foi confirmado pelo reitor da UnB, Timothy Mulholland. "Foi feita vistoria nas dependências do prédio na semana passada e todos os extintores estavam em ordem", garantiu. "Os registros mostraram que nenhum estranho entrou nas dependências da Casa do Estudante", acrescentou Mulholland, deixando a suspeita de que alunos da UnB estariam envolvidos.
Caso antigo
O caso trouxe à tona um problema que já ocorre há alguns anos dentro da instituição: o racismo contra os alunos negros africanos. Os estrangeiros fazem parte de um convênio firmado entre o Brasil e outros países. O objetivo do programa é promover o intercâmbio cultural entre os estudantes. No entanto, desde que chegaram à UnB, eles sofrem ameaças e são hostilizados por um grupo de alunos brasileiros. Pedras atiradas na janela, pichações na parede e xingamentos são comuns. "Ontem pichação, hoje incêndio e amanhã vão fazer o quê?", indagou uma das vítimas, que preferiu não se identificar.
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PF já tem suspeitos
Carlos Carone
A Polícia Federal (PF) já identificou possíveis suspeitos de terem ateado fogo na Casa do Estudante Universitário. Durante todo o dia de ontem, um grupo de 25 policiais federais coletou evidências materiais e entrevistou testemunhas. Peritos da Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais e Patrimônio Histórico (Delemap) – unidade responsável pelo caso – colheram impressões digitais em superfícies próximas aos locais atingidos pelas chamas.
Segundo o delegado-chefe da Delemap, Francisco Leite Serra Azul, não existe mais dúvidas que o incêndio foi criminoso. "O fogo foi provocado com a ajuda de uma substância inflamável", explicou o delegado.
Em entrevista coletiva, ele revelou que há testemunhas oculares, pessoas que presenciaram um grupo de rapazes se preparando para atear fogo no prédio. Elas contaram que o grupo de suspeitos rondou o prédio pouco tempo antes de o incêndio começar.
"Iremos intimar suspeitos, seguranças e as pessoas que disseram ter presenciado o crime", disse o delegado. O principal trunfo da investigação são as impressões digitais, que serão comparadas com as dos depoentes. Por enquanto o crime está sendo enquadrado como tentativa de incêndio expondo perigo à vida e destruição de patrimônio público. "Mas nada impede que, com as investigações os suspeitos possam ser indiciados por tentativa de homicídio", lembrou Serra Azul.
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davi zocoli
Centenas de alunos protestaram contra o incêndio: segurança no CEU será reforçada
Ameaças e agressões corriqueiras
Apesar de ninguém ter saído ferido, o estudante de Sociologia Helmer Sequeira, 29 anos, também de Guiné Bissau e morador de um dos apartamentos atingidos, afirmou que o incêndio foi a concretização de ameaças e agressões que sofrem há anos. "Desde que cheguei aqui, há mais de três anos, passo por isso. Já jogaram pedras na janela e gritam xingamentos por onde nós passamos." Pichações com os dizeres "Fora estrangeiros" e marcas nas portas foram deixadas há alguns meses. "Isso foi uma forma de nos intimidar e deixar bem claro em quais apartamentos nós (africanos) vivíamos", disse.
Além do racismo, outro motivo para a perseguição seria o fato de que os estrangeiros possuem renda alta e ocupam a vaga de brasileiros carentes. "Não estamos aqui para entrar em confronto com ninguém. Só queremos nos formar, pegar o nosso diploma e disputar uma vaga no mercado de trabalho. Ficam nos acusando de sermos playboys e ricos. Se a gente tivesse dinheiro, íamos estudar na Europa em vez de vir para cá sofrer esse tipo de humilhação."
Ao todo, existem 98 apartamentos distribuídos em dois blocos, que comportam até quatro estudantes por quarto. Destes, 22 alunos são estrangeiros. Apenas dois não são de origem africana. Os estudantes negros que não tiveram seus quartos atingidos dividiam o apartamento com moradores brasileiros.
Apesar das evidências claras de racismo, o reitor Timothy Mulholland preferiu não opinar sobre o assunto. "Abrimos uma sindicância rigorosa para estudar o assunto, mas não temos maiores detalhes", disse. No entanto, admitiu ter tomado conhecimento de uma briga entre um estrangeiro africano e um brasileiro há seis meses.
Enquanto o caso está em apuração, os dez estudantes que tiveram os quartos atingidos foram transferidos para outro imóvel dentro do campus e receberão acompanhamento psicológico. Caso a polícia comprove que alunos da UnB participaram do crime, esses estudantes podem ser penalizados com suspensão e até mesmo expulsão da universidade. Medida que não agradou quem sofreu o atentado. "Não tenho mais segurança em ficar aqui. Quem garante que não vão tentar algo de novo. Ainda bem que termino meu curso em julho para voltar para o meu país", desabafou Nivaldo Gomes.
Protesto
Inconformados com o incêndio criminoso, os estudantes estrangeiros mobilizaram centenas de outros alunos da UnB. No início da tarde, foram de sala em sala em busca de mais adeptos. Eles carregavam cartazes com dizeres contra o racismo e pedindo providências. Eles conseguiram parar a universidade e foram recebidos pelo reitor. Depois de conversa tensa, ficou garantido que a segurança no CEU, que hoje é feita apenas por um vigilante em cada bloco, será reforçada por mais quatro guardas que atuarão 24 horas.
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Hostilidades pelo Orkut
Racismo não é um assunto novo dentro da UnB. Em 2005, o estudante Marcelo Valle Silveira Mello escreveu mensagens hostis no site de relacionamentos Orkut, em protesto contra o sistema de cotas. O Ministério Público agiu e ele se tornou o primeiro réu a responder pelo crime de racismo na web. Está sujeito a uma pena entre dois e cinco anos de reclusão.
A investigação contra o estudante foi aberta em São Paulo. Como Marcelo informou na página do Orkut seus dados pessoais, foi fácil para os promotores de Justiça localizá-lo. O caso foi transferido para Brasília e o estudante confirmou a autoria das mensagens. Mas negou intenção de ofender os negros.
Conforme a denúncia, Marcelo usou o Orkut para chamar os negros de "macacos subdesenvolvidos", "ladrões", "vagabundos", "malandros" e "sujos". Consta do processo que ele teria divulgado na web frases contendo palavras de baixo calão e xingamentos. "Já não basta o preto roubando dinheiro. Agora ele também rouba a vaga nas universidades...", teria escrito.
Em agosto do ano passado, o processo de Marcelo foi retomado após sete meses parado, aguardando exames de sanidade mental, solicitados pelos advogados de defesa. O resultado mostrou que o jovem é normal e pode responder judicialmente.
O estudante abriu a comunidade "semeadores da discórdia" e navegava no Orkut com vários nomes, como Dart Vaider. "Era para criar confusão, mas não imaginei que tomaria essa dimensão. O Orkut não é para ser levado a sério", afirmou, em seu depoimento.
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Reações imediatas
A Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), do Governo Federal, abriu procedimento para acompanhar as investigações do incêndio. Luiz Fernando Martins da Silva, ouvidor da pasta, disse que tudo indica a existência de xenofobia e racismo como motivação do incidente, mas que é prematuro assegurar isso. "Tudo dá a entender que sim".
Questionado se as recentes declarações da ministra Matilde Ribeiro – de que racismo contra brancos é natural – poderia ter motivado a ação, o ouvidor negou: "Esses problemas na UnB são antigos. Não são de hoje". Ele lembrou o caso do estudante da universidade Marcelo Valle Silveira Mello, que escreveu mensagens hostis aos negros, em protesto contra o sistema de cotas raciais. "Temos de lembrar que a UnB é uma cidade. E a adoção das cotas é uma coisa recente, ainda. Então, é razoável que aconteçam coisas assim", completou.
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa realizará audiência pública para debater o assunto. O requerimento, de autoria da deputada distrital Erika Kokay (PT), foi aprovado em reunião ontem. "Este comportamento é absolutamente inaceitável e agride, de forma inequívoca, os preceitos da democracia brasileira", argumentou.
Matéria: Luciene Cruz. Publicada no site: Jornal de Brasília
sexta-feira, 2 de maio de 2008
BARBÁRIE - racismo ao extremo
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 20:49 0 comentários
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Brevíssimas considerações sobre a metodologia das ciências e o pensamento científico de Hans Kelsen
SILVA, Luiz Fernando Martins da. Brevíssimas considerações sobre a metodologia das ciências e o pensamento científico de Hans Kelsen . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em:
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 19:55 0 comentários
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Amicus Curiae, Direito e Ação Afirmativa
SILVA, Luiz Fernando Martins da. Amicus Curiae, Direito e Ação Afirmativa.Disponível em: Revista Jurídica / Presidência da República, Brasília, vol. 7, n. 76 - Dezembro - 2005/Janeiro – 2006. ISSN 1808-2807. Sumario: 1 O Instituto Jurídico Amicus Curiae - 2 O Amicus Curiae no Sistema Norte-Americano - 3 A Positivação do "Amigo da Corte" no Direito Brasileiro - 4. Histórico - 5 Referências Bibliográficas. Clique aqui para ler.
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 18:16 0 comentários
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A teoria de Oracy Nogueira: ruptura às teorias tradicionais e fonte para o embasamento das políticas de ação afirmativa e seus mecanismos
COSTA, Cleber Lázaro Julião; SILVA, Luiz Fernando Martins da. A teoria de Oracy Nogueira: ruptura às teorias tradicionais e fonte para o embasamento das políticas de ação afirmativa e seus mecanismos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 342, 14 jun. 2004. ISSN 1518-4862.Clique aqui para ler
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 17:56 0 comentários
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Ação pede candomblé em concurso público
Praticante de camdomblé e cabo da Aeronáutica, Cristiano Pessoa Borges entrou com ação contra edital do exame do Corpo de Bombeiros.
13/02/2007
07h44-Após receber críticas por incluir em seu edital a exigência de teste anti-Aids, o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal volta a ter seu concurso questionado. Desta vez, as reclamações estão dirigidas contra um possível preconceito religioso, pois apenas padres e pastores evangélicos podem concorrer às duas vagas de oficial capelão abertas pela corporação. O cargo prevê salário de R$ 6.840 e os aprovados terão a função de cuidar da saúde espiritual das tropas nos quartéis brasilienses.
Iniciado no candomblé há 10 anos, Cristiano Pessoa Borges, 28, formalizou queixa contra a seleção pública à Secretaria Especial de Políticas de Promoção à Igualdade Racial, da Presidência da República. Ele acusa os responsáveis pela elaboração do edital de desrespeito ao artigo da Constituição Federal que assegura a liberdade de culto religioso. “Nas Forças Armadas, há uma tradição de privilegiar as religiões católica e evangélica. Outros tipos de cultos, como a umbanda, o candomblé ou o espiritismo, não são incluídos nos quartéis”, afirma Cristiano Pessoa Borges, que é cabo da Aeronáutica.
O concurso dos bombeiros exige ainda que os candidatos à oficial capelão tenham cursado faculdades de Teologia. Para Cristiano, isso é uma desconsideração com conhecimentos religiosos que não são formalizados em cursos superiores. “As religiões afro-brasileiras se baseiam no conhecimento da natureza, dos ritos ancestrais. A iniciação é passada de pai para filho, dentro da casa de santo. Não é coisa que se adquira em banco de faculdade”, protesta. Na casa Ile Ase Oya Fefe Orun, em Valparaíso (GO), Cristiano exerce a função de ogan. Segundo a hierarquia da sua religião, corresponde a um cargo honorífico. Entre suas atividades, estão o controle rítmico das cerimônias e o auxílio prestado ao pai-de-santo na administração do terreiro.
A reclamação de Cristiano foi acatada pelo ouvidor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção à Igualdade Racial, Luiz Fernando Martins. Para ele, ao deixar de fora do concurso os integrantes das religiões afro-brasileiras, os organizadores cometeram também um preconceito racial. “Por que uma instituição pública, ao decidir fornecer serviços religiosos, define que estes serviços são aqueles professados pela população branca?”, questiona.
Segundo Luiz Fernando, as religiões afro são consideradas marginais e seus adeptos perseguidas por terem sido fundadas por negros. “Veja o que acontece na Prainha (do Lago Paranoá), com as estátuas de orixás. São depredadas constantemente e o GDF não se responsabiliza em restituí-las ”, cita. Na semana passada, ele encaminhou protesto contra o concurso dos bombeiros para o Ministério Público do Distrito Federal. O caso será apreciado pelo Núcleo de Enfrentamento ao Preconceito do órgão.
Pesquisa
O chefe da Comunicação do Corpo de Bombeiros, major Rogério dos Santos Soares, explica que as vagas foram abertas de acordo com as preferências religiosas dos 6,4 mil integrantes da corporação. “Fizemos um levantamento em que os oficiais e praças responderam anonimamente sobre religião. A maioria absoluta é de católicos e evangélicos”, conta. Para major Rogério, os préstimos de um líder espiritual são muito necessários aos bombeiros por conta da natureza do trabalho deles. “Corremos riscos, nos defrontamos com a morte todos os dias, por isso a necessidade de ter padres e pastores em nossos quadros.”
Na Academia do Corpo de Bombeiros, no Setor Policial Sul, há duas igrejas: uma católica, outra evangélica. Nas outras Forças Armadas — Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Militar, também há oficiais capelães que foram selecionados entre padres e pastores. Os dados do último censo revelam que as crenças da população brasiliense estão concentradas nestas duas correntes religiosas. Em 2000, 66% dos moradores da cidade se declararam católicos e 29%, evangélicos. Umbanda e candomblé são as religiões de 0,2% dos brasilienses.
Matéria: Érica Montenegro. Foto: Gustavo Moreno/Especial para o CB - 25/1/07. Publicado no site Correio Braziliense
Postado por LUIZ FERNANDO MARTINS DA SILVA às 17:31 0 comentários
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