sábado, 30 de maio de 2009

Nunca tive namorada negra

O preconceito molda a nossa capacidade de amar
Eu nunca tive uma namorada negra. Saí uma ou duas vezes com moças negras na universidade, tive um caso intenso e demorado com uma mulher negra há pouco tempo, mas nenhuma delas foi namorada, relação firme, gente se que incorpora à vida e se leva à casa da mãe. Por que razão? Um dos motivos é geográfico: desde a adolescência quase não há pessoas negras ao meu redor. Elas não estavam no colégio, não estavam na faculdade e não estão no trabalho, com raras e queridas exceções. É nesses ambientes - escola e emprego -- que se constroem relações duradouras de amor e amizade. O outro motivo é vergonhoso: racismo. Deve haver um pedaço de mim que acha mulher branca mais bacana que mulher negra, independente de beleza, inteligência ou caráter. Mesmo tendo ancestrais negros, cresci numa sociedade em que a cor, os traços e os cabelos africanos são tratados como defeito. É difícil livrar-se desse lixo. Ando pensando sobre essas coisas desde que tive uma discussão, dias atrás, com meu melhor amigo, sobre cotas raciais na universidade. Ele contra, eu a favor. Ele defende cotas econômicas, para jovens pobres oriundos das escolas públicas. Eu sinto que isso não é suficiente. Acredito que os negros têm sido sistematicamente prejudicados ao longo da história brasileira e fazem jus a políticas e tratamento preferenciais.
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Penso nas namoradas negras que eu não tive. Elas não estavam na boa escola pública de primeiro grau onde eu entrei depois de um exame de admissão. Também não estavam na escola federal onde fiz o colégio. Ali só se entrava depois de um vestibular duríssimo. Na Universidade de São Paulo, onde estudei jornalismo, só havia um colega negro, nenhuma garota que eu me lembre. Será que isso é apenas econômico? Duvido. Eu vim de uma família pobre e cheguei à universidade e à classe média. O mesmo fizeram minhas irmãs e meus amigos brancos. Os coleguinhas negros da infância - com poucas exceções -- não chegaram. Estavam em desvantagem. Tem algo aí no meio que é mais do que pobreza. É fácil para mim enxergar que a linha de corte na sociedade brasileira não é apenas de renda. Ela é de cor também. Essa linha está dentro de nós, dentro de mim. Somos racistas, embora mestiços. Por isso me espanta que as pessoas não se inclinem generosamente pela idéia de uma reparação aos sofrimentos infringidos aos negros - até como forma de purgar essa coisa ruim e preconceituosa que trazemos dentro de nós. Eu, que nunca tive uma namorada negra, gostaria que meus filhos vivessem num país melhor. Um país em que houvesse garotas e garotos negros na universidade pública, ao lado deles. Um país em que eles tivessem colegas de trabalho negros. Engenheiros. Médicos. Advogados. Jornalistas. Um país onde as pessoas pudessem se conhecer, se admirar e se amar sem a barreira do preconceito que ainda nos divide.
27/05/2009 - 18:33 - Atualizado em 29/05/2009 - 19:25

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Delegação chapa branca na revisão de Durban


A Conferência promovida pela ONU para revisar a Declaração de Durban, que termina nesta quinta-feira, em Genebra, na Suiça, não trará qualquer novidade em seu documento final, pelo menos para nós negros brasileiros – 49,7% da população do país, segundo o IBGE e todos os demais indicadores.

A ausência de novidades, aliás, começa pela delegação que nos representa. Não há - com a exceção dos professores Marcelo Paixão, da UFRJ, e da historiadora Wania Santana, especialista no tema DURBAN - nada de novo entre os seus membros, escolhidos por critérios esotéricos, pelo Governo Brasileiro e ONGs satélites do Estado e do Partido e sua base. São os mesmos que estão em todas as Conferências – uma espécie de delegação chapa branca – permanente que não está lá para representar ninguém nem coisa alguma, mas, apenas para fazer o papel simbólico a que é chamada pelo Estado.

O grave é que isso independe de Governos. A forma como o Estado – praticamente sistemático do racismo institucional – se utiliza dessas figuras, ocupantes permanentes com cadeiras cativas nos vários “puxadinhos”, sempre aptas a viagens internacionais onde, além, óbvio, do turismo (afinal, ninguém é de ferro), engordam seus currículos, muito úteis para empregos no Estado e consultorias, não muda. Eis aí, uma política de Estado consolidada para o trato da questão da desigualdade herdada de quase 400 anos de escravismo e cerca de 121 de racismo pós-abolição.

A forma como são escolhidos é o único mistério. Ninguém sabe. Não há nenhum critério visível à luz do dia. O que se intui é que, um belo dia, em face de compromissos que o Governo precisa assumir como integrante de organismos internacionais como a ONU, essas figuras – as mesmas e indefectíveis figuras, que agem mais como representantes de lobbies do que lideranças de movimento social – são chamadas de acordo com o grau maior ou menor de proximidade que sua entidade tenha ou não com o Governo, o partido hegemônico ou os partidos da base aliada. Para acrescentar alguma pitada de diversidade, acrescenta-se uma ou outra empresa de consultoria que se apresenta como “organização negra” e, pronto: estará montada a delegação negra.

No presente caso, o modelo chapa branca, entretanto, se superou. Depois de ocupar a Relatoria da Conferência de Durban, em 2.001, por meio de Edna Roland, atual Coordenadora da Igualdade Racial da Prefeitura de Guarulhos, na Grande S. Paulo, exatamente por ser o país com maior população negra do mundo fora da África, o Brasil, por meio do Itamaraty – o Ministério das Relações Exteriores – e a Seppir, escolheu para Relator da Conferência Mundial, o engenheiro eletrônico branco, senhor Iradj Roberto Eghari, representante da comunidade Bahá’í, no Brasil – uma seita religiosa – que representa cerca de 57 mil adeptos no país.

Nada contra Iradj, o novo relator, muito menos contra sua fé religiosa - a Comunidade Bahá’í. Com toda a certeza o Relator é pessoa detentora de méritos e de atributos. É também pessoa extremamente bem relacionada nos círculos de Brasília e alhures, inclusive por ser secretário executivo do Centro de Estudos de Direitos Humanos do Centro Universitário Euro-americano (Unieuro) – instituição privada de Brasília, que tem como um dos donos o empresário Mauro Fecury, que vem a ser nada menos que o suplente a assumir a vaga da ex-senadora e agora governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e que tem como reitor Luiz Curi, que vem a ser nada menos que marido de Emília Ribeiro, recém indicada por José Sarney (PMDB-AP), o poderoso presidente do Senado, para a diretora da Anatel.

O que chama atenção é o silêncio cúmplice da delegação chapa branca, diante de um flagrante caso em que um direito que pertence não aos ditos representantes – mas aos 49,3% de negros do país - é simplesmente ignorado, em nome, sabe-se lá de que considerações de política externa elocubradas pelo Itamaraty.

Não faltarão os que virão à público para dizer que nada puderam fazer, uma vez que a decisão pertence ao Itamaraty e, portanto, estava na esfera do Governo, que tem o direito, por óbvio, de mandar ou não mandar quem quiser a qualquer Conferência Internacional. Mas, a pergunta, que fica é: nesse caso porque, mesmo diante de uma decisão tão afrontosa, tão ilegítima, não deram meia volta, forçando o Estado a repensar suas escolhas.

A essa pergunta óbvia, evidentemente, não poderão responder e, por uma razão simples: é que a participação nessas delegações chapas brancas – onde o papel é exatamente esse, o de dizer amém, sim sinhô – além da fama efêmera, da visibilidade não menos passageira em fóruns internacionais, rende turismo custeado pelo Estado, engorda currículos e pontos para novos empregos na máquina pública e ou contratos de consultoria.

Eis a razão nua e crua, sem subterfúgios e meias palavras.

Não fosse assim, a delegação chapa branca que está em Genebra teria ao menos o cuidado de, em seus Estados, reunir seus pares para obter a indispensável procuração para que nos representassem. Ou ainda, na volta, comprometeria o Estado brasileiro, a promover encontros abertos para prestar contas de atos e ações e das conseqüências de sua participação em tais eventos, cuja pompa nos nomes e propósitos é inversamente proporcional às conseqüências práticas para os principais interessados.


São Paulo, 21/4/2009

Dojival Vieira
Jornalista Responsável
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