Casos de agressão e ameaça aumentam cada vez mais na cidade
Rio - A liberdade religiosa e o direito de seguir qualquer credo assegurados pela Constituição não saíram do papel para a professora de Sociologia e Geografia Márcia Alves Ramos, 55 anos. Ela vai deixar o prédio onde mora com o filho, no Humaitá, para se livrar das ameaças que a vizinhança lhe dirige. É a quarta vez que Márcia, filha-de-santo da Casa de Candomblé Yaô Oxum Femi do Idacilê Odé, se vê obrigada a fugir em nome de sua crença. Mas a mesma fé inabalável acredita na justiça dos homens para pôr um freio na intransigência e punir agressores.
Márcia é um exemplo do assustador crescimento da intolerância religiosa no Rio, que muitas vezes vira caso de polícia e choca a população, como o depredamento de um centro espírita no Catete por jovens evangélicos em fúria, no início de junho. Essa realidade, no entanto, começa a mudar.
Grande caminhada marcada para o dia 21 de setembro promete reunir representantes de diversos credos e uma delegacia especializada deverá ser criada para investigar esses crimes. Dezoito denominações fundaram a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, que tem o apoio de outras 100.
'Bruxa macumbeira'
Uma das ações foi a implantação, por parte do governo do estado, de uma ouvidoria para receber denúncias. Em pouco mais de um mês, já foram 150 queixas formais.
Emocionada, Márcia diz que não pretendia se mudar do endereço, onde reside há 9 anos. “Temo mais pela vida do meu filho”, justifica a professora. Ela conta que enfrenta deboches por andar de lenço e colares africanos.
No início do ano, quando teve de raspar a cabeça e usar túnica branca, cumprindo ritual de iniciação para se tornar filha-de-santo, os insultos aumentaram. “Uma jovem de 16 anos, apoiada por amigos, gritava: ‘Olha quem vem aí! A negra macumbeira e bruxa!’. Em julho, o pai dela também começou a me ameaçar. Tenho imagens de pretas velhas, fotos e roupas para preservar a cultura de meus ancestrais, mas nunca fiz culto na minha casa”, defende-se.
Caminhada prevê 50 mil no Leme
A Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, que mantém a ouvidoria, e a comissão apostam na caminhada de setembro, batizada de ‘Liberdade Religiosa! Eu tenho fé!’. “Esperamos receber novos relatos de conflitos e incitações ao ódio. Reuniremos 50 mil pessoas.
A passeata sairá do Leme, às 9h, e terminará no Posto 6”, diz Ivanir dos Santos, do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas. Segundo Ivanir, cada um dos cerca de 23 mil terreiros de Umbanda e Candomblé enviará representantes. Um site (www.eutenhofe.org.br) foi criado para orientar os interessados em participar.
Segundo a estudiosa Maria Dolores de Lima e Silva, do Centro de Tradições Afro-Brasileiras, o ato será em favor da cidadania. “Conflitos religiosos estão se tornando cada vez mais freqüentes e isso é muito perigoso. Vamos mostrar para a sociedade que é possível conviver em paz, embora cada um tenha o direito de exercer a crença que lhe convier. O importante é a fé individual e o respeito mútuo”, prega.
Rastreamento de sites com ódio religioso
Os ataques de fanáticos a templos, centros espíritas, igrejas e terreiros preocupam o chefe de Polícia Civil, Gilberto Ribeiro, que pediu ao delegado da Coordenadoria de Informação e Inteligência Policial (Cinpol), Henrique Pessoa, levantamento de casos de intolerância no Rio. Delegacia especializada para cuidar de casos de intolerância deve ser criada.
Henrique também está investigando mais de 30 sites que incitam o ódio religioso. “Alguns fazem questionários absurdos, criticando e discriminando religiões. Outros chegam a prometer curas milagrosas em troca de dinheiro”, comenta o delegado, explicando que as páginas serão retiradas do ar.
A deputada Beatriz Santos, da Comissão de Combate às Discriminações e Preconceitos da Alerj, recebe ao menos 10 denúncias mensais de intolerância religiosa. Há casos até de terreiros fechados por ordem do tráfico. “É um número alto. Tanto que criaremos conselhos em todos os municípios, a exemplo de São Gonçalo e Nova Iguaçu”, ressalta.
Fonte: O Dia, Caderno: Geral, p. 6 e 7. Dia: 24-08-2008
Jornalista: Francisco Édson Alves