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terça-feira, 8 de junho de 2010

É loucura boicotar a cultura israelense

É loucura boicotar a cultura israelense

Pode-se discordar das políticas de Israel; já condenar todos os cidadãos de um país pelas posições de seu governo é racismo

05 de junho de 2010 | 10h 38
    Umberto Eco*

Em janeiro de 2003, escrevi um artigo lamentando o fato de que The Translator, uma publicação acadêmica britânica, havia se juntado com outras publicações britânicas num boicote acadêmico de universidades israelenses em protesto pelas políticas do premiê israelense Ariel Sharon. Mona Baker, editora de The Translator, havia sido signatária da carta aberta anunciando o boicote. Pouco depois, ela convidou dois cientistas israelenses do conselho editorial da revista a renunciar. Os dois intelectuais em questão, dra. Miriam Schlesinger e dr. Gideon Toury, estavam em desacordo com as politicas de Sharon, mas isso não fez a menor diferença para Baker.

Reprodução
Reprodução
Cartaz propõe forçar mudança nas políticas de Israel por meio de boicote a suas instituições

Veja também:

link ENTREVISTA Antonio Donini - Voluntários do perigo

link DAVID GROSSMAN - Reflexos de marionete

Em minha crítica, eu observei duas coisas: primeiro, que é necessário fazer uma distinção entre as políticas do governo de um país (ou mesmo sua Constituição) e o fermento cultural em ação dentro dele. Segundo, assinalei implicitamente que considerar todos os cidadãos de um país responsáveis por políticas de seus governos era uma forma de racismo. Não há nenhuma diferença entre os que picham todos os israelenses dessa maneira e os que sustentam que, como alguns palestinos cometem atos de terrorismo, devíamos bombardear todos os palestinos.

Recentemente, em Turim, surgiu uma carta aberta sob a égide do ramo italiano da Campaign for the Academic and Cultural Boycott of Israel, uma rede de acadêmicos e organizações trabalhando para forçar uma mudança nas políticas de Israel com o boicote de instituições israelenses. Esse documento, cuja intenção é censurar o governo de Israel por suas políticas, inclui a seguinte declaração: "As universidades e os acadêmicos israelenses apoiaram e apoiam quase totalmente seu governo e, como tal, são cúmplices de suas políticas. As universidades israelenses são também os lugares onde alguns dos projetos de pesquisa mais importantes são realizados sobre novas armas baseadas em nanotecnologia e sistemas tecnológicos e psicológicos para controlar e oprimir a população civil".

Na carta, espécie de manifesto, esses acadêmicos pedem para as pessoas se absterem de tomar parte em qualquer cooperação acadêmica e cultural, incluindo colaborar com instituições israelenses. Eles sugerem também a suspensão de todas as formas de financiamento e subsídio.

Embora eu discorde completamente das políticas do governo israelense, é falso afirmar, como os defensores italianos do boicote fazem em sua carta, que universidades e acadêmicos israelenses apoiam "quase totalmente" o governo de seu país. Muitos intelectuais israelenses continuam combatendo com firmeza as políticas de seu governo. Por exemplo, a European Jewish Call for Reason (ou JCall) produziu recentemente uma petição contra a expansão dos assentamentos israelenses, assinada por um grande número de destacados intelectuais judeus europeus. Ela causou uma agitação enorme, mostrando que o debate continua tanto dentro como fora de Israel.

De mais a mais, isso é ilógico. Por que o boicote deveria ser tão abrangente? Deveríamos proibir filósofos chineses de participarem de conferências filosóficas porque Pequim censurou o Google? Se físicos em universidades de Teerã ou Pyongyang estivessem colaborando ativamente na construção de armas atômicas para seus países, seria compreensível que seus pares acadêmicos em Roma ou Oxford pudessem preferir romper todas as relações institucionais com eles. Mas não vejo por que eles deveriam romper relações com acadêmicos trabalhando em campos não afins: perderíamos todo o diálogo sobre a história da arte coreana ou da literatura persa antiga.

O filósofo Gianni Vattimo, meu amigo, está entre os que apoiam essa convocação ao boicote. Ora, vamos considerar, a título de raciocínio, uma hipótese, para ver se chegamos a acordo. Suponhamos que circulem, em certos países estrangeiros, rumores de que a administração Berlusconi na Itália está tentando solapar o sagrado princípio democrático da separação de poderes deslegitimando o Judiciário - e está fazendo isso com o apoio de um partido político xenófobo e racista. Será que agradaria a Vattimo, ele próprio um crítico do governo italiano, se universidades americanas protestassem contra as políticas na Itália não o convidando mais para atuar como professor visitante, ou se comitês especiais tomassem medidas para retirar todas as suas publicações de bibliotecas americanas? Acho que ele gritaria "injustiça" e veria tais ações como o equivalente a responsabilizar todos os judeus por deicídio porque o Sinédrio estava de mau-humor na Sexta-Feira Santa.

Ninguém concordaria que todos os romenos são estupradores, todos os padres, pedófilos e todos os estudiosos de Heidegger, nazistas. Da mesma forma, nenhuma posição política contra um governo deveria condenar toda uma raça ou cultura. Esse princípio é particularmente importante no mundo literário, em que a solidariedade global entre cientistas, artistas e escritores sempre foi uma maneira de defender os direitos humanos além-fronteiras.

TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

* UMBERTO ECO, ACADÊMICO ITALIANO, É AUTOR DOS BEST-SELLERSBAUDOLINO, O NOME DA ROSA E O PÊNDULO DE FOUCAULT, ENTRE OUTROS. SEU LIVRO MAIS RECENTE É HISTÓRIA DA FEIURA


http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,e-loucura-boicotar-a-cultura-israelense,561964,0.htm


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

PAMBAZUKA NEWS 24: O JOGO DAS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL E O EMBATE COM A BRANQUITUDE



O reconhecido semanário eletrônico e plataforma para justiça social em África

Pambazuka News (Edição Português): ISSN 1757-6504

Pambazuka News é o reconhecido semanário eletrônico e plataforma para justiça social em África com comentários afiados e profundas análises sobre política e assuntos contemporâneos, desenvolvimento, direitos humanos, refugiados, questões de gênero e cultura em África.

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Destaques desta edição
EDITORIAL
- O jogo das relações raciais no Brasil e o embate com a branquitude

ARTIGOS PRINCIPAIS
– Ações afirmativas no Brasil
- Representações Sociais e Racismo no Brasil
- Racismo e Desigualdade na ordem do dia
-É possível tornar positiva a nossa identidade, quando somos o Outro fragmentado?

COMENTÁRIOS E ANÁLISES
- O marketing do racialismo explícito
- Consciência Negra ainda que tardia
- Somente a verdade
- Brasil, um país de todos? Implicações jurídicas da falácia da democracia racial

SUMÁRIO DA EDIÇÃO INGLÊS
- Pambazuka News 457: Zimbábue: o jogo terrível de Tsvangirai

SUMÁRIO DA EDIÇÃO FRANCÊS
- Pambazuka News 123: As pistas falsas da revolução verde em África

LIVROS & ARTE
- Angola: Luanda acolhe a 10ª Edição do BAI Arte

OBSERVATÓRIO DE FORÇAS EMERGENTES EM ÁFRICA
- Brasil: Embrapa amplia número de novos projetos na África

MULHERES & GÊNERO
- República Democrática do Congo: RD Congo alberga edição de 2010 da Marcha Mundial de Mulheres

ELEIÇÕES E GOVERNABILIDADE
- Moçambique: Eleições em Moçambique: fim da bipolarização?

CORRUPÇÃO
- Angola: Duas ou três coisas sobre o “Angolagate”
- Moçambique: Amnistia Internacional denuncia vários casos de impunidade da polícia

DESENVOLVIMENTO
- Tunísia: BAD lança fundo de apoio a diásporas africanas

SAÚDE & HIV e AIDS/SIDA
- Cabo Verde: Comunidade internacional juntou-se ao combate à epidemia de dengue

EDUCAÇÃO
- Brasil: Justiça do Rio mantém sistema de cotas nas universidades

RACISMO E XENOFOBIA
- Brasil: Conferência defende cota para negros na TV
- Brasil: Vilma Reis fala em CPI da Câmara
- Brasil: ONU lança campanha contra estigma e preconceito no país

MÍDIA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO
-Zambia: Jornalista do Zâmbia é inocentada de acusação de pornografia

NOTÍCIAS DA DIÁSPORA
- Brasil: Exposição fotográfica resgata raízes quilombolas em Minas Gerais
- Brasil: Rio de Janeiro antecipa comemorações do Dia da Consciência Negra
- Brasil: Ação afirmativa - curso treina para concursos públicos

CONFLITOS E EMERGÊNCIAS
- Nigéria: Exército nigeriano refuta acusações de rebeldes


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1 Editorial
O JOGO DAS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL E O EMBATE COM A BRANQUITUDE
Alyxandra Gomes Nunes
A diáspora é considerada por intelectuais, acadêmicos e ativistas africanos como a sexta região da África, e sendo o Brasil o país fora do continente com o maior número de população afro-descendente, esta edição do Pambazuka News vem a lume com o objetivo de levar aos nossos leitores alguns pontos de vista por trás das lutas dos direitos dos negros no Brasil, principalmente no que tange as implementações de ações afirmativas em diversas instâncias governamentais e da sociedade civil, em especial no campo da educação superior.

“A reemergência dos movimentos negros a partir de metade dos anos 1970 fez com que o combate do racimo se transformasse em questão nacional. Principalmente na última década, podemos citar várias ações afirmativas no âmbito do governo voltadas para a população negra como a criação do sistema de cotas nas universidades brasileiras e da fundação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), que promoveu o surgimento de órgãos estaduais, como a Sepromi, e também municipais.” Luiza Bairros.

No Brasil, o mês de novembro foi determinado por organizações negras como o mês da consciência negra, e o dia 20, dia de morte de Zumbi dos Palmares - líder negro do Quilombo dos Palmares, em Alagoas, um emblema da luta por uma república democrática de fato para todos – é o dia da consciência negra, consequentemente muitos eventos acontecem de norte a sul, leste a oeste do país. Esse mês foi escolhido por organizações negras que combatem ao racismo e a exclusão racial no Brasil para apresentar um contraponto à narrativas tradicionais que exultam o papel das elites brancas do Brasil colônia como os libertadores do povo negro escravizado.

O mito da democracia racial tem servido a função histórica de mascarar uma série de desigualdades que afetam desproporcionalmente a população negra brasileira, além de criar muros invisíveis que dificultam o enfrentamento diário ao racismo e barreiras que atingem desde a criança no útero de sua mãe negra (que frequentemente não tem acesso a tratamento de saúde adequado), passando por preconceitos que se manifestam no quotidiano escolar, em inúmeras circunstâncias nas quais discutir ou ensinar sobre religiões de matriz africana, como o Candomblé, ainda significa falar de diabo, consequentemente o embate com pentecostalistas se instaura. Os obstáculos também se manifestam também na negação de acesso ao emprego ou ao conhecimento da História da África e do negro nos conteúdos curriculares de todos o níveis. Apenas muito recentemente, em 2003, foi instituída a obrigatoriedade do ensino de estudos africanos, com a lei 10.639/03, em toda estrutura educacional nacional.

Não obstante, um movimento tem acontecido recentemente no campo dos diferentes movimentos negros: o conceito de solidariedade negra - que tem suas raízes plantadas na tradição de resistência negra que marca a história de africanos e seus descendentes desde os primórdios do tráfico transatlântico - tem sido instrumental na orientação de projetos educacionais de iniciativa popular e pesquisas acadêmicas.

Um movimento nacional de educadores têm investido seu tempo e trabalho para criar mecanismos para o acesso e permanência de mais jovens negros e negras na universidade. Organizações negras também gerenciam cursos preparatórios para os exames de acesso a universidades públicas voltados para negros e carentes no Brasil, um reflexo da amplitude do comprometimento dessas organizações em forjar novos espaços para uma coletividade negra que ainda sofre os pesados efeitos de séculos de escravização.

O estabelecimento de instituições como o projeto educacional da Cooperativa Steve Biko em Salvador, da organização Educafro sediada em São Paulo, da escola do Ilê Ayê, da escola criativa do Olodum, dos projetos de extensão do Ceafro, dos pré-vestibulares populares no Rio de Janeiro, dos grupos de capoeira pelo país, ou mesmo recentemente, as articulações e projetos desenvolvidos pela Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), do Feconezu em Campinas, Gelédés, Crioula, dentre tantos outros, são manifestações contemporâneas do legado da solidariedade negra que busca responder às aspirações de um setor historicamente negligenciado da população brasileira, e que permanece alijado do projeto de nação brasileira.

Finalmente, a demanda por ações afirmativas no Brasil cresceu na última década, o que tornou possível a implementação em nível federal de ações que favoreçam a entrada de um número mais expressivo de afro-descendentes em instituições ainda dominadas pela elite branca nacional: instituições federais de ensino superior e o ministério das relações exteriores no campo da diplomacia, por exemplo. Porém, várias dessa iniciativas estão sendo ameaçadas em função da reação adversa das elites brancas que se posicionam veemente contra leis que busquem sanar desigualdades raciais, sob a alegação de que tais leis são inconstitucionais e inadequadas para a realidade brasileira.

“O racismo é um fenômeno elástico. Na medida em que são conseguidas conquistas de um lado, ele se modifica e apresenta novas formas de se manifestar. Os negros são maioria no país e empoderá-los pode significar uma inversão grande de distribuição do poder, hoje exercido pelos brancos. E ninguém abre mão do poder de graça. Setores conservadores da sociedade batalham para que isso não aconteça. Por isso afirmo que o racismo é uma questão de poder.” Luiza Bairros

Nosso desejo com este número especial é que os leitores o Pambazuka News, tanto brasileiros quanto estrangeiros, entrem na roda dos debates sobre relações raciais no Brasil, exclusão racial, opressão no Brasil, e o enfrentamento deste setor da população contra os privilégios da branquitude.

Uma vez que os discursos tradicionais insistem em negar a existência do racismo e do preconceito racial no Brasil, essas questões precisam ser denunciadas e debatidas, assim também como pesquisadas e divulgadas, pois organizações governamentais têm buscado uma aproximação com a África, mas não tem buscado de fato uma aproximação com os dilemas raciais internos.

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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Ativistas consideram "modesta" decisão de Obama de aumentar direitos de gays

18/06/2009 - 15h59


da Efe, em Washington
A decisão tomada pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de estender alguns dos direitos de casais heterossexuais para homossexuais foi considerada pelo comunidade gay um passo "modesto" e que "é pouco", comparado com suas promessas eleitorais.
As organizações que defendem os direitos da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e transgênero (LGBT) não esconderam nesta quinta-feira seu descontentamento com a medida de Obama, que foi vista como um gesto simbólico para um grupo da sociedade que deu forte apoio ao presidente nas eleições e pediram que seus direitos fossem realmente igualados aos dos heterossexuais.
Um total de 70% da comunidade homossexual apoiou Obama nas eleições presidenciais de 2008, segundo a CNN.
Os ativistas gays reconhecem que a medida de Obama é um passo na direção adequada, mas insistiram que não se compara com a promessa eleitoral do democrata de "lutar duramente" pelos direitos e o reconhecimento da comunidade LGBT.
O grupo Lambda Legal qualificou como "pequena" a quantidade de benefícios federais que foi estendida aos homossexuais.
"Apesar do passo modesto na direção adequada, [...] as novas ações são pequenas e não tratam os empregados homossexuais com igualdade", afirmou o grupo, em comunicado.
A lei aprovada por Obama na quarta-feira, que será aplicada a funcionários civis e do serviço exterior, dá folga a funcionários gays, caso seu filho ou parceiro adoeça. Além disso, os casais receberão ajuda-moradia se um dos dois for enviado ao exterior a trabalho.
No entanto, a ordem não estende os benefícios sanitários totalmente, nem dá acesso ao sistema de previdência.
O governo emprega cerca de dois milhões de civis e calcula-se que aproximadamente 10% da força de trabalho é homossexual.
Os ativistas gays também demonstraram descontentamento pelo longo tempo que Obama levou para abordar as exigências da comunidade LGBT e pela falta de medidas para os militares gays.
O mal-estar também foi causado pelo fato de que governo ainda não tomou nenhuma medida para anular a Lei do Casamento, de 1996.
Esta lei nega benefícios federais a casais do mesmo sexo e permite os estados a não reconhecerem casamentos de homossexuais de outros estados.
Outra lei rejeitada pela comunidade homossexual é a batizada "Não pergunte, não diga", de 1993, que proíbe os militares de demonstrarem seu homossexualismo e os comandantes de investigarem a orientação sexual de seus subordinados.
"Estamos muito frustrados e gostaríamos que o presidente atuasse mais rápido para proteger nossa comunidade e trabalhar a favor da igualdade", disse Leslie Gabel-Brett, do grupo Lambda, ao jornal "Washington Post".
"Há um enorme quantidade de coisas pendentes", afirmou Joe Solmonese, presidente do Human Rights Campaign, que, no entanto, qualificou a medida de Obama como "um primeiro passo importante" para conquistar um reconhecimento igualitário "real e tangível".
O presidente admitiu, na quarta-feira, que ainda tem muito a fazer sobre o tema.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

NOTAS SOBRE O RACISMO À BRASILEIRA

Racismo à Brasileira - Roberto da Matta

Afrobrasileiros e suas Lutas


Anais do Seminário Internacional
"MULRTICULTURALISMO E RACISMO: O PAPEL DA AÇAO AFIRMATIVA NOS
ESTADOS DEMOCRATICOS COMTEMPORANEOS"

Por Roberto Da Matta

NOTAS SOBRE O RACISMO À BRASILEIRA


Esta minha intervenção tem dois aspectos ou dimensões. De um lado, quero falar de fatos sociais concretos - alguns,aliás ,bem conhecidos do nosso racismo-, como sua manifestação implícita, disfarçada e de difícil discussão, como se, entre nós, brasileiros, falar de racismo fosse um tabu, de acordo com aquela tendência que Florestan Fernandes chamou, com propriedade,"o preconceito de ter preconceito". De outro, quero me concentrar nas inter-relações dos fatos sociais com os ideais políticos, alvo que - se bem entendo - move este encontro e tem suas dificuldade específicas, sobretudo quando se trata de um tema tão dramático quanto pungente, quando a justa vontade de erradicar o preconceito certamente embaça a discussão de suas características históricas e de sua organização sociológica ou cultural.

Para tanto,quero começar relembrando um episódio de diz respeito ao assunto .
Em 1968, quando estava em Cambridge , Massachusetts, realizando , na Universidade de Harvard, meu doutorado em antropologia social, fiquei sabendo da visita de um grupo de estudantes brasileiros. Eram lideres estudantis, convidados pelo Departamento de Estado do Governo dos Estados Unidos, que realizavam um programa de visitas a centros culturais norte-americanos e , em Harvard, participavam de seminários e debates.

Carente de noticias do país e de contato com compatriotas - aquela época, é bom lembrar, não havia e-mail,nem fax,nem sedex, os estudantes não podiam viajar tanto quanto hoje - , fui ao local da reunião.

Lá, em um vasto salão harvardiano , dois negros americanos, se não me engano, ambos políticos locais e ligados ao chamado Movimento Negro que estava surgindo, disseram dissertavam sobre suas experiências aos jovens lideres estudantis brasileiros. Lembro-me bem de que o objetivo dos políticos americanos era compartilhar, a partir da grande experiência liberal americana1 ,as conquistas dos negros em relação ao establishment branco, mudando legislações e provocando, por meio de um ativismo pacifico, democrático e consistente, a integração política e judiciária dos Estados Unidos como nação e, no limite da esperança , como sociedade.

Ao término do discurso dos americanos, os estudantes brasileiros iniciaram uma série de perguntas-comentários provocadoras e um tanto impertinentes. Diziam, por exemplo, que as mudanças políticas mencionadas não eram efetivamente transformações de estrutura, que continuava fundada no mercado. Alegavam que a modificação aparente do quadro dos direitos das minorias não mudava o cerne do problema : a estrutura do capitalismo fundada na exploração do trabalho, continuava em vigor. Insinuavam, como era comum naquela década, que, para mudar as relações raciais, seria necessário primeiro modificar todo o "sistema"por meio de uma revolução .

Depois de cerca de trinta minutos de impasse ideológico, um dos palestrantes negros resolveu endurecer e disse mais ou menos o seguinte, olhando durante sua platéia de brasileiros:

Curioso que vocês cobrem tanto do nosso sistema. O fato é que estamos trabalhando com o que podemos para mudar as relações raciais por aqui. Vocês, que se dizem uma democracia racial, são muito piores, em termos práticos. Pois vejam só: no meio de mais ou menos oitenta estudantes brasileiros, eu vejo apenas sete ou oito negros. A grande maioria é branca. Onde está a tal "democracia racial" de vocês ?.Após a reunião, fui me encontrar com o grupo e logo descobri a perturbação dos brasileiros diante do seguinte problema: quem era o negro que os americanos haviam descoberto entre eles? Pois, como me disse um dos estudantes, com exceção de uma ou duas pessoas, não havia preto "entre eles"...
Essa historia tem o mérito de revelar o coração do problema, pois situa com dramaticidade um fato social básico: como as sociedades classificam suas eventuais variedades étnicas .

Pois, se falamos de relações raciais de uma perspectiva sociológica, é preciso distinguir de saída a miscigenação como fato empírico, isto é, como o resultado biológico do encontro sexual de brancos, negros e índios - para ficar na trilogia clássica da fábula racial brasileira -, do modo pelo qual cada sociedade trabalha esse resultado, reconhecido-o ou não como em fato social concreto. Como não há sistema valor, moralidade, mitologia ou sistema de classificação que seja "natural" ou mais próximo de uma natureza humana, pois todos são arbitrários, existe uma variedade intrigante nos modos de lidar com os mestiços.O que chama a atenção quando se compara a existência classificatória americana com a brasileira, é o fato de que, embora existam "mulatos" ou "mestiços", tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, na sociedade brasileira esses mestiços tem um reconhecimento cultural e ideológico explicito, quanto que, no caso americano, eles se submergem como "brancos" ou como "negros ". O resultado é que o sistema americano persegue a distinção e a compartimentalização dos tipos étnicos em grupos autocontidos,contrastantes, autônomos e socialmente coerentes, isto é, sem mistura. Lá o sistema tem repulsa pela ambigüidade, pelo mais ou menos e pelo meio-termo. Assim, ou se é "branco" ou se é "negro", "hispânico" , "judeu","italiano" ou "irlandês" etc. Já no Brasil, o sistema de classificação privilegia o meio-termo e a ambigüidade como valor, tendendo, em princípio, a funcionar com base na hierarquia e no gradualismo.

Dadas essas "escolhas" histórico-sociais, há exclusão , no caso dos Estados Unidos, exclusão que se exprime no princípio do "diferentes, mais iguais"; enquanto que , no Brasil, o sistema inclui hierarquiza de modo complementar, de acordo com o princípio do desigual ,mais justo". Com isso, o sistema brasileiro estabelece que, entre brancos e negros, há uma gradação complexa e mais: que todas as etnias de fato se complementam para a formação do "povo brasileiro", pois o que falta em uma, existe de sobra na outra, conforme tentei revelar alhures, em um ensaio no qual tento elucidar a nossa "fabula de três raças".2

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1.Neste contexto, vale acentuar que considero importante a distinção entre nação - ou Estado-Nacional - e sociedade como duas distintas e até mesmo contraditórias de coletividade. De modo breve, a nação é uma coletividade fundada na idéia de soberania, de territorialidade e de leis explícitas. Sua unidade especial básica é o indivíduo - o cidadão -, que nela é dotado de autonomia, liberdade, igualdade política e jurídica e responsabilidade. Já a sociedade dispensa o território, tem leis implícitas - geralmente conceituadas como mandamentos, tabus, pecados ou normas normais indiscutíveis e dadas pelos deuses e heróis civilizadores - e sua unidade fundamental é a família, o clã, a aldeia ou um elo social. Uma sociedade pode estar em guerra com sua nação, como parece fazer prova, hoje, o caso de Uganda e Burundi. Normalmente, nação e sociedade estão em conflito, pois os ideais nacionais nem sempre são realizados pela sociedade nas suas práticas. Nesse sentido, o caso do Brasil é interessante, porque fomos uma nação que adotou princípios igualitários, mas tínhamos uma sociedade hierarquizada, constituída que era por nobres, cidadão livres e escravos. Para maiores considerações sobre esse ponto, veja -se Da Matta, Conto de mentirosos: Sete ensaios de antropologia brasileira, Rio de Janeiro, Rocco, 1993.

2.Cf . Roberto Da Matta, Relativizando: Uma introdução à antropologia social, Rio de Janeiro,Rocco.

Um dos mais lúcidos estudiosos de sistemas raciais, o sociólogo Oracy Nogueira, fala de um contraste entre um "preconceito de marca", típico do Brasil, e de um "preconceito de origem", vigente nos Estados Unidos. Outros, como o historiador social norte-americano Carl Degler , elaborara a distinção explicitando historicamente o "mulato" como uma válvula de escape; ou, em termos de minha interpretação, afirmando que, no caso brasileiro, o mulato era um lugar social reconhecido e marcado e não algo vazio de sentido como acontece nos Estados Unidos.

O problema básico porém - problema sem o qual a questão racial não pode ser entendida --, jaz no estilo cultural por meio do qual as duas sociedades elaboram, constroem e lidam com as suas diferenças. Desse modo não se nega a presença de "mestiços", nem nos Estados Unidos, nem na África do Sul. Tampouco se nega a presença de iniqüidade no caso brasileiro, que foi e tem sido igualmente injusto e violento para com os "diferentes ", sobre tudo os negros. Mas se salienta que a mestiçagem é percebida de modo diverso nessas sociedades. E mais: que compreender o modo pelo qual cada sistema ordena suas percepções sociais é um fato social fundamental para construção de medidas orientadas para a implementação de mais oportunidade e mais igualdade para todas as minorias.

No caso do Brasil, a idéia de hierarquia tem duas características:

1. Ela atua por meio de uma lógica complementar que, embora limite a ascensão dos "diferentes", não os dispensa como tal. Ou seja : a complementaridade se exprime em uma ideologia segundo a qual negros, brancos e índios formam um triângulo racial e se complementam. Assim, não há Brasil sem negros índios ou brancos. Quer dizer, se o sistema admite que o branco é o elemento superior, essa superioridade não é simples nem linear, como no caso americano. Pois, no caso brasileiro, admite-se também que o branco não é superior em tudo. Na ideologia racial brasileira, brancos, negros e índios são desiguais, mais complementares.

Curioso acentuar que a fábula exclua outras etnias, como se os libaneses, os japoneses, os italianos, entre outros, que, do ponto de vista de uma "historia empírica"do Brasil, também contribuíram para a formação da nossa sociedade, não existissem socialmente.
Com isso, o negro complementa o branco e vice- versa, havendo entre eles um elo ideologicamente reconhecido: uma relação fundada no controle e na exploração,mas também na ideologia compensatória de que o negro possui qualidades ausentes dos brancos e no fato de que um é necessário para o outro. Não é por acaso que a grande região popular brasileira, a Umbanda, integre no seu panteão como figuras poderosas, personagens como os Pretos Velhos, os Zé Pelintras e os caboclos, respectivamente negros e índios.

2. Esse estilo de relacionamento racial fundado na inclusão promove o reconhecimento da graduação, o que origina um cálculo complexo da determinação étnica do Brasil. Provavelmente pelos fatos de que a experiência com o escravo foi universal, permeando todos os grupos sociais; que os negros formavam uma quase maioria da população, gerando uma inevitável consciência de que todos se ligavam pela cor da pele e de que saíamos gradualmente do regime de trabalho escravo, transformando o escravo em cliente e em sub-cidadão, o racismo à brasileira tende a se manifestar de modo implícito, dando ou tirando negritude ou indianidade ou estrangeirice de qual quer pessoa.

Em uma palavra, tara-se, como já indicativa Oracy Nogueira, de um sistema de preconceito no qual o contexto é determinante. Assim, se fulano deixa de atuar de acordo com esse código implícito, ele poderá ser "enegrecido" ou "acaboclado". Desse modo, um pessoa pode ser alvo de muitas classificações raciais, que gera uma notável insegurança classificatória, insegurança que, ao lado da importância da casa como entidade social básica, engendrou uma enorme intimidade entre grupos etnicamente diversos.

Tudo isso, provavelmente, inibiu a segregação espacial dos grupos sociais por meio do critério racial ou da origem nacional, como é o caso dos Estados Unidos. Houve também a inibição da implementação da ideologia racial no plano legal. E, ainda, a criação de grupo de militância anti-negros, anti-judeus, anti-italianos, anti-hispânicos, etc. - grupos que se fundaram no ódio racial implementado como um estilo freqüente de lidar com as diferenças, como é o caso da Ku-Klux-Klan, no Estados Unidos.

Assim, embora exista preconceito no Brasil, não existe entre nós um sistema de segregação ou de separação racial implementada e legitimado por leis escritas. A demais, o sistema, coerentemente, gerou uma ideologia de mistura e ambigüidade - na figura da mulata e do mulato, por exemplo, e nas regiões populares, que se constituem em um elemento integrador de todo sistema, valorizando mais a confissão humana - sofrimento, culpa, pecado, caridade, amor, etc. - como explicadores da situação social de cada um mais do que a própria raça, como ocorre nos Estados Unidos.

A mim, parece-me complicado equacionar os dois sistemas, ignorando suas diferenças básicas: o fato de que, nos Estados Unidos, há uma precisão classificatória que é coerente com a orientação geral do sistema; e que, no Brasil, há o reconhecimento social e simbólico do intermediário, que gera uma alta indeterminação étnica. Vale acrescentar, ademais, que cada um desses sistemas tem suas vantagens e desvantagens, e cada qual deve encontrar " saídas" diferenciadas para o estabelecimento de uma maior igualdade de oportunidade para seus membros. No caso americano, deve estar precavido contra o sectarismo; no brasileiro, contra uma acomodação que, propositadamente, troca reconhecimento da mestiçagem como ausência de preconceito e, no limite da segregação de oportunidades.

Será, pois, a partir desses constatações que se deve discutir o sistema racial brasileiro. Um sistema, repito, que tanto se funda na paradoxal dificuldade de classificar negros e brancos, quando se estrutura no fato de que cada categoria racial conhece o seu lugar em uma hierarquia.Legislar positivamente para tal sistema demanda apanhar a sua inteligência sociológica.
Seria tudo isso um empecilho à ação afirmativa, à democracia ou à igualdade de oportunidades ? Claro que não! Mas seria preciso levar em conta o seguinte :

1. Que ação afirmativa seja concebida a partir do sistema e considere a origem e o fato de que o nosso sistema é gradativo e, mais que isso,contextual e relativamente eletivo.Pessoas ficam "brancas" ou "negras" de acordo com suas atitudes, sucesso e, sobretudo, relacionamentos.

2. Que se deve ter em conta as dificuldades do programa de "ação afirmativa" dentro da realidade americana como, aliais, alguns dos participantes do seminário chamaram a atenção. Do mesmo modo que a "mulataria" não acabou com o nosso preconceito, a "ação afirmativa" também não liquidou o lado negativo das relações raciais nos Estados Unidos. Ao contrário, ela a tem reforçado, embora tenha provocado maior participação de negros em certas instituições e ambientes daquela sociedade.

3. Finalmente, cabe considerar se mudar a lei seria realmente o ponto mais importante, sobretudo em um país onde as leis mudam com mais facilidade que práticas sociais.
Nesse sentido, caberia perguntar se, ao lado dessa discussão jurídica,não se deveria aprofundar o seguinte:

1 .Realizar uma campanha nacional, utilizando sobretudo a televisão, na qual os brasileiros se vissem confrontados com os seus mecanismos implícitos de exclusão racial.Nesse tipo de campanha, valeria a pena valorizar figuras de negros historicamente importantes, ressaltando o lado étnico e, também, denunciando as mil formas de hipocrisia pelas quais a discriminação se exerce no Brasil.

2. Ressaltar o fato de que a idéia de que temos uma "democracia racial" é algo respeitável. Quanto mais ou seja, porque, apesar do nosso tenebroso passando escravocrata, saímos do escravismo com um sistema de preconceito, é certo, mas sem as famosas " Leis Jim Crow " americanas, que implementavam e, pior que isso, legitimavam o racismo, por meio da segregação no campo legal.

Não se trata - convém enfatizar para evitar mal entendidos - de utilizar a expressão no seu sentido mistificador, mas de resgatá-la como um patrimônio que seja capaz de fazer com que o Brasil - nação, honrando com seu comprometimento igualitário, possa resgatar a sua imensa divida com esses negros que tiveram o mais passado fardo na construção do Brasil - sociedade.



http://www.geledes.org.br/afrobrasileiros-e-suas-lutas/racismo-a-brasileira-roberto-da-matta


segunda-feira, 6 de julho de 2009

Sambar com fé

Campinas, 15 a 21 de junho de 2009 – ANO XXIII – Nº 432
MANUEL ALVES FILHO
O samba, quem diria, constitui um importante eixo simbólico que promove a conexão entre dois espaços aparentemente opostos e contraditórios: as escolas de samba e as igrejas evangélicas. A constatação foi feita pela antropóloga Kelly Adriano de Oliveira, que acaba de defender a tese de doutorado “Deslocamentos entre o samba e a fé – Um olhar para gênero, raça, cor, corpo e religiosidade na produção de diferenças”. O trabalho, apresentado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, investigou a maneira como rainhas, musas, madrinhas e princesas de bateria de escolas de samba percebem e discutem as questões relativas ao estereótipo da mulata, normalmente associado à sexualidade, sensualidade e sedução. “A questão da religiosidade, que não estava prevista num primeiro momento, acabou surgindo como um elemento que permeia de alguma forma todos esses temas”, afirma a pesquisadora, que foi orientada pela professora Mariza Corrêa.
A associação entre samba e fé não é algo exatamente novo no cenário brasileiro, como lembra Kelly. Ritmo historicamente relacionado às tradições negras, o samba frequentemente faz referências e tem conexões históricas com manifestações e símbolos religiosos, notadamente os relacionados aos cultos de matriz africana. Ao entrevistar mulheres que desfilam em escolas de samba de São Paulo, para saber como elas trabalham com a constituição de suas subjetividades, identidades e diferenças, a antropóloga apurou que parte delas frequenta igrejas evangélicas, principalmente as de vertente neopentecostal. As mais citadas foram Renascer em Cristo, Bola de Neve e da Graça Mundial “Foi uma surpresa estimulante para mim, uma vez que esses dois ‘mundos’ são, pelo senso comum, excludentes entre si”, revela.
Ao transitarem por esses espaços, diz a pesquisadora, as sambistas conseguem superar duas aparentes incoerências. A primeira diz respeito ao discurso comumente usado por igrejas neopentecostais no sentido de deslegitimar as manifestações religiosas afro-brasileiras. A segunda reside no fato de essas mesmas igrejas terem uma visão de corpo e corporeidade extremamente conservadora. “Para elas, o sexo e, principalmente o corpo feminino, está relacionado exclusivamente à reprodução, o que acaba por estabelecer uma ruptura com o prazer”, explica. Mas como, afinal, essas mulheres conseguem promover a conciliação de aspectos tão díspares? Conforme Kelly, a combinação é possível porque essas igrejas neopentecostais se apropriam de alguns elementos da cultura popular, para reelaborá-la com o objetivo de atrair e manter novos fiéis.
Desse modo, a ida às escolas de samba é, por assim dizer, permitida e purificada. “De acordo com o depoimento dessas mulheres, ao frequentarem a igreja elas passam a ter o corpo e a alma blindados. Dito de outra maneira, é como se os corpos ficassem protegidos do olhar vulgarizante normalmente destinado a elas, por conta dos estereótipos associados à mulata”. Tal expurgo, acrescenta a autora da tese, também faz referência ao ambiente das quadras ou dos desfiles, onde normalmente há referências simbólicas aos santos das igrejas católicas e aos orixás do candomblé. “Por acreditarem que têm o corpo e a alma protegidos, portanto entregues a Cristo, as sambistas dizem não se importar com o local onde estão, visto que sua fé não pode ser abalada. Elas fazem uma clara separação entre religião e cultura, assim como há quem faça entre religião e ciência”.
Nas entrevistas que realizou com as madrinhas, musas, rainhas e princesas de bateria, Kelly constatou que elas não manifestam publicamente, no espaço do samba, a sua religiosidade. Nem por isso, porém, deixam de tentar converter outros frequentadores. Nesse caso, a abordagem é feita de forma individualizada e sutil. Segundo a antropóloga, as sambistas não negam a sua sensualidade, mas optam por usar roupas mais comportadas que as das colegas que não são evangélicas. Também preferem os tênis às sandálias de salto alto, durante os ensaios, tudo em nome da não-vulgarização da própria imagem. Um aspecto interessante levantado pela pesquisa é que, no mundo da religião, as “sambistas de Cristo” também procuram se diferenciar daquelas que são “apenas evangélicas”.
Para marcar essa distinção, elas se apropriam e reelaboram elementos dos espaços de samba e das culturas afro. “Um aspecto que chama a atenção é o penteado. Normalmente, essas mulheres usam tranças ou cabelo ao estilo black power, enquanto as que não vivenciam as mesmas experiências religiosas delas optam por cabelos alongados, por técnicas de relaxamento, ou por cabelos lisos, obtidos com o recurso do alisamento”. Nesse sentido, prossegue Kelly, as “sambistas de Cristo” se posicionam como protagonistas de suas próprias histórias. “Elas mostram um manejo na forma de lidar com as situações de diferença. Não se posicionam como vítimas dessas situações em nenhum ambiente que frequentam”, afirma a pesquisadora.
Salmo 150Mais do que permitir que seus fiéis frequentem o espaço do samba, as igrejas evangélicas neopentecostais lançam mão do gênero musical em suas estratégias evangelizadoras. Um exemplo disso é a Igreja Renascer em Cristo, que promove anualmente pelas ruas de São Paulo, no dia de Corpus Christi, a Marcha para Jesus. No ano passado, conforme os organizadores, cerca de 5 milhões de pessoas teriam participado do evento. Nessas ocasiões, a Renascer vale-se da música e da dança para louvar a Cristo.
Além de trios elétricos que apresentam diversos ritmos bastante populares, como rock, axé e funk, a igreja apresenta, durante a marcha, uma ala formada, não por acaso, por ritmistas que tocam os mesmos instrumentos utilizados pelas escolas de samba. Batizada com o sugestivo nome de Bateria Salmo 150, sua função é animar os jovens durante a caminhada. O referido salmo, o último da bíblia, exorta aqueles que crêem a enaltecer o Senhor por meio de manifestações que remetem à alegria. Um dos versículos expressa o seguinte: “Louvai-O com adufe e com danças; louvai-O com instrumentos de cordas e com flauta”.
Preconceito De acordo com a antropóloga, as musas, madrinhas, rainhas e princesas de bateria dizem sentir maior preconceito em relação ao estereótipo da mulata nos ambientes social e profissional. Algumas delas relevaram que preferem omitir em seus locais de trabalho que são ligadas ao samba. O objetivo é evitar insinuações e situações de assédio. “Infelizmente, muita gente ainda associa a imagem da mulata à da mulher disponível, por isso mesmo elas mostraram rejeição ao termo mulata. As garotas que entrevistei revelaram, ainda, que são alvos de apelidos como ‘mulata globeleza’, cunhados por pessoas que sequer sabem que elas pertencem ao mundo do samba, só por uma associação quase que imediata com suas aparências”.
Tal comportamento, reconhece a pesquisadora, está de algum modo ligado a permanência dos fenótipos e as relações com o mito da democracia racial ainda presentes no país. Segundo Kelly, as discussões sobre a mestiçagem da sociedade brasileira frequentemente deixam de refletir sobre o conflito presente nesse processo, um conflito marcado por raça, gênero e classe. “Um ponto que deve ser entendido é que essa mestiçagem não foi e não é tranquila como muitos querem fazer crer. Gilberto Freyre, por exemplo, descreveu a questão como se fosse um romance, como se não tivesse sido resultado de uma relação de poder entre senhores e escravos. Teóricas feministas, porém, classificam essa relação como um verdadeiro estupro colonial. Ou seja, foi fruto de uma violência que trazia subjacente o estereótipo da mulher negra, como dona de uma sexualidade e sensualidade natural, disponível, provocativa e irresistível. Muitas dessas percepções se refletem até hoje”, assinala a autora da tese.


Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa e-mail:
imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP

terça-feira, 12 de maio de 2009

Políticas de Ação Afirmativa em Benefício da População Negra

Políticas de Ação Afirmativa em Benefício da População Negra
no Brasil – Um Ponto de Vista em Defesa de Cotas

Por KABENGELE MUNANGA

Professor Titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo. Autor de
vários trabalhos na área de antropologia da população negra africana e afro-brasileira, entre
outros, Os Basanga de Shaba (1986); Negritude (1988), Estratégias e políticas de combate à
discriminação racial (1996) e Rediscutindo a mestiçagem no Brasil (1999)

VIDE O INTEIRO TEOR DO ARTIGO NO LINK:
http://lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0121.pdf

domingo, 3 de maio de 2009

Afrocentricidade

Afrocentricidade

400 págs., R$ 69,90

de Elisa Larkin Nascimento (org.). Trad. Carlos Alberto Medeiros e Elisa L. Nascimento. Selo Negro (r. Itapicuru, 613, 7º andar, CEP 05006-000, São Paulo, SP, tel. 0/ xx/ 11/ 3872-3322).O quarto livro da coleção Sankofa discute a abordagem historiográfica do ponto de vista africano e mostra suas aplicações teóricas em temas como identidade da mulher negra e o papel histórico dos descendentes de escravos fugidos.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Dissertação de mestrado realizado na USP aponta papel educativo do jornal Ìrohìn


Pesquisa mostrou como o Jornal Ìrohìn contribui efetivamente para a informação e formação da comunidade afro-descendente brasileira, desvelando o racismo que fica encoberto pela mídia tradicional.

Num país onde os monopólios midiáticos dão o tom de toda a cobertura jornalística, jornais produzidos e editados com temática específica do negro são cada vez mais importantes do ponto de vista educativo, pois atuam efetivamente na visibilidade de temas e no combate a preconceitos.
Essa é uma das conclusões da dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) sob o título Jornal Ìrohìn: estudo de caso sobre a relevância educativa do papel da imprensa negra no combate ao racismo (1996-2006). A tese defendida pelo sociólogo Ariovaldo Lima Junior, foi apresentada na última segunda-feira, dia 16 de março.
De acordo com o autor da dissertação, na medida em que o Jornal Ìrohìn traz o pensamento de intelectuais negros, por meio de artigos e entrevistas que não aparecem na cultura de massa em geral, o Jornal cumpre um papel pedagógico importante. “Nós temos o esforço de reunir essa produção negra para consulta, mas ela ainda é sofrível no Brasil. E nesse sentido, o Ìrohìn traz matérias do passado e do presente. Então ele é importante do ponto de vista pedagógico”, destacou Lima.

Para Sueli Carneiro, professora doutora em Educação e membro da Geledés (Instituto da Mulher Negra), o fato de as pesquisas realizadas na Universidade de São Paulo, incorporarem temas e objetos como o Jornal Ìrohìn, é fundamental para desvelar saberes que são invisibilizados pela grande mídia e pelos meios de comunicação em geral. “Acredito que ao se abrir para pensar temas como esse, a universidade cumpre um dever da sua missão pública que é de incorporar temas de relevância para a população brasileira em geral, e, no caso do Ìrohìn pela abrangência que tem ao recortar o universo dos negros, sistematicamente silenciado”, diz.
Além disso, a dissertação, que pelo tema pesquisado poderia ter sido defendida nos cursos de comunicação ou história, foi realizada na Faculdade de Educação, o que garante uma especificidade na forma de abordagem do objeto. Para o professor doutor em educação, Rafael dos Santos, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), que fez parte da banca examinadora, “a importância de defender na Faculdade de Educação é de mostrar que a construção de conhecimentos fora da escola pode contribuir para produção de conhecimento dentro dela, e mostrar que educação se dá em todos os espaços”, disse. Segundo ele, a escola é o meio educativo convencionalmente instituído e é importante que as minorias tenham acesso à escola, onde o conhecimento é legitimado. Por outro lado, “existem outros mecanismos de produzir saberes que precisam ser valorizados”, ressaltou ao falar do Ìrohìn.
De fato, um dos pontos levantados durante o caloroso debate da defesa da dissertação foi a invisibilidade do tema nas coberturas jornalísticas em geral, ainda que haja uma demanda cada vez maior por publicações voltadas ao publico negro. Para Sueli Carneiro, a mídia brasileira ainda está calcada numa visão branca e eurocêntrica, sendo essa a visão hegemônica na maior parte das coberturas. Enquanto isso, “existe uma demanda que não é atendida. Há nichos editoriais que não são atendidos e a nossa gente está revelando isso, buscando criar canais de opinião, de reflexão, de entretenimento, de moda, de beleza, que dêem conta do universo negro”, ressaltou.
Desafios Assim como qualquer pesquisa acadêmica, existem desafios e dificuldades encontradas, tanto do ponto de vista metodológico, quanto do ponto de vista da abordagem do objeto que são intrínsecas ao processo. No entanto, no caso desta pesquisa em específico, outras dificuldades e desafios precisaram ser transpostos. A professora doutora em Educação, Roseli Fischman, que orientou todo o trabalho, apontou a carga histórica que pesa sobre os ombros dos estudantes negros, como um dos mais difíceis desafios. “Eu tenho orientado muitos estudantes negros e existe uma coisa que é permanente com todas essas pessoas, que é o fato de pesar uma carga histórica muito grande”, disse.
Segundo a professora, isso vem diminuído nos últimos 15 anos, mas ela ainda vê diferenças na orientação prestada aos estudantes negros em relação aos estudantes brancos e de outras etnias.
“No caso dos negros existe essa carga adicional, uma carga histórica, como que uma sentença proferida de que “Não vencerás!””, afirma. “Isso se torna pra mim uma questão filosófica é como aquela imagem que vem a cabeça em Entre o passado e o futuro, de Hannah Arendt: como se houvesse um passado empurrando, que quer que chegue logo o futuro e o futuro que também eima em não chegar, que resiste. A pessoa fica no meio [...] tudo que a pessoa gostaria era de sair e olhar de cima, deixar que passado e futuro se resolvessem. Mas não é assim que acontece”, completa.
Outras dificuldades encontradas ao longo da pesquisa foi o fato se encontrar pouquíssima bibliografia escrita sobre imprensa negra. “Existe uma tese ou outra, mas não existem fontes abundantes, modelos prévios de metodologia”, disse Roseli. “A curta vida dos outros jornais de imprensa negra acabou deixando que algumas coisas se perdessem no tempo”. Além disso, houve certa dificuldade também para se estabelecer uma estrutura, o arcabouço da pesquisa. “Mas o Ariovaldo sistematizou tudo e deu conta”.
Para Roseli, orientar um trabalho sobre o Jornal Ìrohìn além de ser uma contribuição do ponto de vista da produção acadêmica, de garantir material para pesquisas futuras, foi também uma satisfação do ponto de vista pessoal. “Acredito que o Ìrohìn é um grande exemplo de uma luta não violenta, dentro da tradição do Luther King do combate não violento. Ao invés de ir para uma briga no braço, usa essa coisa do argumento, tenta convencer”, concluiu.

19/03/2009 - 10:24:37.
Por Ana Claudia Mielki

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

FIME TEMÁTICO SOBRE DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA

"Café com leite (água e azeite?)", 30 min., 2007.

Direção, produção, roteiro: Guiomar Ramos
Co-produção: Tatu Filmes
Edição: Márcio Perez
"Café com leite" apresenta uma reflexão sobre o Mito da Democracia Racial no Brasil através de depoimentos dos professores da FFLCH-USP, Antonio Sérgio Guimarães, Kabengelê Munanga, a diretora do Geledés, Sueli Carneiro e o antropólogo Batista Félix.Alunos da pós-graduação da FFLCH como Mácio Macedo e Uvanderson da Silva também participam do debate.
Os cineastas Jeferson De, Noel Carvalho e a atriz Zezé Mottatraçam comentários sobre a Democracia Racial. O documentário apresenta ainda trechos de filmes adaptados da obra de Jorge Amado, como "Jubiabá" e "Tenda dos Milagres", de Nelson Pereira dos Santos e "Assalto ao trem pagador" de Roberto Farias e também imagens da luta do negro no Brasil através do arquivo de Abdias do Nascimento.
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Cartilha em defesa da liberdade de crença religiosa disponível aqui para download

A liberdade de crença é um direito assegurado na Constituição Federal. É com base nesta lei, que o CEERT - Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - em parceria com o SESC SP e INTECAB - Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Coordenação São Paulo) - com o apoio de lideranças religiosas, lançou em 2004 a campanha Em defesa da liberdade de crença e contra a intolerância religiosa.O Estado brasileiro é laico, não sendo autorizado a eleger qualquer manifestação religiosa como verdadeira ou falsa. A constituição vigente, de 1988, diz que todas as crenças e religiões são iguais perante a lei e devem ser tratadas com igual respeito e consideração.Com base nestes direitos impressos na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos Humanos a Campanha tem como ação principal a divulgação e conscientização das pessoas, e da sociedade, acerca destes direitos. O lançamento de uma cartilha cujo conteúdo é baseado numa reconstrução da história das leis brasileiras sobre intolerância religiosa - além de um anexo com indicações das leis mencionadas -, é o primeiro passo deste projeto.Embora a Constituição Brasileira assegure os direitos de expressão das diversas confissões religiosas, práticas intolerantes ainda estão presentes no cotidiano brasileiro, sobretudo, quanto às religiões afro-brasileiras. Nesse sentido, é importante esclarecer que a discriminação religiosa é crime e que o respeito para com a diversidade religiosa é também um exercício de respeito para com a diversidade étnico cultural, que caracteriza o povo brasileiro.
Clique aquipara fazer o download e imprimir a cartilha da campanha Em defesa da liberdade de crença e contra a intolerância religiosa:

domingo, 29 de junho de 2008

Ação Afirmativa no Ensino Superior Brasileiro

Jonas Zoninsein; João Feres Júnior (Orgs.)

Área: Educação
Coleção: Humanitas
Co-edição: IUPERJ, 2008. 350 p.
ISBN: 978-85-7041-643-8 (Editora UFMG) e 978-85-98272-14-6 (IUPERJ)

Esse livro propõe um enfoque analítico e original sobre a experiência da ação afirmativa no ensino superior no Brasil. O objetivo principal dos autores é entender a natureza e o impacto dessa política, com o propósito de apresentar avaliações e propostas para o público, a sociedade civil, as autoridades universitárias e os responsáveis pela política educacional brasileira nos seus vários níveis. Essas avaliações e propostas têm como finalidade aumentar a eficiência da ação afirmativa e consolidá-la como política pública capaz de promover desenvolvimento e maior justiça em nosso país.R$ 49,00