domingo, 31 de maio de 2009

Cuba é questão de honra e saia-justa na OEA


São Paulo, domingo, 31 de maio de 2009

Países latino-americanos defendem revogar medida que suspendeu a ilha, mas grupo que inclui o Brasil não quer atrito com ObamaNegociação sobre imbróglio emperra e será retomada por ministros reunidos em encontro anual da entidade nesta semana em Honduras
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
A diplomacia brasileira ajudou a impulsionar o tema da exclusão de Cuba da OEA (Organização dos Estados Americanos) para o topo das prioridades latino-americanas ao promover, em dezembro passado, na Bahia, a primeira cúpula dos 33 países da América Latina e do Caribe, sem participação dos EUA e do Canadá.Na cúpula, marcada pelo primeiro tour regional do dirigente cubano Raúl Castro depois de assumir oficialmente o posto que pertenceu por 49 anos ao irmão Fidel, a ilha foi incorporada ao Grupo do Rio, mecanismo diplomático regional.Agora, no entanto, Cuba virou tanto uma questão de honra quanto de incômodo para o Brasil e diversos outros países latino-americanos, incluindo México, Chile e Uruguai, interessados em fazer prosperar o "relançamento" das relações entre os EUA e a região proposto por Barack Obama durante a Cúpula das Américas, em abril, em Trinidad e Tobago.O paradoxo explodiu nos preparativos para a Assembleia Geral anual dos ministros de Relações Exteriores dos 34 países da OEA, que começa depois de amanhã em San Pedro Sula, em Honduras.Anteontem, na sede da OEA, em Washington, os diplomatas tentaram freneticamente redigir uma resolução de meio-termo entre a proposta defendida por Venezuela e outros países da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas) e o projeto dos americanos.Tempo para ObamaO primeiro grupo queria que fossem abertas as portas para o reingresso da ilha na organização se e quando ela quiser -Cuba diz não desejar.Os EUA propuseram abrir um diálogo para a eventual volta de Cuba, sem a anulação imediata da decisão de 62 -que expulsou o governo da ilha por receber armas de "potências comunistas extracontinentais" (a extinta União Soviética).Chegou-se a um texto, apoiado pelo Brasil, que revoga a decisão da Guerra Fria, mas condiciona o retorno cubano ao respeito à democracia e aos direitos humanos. Só que, neste ponto, as negociações foram interrompidas. E apenas serão retomadas em Honduras.Na delegação brasileira na organização interamericana, a preocupação durante toda a semana passada era evitar o confronto em San Pedro Sula. Prevalecia a ideia de que a América Latina precisa dar um tempo a Obama, que sofre pressão interna para não tomar novas medidas que abrandem o embargo a Cuba.Essa visão é até mais generosa do que a de alguns analistas americanos, como Larry Birns, do progressista Conselho de Assuntos Hemisféricos, de Washington. Para ele, a política muito gradualista da equipe de Obama para a ilha comunista pode ser pouco eficaz e carece de base eleitoral significativa dentro dos EUA."A maioria dos congressistas defende o fim das barreiras comerciais, assim como as 500 maiores empresas da lista da "Forbes". Pesquisas mostram que pelo menos 65% dos cubano-americanos querem derrubar todas as restrições impostas à ilha", afirma Birns.Futuro da OEAComo pano de fundo do debate centrado em Cuba, que eclipsou a "cultura da não violência", tema oficial da Assembleia Geral, está o próprio futuro da OEA.A organização, criada em 1948, foi considerada até os anos 80 pela esquerda um instrumento da hegemonia americana no continente.Nos anos 90, findas as ditaduras militares de direita, foram aprovadas as regras de compromisso coletivo com a democracia -"a primeira vez no hemisfério em que se avançou além da ideia da soberania dos Estados", na definição de Alfredo Valladão, titular da cátedra Mercosul do Instituto de Estudos Políticos de Paris.Nesta década, e principalmente no governo George W. Bush (2001-2009), as políticas americanas passaram a ser crescentemente contestadas pelos vizinhos ao sul, o que se refletiu no prestígio da OEA.Sobre o futuro da entidade, porém, os analistas se dividem.Birns vê a organização em trajetória declinante, que pode se acelerar se a Casa Branca não perceber que a América Latina diversificou suas relações políticas e comerciais e "não é mais a de nossos avós"."Obama se saiu muito bem em Trinidad e Tobago, foi como a estreia de um filme. Mas não pode produzir esse impacto outra vez. Tem que pensar numa base prática", diz.O analista americano aposta que uma organização regional sem os EUA vai ganhar força, e que ela pode ser a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), criada em maio do ano passado sob a liderança brasileira e que mediou a crise institucional na Bolívia logo depois.Já Alfredo Valladão acredita que só a OEA, herdeira da União Panamericana de 1910, tem o quadro institucional legal e administrativo capaz de resolver grandes questões de segurança e políticas.Ele cita o problema do narcotráfico como um exemplo em que a participação de Washington é imprescindível. "Temos capacidade de resolver isso sozinhos?", questiona.No que os dois especialistas coincidem é na ideia de que a assimetria entre o Brasil e os seus vizinhos, aliada ao fato de a Casa Branca estar muitas vezes incumbindo o país da tarefa de administrar os problemas regionais, pode levar outros países latino-americanos a buscar um balanço de poder justamente nos EUA."Eles [nossos vizinhos] também são pragmáticos", diz Valladão. Birns argumenta que "a única coisa que faz algumas nações mais cautelosas é que elas olham para os EUA como um contrapeso ao Brasil".

Spike Lee filma Kobe Bryant em estreia de gala


São Paulo, sábado, 30 de maio de 2009

TELEVISÃO

Documentário sobre o jogador abre hoje série de documentários da ESPNTorcedor do adversário Knicks, cineasta "observa" um dia de trabalho na vida do arremessador em "Kobe Doin" Work"

INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DA FOLHA

"Kobe Doin" Work" (exibido hoje às 19h30) é o primeiro filme da série "30 for 30" que a ESPN produziu para comemorar seus 30 anos de existência. Em vista disso, 30 cineastas realizaram 30 documentários sobre personagens e fatos ligados a esportes de 1979 para cá.A estreia é de gala, pois trata-se de Spike Lee, um dos mais célebres realizadores americanos da atualidade, tratando de Kobe Bryant, provavelmente o mais talentoso jogador de basquete pós-Michael Jordan.Kobe, para quem não sabe, sempre jogou pelos Los Angeles Lakers, e Spike desde sempre torce para os Knicks, o time de Nova York. Esse último dado é o mais importante: Spike é torcedor de carteirinha, desses que acompanham o jogo das cadeiras de pista, quase dentro da quadra. Sua ideia em "Kobe Doin" Work" (não deviam traduzir isso? Podia ser Kobe vai à luta, ou Kobe, mãos à obra) é precisamente essa: observar um dia de trabalho na vida dele.Nada de grandes bastidores. É a quadra que importa. Ela é que deve dar a dimensão do craque. OK, aparece um pouco dos vestiários, o técnico dos Lakers, Phil Jackson, analisando a fita de um jogo passado. Mas, em definitivo, não é isso o essencial, é a quadra. Tudo se define em torno de um jogo, do Lakers contra o Spurs, em Los Angeles. E, no jogo, o que importa é Bryant: seus movimentos, suas palavras. Mal vemos os principais astros do Spurs, como o pivô Tim Duncan. Tony Parker, um pouco. Mas a estrela do adversário, no filme, é Bruce Bowen: o cara cuja função é marcar Kobe.O Kobe grande arremessador todos conhecem. O organizador do time, menos. O quase técnico, que fala todo o tempo, dá instruções, menos. O sujeito que se diverte jogando (isso se sente em mais ou menos todos os jogadores), que se dedica à chamada "trash talking", é coisa que só um documentário como esse poderia registrar. De resto, Kobe comenta o jogo. A série começa em grande estilo.

sábado, 30 de maio de 2009

Indicação de juíza assusta conservadores


São Paulo, sábado, 30 de maio de 2009

Indicação de juíza assusta conservadores

Escolhida por Barack Obama para ocupar vaga na Suprema Corte também preocupa grupos pró-aborto

HÉLIO SCHWARTSMAN DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"A juíza [Sonia] Sotomayor é uma ativista judicial esquerdista de primeira ordem, que coloca sua agenda política pessoal acima da lei escrita. Ela acredita que juízes devem ditar a política e que gênero, raça e origem étnica de uma pessoa devem influir nas decisões tomadas pelos magistrados."Essa declaração de Wendy Long, membro da Rede de Confirmações Judiciais e incontinênti reproduzida na blogosfera conservadora americana, é emblemática. Resume em poucas linhas as principais restrições que a direita dos EUA faz à primeira indicada do presidente Barack Obama para a Suprema Corte: ativismo judicial e excessos na ação afirmativa.Também a esquerda está apreensiva. A posição de Sotomayor em relação ao aborto não é bem conhecida. Poucos casos envolvendo a matéria passaram por seu tribunal. Num deles, de 2002, a juíza, que é católica, deu razão ao governo de George W. Bush, que sustentava ter o direito de não financiar com dinheiro federal ONGs internacionais que oferecem serviços de aborto.O receio dos chamados grupos pró-escolha é que a chegada à Corte de mais um membro contrário à prática poderá levar à revisão de Roe vs. Wade, o precedente estabelecido em 1973 que considera o aborto protegido pelo direito constitucional à privacidade e impede Estados e o governo federal de criar leis que o restrinjam.Tradicionalmente, o conservadorismo torce o nariz tanto para o ativismo judicial como para a ação afirmativa. "Legislar dos tribunais" costumava ser o pior insulto que um republicano podia lançar a um magistrado -hoje, alguns conservadores flertam com essa ideia, mas, asseguram, apenas para "consertar" os estragos que décadas de ativismo judicial de esquerda teriam causado.Na visão mais tradicional, sempre que juízes se baseiam em interpretações muito genéricas da lei e da Constituição para firmar jurisprudência, eles usurpam o papel do legislador. E isso seria ruim porque, pela teoria da repartição dos Poderes, inovações devem vir do Legislativo. O Judiciário teria de ser um Poder essencialmente conservador, a fim de promover a segurança jurídica.Teóricos mais liberais contestam. Afirmam que o uso de elementos extralegais é inevitável. Dizem também que inovações trazidas por magistrados são importantes para evitar que distorções típicas do Legislativo contaminem o sistema legal. Por serem eleitos, congressistas estariam sempre agindo para agradar a maioria -o que representaria ameaça a direitos de minorias.Já a ideia de que é lícito favorecer grupos étnicos como compensação por desequilíbrios sociais fere, na visão da direita, o princípio fundamental da igualdade de todos diante da lei. Por ironia, entre os fatores que levaram Obama a escolher Sotomayor estão questões de gênero e etnia -é a primeira descendente de latino-americanos e a terceira mulher a chegar à Corte.SabatinaOs calafrios que a indicação da juíza provoca em alguns republicanos não devem ameaçar sua aprovação pelo Senado -onde os democratas têm maioria-, mas deverão fazer com que alguns pontos de sua biografia sejam questionados com firmeza na sabatina.No que diz respeito ao propalado ativismo judicial da juíza, o fogo deverá recair sobre uma polêmica mesa-redonda na Universidade Duke em 2005, em que Sotomayor declarou: "É na corte de apelações que se faz política... eu sei que estou sendo filmada e que não deveria dizer isso, porque nós não fazemos a lei".Em relação a supostos excessos na ação afirmativa, é a decisão por ela tomada em Ricci vs. DeStefano que será escrutinada. Neste caso de 2008, Sotomayor e outros juízes do 2º Circuito de Apelações permitiram que o município de New Haven, em Connecticut, desprezasse os resultados de uma prova que deveria resultar em promoções para os bombeiros, porque nenhum candidato negro tinha passado no teste. O caso agora está na Suprema Corte, e as apostas são de que o acórdão será revertido.Outras críticas à atuação de Sotomayor incluem seu destempero verbal e o fato de algumas de suas sentenças terem sido reformadas pela Suprema Corte. Em três ocasiões, os juízes afirmaram que Sotomayor errou na interpretação da lei.

Reunião Extraordinária FEPPIR/SP

Data: Sexta-feira, 29 de Maio de 2009, 15:35
Prezados/as Amigos/as, Por ocasião da visita da Senadora Serys Slhessarenko (PT/MT), que é relatora do Projeto de Lei 73/99, na CCJ do Senado Federal, convidamos todos/as para uma reunião extraordinária com a presença da senadora, conforme segue:
Debate sobre o PL 73/99;Ato de 10/06, em favor das Cotas e das Ações Afirmativas;Reunião da Comissão sobre Projetos. Local: Auditório José Bonifacio - às 11:00 horas - Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo - Av. Pedro Alvares Cabral, 201 - 1º Andar - Ibirapuera - São Paulo/SP.
Programação:11:00 horas - Debate com a Senadora Serys Slherassenko;12:00 horas -
Preparação do Ato de 10/06;13:00 horas - Reunião da Comissão de Projetos.
Pedimos repassarem para suas listas. Sem mais contamos com vossa presença e colaboração.
VICENTE CÂNDIDO Deputado Estadual Coordenador da FEPPIR/SP

CONVOCAÇÃO


MANIFESTAÇÃO
A FAVOR DAS COTAS
1º de Junho/ Segunda-feira
Às 14 horas – Em frente ao Fórum
(Tribunal de Justiça)
Av. Erasmo Braga, 115 - Centro
O ato será em resposta a liminar do
Deputado Flávio Bolsonaro que
suspendeu os efeitos da lei estadual
5.346/ 2008, que cria o sistema de cotas
nas universidades do estado do Rio de
Janeiro.
APOIO:
Superintendência de Igualdade Racial / RJ
Maria José Motta - Superintendente

Indígenas isolados correm risco de extinção, diz ONG

Segundo organização inglesa, grupos estão localizados no Maranhão e em Mato GrossoFunai reconhece gravidade do caso, mas afirma que toma medidas preventivas; para antropólogo, solução está na demarcação de áreasMATHEUS PICHONELLIDA AGÊNCIA FOLHA Relatório da ONG inglesa Survival International aponta que duas tribos brasileiras de índios isolados estão entre as com maior risco de extinção na América do Sul.O estudo indica que os territórios de índios awá (ou guaja), no oeste do Maranhão, e de índios kawahiva do rio Pardo, que vivem no norte de Mato Grosso, estão sendo destruídos pela exploração ilegal de madeira.Juntos, os dois grupos somam, no máximo, 110 índios.Indígenas isolados são populações que vivem até hoje sem contato com outras tribos ou órgãos indigenistas. De acordo com a CGII (Coordenação Geral de Índios Isolados), ligada à Funai (Fundação Nacional do Índio), foram identificadas 69 áreas no país onde podem existir índios não contatados.A ONG aponta ainda que outras duas tribos do Peru e uma do Paraguai também correm risco de extinção. No Peru, o problema é a exploração de petróleo e madeira. Já no Paraguai, são criadores de gado brasileiros que ameaçam os índios. A existência dessas populações veio à tona em maio de 2008, quando a Funai divulgou imagens de grupos isolados no Acre. Fotos de índios tentando acertar o avião dos "invasores" com arcos e flechas tiveram repercussão internacional.À época, o episódio gerou contestações sobre a existência dos grupos. No relatório, a ONG cita o caso de um jornal britânico que publicou reportagem lançando dúvidas sobre a história e, meses depois, admitiu a validade das imagens. Segundo Fiona Watson, coordenadora da Survival International, as fotos criaram interesse de pessoas que não sabiam da existência de grupos isolados em pleno século 21.AmeaçasO relatório classifica como as principais ameaças aos índios isolados, em caso de contato, a exposição a doenças, como gripe e sarampo, e os conflitos com grupos armados.No caso brasileiro, a pressão mais forte vem dos setores madeireiro e de mineração, explica Elias Biggio, coordenador do assunto na Funai. Ele diz que a fundação está a par da possível extinção dos grupos e trabalha com frentes de proteção e expedições periódicas para garantir a proteção das áreas. Watson defende a atuação do órgão, mas expõe como problema a lentidão do Judiciário."Quando há invasões de madeireiros e grileiros nessas áreas, processos e punições demoram a acontecer." A reportagem tentou ouvir representantes de madeireiras em Mato Grosso, mas não foi atendida.Um dos especialistas consultados para o relatório, o sertanista José Carlos Meirelles, que trabalha em uma das frentes de proteção da Funai, diz que, com a ação de madeireiras, os isolados são "empurrados" para áreas já habitadas, o que pode gerar conflitos."Eles fogem de processos de pressão dessas frentes econômicas, já sabem quanto é ruim o contato com a sociedade", afirma Biggio, da Funai. Uma das soluções defendidas por ele é a demarcação das terras, o que garante a sobrevivência física e cultural dos indígenas.A mesma ideia é defendida por Pedro de Niemeyer Cesarino, doutor em antropologia pelo Museu Nacional. "Demarcação de terras não é empecilho para o desenvolvimento, mas condição essencial para que ele não seja feito às custas do meio ambiente e dos habitantes da floresta", afirma ele.Para o antropólogo, falta uma visão geral de governo que torne o tema prioritário, ao invés de considerar de forma equivocada a presença dos isolados como um obstáculo.
Colaborou NANCY DUTRA, da Redação
São Paulo, sexta-feira, 29 de maio de 2009

Estudo indica que mortes por aborto é maior entre negras

Por AE
São Paulo - Um novo estudo sobre a mortalidade de mães no Brasil revela que o risco de morrer por aborto é muito maior nas mulheres negras e pardas do que em grávidas brancas, o que leva especialistas a questionar se a criminalização do procedimento estaria punindo apenas alguns grupos raciais. Segundo o trabalho do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio, apresentado durante o seminário Mortalidade Materna e Direitos Humanos no Brasil, o risco de morte de uma grávida negra cuja gestação terminou em aborto é 2,5 vezes maior do que o de brancas.
Nos últimos quatro anos o instituto vem se dedicando a radiografar o aborto no País e, depois de mostrar que sua frequência reflete as desigualdades - ocorrem mais entre mulheres negras e pobres -, foi investigar se havia também diferenças na mortalidade, considerando registros de 2003 a 2005. Os especialistas apontam que é possível que a descriminalização do aborto, se um dia aprovada no Brasil, reduza o índice de complicações e mortes - atualmente é crime, só permitido em caso de estupro ou risco de morte para a mãe.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Agência Estado. 29/05/2009 - 09:25

Nunca tive namorada negra

O preconceito molda a nossa capacidade de amar
Eu nunca tive uma namorada negra. Saí uma ou duas vezes com moças negras na universidade, tive um caso intenso e demorado com uma mulher negra há pouco tempo, mas nenhuma delas foi namorada, relação firme, gente se que incorpora à vida e se leva à casa da mãe. Por que razão? Um dos motivos é geográfico: desde a adolescência quase não há pessoas negras ao meu redor. Elas não estavam no colégio, não estavam na faculdade e não estão no trabalho, com raras e queridas exceções. É nesses ambientes - escola e emprego -- que se constroem relações duradouras de amor e amizade. O outro motivo é vergonhoso: racismo. Deve haver um pedaço de mim que acha mulher branca mais bacana que mulher negra, independente de beleza, inteligência ou caráter. Mesmo tendo ancestrais negros, cresci numa sociedade em que a cor, os traços e os cabelos africanos são tratados como defeito. É difícil livrar-se desse lixo. Ando pensando sobre essas coisas desde que tive uma discussão, dias atrás, com meu melhor amigo, sobre cotas raciais na universidade. Ele contra, eu a favor. Ele defende cotas econômicas, para jovens pobres oriundos das escolas públicas. Eu sinto que isso não é suficiente. Acredito que os negros têm sido sistematicamente prejudicados ao longo da história brasileira e fazem jus a políticas e tratamento preferenciais.
Saiba mais
»Leia as colunas anteriores de Ivan Martins
Penso nas namoradas negras que eu não tive. Elas não estavam na boa escola pública de primeiro grau onde eu entrei depois de um exame de admissão. Também não estavam na escola federal onde fiz o colégio. Ali só se entrava depois de um vestibular duríssimo. Na Universidade de São Paulo, onde estudei jornalismo, só havia um colega negro, nenhuma garota que eu me lembre. Será que isso é apenas econômico? Duvido. Eu vim de uma família pobre e cheguei à universidade e à classe média. O mesmo fizeram minhas irmãs e meus amigos brancos. Os coleguinhas negros da infância - com poucas exceções -- não chegaram. Estavam em desvantagem. Tem algo aí no meio que é mais do que pobreza. É fácil para mim enxergar que a linha de corte na sociedade brasileira não é apenas de renda. Ela é de cor também. Essa linha está dentro de nós, dentro de mim. Somos racistas, embora mestiços. Por isso me espanta que as pessoas não se inclinem generosamente pela idéia de uma reparação aos sofrimentos infringidos aos negros - até como forma de purgar essa coisa ruim e preconceituosa que trazemos dentro de nós. Eu, que nunca tive uma namorada negra, gostaria que meus filhos vivessem num país melhor. Um país em que houvesse garotas e garotos negros na universidade pública, ao lado deles. Um país em que eles tivessem colegas de trabalho negros. Engenheiros. Médicos. Advogados. Jornalistas. Um país onde as pessoas pudessem se conhecer, se admirar e se amar sem a barreira do preconceito que ainda nos divide.
27/05/2009 - 18:33 - Atualizado em 29/05/2009 - 19:25

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Delegação chapa branca na revisão de Durban


A Conferência promovida pela ONU para revisar a Declaração de Durban, que termina nesta quinta-feira, em Genebra, na Suiça, não trará qualquer novidade em seu documento final, pelo menos para nós negros brasileiros – 49,7% da população do país, segundo o IBGE e todos os demais indicadores.

A ausência de novidades, aliás, começa pela delegação que nos representa. Não há - com a exceção dos professores Marcelo Paixão, da UFRJ, e da historiadora Wania Santana, especialista no tema DURBAN - nada de novo entre os seus membros, escolhidos por critérios esotéricos, pelo Governo Brasileiro e ONGs satélites do Estado e do Partido e sua base. São os mesmos que estão em todas as Conferências – uma espécie de delegação chapa branca – permanente que não está lá para representar ninguém nem coisa alguma, mas, apenas para fazer o papel simbólico a que é chamada pelo Estado.

O grave é que isso independe de Governos. A forma como o Estado – praticamente sistemático do racismo institucional – se utiliza dessas figuras, ocupantes permanentes com cadeiras cativas nos vários “puxadinhos”, sempre aptas a viagens internacionais onde, além, óbvio, do turismo (afinal, ninguém é de ferro), engordam seus currículos, muito úteis para empregos no Estado e consultorias, não muda. Eis aí, uma política de Estado consolidada para o trato da questão da desigualdade herdada de quase 400 anos de escravismo e cerca de 121 de racismo pós-abolição.

A forma como são escolhidos é o único mistério. Ninguém sabe. Não há nenhum critério visível à luz do dia. O que se intui é que, um belo dia, em face de compromissos que o Governo precisa assumir como integrante de organismos internacionais como a ONU, essas figuras – as mesmas e indefectíveis figuras, que agem mais como representantes de lobbies do que lideranças de movimento social – são chamadas de acordo com o grau maior ou menor de proximidade que sua entidade tenha ou não com o Governo, o partido hegemônico ou os partidos da base aliada. Para acrescentar alguma pitada de diversidade, acrescenta-se uma ou outra empresa de consultoria que se apresenta como “organização negra” e, pronto: estará montada a delegação negra.

No presente caso, o modelo chapa branca, entretanto, se superou. Depois de ocupar a Relatoria da Conferência de Durban, em 2.001, por meio de Edna Roland, atual Coordenadora da Igualdade Racial da Prefeitura de Guarulhos, na Grande S. Paulo, exatamente por ser o país com maior população negra do mundo fora da África, o Brasil, por meio do Itamaraty – o Ministério das Relações Exteriores – e a Seppir, escolheu para Relator da Conferência Mundial, o engenheiro eletrônico branco, senhor Iradj Roberto Eghari, representante da comunidade Bahá’í, no Brasil – uma seita religiosa – que representa cerca de 57 mil adeptos no país.

Nada contra Iradj, o novo relator, muito menos contra sua fé religiosa - a Comunidade Bahá’í. Com toda a certeza o Relator é pessoa detentora de méritos e de atributos. É também pessoa extremamente bem relacionada nos círculos de Brasília e alhures, inclusive por ser secretário executivo do Centro de Estudos de Direitos Humanos do Centro Universitário Euro-americano (Unieuro) – instituição privada de Brasília, que tem como um dos donos o empresário Mauro Fecury, que vem a ser nada menos que o suplente a assumir a vaga da ex-senadora e agora governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e que tem como reitor Luiz Curi, que vem a ser nada menos que marido de Emília Ribeiro, recém indicada por José Sarney (PMDB-AP), o poderoso presidente do Senado, para a diretora da Anatel.

O que chama atenção é o silêncio cúmplice da delegação chapa branca, diante de um flagrante caso em que um direito que pertence não aos ditos representantes – mas aos 49,3% de negros do país - é simplesmente ignorado, em nome, sabe-se lá de que considerações de política externa elocubradas pelo Itamaraty.

Não faltarão os que virão à público para dizer que nada puderam fazer, uma vez que a decisão pertence ao Itamaraty e, portanto, estava na esfera do Governo, que tem o direito, por óbvio, de mandar ou não mandar quem quiser a qualquer Conferência Internacional. Mas, a pergunta, que fica é: nesse caso porque, mesmo diante de uma decisão tão afrontosa, tão ilegítima, não deram meia volta, forçando o Estado a repensar suas escolhas.

A essa pergunta óbvia, evidentemente, não poderão responder e, por uma razão simples: é que a participação nessas delegações chapas brancas – onde o papel é exatamente esse, o de dizer amém, sim sinhô – além da fama efêmera, da visibilidade não menos passageira em fóruns internacionais, rende turismo custeado pelo Estado, engorda currículos e pontos para novos empregos na máquina pública e ou contratos de consultoria.

Eis a razão nua e crua, sem subterfúgios e meias palavras.

Não fosse assim, a delegação chapa branca que está em Genebra teria ao menos o cuidado de, em seus Estados, reunir seus pares para obter a indispensável procuração para que nos representassem. Ou ainda, na volta, comprometeria o Estado brasileiro, a promover encontros abertos para prestar contas de atos e ações e das conseqüências de sua participação em tais eventos, cuja pompa nos nomes e propósitos é inversamente proporcional às conseqüências práticas para os principais interessados.


São Paulo, 21/4/2009

Dojival Vieira
Jornalista Responsável
Registro MtB: 12.884 - Proc. DRT 37.685/81
Email: dojivalvieira@hotmail.com; abcsemracismo@hotmail.com

Equipe de Redação:
Dojival Vieira, Dolores Medeiros, Julia Medeiros e Gabriel Silveira


http://www.afropress.com/editorial.asp

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Políticas de ação afirmativa e direitos


Políticas de ação afirmativa e direitos
Luiz Fernando Martins da Silva

Resumo: O presente trabalho é uma versão atualizada e ampliada do artigo publicado no primeiro numero da Revista Digital do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB (<
http://www.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-172.pdf>) e se propõe à análise da compatibilidade das políticas de ação afirmativa e de cotas para afro-brasileiros implantadas pelo Estado brasileiro com o ordenamento jurídico internacional e nacional. Após exposição e comentários à legislação interna e aos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos com recorte racial ratificados pelo Estado brasileiro, à doutrina e aos julgamentos de alguns casos apreciados pelo Poder Judiciário, conclui-se pela compatibilidade das referidas políticas com o sistema legal brasileiro e a necessidade de que sejam ampliadas e aperfeiçoadas.
Palavras-chave: políticas públicas, ação afirmativa, cotas, negros, afro-brasileiros, direito, constitucionalidade, direitos humanos, direito constitucional, sociologia jurídica, ciência política.
Luiz Fernando Martins da Silva. Advogado e Professor de Direito. Ex-Ouvidor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR - da Presidência da República. E-mail:
Luiz.fernandoadv@ig.com.br. Blog: WWW.luizfernando.adv.br.

"Todos os animais são iguais perante a lei,
mas alguns animais são mais iguais que outros"
(A Revolução dos Bichos, George Orwell)
I. Introdução

A questão racial no Brasil tornou-se foco das atenções da sociedade e do Estado, notadamente após o presidente Fernando Henrique Cardoso reconhecer em 1995 que havia racismo e desigualdades raciais no país, ato que se fez acompanhar das primeiras políticas públicas específicas para a população negra cujo objetivo era a modificação deste quadro. Apesar de essas medidas terem sido produto das denúncias e das reivindicações históricas e atuais do movimento negro e de setores progressistas da sociedade civil, a implantação de políticas, programas, projetos e ações governamentais de caráter afirmativo para negros resultaram em uma polêmica há muito não vista. Pode-se dizer que um dos principais momentos dessas discussões ocorreu quando da implantação, no ensino público superior, de reserva de vagas para negros na UERJ, na UENF e na UNEB em 2003
1.
Por exemplo, em 2003, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no momento da efetivação das matrículas dos alunos aprovados no primeiro Exame Vestibular na UERJ e na UENF com cotas raciais, recebeu de candidatos brancos preteridos por alunos pretos e pardos beneficiados por esse sistema, mais de 200 mandados de segurança individual
2, bem como o deputado estadual Flavio Bolsonaro, pelo Partido da Frente Liberal – PFL (atual Democráticos) propôs duas representações objetivando a declaração de inconstitucionalidade das referidas leis estaduais3. Alguns meses depois, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) perante o Supremo Tribunal Federal – STF, financiada pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado no Estado do Rio de Janeiro4.
Há mais: a ampliação das iniciativas governamentais no campo das ações afirmativas para negros, como por exemplo, a concessão de benefícios fiscais para universidades privadas que adotem cotas raciais (Programa Universidade para Todos – Prouni)
5, a regularização jurídica de terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos,6e a criação de cotas para negros no serviço público municipal7 etc. estão gerando novas demandas judiciais no STF e nos Tribunais de Justiça dos Estados8, que precisam ser acomodadas por uma decisão final do STF.
No campo jurídico a questão está distante de pacificação e de consenso, haja vista, especialmente, a existência de ações judiciais que contestam a constitucionalidade dessas medidas afirmativas. Operadores do direito, professores e pesquisadores da área jurídica divergem sobre a pertinência e a constitucionalidade das políticas implantadas pelo Estado brasileiro por diversos motivos, dentre os quais pode-se citar: a violação dos princípios da igualdade, do mérito, da proporcionalidade, da Federação, da autonomia universitária e até mesmo a inexistência de critérios seguros ou científicos para identificar os beneficiários dessas medidas. Outras críticas são dirigidas aos critérios adotados por algumas universidades para selecionar e identificar os beneficiários das políticas afirmativas, como ocorre no processo de seleção da Universidade de Brasília.
Além disso, não podemos olvidar o diálogo insuficiente entre juristas e cientistas sociais no Brasil e que a carência de artigos, dissertações e teses que enfocam o assunto nas escolas de Direito tem colaborado para o parco desenvolvimento do tema direito - relações raciais. Nesse sentido, a jurista Dora de Lima Bertúlio, em uma reflexão sobre esse quadro, pontifica que:
Na medida em que o conhecimento e a reflexão, indutores que são de nossa identidade, são componentes privilegiados da mudança de comportamentos, intervenção e julgamentos das pessoas em suas relações interpessoais e com o Estado, a carência de estudos e trabalhos sobre racismo, discriminação racial e direitos raciais da população negra permite perpetuar: a) os estereótipos racistas de incompetência do povo negro para se autogerir e desenvolver adequadamente nas sociedades contemporâneas (socialistas ou capitalistas); e b) o descaso do setor jurídico, na sociedade brasileira, para implementar direitos específicos que diminuam o impacto do racismo na qualidade de vida de quase 50% da população nacional (Bertúlio, 2003: 5).
A tendência generalizada de os currículos das faculdades de Direito serem por demais influenciados pela dogmática, pelo formalismo e pelo positivismo jurídicos consiste em outro fator que ratifica considerações dessa natureza. Além do mais, não é comum que os operadores do direito superem sua formação tradicional e dediquem-se a estudos que tratem das novidades doutrinárias introduzidas no próprio campo jurídico, e, especialmente, a leituras de obras da sociologia, da antropologia, da filosofia, e da ciência política.
Por outro lado, a questão sobre a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa depende especialmente do paradigma jurídico com o qual o intérprete opera. Do ponto de vista do positivismo jurídico, por exemplo, a ausência do termo “ação afirmativa” no texto Constitucional impediria a criação e a implantação dessa política pelo Estado. Isso porque o positivismo jurídico opera exclusivamente com o método lógico-dedutivo, que, ao assumir os princípios da coerência e da completude do ordenamento jurídico, “procura a melhor norma jurídica dentre as normas positivas válidas, descartando assim considerações interpretativas sobre as demandas e necessidades humanas em uma sociedade” (Feres Júnior & Silva, 2006: 24). Ademais, e esse ponto é fundamental, como a maior parte das Constituições em vigor é de matriz liberal, e, portanto, baseada na proteção de direitos civis e políticos contra qualquer tipo de discriminação, justificar a discriminação positiva pela ótica positivista é virtualmente impossível.
O mesmo não pode ser dito a respeito do pragmatismo jurídico, paradigma que é essencial para a justificação legal da discriminação positiva. Não é simples coincidência histórica o fato de tais políticas terem sido instituídas pela primeira vez, no Ocidente, nos Estados Unidos, país berço da tradição pragmatista. “O método de operação do pragmatismo jurídico é conseqüencialista, isto é, o que importa no julgamento da legalidade de uma norma são os resultados de sua aplicação, seu caráter benéfico para a sociedade onde se aplica, e não a prova de sua dedução de uma norma positiva mais geral” (Feres Júnior & Silva, 2006: 25). A norma positiva importa, mas é apenas mais uma fonte entre os dados empíricos oferecidos pelas relações sociais.
Deve-se notar, entretanto, que o pragmatismo jurídico define um método, uma maneira de proceder, mas não o conteúdo do que é benéfico. “A adoção de políticas que operam com discriminação positiva só pode ser completamente justificada se, além do procedimento pragmatista, fizermos uma interpretação dos valores morais da sociedade em questão” (Feres Júnior & Silva, 2006: 25). Essa tarefa pode ser mais bem empreendida se sairmos do âmbito estrito da teoria do direito para o da teoria política normativa. Uma vez que essa transposição é feita, notamos que o paradigma positivista tem historicamente servido à posição liberal clássica, hoje também conhecida como conservadora, a qual alça a igualdade formal da lei acima da igualdade de fato no convívio social. Para autores dessa corrente, a igualdade formal funciona, de fato, como suporte para a expressão de capacidades e aptidões desiguais entre os homens.
Por fim, no contexto das divergências jurídicas, percebe-se entre alguns autores uma resistência incomum a essas políticas públicas quando direcionadas para a população negra, haja vista que eles não apresentam semelhante oposição às medidas afirmativas adotadas para pessoas com deficiência e para as mulheres, por exemplo. Algumas das opiniões emitidas por juristas conceituados podem facilmente ser consideradas discriminatórias e sugerem que ainda privilegiam uma visão freyreana da realidade das relações étnicas e raciais no Brasil.
II. Análise do sistema legal envolvido no debate jurídico sobre o tema ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil
II. I. O Direito Internacional e a Política de Ação Afirmativa

No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos - segmento especializado do Direito Internacional Público - há diversos instrumentos de proteção de direitos fundamentais que além de proibirem toda forma de discriminação, também prevêem a adoção de políticas de promoção da igualdade racial. Tais instrumentos – como tratados, convenções, pactos etc. – assumem uma dupla importância: consolidam parâmetros internacionais mínimos concernentes à proteção da dignidade humana e asseguram uma instância internacional de proteção de direitos, quando as instituições nacionais mostrarem-se falhas ou omissas.
Esses instrumentos, de observância obrigatória
9, têm aplicação imperativa no território brasileiro, após serem devidamente ratificados pela autoridade constitucionalmente competente, por força do disposto no artigo 5o, § 2o, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual:
...os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
No cenário do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o princípio de não discriminação tem aplicação destacada
10 e baliza toda a temática dos direitos econômicos, sociais e culturais. Esse princípio é caracterizado como uma garantia fundamental, porque se salienta nele o caráter instrumental, garantidor do direito de igualdade.
O referido princípio básico de não discriminação se encontra presente em quase os todos os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos fundamentais produzidos no século XX, dentre os quais destacamos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 2o); Pacto dos Direitos Civis e Políticos (artigos 2o, I, e 26); Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 2o); Convenção Européia de Direitos Humanos (artigo 14); Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 1, I); Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (artigo 2o); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção da OIT sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação, de 1958; a Convenção da UNESCO contra Discriminação na Educação, de 1960; e a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião ou Crença, de 1981.
Decorre ainda do referido princípio que se estabeleça um veto às discriminações, ou seja, que se tenha imposto o não diferenciar, que se imponha positivamente a obrigatoriedade de se dispensar tratamento igual a todos. Além disso, atualmente tem-se entendido que a articulação do princípio de não discriminação com a ação afirmativa resulta em inclusão social. É com essa perspectiva, por exemplo, que a Carta dos Direitos Fundamentais, recentemente adotada pela União Européia, admite que, para se conseguir a igualdade, o direito de não ser discriminado deve ser complementado pelo direito ao usufruto das medidas projetadas para garantir autonomia, inserção e participação na vida da comunidade.
Cançado Trindade assevera que o princípio de não discriminação está vinculado às políticas de ação afirmativa para grupos ou populações vulneráveis:
As políticas de ação afirmativa para grupos vulneráveis encontra-se diretamente vinculadas à luta pela prevalência do princípio da não discriminação (Trindade, 2002: 55)
Além disso, temos ainda o que Canotilho chama de “função de não discriminação” - uma das principais funções dos direitos fundamentais. Segundo esse constitucionalista lusitano, a partir do princípio de igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados numa Constituição, se assegura que o Estado trate os seus cidadãos como fundamentalmente iguais, e, por conseqüência, aplica-se a função de não discriminação a todos os tipos de direitos: aos direitos, liberdades e garantias pessoais; de participação política; direitos sociais e aos direitos à prestação. O autor observa que tal função se coaduna inteiramente à instituição de cotas:
É com base nesta função de não discriminação que se discute o problema das quotas (ex. ‘parlamento paritário de homens e mulheres’) e o problema das afirmative actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidades (ex. ‘quotas de deficientes’). É ainda com uma acentuação-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efetivação plena da igualdade de direitos numa sociedade multicultural e hiperinclusiva (‘direitos dos homossexuais’, ‘direitos das mães solteiras’, ‘direitos das pessoas portadoras de HIV’) (Canotilho, 2000: 386)
II. II. Aspectos Normativos Internacionais e Nacionais
No campo estritamente normativo, há um verdadeiro arsenal de regras que exemplificam ou respaldam a adoção de ações afirmativas no Brasil. Na ordem jurídica internacional, as diversas convenções, tratados, pactos e programas, além de proibirem toda forma de discriminação, também prevêem a adoção de políticas de promoção da igualdade, utilizando a expressão “medidas especiais” e “ação afirmativa”. Destacamos, dentre outras:
I. Convenção sobre a Discriminação em Emprego e Profissão nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT
11. O artigo 5o, 1, da referida Convenção, reza que:
As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não são consideradas como discriminação
II. A Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino
12. No caso,
consciente de que incumbe conseqüentemente à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, dentro do respeito da diversidade dos sistemas nacionais de educação, não só proscrever qualquer discriminação em matéria de ensino, mas igualmente promover a igualdade de oportunidade e tratamento para todos neste campo”. Com tal propósito estabelece no seu Artigo I: “para os fins da presente convenção o termo ‘discriminação’ abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino”. No item 2, do mesmo Artigo, diz : “para os fins da presente Convenção, a palavra ‘ensino’ refere-se aos diversos tipos e graus de ensino e compreende o acesso ao ensino, seu nível e qualidade e as condições em que é subministrado
III. A convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. O artigo 1o, item 4, da referida convenção alude que
não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos e indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.
IV. A convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW). Esta convenção no artigo 4o, item 1, considera que:
a adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento haverem sido alcançados
V. O Plano de Ação de Durban (2003), nos artigos 99 e 100, reconhece que o combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlataé responsabilidade primordial dos Estados, e incentiva aos mesmos a
desenvolverem e elaborarem planos de ação nacionais para promoverem a diversidade, igualdade, eqüidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação para todos. Através, dentre outras coisas, de ações e de estratégias afirmativas ou positivas; estes planos devem visar a criação de condições necessárias para a participação efetiva de todos nas tomadas de decisão e o exercício dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais em todas as esferas da vida com base na não-discriminação. A Conferência Mundial incentiva os Estados que desenvolverem e elaborarem os planos de ação, para que estabeleçam e reforcem o diálogo com organizações não-governamentais para que elas sejam intimamente envolvidas na formulação, implementação e avaliação de políticas e de programas.
Insta os Estados a estabelecerem, com base em informações estatísticas, programas nacionais, inclusive programas de ações afirmativas ou medidas de ação positivas, para promoverem o acesso de grupos de indivíduos que são ou podem vir a ser vítimas de discriminação racial nos serviços sociais básicos, incluindo, educação fundamental, atenção primária à saúde e moradia adequada;
Na ordem jurídica brasileira, o legislador já editou leis e outros tipos normativos que reconhecem o direito à diferença de tratamento legal para diversos grupos considerados vulneráveis. As diversas normas jurídicas editadas não se referem ao termo “ação afirmativa” ou “medidas especiais”, se bem que as leis editadas pelo Estado do Rio de Janeiro se referem ao termo “cotas”. Os termos empregados são: “reservar” (por exemplo, na Lei no 9.504/97), “reservará” (por exemplo, na Carta Federal, o artigo 37, Inciso VIII) e “reservarão” (por exemplo, na Lei no 5.465/68 – “Lei do Boi” – já revogada). Nesse particular, na Constituição Federal de 1988, destacamos:
- o artigo o 1o, inciso III (princípio que resguarda o valor da dignidade humana);
- o artigo 3º, incisos I, III e IV (constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e erradicar a (....) marginalização e reduzir as desigualdades sociais...);
- o artigo 4º, incisos II e VIII (a República Federativa do Brasil, no plano das relações internacionais, deve velar pela observância dos princípios da prevalência dos direitos humanos e do repúdio ao terrorismo e ao racismo);
- o artigo 5o,, incisos XLI e XLII (consagra o princípio da igualdade; punição para qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, e, enuncia que racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei), e parágrafo 2o, consagrando a incorporação do direito advindos dos tratados internacionais;
- o artigo 7o, inciso XXX (no campo dos direitos sociais, proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil);
- o artigo 23, inciso X (combater (...) os fatores de marginalização);
- o artigo 37, inciso VIII (a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão);
- o artigo 145, § 1º (Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...);
- o artigo 170, incisos VII (redução das desigualdades (...) sociais) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País);
- o artigo 179 (a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei);
- o artigo 227, inciso II criação de programas (...) de integração social dos adolescentes portadores de deficiência.
Das leis ordinárias, destacamos:
- o decreto-lei 5.452/43 (CLT), que prevê, em seu art. 354, cota de dois terços de brasileiros para empregados de empresas individuais ou coletivas;
- o decreto-lei 5.452/43 (CLT), que estabelece em seu art. 373-a, a adoção de políticas destinadas a corrigir as distorções responsáveis pela desigualdade de direitos entre homens e mulheres;
- a Lei 8.112/90, que determina, em art. 5o, § 2º, reserva de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público civil da união;
- a Lei 8.213/91, que fixou, em seu art. 93, reserva para as pessoas portadoras de deficiência no setor privado;
- a lei 8.666/93, que preceitua, em seu art. 24, inc. XX, a inexigibilidade de licitação para contratação de associações filantrópicas de pessoas portadoras de deficiência;
- a lei nº 9.029, de 13/04/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais, ou de permanência da relação jurídica de trabalho;
- a lei 9.504/97, que preconiza, em seu art. 10, § 3º, “reserva de vagas” para mulheres nas candidaturas partidárias.
- a Lei 10.639/93, que altera a lei 9.394/96, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".
Apesar de pouco comentado pela literatura especializada, o pioneirismo na criação de políticas de ação afirmativa no âmbito da educação pública superior, antes mesmo da edição das leis de cotas para negros do Estado do Rio de Janeiro, coube ao Governo Federal, em 1968, com a lei no 5.465/68. Essa lei que instituiu reserva de vagas, diz no artigo 1o:
Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.
Essa lei, ironicamente apelidada de “lei do boi”, na prática acabava favorecendo os membros da elite rural brasileira e foi revogada em 17 de dezembro de 1985 pela lei nº 7.423, durante o mandato do ex-presidente da República José Sarney.
Outra iniciativa pioneira, igualmente pouco comentada, decorreu de sentença proferida pelo Poder Judiciário. O Ministério Público Federal, no Estado do Ceará, ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP no 990017917-00) pleiteando cotas para alunos egressos da rede pública de ensino na Universidade Federal daquele Estado. O juiz Federal que julgou a ação determinou, em setembro de 1999, que a referida Universidade, em nome do princípio da isonomia, reservasse cinqüenta por cento (50%) das vagas de todos os seus cursos para estudantes egressos da rede pública de ensino
13.
Neste ponto, é indispensável uma abordagem do tema em comento à luz do princípio da igualdade, a começar pela sua conformação no Direito Constitucional Comparado, que tem contribuído de forma substancial para o aprimoramento da implantação das políticas de ação afirmativa em diversos países.
II. III. O Princípio da Igualdade no Direito Constitucional Comparado.
Uma breve incursão no campo do Direito Constitucional Comparado nesse ponto do trabalho se faz necessária, porquanto as políticas de ação afirmativa que estão sendo implantadas no Brasil são originárias de outros países.
Cumpre destacar que a comparação de estruturas constitucionais não deve ser limitada a uma abordagem que privilegie a semântica das Constituições. Muitas vezes esse procedimento pode induzir o pesquisador a erro, levando-o a concluir pela existência de um consenso em torno de princípios, regras, institutos, de sistemas jurídicos totalmente diferentes. Portanto, deve-se evitar o mimetismo jurídico ou a importação automática de experiências estrangeiras. Nesse sentido, há uma necessidade imperiosa de a comparação não se limitar à dimensão formal, teórica, das estruturas constitucionais selecionadas. A ela deve estar automaticamente associada a dimensão prática, correspondente ao modo pelo qual são aplicados os dispositivos constitucionais confrontados.
O pressuposto de imperatividade da isonomia material em uma sociedade democrática inclusiva é o núcleo duro de toda a problemática da efetividade das políticas de ação afirmativa
14. Por conseguinte, e ainda numa perspectiva global, a igualdade substancial representa em relação à igualdade formal uma clivagem essencial no entendimento do conceito de igualdade que, como é óbvio, está longe de ser indiferente para apreciação e interpretação do sistema jurídico no seu conjunto e das respectivas normas.
A insistência na questão da superação do paradoxo da igualdade formal versus igualdade substancial (ou material) no plano da igualdade de direitos e de oportunidades faz-se necessária, na medida em que o tema em discussão é contemporâneo às questões legisladas nas diversas Constituições e submetidas a tantos outros Tribunais Constitucionais.
A remoção dos obstáculos de fato ao exercício dos direitos fundamentais é a afirmação do princípio de igualdade concretizado através de critérios legais de tratamento diferenciador dos indivíduos, em função de parâmetros definidores da sua situação concreta. Melhor explicando, podemos afirmar que “à intervenção estatal hão-de presidir critérios de justiça distributiva conformando-se aquela pela medida e natureza das reais desigualdades fácticas existentes” (Prata, 1982: 93). O princípio da igualdade contém diretiva essencial dirigida ao próprio legislador: tratar por igual aquilo que é essencialmente igual, por desigual aquilo que é essencialmente desigual. A qualificação das várias situações como iguais ou desiguais depende do caráter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais (Gomes & Moreira, 1978: 68).
À guisa de contribuição, a Constituição da República da África do Sul pós-apartheid adotou medidas positivas com base no princípio da igualdade para proteger ou promover direitos de pessoas ou de grupos em situação de desvantagem decorrentes de discriminação, conforme consta do seu Bill of Rights
15:
Equality includes the full and equal enjoyment of rights and freedoms. To promote the achievement of equality, legislative and other measures designed to protect or advance persons, or categories of persons disadvantaged by unfair discrimination in any be taken
A Constituição Canadense, por seu turno, adotou em 1982 Affirmative action programs
16, com objetivos similares àqueles estabelecidos na Constituição da África do Sul. A Parte I do Constitution Act de 1982 estabelece como regra geral a igualdade perante as leis e a proibição de determinadas formas de discriminação. O artigo 15 do Canadian Charter of Rights and Freedom, também chamado de affirmative action clause, estipula as exceções admitidas, nos seguintes termos:
artigo 15, item 1: “Todos os indivíduos são iguais perante e sob a lei, e têm direito à igual proteção e ao igual benefício da lei sem discriminações e, em particular, sem discriminação baseada em raça, origem nacional ou étnica, cor, religião, idade, ou deficiência física ou mental
artigo 15, item 2. “A subseção (I) não impede qualquer lei, programa ou atividade que tenha como seu objeto a melhoria das condições de indivíduos ou grupos desfavorecidos, incluindo aqueles que estão em desvantagem devido a raça, origem étnica ou nacional, cor, religião, sexo, idade, ou deficiência física ou mental (Menezes, 2001:128)
Encontramos ainda a proteção particularizada de populações vulneráveis, sob forma de ação afirmativa amparada no princípio da igualdade material, nos dispositivos constitucionais dos seguintes países europeus: Finlândia: art. 50, in fine; Suécia: cap.1, art. 2, in asfine e cap. 2, e arts. 14 e 15, in fine; Alemanha: arts. 6 (5); 20 (1); Bulgária: arts. 35 (4), 65; Polônia : arts. 67 (2) , 81; Romênia; art. 17; Tchecoslováquia: art. 20 (2); Áustria: art. 8º, Lei Fundamental 21.12.1867; art. 19; Tratado de Saint Germain; arts. 62 a 68; Tratado Internacional de 15.5.1955; arts. 7 e 26; Iugoslávia: Princípios Fundamentais, inc. VII, parágrafo 2º (4º item), arts. 170, 171, 245 a 248.
Conforme as circunstâncias nacionais o permitem o debate e a criação de políticas públicas de ação afirmativa vem avançando nos Estados sul-americanos. O valor normativo dado aos conceitos de miscigenação e de democracia racial na Região, que sustentam a tese da convivência harmônica entre afrodescendente, indígenas e brancos, sugere ter motivado a demora de uma tomada de consciência para a questão a fim de resolvê-la, mais ainda no âmbito estatal, influenciado que é pelo racismo estrutural.
Nessa mesma linha de pensamento, Marta Rangel, estudando os Censos nos Estados da America Latina e Caribe, enuncia que:
en países como Venezuela, donde la presencia afrodescendiente es significativa, prevalece la Idea de que la población es el resultado de la mezcla entre blancos, negros e indios una población “café con leche”. Supuestamente, esto impediría la existencia de racismo en el país y contribuiría a que no se investigue la condición étnica de la población en los censos.
Os esforços que vêm sendo envidados para modificar essa realidade resultaram no incremento da produção legislativa e administrativa em países (além do Brasil) como a Argentina, a Colômbia, o Chile, o Equador, o Peru, o Uruguai e a Bolívia, por exemplo.
Na última década a entrada dos Estados sul americanos (e daqueles membros do tratado do MERCOSUL) na temática étnico-racial tem se incrementado mediante vários instrumentos: acordos, pactos, tratados, conferências e encontros, muitos deles tendo como participantes ou observadores organizações de natureza civil, como as ONGs, a exemplo das Pré-Conferências Regionais preparatórias para a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, ocorrida em Durban, 2001, as Conferências Regionais das Américas, as Reuniões de Altas Autoridades em Direitos Humanos do MERCOSUL etc. De mais disso, nesse mesmo período, os Estados sul americanos, notadamente o Brasil e o Chile, vêm se esforçado para participar e influenciar na elaboração ou aperfeiçoamento dos instrumentos internacionais e regionais de combate ao racismo e à discriminação racial, a exemplo das tratativas para a elaboração do projeto da Convenção Interamericana contra o Racismo e toda Forma de Discriminação e Intolerância, determinada pela Resolução AG/RES. 2126 (XXXV-O/05) da Assembléia Geral da OEA, cujo Grupo de Trabalho foi encabeçado por um representante do Estado brasileiro, em Washington, 2006, e a realização do Seminário de Alto Nível sobre Racismo na Internet, durante a 4ª Sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental na Implantação da Declaração e do Programa de Ação de Durban, realizado na ONU, em Genebra, em 2006, cuja presidência coube ao representante do Estado chileno.
Esses Estados, principalmente após as diversas eleições presidenciais que colocaram em declínio os últimos resquícios de governos autoritários e neoliberais, em geral pouco simpáticos a essas políticas sociais, exemplificado pela eleição e reeleição de Hugo Chávez na Venezuela, de Néstor Kirchner e de Cristina de Kirchner na Argentina, de Evo Morales na Bolívia, de Michelle Bachelet no Chile, de Tabaré Vásquez no Uruguai etc., a partir da passagem da década de 1990, a exemplo do Estado brasileiro, começaram a incorporar políticas de reconhecimento e de ação afirmativa em suas Constituições, Leis e Atos Administrativos Normativos, bem como a criar órgãos governamentais assemelhados à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República - SEPPIR brasileira.
Nesse sentido, Illia García[iii], aponta que:
En Colombia en el marco del proceso constituyente en el año 1992, se reconoce la propiedad colectiva de las tierras que ha ocupado la población negra en las zonas rurales ribereñas de los ríos de la Cuenca del Pacífico y establece mecanismos de protección de la identidad cultural y de los derechos de las comunidades negras como grupo étnico. En Ecuador, el Movimiento Afroecuatoriano elaboró un Anteproyecto de Ley de Defensa de los afroecuatorianos. En Perú el gobierno aprobó la Ley Antidiscriminatoria y en Nicaragua fue aprobada la Ley de la Costa Atlántica, donde está asentada la mayoría de la población negra afronicaraguense, reconociendo su territorialidad. En Bolivia y Venezuela, los afrodescendientes impulsan reformas para incorporar el reconocimiento expreso de los derechos de las comunidades afrodescendientes, con sus características y necesidades.
Esses esforços estão sendo materializados nos Textos constitucionais dos países sul-americanos, conforme servem de ilustração os excertos das Constituições abaixo reproduzidos.
Colômbia – Constituição de 1991, com a Reforma de 1997
Art. 7. El Estado reconoce y protege la diversidad étnica y cultural de la Nación colombiana;
Art. 13. Todas las personas nacen libres e iguales ante la ley, recibirán la misma protección y trato de las autoridades y gozarán de los mismos derechos, libertades y oportunidades sin ninguna discriminación por razones de sexo, raza, origen nacional o familiar, lengua, religión, opinión política o filosófica.
El Estado promoverá las condiciones para que la igualdad sea real y efeciva y adoptará medidas en favor de grupos discriminados o marginados".
Argentina - Constituição 22 de agosto de 1994
Capítulo quarto: Atribuições do Congresso
Art. 23: Legislar e promover medidas de ação positiva que garantam a igualdade real de oportunidades e de trato e pleno gozo e exercício dos direitos reconhecidos por esta Constituição e por tratados internacionais vigentes sobre direitos humanos, em particular das crianças, mulheres, anciãos e pessoas com incapacidade.
Paraguai - Constituição da República de 1992
Art. 46: Todos os habitantes da República do Paraguai são iguais em dignidade e direitos. Não se admite discriminações. O Estado removerá os obstáculos e impedirá os fatores que os mantêm ou propiciam.
Artículo 62 - DE LOS PUEBLOS INDÍGENAS Y GRUPOS ÉTNICOS
Esta Constitución reconoce la existencia de los pueblos indígenas, definidos como grupos de cultura anteriores a la formación y organización del Estado paraguayo.
Artículo 63 - DE LA IDENTIDAD ÉTNICA
Queda reconocido y garantizado el derecho de los pueblos indígenas a preservar y a desarrollar su identidad étnica en el respectivo hábitat. Tienen derecho, asimismo, a aplicar libremente sus sistemas de organización política, social, económica, cultural y religiosa, al igual que la voluntaria sujeción a sus normas consuetudinarias para la regulación de la convivencia interior siempre que ellas no atenten contra los derechos fundamentales establecidos en esta Constitución. En los conflictos jurisdiccionales se tendrá en cuenta el derecho consuetudinario indígena.
Artículo 64 - DE LA PROPIEDAD COMUNITARIA
Los pueblos indígenas tienen derecho a la propiedad comunitaria de la tierra, en extensión y calidad suficientes para la conservación y el desarrollo de sus formas peculiares de vida. El Estado les proveerá gratuitamente de estas tierras, las cuales serán inembargables, indivisibles, intransferibles, imprescriptibles, no susceptibles, no susceptibles de garantizar obligaciones contractuales ni de ser arrendadas; asimismo, estarán exentas de tributo.
Se prohibe la remoción o traslado de su hábitat sin el expreso consentimiento de los mismos.
Artículo 65 - DEL DERECHO A LA PARTICIPACIÓN
Se garantiza a los pueblos indígenas el derecho a participar en la vida económica, social, política y cultural del país, de acuerdo con sus usos consuetudinarios, ésta Constitución y las leyes nacionales.
Artículo 66 - DE LA EDUCACIÓN Y LA ASISTENCIA
El Estado respetará las peculiaridades culturales de los pueblos indígenas especialmente en lo relativo a la educación formal. Se atenderá, además, a su defensa contra la regresión demográfica, la depredación de su hábitat, la contaminación ambiental, la explotación económica y la alienación cultural.
Artículo 67 - DE LA EXONERACIÓN
Los miembros de los pueblos indígenas están exonerados de prestar servicios sociales, civiles o militares, así como de las cargas públicas que establezca la ley
CAPÍTULO VII DE LA EDUCACIÓN Y DE LA CULTURA
Artículo 77 - DE LA ENSEÑANZA EN LENGUA MATERNA
La enseñanza en los comienzos del proceso escolar se realizará en la lengua oficial materna del educando. Se instruirá asimismo en el conocimiento y en el empleo de ambos idiomas oficiales de la República
En el caso de las minorías étnicas cuya lengua materna no sea el guaraní, se podrá elegir uno de los dos idiomas oficiales
VENEZUELA
Constitución de la República Bolivariana de Venezuela Publicada en Gaceta Oficial del jueves 30 de diciembre de 1999, N° 36.860
Preámbulo
El pueblo de Venezuela, en ejercicio de sus poderes creadores e invocando la protección de Dios, el ejemplo histórico de nuestro Libertador Simón Bolívar y el heroísmo y sacrificio de nuestros antepasados aborígenes y de los precursores y forjadores de una patria libre y soberana; con el fin supremo de refundar la República para establecer una sociedad democrática, participativa y protagónica, multiétnica y pluricultural en un Estado de justicia, federal y descentralizado, que consolide los valores de la libertad, la independencia, la paz, la solidaridad, el bien común, la integridad territorial, la convivencia y el imperio de la ley para esta y las futuras generaciones; asegure el derecho a la vida, al trabajo, a la cultura, a la educación, a la justicia social y a la igualdad sin discriminación ni subordinación alguna; promueva la cooperación pacífica entre las naciones e impulse y consolide la integración latinoamericana de acuerdo con el principio de no intervención y autodeterminación de los pueblos, la garantía universal e indivisible de los derechos humanos, la democratización de la sociedad internacional, el desarme nuclear, el equilibrio ecológico y los bienes jurídicos ambientales como patrimonio común e irrenunciable de la humanidad; en ejercicio de su poder originario representado por la Asamblea Nacional Constituyente mediante el voto libre y en referendo democrático, decreta la siguiente CONSTITUCIÓN
Artículo 9. °
El idioma oficial es el castellano. Los idiomas indígenas también son de uso oficial para los pueblos indígenas y deben ser respetados en todo el territorio de la República, por constituir patrimonio cultural de la Nación y de la humanidad.
Bolívia - Constituição da República de 2007
Art. 1o: A Bolívia se constitui em um Estado Unitário, Social, de Direito, Plurinacional, Comunitário, livre, autonômico e descentralizado, independente, soberano, democrático e intercultural. Funda-se na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e lingüístico, dentro do processo integrador do país
Chile
Constitución Política De La República De Chile De 1980 Incluye Reformas de 1989, 1991, 1997, 1999, 2000, 2003 y 2005. Actualizada hasta la Ley 20.050 de 2005
Artículo 19.-La Constitución asegura a todas las personas:
Nº 1.- El derecho a la vida y a la integridad física y psíquica de la persona.
La ley protege la vida del que está por nacer. La pena de muerte sólo podrá establecerse por delito contemplado en ley aprobada con quórum calificado.
Se prohíbe la aplicación de todo apremio ilegítimo;
Nº 2.- La igualdad ante la ley. En Chile no hay persona ni grupo privilegiados. En Chile no hay esclavos y el que pise su territorio queda libre. Hombres y mujeres son iguales ante la ley.
(Modificado por Ley 19.611 de 1999)
Ni la ley ni autoridad alguna podrán establecer diferencias arbitrarias;
Nº 3.- La igual protección de la ley en el ejercicio de sus derechos.
Nº 16.- La libertad de trabajo y su protección.
Toda persona tiene derecho a la libre contratación y a la libre elección del trabajo con una justa retribución.
Se prohíbe cualquiera discriminación que no se base en la capacidad o idoneidad personal, sin perjuicio de que la ley pueda exigir la nacionalidad chilena o límites de edad para determinados casos.
Perú
Constitucion Política Del Perú 1993 - Incluyendo las reformas introducidas por: Ley Nº 26.470 del 12 de junio de 1995, Ley Nº 26.472 del 13 de junio de 1995, Ley Nº 27.365 del 5 de noviembre de 2000, Ley Nº 27.680 del 7 de marzo de 2002, Ley Nº 28.389 del 17 de noviembre de 2004, Ley Nº 28.480 del 30 de marzo de 2005, Ley Nº 28.484 del 5 de abril de 2005, Ley N° 28.607 del 4 de octubre de 2005)
TITULO I - DE LA PERSONA Y DE LA SOCIEDAD - CAPITULO I DERECHOS FUNDAMENTALES DE LA PERSONA
Artículo 1º La defensa de la persona humana y el respeto de su dignidad son el fin supremo de la sociedad y del Estado.
Artículo 2º
Toda persona tiene derecho: 1. A la vida, a su identidad, a su integridad moral, psíquica y física y a su libre desarrollo y bienestar. El concebido es sujeto de derecho en todo cuanto le favorece.
2. A la igualdad ante la ley. Nadie debe ser discriminado por motivo de origen, raza, sexo, idioma, religión, opinión, condición económica o de cualquiera otra índole.
19. A su identidad étnica y cultural. El Estado reconoce y protege la pluralidad étnica y cultural de la Nación.
Artículo 37º
La extradición sólo se concede por el Poder Ejecutivo previo informe de la Corte Suprema, en cumplimiento de la ley y de los tratados, y según el principio de reciprocidad. No se concede extradición si se considera que ha sido solicitada con el fin de perseguir o castigar por motivo de religión, nacionalidad, opinión o raza.
Artículo 26º
En la relación laboral se respetan los siguientes principios: 1. Igualdad de oportunidades sin discriminación. 2. Carácter irrenunciable de los derechos reconocidos por la Constitución y la ley. 3. Interpretación favorable al trabajador en caso de duda insalvable sobre el sentido de una norma.
CAPITULO VI DEL REGIMEN AGRARIO Y DE LAS COMUNIDADES CAMPESINAS Y NATIVAS
Artículo 88º
El Estado apoya preferentemente el desarrollo agrario. Garantiza el derecho de propiedad sobre la tierra, en forma privada o comunal o en cualquiera otra forma asociativa. La ley puede fijar los límites y la extensión de la tierra según las peculiaridades de cada zona. Las tierras abandonadas, según previsión legal, pasan al dominio del Estado para su adjudicación en venta. Artículo 89º
Las Comunidades Campesinas y las Nativas tienen existencia legal y son personas jurídicas. Son autónomas en su organización, en el trabajo comunal y en el uso y la libre disposición de sus tierras, así como en lo económico y administrativo, dentro del marco que la ley establece. La propiedad de sus tierras es imprescriptible, salvo en el caso de abandono previsto en el Artículo anterior. El Estado respeta la identidad cultural de las Comunidades Campesinas y Nativas.
Uruguai
Constitución Política De La República Oriental Del Uruguay De 1967 - Incluye reformas plebiscitadas el 26 de Noviembre de 1989; 26 de Novembre de 1994; 8 de Diciembre de 1996 y 31 de Octubre de 2004. Actualizada hasta la reforma del 31 de Octubre de 2004.
SECCION II DERECHOS, DEBERES Y GARANTIAS CAPITULO I
Artículo 8º.- Todas las personas son iguales ante la ley, no reconociéndose otra distinción entre ellas sino la de los talentos o las virtudes.
Equador - Constitución Política De La República De Ecuador De 1998
LA ASAMBLEA NACIONAL CONSTITUYENTE EXPIDE LA PRESENTE
CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE LA REPÚBLICA DEL ECUADOR
EL PUEBLO DEL ECUADOR
Inspirado en su historia milenaria, en el recuerdo de sus héroes y en el trabajo de hombres y mujeres que, con su sacrificio, forjaron la patria; fiel a los ideales de libertad, igualdad, justicia, progreso, solidaridad, equidad y paz que han guiado sus pasos desde los albores de la vida republicana, proclama su voluntad de consolidar la unidad de la nación ecuatoriana en el reconocimiento de la diversidad de sus regiones, pueblos, etnias y culturas, invoca la protección de Dios, y en ejercicio de su soberanía, establece en esta Constitución las normas fundamentales que amparan los derechos y libertades, organizan el Estado y las instituciones democráticas e impulsan el desarrollo económico y social.
TÍTULO I DE LOS PRINCIPIOS FUNDAMENTALES
Art. 1.- El Ecuador es un estado social de derecho, soberano, unitario, independiente, democrático, pluricultural y multiétnico. Su gobierno es republicano, presidencial, electivo, representativo, responsable, alternativo, participativo y de administración descentralizada.
El Estado respeta y estimula el desarrollo de todas las lenguas de los ecuatorianos. El castellano es el idioma oficial. El quichua, el shuar y los demás idiomas ancestrales son de uso oficial para los pueblos indígenas, en los términos que fija la ley.
Sección séptima De la cultura
Art. 62.- La cultura es patrimonio del pueblo y constituye elemento esencial de su identidad. El Estado promoverá y estimulará la cultura, la creación, la formación artística y la investigación científica. Establecerá políticas permanentes para la conservación, restauración, protección y respeto del patrimonio cultural tangible e intangible, de la riqueza artística, histórica, lingüística y arqueológica de la nación, así como del conjunto de valores y manifestaciones diversas que configuran la identidad nacional, pluricultural y multiétnica. El Estado fomentará la interculturalidad, inspirará sus políticas e integrará sus instituciones según los principios de equidad e igualdad de las culturas.
Art. 63.- El Estado garantizará el ejercicio y participación de las personas, en igualdad de condiciones y oportunidades, en los bienes, servicios y manifestaciones de la cultura, y adoptará las medidas para que la sociedad, el sistema educativo, la empresa privada y los medios de comunicación contribuyan a incentivar la creatividad y las actividades culturales en sus diversas manifestaciones. Los intelectuales y artistas participarán, a través de sus organizaciones, en la elaboración de políticas culturales.
Capítulo 5 De los derechos colectivos
Sección primera
De los pueblos indígenas y negros o afroecuatorianos
Art. 83.- Los pueblos indígenas, que se autodefinen como nacionalidades de raíces ancestrales, y los pueblos negros o afroecuatorianos, forman parte del Estado ecuatoriano, único e indivisible.
Art. 84.- El Estado reconocerá y garantizará a los pueblos indígenas, de conformidad con esta Constitución y la ley, el respeto al orden público y a los derechos humanos, los siguientes derechos colectivos:
1. Mantener, desarrollar y fortalecer su identidad y tradiciones en lo espiritual, cultural, lingüístico, social, político y económico. 2. Conservar la propiedad imprescriptible de las tierras comunitarias, que serán inalienables, inembargables e indivisibles, salvo la facultad del Estado para declarar su utilidad pública. Estas tierras estarán exentas del pago del impuesto predial. 3. Mantener la posesión ancestral de las tierras comunitarias y a obtener su adjudicación gratuita, conforme a la ley. 4. Participar en el uso, usufructo, administración y conservación de los recursos naturales renovables que se hallen en sus tierras. 5. Ser consultados sobre planes y programas de prospección y explotación de recursos no renovables que se hallen en sus tierras y que puedan afectarlos ambiental o culturalmente; participar en los beneficios que esos proyectos reporten, en cuanto sea posible y recibir indemnizaciones por los perjuicios socio-ambientales que les causen. 6. Conservar y promover sus prácticas de manejo de la biodiversidad y de su entorno natural. 7. Conservar y desarrollar sus formas tradicionales de convivencia y organización social, de generación y ejercicio de la autoridad. 8. A no ser desplazados, como pueblos, de sus tierras.
9. A la propiedad intelectual colectiva de sus conocimientos ancestrales; a su valoración, uso y desarrollo conforme a la ley. 10. Mantener, desarrollar y administrar su patrimonio cultural e histórico. 11. Acceder a una educación de calidad. Contar con el sistema de educación intercultural bilingüe. 12. A sus sistemas, conocimientos y prácticas de medicina tradicional, incluido el derecho a la protección de los lugares rituales y sagrados, plantas, animales, minerales y ecosistemas de interés vital desde el punto de vista de aquella. 13. Formular prioridades en planes y proyectos para el desarrollo y mejoramiento de sus condiciones económicas y sociales; y a un adecuado financiamiento del Estado. 14. Participar, mediante representantes, en los organismos oficiales que determine la ley. 15. Usar símbolos y emblemas que los identifiquen.
Art. 85.- El Estado reconocerá y garantizará a los pueblos negros o afroecuatorianos, los derechos determinados en el artículo anterior, en todo aquello que les sea aplicable.
TÍTULO XI DE LA ORGANIZACIÓN TERRITORIAL Y DESCENTRALIZACIÓN Capítulo 1 Del régimen administrativo y seccional
Art. 224.- El territorio del Ecuador es indivisible. Para la administración del Estado y la representación política existirán provincias, cantones y parroquias. Habrá circunscripciones territoriales indígenas y afroecuatorianas que serán establecidas por la ley.
Art. 241.- La organización, competencias y facultades de los órganos de administración de las circunscripciones territoriales indígenas y afroecuatorianas, serán reguladas por la ley.
Vale observar que os dispositivos constitucionais acima citados, sejam de países europeus ou sul-americanos, encontram similaridades nos princípios e regras de igualdade e não discriminação presentes na Constituição Brasileira em vigor.
III. A Doutrina Brasileira de Direito Constitucional e a Constitucionalidade das Políticas de Ação Afirmativa.
A maioria dos autores da doutrina brasileira de Direito Constitucional propõe tratamento favorável a quem está em situação de desvantagem em razão de pertencer a grupos débeis econômica e socialmente. Logo, a ação afirmativa não constitui violação do princípio da igualdade, pois, ao contrário, pretende viabilizar a isonomia material.
(...) Tal contexto de estatísticas sociais desfavoráveis para aqueles contingentes humanos inferiorizados da sociedade, a persistência nas generalizações legislativas, com adoção de normas simplistas, genéricas e iguais para todos, independentemente das notórias diferenças sociais e econômicas que são fruto, por exemplo, do escravismo e da cultura machista, não propicia a mobilidade e a emancipação social desses grupos discriminados e, até mesmo, aprofunda e reproduz os condenáveis preconceitos histórica e culturalmente enquistados no organismo social. Nesse campo de questões, que bem exprime as relações sempre tensas entre o Direito e a sociedade, a caracterizar o fenômeno a que designamos de constitucionalismo de resultado, percebe-se nitidamente o abandono do classicismo isonômico e a busca de instrumentos de aplicação e interpretação da Constituição capazes de enfrentar o imobilismo conservador e de prestigiar as políticas públicas mudancistas e de transformação social. Em tal ordem de convicções, as ações positivas despontam como um mecanismo da justiça distributiva, destinado a compensar inferioridades sociais, econômicas e culturais associadas a dados da natureza e ao nascimento dos indivíduos, como raça e sexo. (...) A adoção de cotas para ingresso de estudantes negros em universidades brasileiras afigura-nos como uma necessária medida para solucionar o desproporcional quadro do ensino superior em nosso País (Castro, 2003: 444-446; 451)
Nesse mesmo sentido, comentando a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, acerca do conteúdo jurídico do princípio da igualdade, Marcelo Neves aduz que:
Numa perspectiva rigorosamente positivista, Bandeira de Mello enfatiza que o princípio constitucional da isonomia envolve discriminações legais de pessoas, coisas, fatos e situações. Discute, então, quando discrímenes se justificam sem que o princípio vetor seja deturpado. E aponta três exigências: a presença de traços diferenciais nas pessoas, coisas, situações ou fatos; correlação lógica entre fator discrímen e desequiparação procedida; consonância da discriminação com os interesses e valores protegidos na Constituição (Neves, 1996: 262)
Em decorrência:
quanto mais se sedimenta historicamente e se efetiva a discriminação social negativa contra grupos étnico-raciais específicos, principalmente quando elas impliquem obstáculos relevantes ao exercício de direitos, tanto mais se justifica a discriminação jurídica positiva em favor dos seus membros, pressupondo-se que esta se oriente no sentido da integração igualitária de todos no Estado e na sociedade (Neves, 1996: 262)
Conclui que:
as discriminações legais positivas em favor da integração de negros e índios estão em consonância com os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelecidos nos incisos III e IV do seu artigo 3º(Neves, 1996: 263)
Joaquim B. Barbosa Gomes, ministro do Supremo Tribunal Federal, nesse mesmo sentido e posicionando-se a favor da constitucionalidade das ações afirmativas em nosso país, afirma que:
no plano estritamente jurídico (que se subordina, a nosso sentir, à tomada de consciência assinalada nas linhas anteriores), o Direito Constitucional vigente no Brasil, é perfeitamente compatível com o princípio da ação afirmativa. Melhor dizendo, o Direito brasileiro já contempla algumas modalidades de ação afirmativa, inclusive em sede constitucional (Gomes, 2000: 20)
E, conclui que:
assim, à luz desta respeitável doutrina, pode-se concluir que o Direito Constitucional brasileiro abriga, não somente o princípio e as modalidades implícitas e explícitas de ação afirmativa a que já fizemos alusão, mas também as que emanam dos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo nosso país (Gomes, 2000: 21)
Nesse mesmo passo, segue Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, Ministro do Supremo Tribunal Federal, aludindo que:
(...). E, aí, a Lei Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam como fundamentos da República Brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e não nos esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as leis; as leis é que são feitas para os homens. Do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual
17
O jurista Nelson Jobim, no seu discurso de posse como ministro do Supremo Tribunal Federal, em junho de 2004, chamou a atenção dos presentes ao evento para o fato de que:
a regra do convívio democrático. São estes os pressupostos da ação. São essas as exigências do futuro. Façamos um acordo a bem do Brasil e do seu futuro. De um Brasil que reclama a inclusão social e o bem estar de todos. Que exige o desenvolvimento social e econômico. Que passa a enfrentar os seus obstáculos culturais, sociais e econômicos. Que discute e quer dar solução à exclusão dos negros
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E, em agosto de 2004, o mesmo Nelson Jobim, retomando a temática em uma palestra proferida na Câmara Municipal de São Paulo, no seminário A inserção do Afro-descendente na sociedade brasileira, pronunciou-se nos seguintes termos:
o que está por trás das chamadas ações afirmativas? Está exatamente atrás a evolução do tratamento do tema. Não mais ter só exclusivamente a forma reativa, da apenação penal, com todas as suas deficiências, não importa, mas ter também ações que sejam legitimadoras de políticas públicas que possam reduzir o âmbito da desigualdade. E não fazer com que a desigualdade se reproduza. É isto que está atrás dessa discussão das chamadas ações afirmativas e das chamadas quotas de negros ou negras nas universidades etc
19.
Por seu turno, a jurista Lúcia de Lima Bertúlio, enuncia que:
não só não há inconstitucionalidade na proposição de medidas semelhantes aos programas de ação afirmativa em vigor nos Estados Unidos, como há o estímulo de que o Estado, por intermédio de seus poderes, incentive e crie mecanismos para minimizar e até eliminar quaisquer resquícios de discriminação racial no interior da sociedade (Bertúlio, 2003: 15)
A respeito do tema, outro ponto-de-vista importante é aduzido pelo jurista Hédio Silva Jr.:
Salvo engano, é certo que a Constituição de 1988, implícita e explicitamente, não apenas admitiu como prescreveu discriminações, a exemplo da proteção do mercado de trabalho da mulher (artigo 7o, XX) e da previsão de cotas para portadores de deficiência (artigo 37, VIII), donde se conclui que a noção de igualdade circunscrita ao significado estrito de não discriminação foi contrapesada com uma nova modalidade de discriminação, visto como, sob o ângulo material, substancial, o princípio da igualdade admite sim a discriminação, desde que o discrímen seja empregado com a finalidade de promover a igualização (Silva Jr, 2002: 112)
IV. As Políticas de Ação Afirmativa, as Cotas e o atual Posicionamento Jurisprudencial Nacional
O Poder Judiciário brasileiro ainda não se manifestou definitivamente sobre a constitucionalidade ou não das políticas de ação afirmativa e de seus mecanismos (como as cotas) instituídos até o momento. As diversas ações ajuizadas nos tribunais que têm competência para exercer o controle direto de inconstitucionalidade (o Supremo Tribunal Federal
20 e os Tribunais de Justiça21) não foram julgadas no mérito, apesar de a ADI relativa ao PROUNI já ter recebido voto favorável (ratificando a constitucionalidade da lei que o criou) do Ministro-Relator do processo (Carlos Ayres de Britto – ADI/3379 - ) no STF.
Apesar disso, já foram proferidas sentenças e acórdãos por juízos de primeira e de segunda instância, em sede de controle difuso de constitucionalidade, que julgando o mérito dos pedidos formulados nos processos, concluíram pela constitucionalidade das leis que instituíram cotas em favor dos negros em estabelecimentos públicos de educação superior e no serviço público.
Em ratificação ao alegado, transcrevemos um acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no dia 10 dezembro de 2003, relatado pelo Desembargador Cláudio de Mello Tavares, da décima primeira Câmara Cível, na apelação no 2003.001.27.194. O acórdão, julgado por unanimidade, manteve a decisão da primeira instância, ao denegar pedido incidental de inconstitucionalidade, formulado em mandado de segurança individual, impetrado por um candidato ao vestibular da UERJ preterido por outro candidato "cotista", concluindo pela constitucionalidade das leis impugnadas.
Apesar de a ementa do acórdão ser extensa, a mesma merece ser reproduzida pelos fundamentos que justificaram a decisão:
APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DO WRIT. SISTEMA DE COTA MÍNIMA PARA POPULAÇÃO NEGRA E PARDA E PARA ESTUDANTES ORIUNDOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO. LEIS ESTADUAIS 3524/00 E 3708/01. EXEGESE DO TEXTO CONSTITUCIONAL. A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania não combina com desigualdades. República não combina com preconceito. Democracia não combina com discriminação. Nesse cenário sócio-político e econômico, não seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que lhe buscasse a alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história pelas mãos calejadas dos discriminados. É preciso ter sempre presentes essas palavras. A correção das desigualdades é possível. Por isso façamos o que está a nosso alcance, o que está previsto na Constituição Federal, porque, na vida, não há espaço para o arrependimento, para a acomodação, para o misoneísmo, que é a aversão, sem se querer perceber a origem, a tudo que é novo. Mas mãos à obra, a partir da confiança na índole dos brasileiros e nas instituições pátrias. O preceito do art. 5o, da CR/88, não difere dos contidos nos incisos I, III e IV, do art. 206, da mesma Carta. Pensar-se o inverso é prender-se a uma exegese de igualização dita estática, negativa, na contramão com eficaz dinâmica, apontada pelo Constituinte de 1988, ao traçar os objetivos fundamentais da República Brasileira. É bom que se diga que se 45% dos 170 milhões da população brasileira é composta de negros (5% de pretos e 40% de pardos); que se 22 milhões de habitantes do Brasil vivem abaixo da linha apontada como de pobreza e desses 70% são negros, a conclusão que decorre é de que, na realidade, o legislador estadual levou em conta, quando da fixação de cotas, o número de negros e pardos excluídos das universidades e a condição social da parcela da sociedade que vive na pobreza, como posto pela Procuradoria do Estado em sua manifestação. O único modo de deter e começar a reverter o processo crônico de desvantagem dos negros no Brasil é privilegiá-la conscientemente, sobretudo naqueles espaços em que essa ação compensatória tenha maior poder de multiplicação. Eis porque a implementação de um sistema de cotas se torna inevitável. Na medida em que não poderemos reverter inteiramente esta questão em curto prazo, podemos pelo menos dar o primeiro passo, qual seja, incluir negros na reduzida elite pensante do país.
O descortinamento de tal quadro de responsabilidade social, de postura afirmativa de caráter nitidamente emergencial, na busca de uma igualdade escolar entre brancos e negros, esses parcela significativa de elementos abaixo da linha considera como de pobreza, não permite que se vislumbre qualquer eiva de inconstitucionalidade nas leis 3.524/00 e 3708/01, inclusive no campo do princípio da proporcionalidade, já que traduzem tão-somente o cumprimento de objetivos fundamentais da República. Ainda que assim não fosse interpretada a questão exposta nos presentes autos, verifica-se da documentação instrutória do recurso que para o Curso de Letras a Apelada ofereceu 326 vagas, distribuídas entre os dois vestibulares (SADE, para alunos da rede pública, e o Vestibular Estadual 2003, para alunos que estudaram em escolas particulares). A Apelante concorreu a esse último, ou seja, a 163 vagas, optando pelas subopções G1 e G2, havendo para cada uma a oferta de 18 vagas. Ocorre que no cômputo final de pontos veio a alcançar, na sua melhor colocação, na opção G2 a 57a posição, o que deixa evidenciado que mesmo que não houvesse a reserva de cota para negros e pardos não alcançaria classificação, razão pela qual, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se in totum a decisão hostilizada
22
Nesse ínterim, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), se pronunciou sobre casos envolvendo políticas públicas de ação afirmativa para afro-brasileiros, para pessoas com deficiência e para consumidores em geral. No julgamento do Recurso Especial (REsp) no 56787323, em fevereiro de 2004, o STJ entendeu que uma lei federal (Lei no 8.989/95, alterada pela Lei no 10.754/2003), de natureza tributária, que concedeu isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI - na compra de automóveis por pessoa com deficiência, era constitucional. E, no julgamento do REsp no 7593562 /RJ24, junho de 2006, julgando o caso referente à política tarifária no fornecimento de água para consumidor com menor gasto, o STJ entendeu que era válida essa política instituída pela Lei no 8.987/95, visando o escalonamento na tarifação de água, de modo a pagar menos pelo serviço o consumidor com menor gasto, em nome da política de “ações afirmativas”. E o STJ, em maio de 2008, julgou o primeiro caso de política de ação afirmativa para afro-brasileiros no ensino público superior, envolvendo a Universidade Federal do Paraná, cuja ementa do julgamento, em favor da ação afirmativa implantada pela UFPR, tem o seguinte teor: (Vide maiores detalhes do processo RMS/26089/PR, relatado pelo Ministro Felix Fisher) em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?acao=imprimir&livre=RJP.font.+ou+RJP.suce.&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4):
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DO CERTAME. DESCUMPRIMENTO DE LEI ESTADUAL. RESERVA DE VAGAS PARA AFRO-DESCENDENTES. CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA SOBREPOR-SE À LEI. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO DESPROVIDO.
1. A reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988.
2. A Lei Estadual que prevê a reserva de vagas para afro-descendentes em concurso público está de acordo com a ordem constitucional vigente.
3. As Universidades Públicas possuem autonomia suficiente para gerir seu pessoal, bem como o próprio patrimônio financeiro. O exercício dessa autonomia não pode, contudo, sobrepor-se ao quanto dispõem a Constituição e as Leis.
4. A existência de outras ilegalidades no certame justifica, in casu, a anulação do concurso, restando prejudicada a alegação de que as vagas reservadas a afro-descendentes sequer foram ocupadas.
Recurso desprovido.
Conclusão
A intenção do presente trabalho foi investigar a adoção de políticas de ação afirmativa no Brasil, sob o prisma da sua constitucionalidade, com o propósito de produzir um texto capaz de balizar novos estudos e servir de referência para operadores do Direito e acadêmicos voltados para os estudos em voga. Entre os principais pontos a que a presente investigação conduziu ou de que ela se valeu, destacam-se as seguintes:
1. Trazido do continente africano para o Brasil ao longo dos séculos XVI e XIX e reduzido à escravidão, o negro encontrou poucas possibilidades de ascensão social após a abolição, como indicam claramente os dados levantados por instituições de alta credibilidade como o IPEA e o IBGE. A atual disparidade das condições de vida existentes entre brancos e negros justifica e torna necessária a instituição de políticas sociais particularizadas para a população afro-brasileira;
2. A atual adoção de políticas de ação afirmativa por parte dos órgãos governamentais brasileiros é um duplo produto: de um lado, é resultado da pressão historicamente exercida pela comunidade negra e demais segmentos sociais excluídos e, de outro, configura um resultado de um contexto caracterizado por grandes mudanças externas e internas. Foi apenas nos dois governos presididos por Fernando Henrique Cardoso e por Luis Inácio Lula da Silva que se oportunizou a implantação de ação afirmativa e cotas;
3. Compete ao Estado o papel crucial de corretor das desigualdades historicamente urdidas e sedimentadas, uma vez que o Estado é o detentor da chamada violência legítima. No caso, as políticas de ação afirmativa têm uma função ético-pedagógica nas relações inter-raciais;
4. A reflexão sobre o tema deixa patente que as medidas já implantadas, no que diz respeito à ação afirmativa, ainda estão em número bastante reduzido para dar conta do gigantismo do problema acumulado ao longo de séculos e séculos de espoliação. Há também necessidade de, paralelamente à adoção e implantação de novas ações afirmativas, criarem-se leis constitucionais e ordinárias de natureza redistributiva e cultural;
5. Necessário faz-se também, ladeando a implantação de novas ações afirmativas, incentivarem-se maior investimento voltado para a pesquisa científica, no caso, mormente, na área jurídica;
6. Para finalizar, após a sistematização crítica da normatividade em vigor no Brasil, à luz do direito internacional dos direitos humanos e da doutrina nacional, conclui-se pela compatibilidade das referidas políticas públicas com as leis brasileiras, notadamente a Constituição Federal de 1988.
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1 Destaque-se a evidência do tema no ano de 2001, durante a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Conexas, na África do Sul. Naquela oportunidade, o governo brasileiro comprometeu-se a adotar, oficialmente, após assinar a Declaração e o Plano de Ação de Durban, medidas para combater o racismo, o preconceito, a discriminação e a ampliar o número de oportunidades para negros na sociedade.
2 Vide a representação por inconstitucionalidade no 200312500029 e os andamentos de ações individuais (p. ex.: Apelação Cíveis nos 2003.001.27.194, 2003.001.32610, 2003.002.04409 e 2003.002.05602), no sítio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: .
3 Vide as representações por inconstitucionalidade n. 2003.007.00020 e 2003.007.00021, no site: .
4 Vide: ADIn no 2.858-8/2003, Relator Ministro Carlos Velloso, no site: . Esse processo do STF merece destaque por diversos aspectos: (a) pela primeira vez uma política pública destinada a maior minoria racial (e socialmente) estigmatizada é alçada ao tribunal mais importante do país, mobilizando a comunidade jurídica a lidar com tema sobre o qual nunca havia de debruçado; (b) pela primeira vez o instrumento processual constitucional denominado “amicus curiae” (“amigo da corte”) é utilizado pelo movimento social no Brasil (no caso, entidades do movimento negro) no processo constitucional (na ADIn) em defesa de seus interesses (vide mais no artigo: “Amicus Curiae, Direito e Ação Afirmativa”, SILVA, Luiz Fernando Martins da, disponível no site: ; (c) pela primeira vez o Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União emitiram parecer sobre política nacional de promoção da igualdade racial (esses órgãos divergiram entre si. O Procurador-Geral da República na época se manifestou contrariamente às cotas raciais, e o Advogado da União se manifestou favoravelmente).
5 O PROUNI - Programa Universidade para Todos foi “criado pela MP nº 213/2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de baixa renda, em cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que aderirem ao Programa”. o ProUni reserva “bolsas aos cidadãos portadores de deficiência e aos autodeclarados negros, pardos ou índios. O percentual de bolsas destinadas aos cotistas é igual àquele de cidadãos negros, pardos e índios, por Unidade da Federação, segundo o último censo do IBGE”. Vide mais informações no site:<>.
6 Trata-se do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamentado pela Instrução Normativa no 16, de 24 de novembro de 2003, do INCRA, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Vide mais informações no site: .
7 Por exemplo, o município de Montenegro, Rio Grande do Sul, instituiu sistema de cotas pelo qual 12% das vagas seriam destinadas a quem se declarasse afro-descendente através da Lei Municipal nº 4.016/2004.
8 O PROUNI foi contestado junto ao STF pelo PFL (vide: ADIn no 3314 /2004, Relator Ministro Carlos Britto, no site:), a Federação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social – FENAFISP (vide: ADIn no 3379/2004, Relator Ministro Carlos Britto, no site: :) e a CONFENEN (Vide: ADIn no 3330/2004, Relator Ministro Carlos Britto, no site: :). Já o Decreto no 4.887/2004 foi contestado pelo PFL mediante a ADIn no 3.329/2004, Relator Ministro Cesar Peluso. Vide andamento dos processos no STF nos Anexos.
9 Cançado Trindade leciona que os “direitos humanos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja Parte incorporam-se ipso facto ao direito interno, no âmbito do qual passam a ter “aplicação imediata” (artigo 5 (1)), da mesma forma e no mesmo nível que os direitos constitucionalmente consagrados. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente qualquer emenda tendente a aboli-los (artigo 60 (4) (IV)). (Trindade, 1998: 134).
10 O jurista brasileiro Cançado Trindade, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que integra o sistema da Organização dos Estados Americanos – OEA enfatiza que o “princípio da não discriminação ocupa uma posição central no Direito Internacional dos Direitos Humanos. Encontra-se consagrado em diversos tratados e declarações de direitos humanos”, e mesmo como elemento integrante do direito internacional consuetudinário”. (Trindade, 2002: 55).
11 A Convenção no 111 foi adotada pela OIT em 25 de junho de 1958 e entrou em vigência no dia 15 de junho de 1960. O ato de ratificação foi registrado pelo governo brasileiro, junto à OIT, em 26 de novembro de 1965; internamente foi ratificada em 1968 pelo Decreto no 62.150.
12 Conferência Geral da UNESCO, reunida em Paris, de 14 de novembro a 15 de dezembro de 1960, em sua Décima Primeira Sessão. Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo no 40, de 1967 (DO 17.11.67).
13 Vale consignar que, em fevereiro de 2005, o ministro Nelson Jobim do STF deferiu pedido liminar (SL 60), formulado pelo governo do Estado de São Paulo, suspendendo os efeitos de uma decisão, proferida pelo Tribunal de Justiça daquele Estado, nos autos de uma Ação Civil Pública (nº 2622/2003). A ação foi ajuizada pelo Ministério Público, na cidade de Marília, para determinar que a Faculdade de Medicina (FAMEMA), da referida cidade, reservasse cotas para alunos egressos do ensino público local. A decisão proferida pelo tribunal paulistano, aceitando o pedido formulado na ACP, determinou a fixação de cota de 30% das vagas dos cursos de medicina e enfermagem para candidatos do ensino público, nos vestibulares dos anos de 2004 a 2010. Nelson Jobim confirmou que a decisão questionada impôs à Autarquia Estadual obrigação não prevista em lei. O ministro Jobim enfatizou que, conforme orientação do STF, não cabe ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo.
14 Nesse sentido, Feres Júnior (2004: 303), aduz que “deve-se ter claro que a ação afirmativa visa atacar especificamente a reprodução da desigualdade que escapa o alcance das políticas universais”.
15 O processo de transição do regime do apartheid para uma democracia multipartidária iniciou-se em 1990, com a legalização dos chamados movimentos de liberação, a revogação da maioria das leis do apartheid e, sobretudo, a liberação dos presos políticos. Em 1991, iniciou-se o processo de negociação multipartidária visando à formação de uma nova estrutura para o Estado e para a sociedade na forma da Convenção para Democracia na África do Sul [Convention for Democracy in South Africa - CODESA]. Após uma interrupção de dois anos, devido à violência étnica, as negociações recomeçaram no contexto do Processo Multipartidiário de Negociação [Multi Party Negotiation Process - MPNP], em 1993. No mesmo ano, foi elaborada, pelo MPNP, uma Constituição Interina [Interim Constitution], aprovada em novembro desse ano e em vigor desde 27 de abril 1994, o dia das primeiras eleições multirraciais da nova África do Sul. O objetivo da Constituição Interina, consignado em seu preâmbulo, era o estabelecimento de um arcabouço constitutional para a promoção da unidade nacional e a reestruturação e continuidade dos órgãos governamentais durante o processo constituinte. Ela criou um Estado federal, com um sistema de governo parlamentarista bicameral, consagrando extenso catálogo de direitos fundamentais [Bill of Rights], além dos chamados Princípios Constitucionais [Constitutional Principles]. Esses Princípios, em número de trinta e quatro, representaram o consenso, alcançado pelos partidos, nas negociações relativas à forma do Estado e aos direitos fundamentais da nova África do Sul. Tais Princípios constituiram a base para a elaboração da nova Constituição. O texto desta última foi submetido, pela Assembléia Constituinte, à Corte Constitucional, em maio de 1996, seguindo o procedimento estabelecido na Constituição Interina, visando, sobretudo, a que a Corte declarasse a conformidade do Texto Constitucional com os Princípios Constitucionais. A Corte não aprovou esse primeiro Texto e a Assembléia submeteu-lhe, conforme a previsão constitucional, um Texto revisto, em outubro do mesmo ano. Esta nova versão recebeu em dezembro a aprovação da Corte, que a declarou conforme os Princípios Constitucionais e a nova Constituição entrou em vigor no dia 7 de fevereiro de 1997. Cf. HOFFMAN, Florian. Jurisdição, Processo e Argumentação na Corte Constitutional da África do Sul no Caso-Paradigma (Leading Case) The State V. T. Makwanyane And M. Michunu (1995) [Proibição Da Pena De Morte]. Disponível em: . Acessado em: 03 de fevereiro de 2005
16 É importante ressaltar que no sistema legal canadense essa legislação não se aplica aos particulares, mas apenas às relações travadas com o setor público (state action). No ordenamento jurídico canadense as relações privadas são objeto de disciplina dos Human Rights Codes, que são textos legais (alguns possuem uma cláusula de primazia, para se sobreporem às leis ordinárias) aprovadas pelas províncias, como é o caso do Ontorio Human Rights Code”.
17 Proferido no conhecido discurso Ótica Constitucional: a Igualdade e as Ações Afirmativas, durante o Seminário Discriminação e Sistema Legal Brasileiro, promovido pelo Tribunal Superior do Trabalho, em 20 de novembro de 2001. Vide inteiro teor no endereço: .
18 Vide inteiro teor do discurso de posse como Presidente do STF no endereço: .
19 Vide o inteiro teor da palestra proferida pelo ministro Nelson Jobim nas notas taquigráficas, sem revisão, produzidas pelo Núcleo Técnico de Registro da Câmara Municipal de São Paulo, do dia 20 de agosto de 2004, solicitado pela vereadora Claudete Alves.
20 ADIn ajuizada pela CONFENEN (no 3.197/2004). Essa ação em curso no STF estava em fase final de instrução. Como entraram em vigor leis posteriores à mesma forçosamente haverá a extinção do processo, aliás já requerido ao STF. Essa ADI recebeu inúmeros pedidos de amicus curiae formulados por entidades estudantis, entidades carnavalescas, entidades de defesa de direitos humanos, entidades de dedicadas ao ensino e à pesquisa, entidades representativas de religiões de matriz africana, Maçonaria, organizações do Movimento Social Negro e outras. Vide maiores em: .
21 Ver as representações por inconstitucionalidade nos 200312500029, 2003.007.00020, 2003.007.00021, 200300700117 no site: <http://www.tj.rj.gov.br>. No momento o andamento deste último processo está suspenso, em face do ajuizamento da ADIn referida na Nota acima (ADI no 3.197/2004).
22 Exemplos de processos individuais movidas contra as cotas (e julgados improcedentes, em grau de recurso, pelo TJ-RJ) podem ser vistas no mesmo site do TJ-RJ: Apelações Cíveis nos 2003.001.27.194, 2003.001.32610, 2003.002.04409 e 2003.002.05602.
23 Processo no 200301510401/MG, relatado pelo Ministro Luiz Fux.
24 Processo no 2005/0098737-9, relatado pelo Ministra Eliana Calmon.