sábado, 1 de outubro de 2011

Repressão a indígenas bolivianos causa racha na base de Morales



Internacional

Agência AFPGerardo Bustillos
A indignação e a mobilização causadas na Bolívia pela repressão a um protesto indígena contra uma estrada amazônica deixaram em evidência uma forte, apesar de não irreparável, ruptura entre o presidente Evo Morales e sua base popular de maioria indígena, segundo analistas.
Ministros do Interior e da Defesa renunciaram, uma onda de condenação veio de todos os setores, uma greve geral de trabalhadores na quarta-feira: o governo Morales pagou caro pelo uso da força promovido no domingo passado para dispersar cerca de 1.000 indígenas do povoado amazônico de Yucumo.
A ação policial deixou apenas alguns feridos, mas grandes cicatrizes: "a polícia contra indígenas tem um simbolismo é muito forte. Os manifestantes ganharam a batalha simbólica", disse Hervé do Alto, analista especialista no MAS, partido do governo.
Mais do que a repressão, foi a divergência sobre o projeto estatal de uma estrada que atravessará o TIPNIS - uma reserva natural de cerca de 10.000 km e território de 50.000 indígenas - que representou a mudança, disse Diego Ayo, cientista político da Universidade de San Andrés.
Para Ayo, este conflito mostra as contradições de Morales em temas sobre os quais construiu sua imagem: a democracia consultiva com as comunidades, o respeito à Pachamama (Mãe Terra) e o fato de não se submeter ao capital externo (o Brasil é o maior credor e beneficiário da futura estrada).
A máscara caiu, disse Ayo, que ironiza afirmando que para o governo "algumas árvores não podem deter o desenvolvimento (...) e os povos indígenas são decorativos".
Pablo Solón, embaixador boliviano na ONU até julho passado, diz que "não se pode falar em defesa da Mãe Terra e ao mesmo tempo promover a construção de uma estrada que fere a Mãe Terra, não respeita os direitos indígenas e viola de forma imperdoável os direitos humanos".
Solón foi um aliado-chave de Morales para posicionar internacionalmente temas prioritários da agenda boliviana como a defesa da ecologia, a mudança climática e os direitos dos indígenas.
"É incompreensível que promovamos a realização de uma Conferência Mundial da ONU sobre os Povos Indígenas para 2014 se não sejamos vanguarda na aplicação da consulta prévia dos povos indígenas em nosso próprio país", completa.
O divórcio entre o governo e sua base já ocorre há um ano, afirmaram analistas, citando o duro conflito social de julho de 2010 em Potosí (sul) e depois a alta da gasolina que trouxe uma forte inflação.
"O conflito coloca em evidência grande número de tensões que estavam reprimidas" na heterogênea coalizão de Morales, afirma Do Alto.
A gestão do Movimento ao Socialismo (MAS), que desembocou na eleição de Morales em 2005 reuniu radicais, moderados, camponeses, mineiros, indígenas, classes médias, em uma coalizão que era muito mais que um partido.
"Havia uma coesão fictícia ou várias coalizões", disse Ayo. Uma coesão "de patrimônio" com o mundo camponês, cultivador de coca, uma coesão "mais étnica ideológica" com as organizações indígenas, e uma coesão "pragmática, oportunista" com a classe média e os sindicatos.

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