segunda-feira, 19 de abril de 2010

Desembargador Paulo Rangel: ‘Estava na hora de o TJ ter um negro’ POR ADRIANA CRUZ

17.04.10 às 18h40

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Desembargador Paulo Rangel: ‘Estava na hora de o TJ ter um negro’
POR ADRIANA CRUZ

Rio - Aos 48 anos e com currículo invejável — autor de cinco livros, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná e professor da Uerj —, o desembargador Paulo Rangel guarda a humildade dos tempos de infância no subúrbio do Rio: “Fiquei emocionado ao ser escolhido pelo governador Sérgio Cabral”.

A nomeação foi publicada em 30 de março, no Diário Oficial. Desde a extinção do Tribunal de Alçada, em 1997, é a primeira vez que o Tribunal de Justiça tem um desembargador negro, escolhido da lista do Ministério Público. Então promotor, Rangel disputou a vaga com quatro procuradores e um promotor. “Fui recebido de braços abertos pelo presidente, Luiz Zveiter, que é judeu. Zveiter me disse: ‘Como judeu, acho que está na hora de termos um negro aqui’”.

Em entrevista a O DIA, Rangel conta a sua trajetória de vida desde a infância simples em Marechal Hermes e Sulacap até a sua ascensão ao tribunal. Além de revelar que espera com ansiedade o nascimento de sua primeira filha, Maria Fernanda, em setembro.

O DIA: A lista tríplice entregue ao governador Sérgio Cabral tinha o senhor, que era promotor, e duas procuradoras. O que o senhor acha que o governador levou em consideração para nomeá-lo desembargador?

Paulo Rangel: Acho que o meu currículo. É lógico que o governador prestigiou um afrodescendente. Mas eu tinha 18 anos de Ministério Público. Atuei no Cível e no Criminal ao longo da minha carreira. Nos últimos anos, estava no Tribunal do Júri. Então, quando o governador olhou meu currículo, ele disse: “Não tenho como não nomeá-lo”. Confesso que fiquei muito emocionado. Não conheço ninguém. Não tenho padrinhos. Não sou filho de ministro, sou de origem humilde.

E qual é a sua origem?

Sou do subúrbio de Sulacap. Meu pai era funcionário público. Mas ele se separou muito cedo da minha mãe. Ela era dona de casa. Então, enfrentei tempos difíceis na vida.

O senhor é autor de cinco livros sobre Direito Penal. Como o senhor conseguiu esse currículo?

Fui porteiro de edifício e vendedor de loja até passar para concurso da Polícia Civil, onde atuei como detetive. Fiquei sete anos na polícia. Fiz a faculdade com o sacrifício normal de um policial que vive só do seu salário. Passei para concurso do Ministério Público. Aí, fui fazer coisas que fazemos quando somos jovens: Inglês, Espanhol e Italiano para correr atrás do tempo perdido. Fiz mestrado em Ciências Penais e doutorado em Direito. Em 2006, disputei uma única vaga e passei no concurso da Uerj. Sou professor de Processo Penal da universidade. Pessoalmente, é uma realização profissional. Agradeço muito a Deus por tudo isso.

O que representa hoje para o senhor estar lotado na 5ª Câmara Criminal?

Uma quebra de paradigma. Não há preconceitos. Fui recebido de braços abertos pelo presidente Luiz Zveiter, que é judeu. Zveiter me disse: “Eu, como judeu, acho que estava na hora de termos um negro no tribunal”. E mais, como desembargador posso fazer muito pela sociedade. Hoje (quarta-feira passada), por exemplo, decidi contra uma prisão domiciliar para tratamento médico de uma fraudadora do INSS. Ela tem 72 anos, mas fraudou. Terá o atendimento no hospital do presídio, como havia decidido o juiz do 1º grau. Na época do crime, ela não estava doente. Então neguei o pedido.

Como foi o processo de eleição até a sua nomeação?

Primeiro integrei a lista sêxtupla (com seis nomes). Eram quatro procuradores candidatos, eu e mais um promotor. Então, houve a eleição pelo pleno, ou seja, os 180 desembargadores do Tribunal, o que é muito democrático e legítimo. Antes de outubro de 2008, votavam apenas os 25 integrantes do Órgão Especial, os mais antigos. Recebi 93 votos, cinco a menos do que a mais votada; e dois a menos do que a segunda mais votada.

O que o senhor acha de um promotor ser transformado em desembargador?

Um respeito à Constituição Federal. A Constituição não faz distinção. Ela diz apenas que tem que ser um membro do Ministério Público. Acho também que a escolha foi justa. É um marco na História tanto do Tribunal de Justiça quanto do do Ministério Público.

O que o senhor pensou quando soube da sua nomeação?

A primeira coisa que pensei foi ‘valeu a pena’. Valeu o sacrifício que fiz todos os anos da minha vida dentro da ética. Sou kardecista. Deus me abençoou. Abri o meu discurso com o Livro de Matheus. Este ano realmente está sendo muito especial. Agora, vou esperar o nascimento da minha primeira filha, Maria Fernanda, previsto para setembro.

http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2010/4/desembargador_paulo_rangel_estava_na_hora_de_o_tj_ter_um_negro_75916.html

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