sábado, 3 de julho de 2010

Ficha Limpa: ministro Dias Toffoli suspende efeitos de condenação para deputada estadual de Goiás

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Sexta-feira, 02 de julho de 2010
Ficha Limpa: ministro Dias Toffoli suspende efeitos de condenação para deputada estadual de Goiás
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli suspendeu os efeitos da condenação imposta pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia a Isaura Lemos (PDT), deputada estadual de Goiás. A liminar foi dada no Agravo de Instrumento (AI) 709634, que determinou a remessa de recurso extraordinário para que a Suprema Corte analise se a condenação - que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás - é válida ou não.
Para Dias Toffoli, a deputada estadual não foi condenada por órgão colegiado, mas por juízo de primeiro grau, quando já era titular de foro específico - o Tribunal de Justiça -, em razão do mandato parlamentar. "Em sendo assim, não há de ser falar em apreciação específica da inelegibilidade, mas da suspensão dos efeitos da decisão sobre a qual incide o recurso extraordinário [decisão do TJ-GO]", ponderou o ministro.
O relator ressaltou que a liminar deferida apenas reconhece, indiretamente, que a decisão do TJ-GO, que validou a sentença do juiz de primeiro grau (decisão monocrática),"não poderá ser utilizada para os fins da declaração de incompatibilidade da situação jurídica da requerente com o exercício do ius honorum (direito de postular e ser eleito) " .
Dias Toffoli também salientou a necessidade de avaliar a "adequação da Lei Complementar nº 135/2010 [Lei da Ficha Limpa] com o texto constitucional", na medida em que "é matéria que exige reflexão, porquanto essa norma apresenta elementos jurídicos passíveis de questionamentos absolutamente relevantes no plano hierárquico e axiológico".
Pedido
O advogado da parlamentar estadual, ao pleitear a suspensão dos efeitos de sua condenação, alegou que com a Lei Complementar nº 135/2010, que dispõe sobre a inelegibilidade de candidatos às eleições de 2010 (art. 26-C), por efeito de condenações, haveria a possibilidade de impedimento de registro de sua candidatura ao cargo de deputada federal pelas autoridades eleitorais goianas. Assim, pede a liminar para suspender a inelegibilidade e que não haja qualquer ofensa ao direito de registro da candidatura.
A Lei Complementar nº 135/2010 estabelece que:
“Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar,suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
§ 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.
§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.
§ 3º A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo.”
CG/AL,EH
A íntegra da decisão está disponível no site do STF:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=12361


http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=155491&tip=UN




AGRAVO DE INSTRUMENTO 709.634 GOIÁS
RELATOR : MIN. MENEZES DIREITO
AGTE.(S) :MARIA ISAURA LEMOS
ADV.(A/S) : DALMY ALVES DE FARIA
AGDO.(A/S) :MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
DECISÃO:
Cuida-se de petição avulsa em agravo de instrumento de MARIA ISAURA
LEMOS em face do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, que apresenta
as seguintes razões:
a) a requerente é deputada estadual à Assembleia Legislativa do
Estado de Goiás, atualmente “pré-candidata a deputada federal nas próximas eleições de
03/10/2010”;
b) seu pedido de registro eleitoral será apresentado até o dia 5.7.2010;
c) a requerente foi julgada em ação civil pública, tendo sido condenada,
mas já aviou o competente recurso extraordinário, cuja subida foi determinada por decisão
de minha lavra no AgRg n° 709.634, pela qual dei provimento ao agravo para admitir o RE;
d) a requerente foi submetida a juízo incompetente, pois deveria ter sido
julgada pelo Tribunal de Justiça e não pelo órgão singular de primeiro grau;
e) a necessidade de tutela cautelar justifica-se agora pelo advento da Lei
Complementar nº 135/2010, em cujo artigo 26-C dispõe sobre a inelegibilidade de
postulantes às Eleições de 2010, por efeito de condenações em processos de natureza
similar;
f) há perigo de dano iminente, porquanto a peticionante será impedida de
registrar sua candidatura ao cargo de deputado federal, o que poderá ser obstado pelas
autoridades eleitorais.
Pede-se a concessão de liminar para que se suspenda a inelegibilidade e
Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 616898.
AI 709.634 / GO
não haja qualquer ofensa a seu direito de registro de candidatura.
É o relatório.
De imediato, determino que a petição avulsa seja convertida em medida
cautelar incidental ao recurso extraordinário, cuja admissibilidade foi objeto de decisão no
AgRg 709.634/GO.
A nova Lei Complementar nº 135/2010 estabelece que:
“Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a
apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as
alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar,
suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão
recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob
pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
§ 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá
prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e
de habeas corpus.
§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou
revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o
registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.”
§ 3º A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da
defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito
suspensivo.”
A situação dos autos comporta o regime geral da apreciação de cautelares
incidentais, mormente quando a admissibilidade do recurso foi previamente examinada e
deliberada em favor da parte.
Em sendo assim, não há de ser falar em apreciação específica da
inelegibilidade, mas da suspensão dos efeitos da decisão sobre a qual incide o recurso
extraordinário, o que é possível de se fazer em hipóteses gerais.
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Ademais, a requerente não foi condenada por órgão colegiado em termos
próprios, mas por juízo de primeiro grau, quando já era titular de foro específico, o
Tribunal de Justiça, dada sua qualidade de deputada estadual.
Nesse aspecto, tem sido uniforme a jurisprudência da Corte:
“EMENTA: RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES
POLÍTICOS. I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. I.1.
Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que
justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da
reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública
pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de
Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização
das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF,
conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. Questão de ordem rejeitada. I.2.
Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja
possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema,
com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em
vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o
entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm
direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já
se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro
processo com matéria idêntica na seqüência da pauta de julgamentos do dia.
Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO.
II.1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de
improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade
na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo.
II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa.
O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade
dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não
admite a concorrência entre dois regimes de responsabili dade políticoadministrativa
para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado
pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado
pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de
improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados
pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial,
ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da
Constituição. II.3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de
Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF,
art. 102, I, "c"; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de
competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade
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Administrativa (Lei n° 8.429/1992). II.4.Crimes de responsabilidade.
Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao
Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos políticoadministrativos,
na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o
STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de
responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a
suspensão de direitos políticos. II.5.Ação de improbidade administrativa.
Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos
pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da
14ª Vara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal.
Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação
civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que
possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime
de responsabilidade, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. III.
RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.”
(Rcl 2138, Relator Min. NELSON JOBIM, Relator(a) p/ Acórdão:
Min. GILMAR MENDES (ART.38,IV,b, DO RISTF), Tribunal Pleno,
julgado em 13/06/2007, DJe-070 18-04-2008)
“DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário em que se discute a
competência para julgamento de ação de improbidade proposta pelo
Ministério Público Federal contra membro de Tribunal Regional Federal. 2.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que “compete ao juiz de primeiro
grau o processamento e julgamento de ação civil pública de improbidade
administrativa, ainda que no pólo passivo da ação figure autoridade que
detenha foro especial por prerrogativa de função” [fl. 1432]. 3. Alega-se, no
recurso extraordinário, violação do disposto nos artigos 5º, XLVI, LIII, LIV
e LV; 85, V, e 105, I, “a”, da Constituição do Brasil. 4. Deixo de apreciar a
existência da repercussão geral, vez que o artigo 323, § 1º, do RISTF dispõe
que "[t]al procedimento não terá lugar, quando o recurso versar questão cuja
repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar
decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se
presume a existência de repercussão geral”. 5. Este Tribunal, em Sessão
Plenária realizada no dia 15.9.05, concluiu o julgamento da ADI n. 2.797,
declarando a inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/02. Assentou que: “a) o
agente político, mesmo afastado da função que atrai o foro por prerrogativa
de função, deve ser processado e julgado perante esse foro, se acusado
criminalmente por fato ligado ao exercício das funções inerentes ao cargo;
b) o agente político não responde a ação de improbidade administrativa se
sujeito a crime de responsabilidade pelo mesmo fato; c) os demais agentes
públicos, em relação aos quais a improbidade não consubstancie crime de
responsabilidade, respondem à ação de improbidade no foro definido por
prerrogativa de função, desde que a ação de improbidade tenha por objeto
ato funcional.” 6. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos da
RCL n. 2.138, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, DJ de
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20.6.07, ao julgar caso análogo ao presente, fixou o seguinte entendimento:
“Quanto ao mérito, o Tribunal, por maioria, julgou procedente a reclamação
para assentar a competência do STF para julgar o feito e declarar extinto o
processo em curso no juízo reclamado. Após fazer distinção entre os
regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF, quais
sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de
responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinado pela Lei
1.079/50, entendeu-se que os agentes políticos, por estarem regidos por
normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade
administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de
responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF
nos termos do art. 102, I, c, da CF. Vencidos, quanto ao mérito, por
julgarem improcedente a reclamação, os Ministros Carlos Velloso, Marco
Aurélio, Celso de Mello, estes acompanhando o primeiro, Sepúlveda
Pertence, que se reportava ao voto que proferira na ADI 2797/DF (DJU de
19.12.2006), e Joaquim Barbosa. O Min. Carlos Velloso, tecendo
considerações sobre a necessidade de preservar-se a observância do
princípio da moralidade, e afirmando que os agentes políticos respondem
pelos crimes de responsabilidade tipificados nas respectivas leis especiais
(CF, art. 85, parágrafo único), mas, em relação ao que não estivesse
tipificado como crime de responsabilidade, e estivesse definido como ato de
improbidade, deveriam responder na forma da lei própria, isto é, a Lei
8.429/92, aplicável a qualquer agente público, concluía que, na hipótese dos
autos, as tipificações da Lei 8.429/92, invocadas na ação civil pública, não se
enquadravam como crime de responsabilidade definido na Lei 1.079/50 e
que a competência para julgar a ação seria do juízo federal de 1º grau. Rcl
2138/DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar
Mendes, 13.6.2007.” [Informativo n. 471] Dou provimento ao recurso com
fundamento no disposto no artigo 557, § 1º-A, do CPC. Publique-se.
Brasília, 13 de abril de 2010. Ministro Eros Grau - Relator”
(RE 607987, Relator Min. EROS GRAU, DJe-078 04/05/2010)
É notório o periculum in mora, tal como demonstrado na petição inicial. A
proximidade da data final para o registro de candidaturas poderá inviabilizar o exercício de
direito constitucional da requerente, caso não seja emprestada eficácia suspensiva ao
recurso extraordinário.
Ressalte-se que o deferimento desta liminar não implica juízo direito sobre
a inelegibilidade, mas o reconhecimento indireto de que a decisão atacada pelo RE não
poderá ser utilizada para os fins da declaração de incompatibilidade da situação jurídica da
requerente com o exercício do ius honorum.
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Como obter dictum, aponto que a própria adequação da Lei Complementar
nº 135/2010 com o texto constitucional é matéria que exige reflexão, porquanto essa
norma apresenta elementos jurídicos passíveis de questionamentos absolutamente
relevantes no plano hierárquico e axiológico.
Ante o exposto, recebo a petição como medida cautelar, impondo-se as
anotações de estilo, e defiro a liminar para que se dê eficácia suspensiva ao recurso
extraordinário destrancado por força do AgRg 709.634.
Cite-se o requerido para, querendo, contestar a ação, no prazo de lei.
Após, remetam-se os autos à douta Procuradoria-Geral da República.
Publique-se.
Brasília, 30 de junho de 2010.
Ministro DIAS TOFFOLI
Relator
Documento assinado digitalmente
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quinta-feira, 1 de julho de 2010

O negro no topo intimida

Nº. 25
EDITORIAL
O negro no topo intimida
Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br
Comentando o filme “Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei”, Marcelo Coelho, articulista da “Folha de S. Paulo”, disse que, nos anos 60, a imagem de um negro no topo da pirâmide social intimidava os brasileiros ( edição de 03.06.2009).

Por que se assustavam os brasileiros, o que temiam ou receavam? Parece natural supor que os brasileiros que estavam no topo da pirâmide receassem simplesmente ficar fora dele. Deixar o topo da pirâmide social deve ser mesmo uma coisa assustadora.

Isso foi há cinqüenta anos, mas há evidências de que o referido temor não tenha ficado restrito ou localizado na década de 60 do século passado. “É esse debate alarmado e alarmista, pautado pelo racismo científico do século XIX, que acompanhamos ao longo desse livro”. Estas são palavras de Célia Maria Marinho de Azevedo, no Posfácio à 2ª edição do indispensável “Onda Negra, Medo Branco” (Annablume, 2004). Onda negra que se forma, na visão de senhores de escravos no século XIX, a partir das “ações anárquicas da ‘gente de cor’, as quais pretendem nivelar a sociedade com seu desrespeito à hierarquia social, à família, à propriedade” (p. 246).

O deputado federal Ìndio da Costa (DEM-RJ) participou do grupo de trabalho que discutiu reforma eleitoral na Câmara dos Deputados. Sua reação enfática à sugestão de inclusão do quesito cor/raça no projeto de lei então em elaboração baseou-se no argumento de que, se houvesse identificação da cor/ raça dos candidatos, os negros em seguida reivindicariam cotas na representação partidária. Uma reivindicação, como se sabe, que é expressão de desrespeito à hierarquização social e política. Com exceção de dois votos femininos, seu conselho de prudência foi acatado pelos demais parlamentares.

No dia 16 de junho, o deputado Carlos Santana (PT-RJ) encaminhou, por sugestão do Ìrohìn, uma indicação (INC 4349/2009) ao Tribunal Superior Eleitoral, propondo a introdução do quesito cor/raça, nos termos adotados pelo IBGE, nos formulários de registros de candidaturas eleitorais, e a ampla divulgação de informações sobre candidatos e eleitos, segundo cor/raça, a toda a sociedade brasileira.

É um caminho possível e o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do TSE, expressou ao deputado Carlos Santana, a Regina Adami, Graça Santos e ao representante do Ìrohìn seu interesse em discutir o processo de afirmação identitária no campo da política. Quantos negros, quantos índios se candidatam? Quantos se elegem?

A omissão, no registro das candidaturas, da cor dos candidatos é reveladora dos limites da democracia no Brasil. É expressão da dominação racial no campo da política e os partidos não parecem dispostos a negociar nada que possa alterar os desequilíbrios de poder entre brancos e não-brancos.

Em março, comentei no site do Ìrohìn (www. irohin.org.br) resultado de pesquisa do Ibope, segundo a qual “77% dos entrevistados afirmaram que votariam em um homem negro e 75% elegeriam uma mulher negra para qualquer cargo público, número maior dos que votariam em mulheres de qualquer raça”.

A pesquisa ilustrava a existência de pessoas dispostas a votar em candidatos que, a rigor, não existem. Semelhante concepção da identidade política poderia parecer estranha, mas o fato é que a mobilização política do negro passa mesmo ao largo dos partidos.

Se existe um critério objetivo para avaliar a abertura partidária para o tema da luta contra o racismo e a superação das desigualdades raciais, a partir do início dos anos 80, esse critério é a composição étnico-racial das bancadas federais, estaduais, municipais.

Pesquisa realizada pela revista Época e o Instituto FSB com 247 congressistas incluiu uma questão sobre a representatividade do negro no Congresso Nacional: Muito alta - 0,4%; Alta - 3,3%; Mediana - 16,7%; Baixa - 47,3%; Muito baixa - 32,2% (Época, edição de 6 de julho de 2009, nº 581, p.44). Embora cerca de 80% dos parlamentares considerem que o negro está mal representado no Congresso Nacional, isto não significa que estejam dispostos a alterar o grave quadro de exclusão. A argumentação do deputado Ìndio da Costa, como vimos, só encontrou a resistência de dois votos femininos e as mulheres são apenas 7% dos parlamentares.

Na noite da quinta-feira 29.05.2009, em intervalo do “Jornal Nacional”, da Rede Globo de Televisão, foi ao ar mais um programa do Partido dos Trabalhadores. Eram claros todos os personagens que tinham expressão partidária, institucional ou sindical. Eram escuros os representantes do povo agradecido e o apresentador do programa.

No “governo de todos”, a parte que representa o todo é clara. Os escuros, emocionados e dramáticos, agradecem as benfeitorias. O programa do partido mais “popular e democrático” tem a força da evidência que nenhuma manipulação verbal pode ocultar. Os negros não são visíveis nas propagandas partidárias, nem o são também no Congresso Nacional, em Assembléias e Câmaras. Menos ainda nos cargos executivos.

A pesquisa do Ibope revela uma dinâmica acentuada de parte da sociedade brasileira, que coexiste com persistentes limitações no seio dos partidos e nas estruturas do Estado quanto às formas de representação da diversidade étnicoracial. O negro é dimensão do eleitorado a ser levada em consideração ( na TV os apresentadores - modelos e atores - e o povo agradecido ou indignado expressam os limites da preocupação com o voto), mas deve ser excluído da participação política que lhe permitiria acesso ao poder. Como dizia Lima Barreto, em seu “Diário Ìntimo” (p. 82), “É singular essa República”.

http://www.irohin.org.br/imp/template.php?edition=25&id=212