quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Crime de racismo ainda é pouco punido

21/11/2009 às 01:20 ATUALIZADA EM: 21/11/2009 às 01:24 COMENTÁRIOS (11)
Crime de racismo ainda é pouco punido

Por mês, o Ministério Público da Bahia (MP) recebe cerca de 40 denúncias de racismo e intolerância religiosa, com uma predominância do primeiro crime. Deste total, apenas 70% é transformado em procedimento investigatório. O MP baiano foi o primeiro no País a instalar uma promotoria especializada nesses crimes. A promotoria já funciona há 11 anos.

“Das denúncias que que se transformam em procedimento investigatório, cerca de 40% resultam em denúncia por crime de racismo ou injúria racista”, relata o promotor de justiça Almiro Sena, titular da Promotoria de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa. Desses casos, segundo o promotor, nenhum ainda resultou em prisão.

“A Lei permite que a pena seja transformada em prestação de serviços à comunidade”, disse o promotor. Sena afirma que não há dados específicos pois há dificuldade até mesmo para apurar as denúncias que chegam à promotoria. “A vítima comunica, mas nem sempre tem testemunha ou sabe o nome do agressor”, diz.

O promotor afirma que o MP está tentando desenvolver uma parceria com a Secretaria Estadual de Segurança Pública para sensibilizar delegados e agentes policiais para que façam o registro correto dos casos de racismo.

O advogado Samuel Vida explica que os casos de racismo continuam pouco denunciados. “O número varia muito conforme o grau de exposição ao tema. Em períodos como agora, quando há uma maior exposição desta questão por conta do Dia Nacional da Consciência Negra, as denúncias aumentam”, explica. O advogado é coordenador do Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica (Aganju) e professor universitário.

O racismo é crime previsto na Lei 7.716/89 e pode gerar pena de um a cinco anos. Já a injúria racista está configurada no Art. 140, parágrafo 3º do Código Penal. “O crime de racismo é quando é dirigido a uma coletividade e injúria racista é individual. Mas isto é uma divisão técnica do direito, pois do ponto de vista político ele atenta contra um povo em qualquer sentido”, afirma Samuel Vida.


http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=1287830

DEBATE ABERTO A grande mídia e a desigualdade racial

Colunistas 17/11/2009 Copyleft

DEBATE ABERTO

A grande mídia e a desigualdade racial

Pesquisa do Observatório Brasileiro de Mídia revela posicionamento contrário de grandes revistas e jornais brasileiros em relação aos principais pontos da agenda de interesse da população afrodescendente (ações afirmativas, cotas, Estatuto da Igualdade Racial e demarcação de terras quilombolas).

Venício Lima

O “Dia da Consciência Negra” é comemorado em todo o país na data em que Zumbi – o herói principal da resistência simbolizada pelo quilombo de Palmares – foi morto, 314 anos atrás: 20 de novembro de 1695. Muitas revoltas, fugas e quilombos aconteceram antes da Abolição em 1888.

O Brasil de 2009 é, certamente, outro país. Apesar disso, “os negros continuam em situação de desigualdade, ocupando as funções menos qualificadas no mercado de trabalho, sem acesso às terras ancestralmente ocupadas no campo, e na condição de maiores agentes e vítimas da violência nas periferias das grandes cidades”.

O estudo Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgado em outubro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que, de 1998 a 2008, dobrou o número de negros e pardos com ensino superior. Mesmo assim, os números continuam muito abaixo da média da população branca: só 4,7% de negros e pardos tinham diploma de nível superior em 2008, contra 2,2% dez anos antes. Já na população branca, 14,3% tinham terminado a universidade em 2008. Dez anos antes, eram 9,7%. Entre o 1% com maior renda familiar per capita, apenas 15% eram pretos ou pardos no total da população brasileira.

A grande mídia e a desigualdade racial
Diante desse quadro de desigualdade e injustiça histórica, como tem se comportado a grande mídia na cobertura dos temas de interesse da população negra brasileira, vale dizer, de interesse público?

Uma pesquisa encomendada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), realizada pelo Observatório Brasileiro de Mídia (OBM), analisou 972 matérias publicadas nos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo, e 121 nas revistas semanais Veja, Época e Isto É – 1093 matérias, no total – ao longo de oito anos.

No período compreendido entre 1º de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2008, foi acompanhada a agenda da promoção da igualdade racial e das políticas de ações afirmativas em torno dos seguintes temas: cotas nas universidades, quilombolas, ação afirmativa, estatuto da igualdade racial, diversidade racial e religiões de matriz africana.

Não é possível reproduzir aqui todos os detalhes da pesquisa. Menciono apenas cinco achados de um Relatório de quase 100 páginas.

1. Com graus diferentes, os jornais observados se posicionaram contrariamente aos principais pontos da agenda de interesse da população afrodescendente. Em toda a pesquisa, as políticas de reparação – ações afirmativas, cotas, Estatuto da Igualdade Racial e demarcação de terras quilombolas - tiveram o maior o percentual de textos com sentidos contrários: 22,2%.



2. As reportagens veicularam sentidos mais plurais do que os textos opinativos que, com pequenas variações, se posicionaram contrários à adoção das cotas, da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da demarcação de terras quilombolas. A argumentação central dos editoriais é de que esses instrumentos de reparação promovem racismo. Em relação à demarcação das terras quilombolas, os textos opinativos em O Estado de S. Paulo, 78,6%, e O Globo, 63,6%, criticaram o Decreto n.º 4.887/2003 que regulamenta a demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O argumento principal foi o de que o critério da autodeclaração é falho e traz insegurança à propriedade privada.

3. A cobertura sobre ações afirmativas foi realizada, basicamente, em torno da política de cotas: 29,3% dos textos. Outros instrumentos pouco foram noticiados. O Estatuto da Igualdade Racial esteve presente apenas em 4,5% dos textos. A discussão sobre as ações afirmativas mereceu atenção de 18,9%. Quase 40% desses textos foram publicados em 2001, ano da Conferência sobre a igualdade racial em Durban, África do Sul. A Lei 10.639/2003, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira”, praticamente não foi noticiada. Menções à lei foram feitas de forma periférica, em apenas 0,5% do total de textos, sem que os veículos tenham problematizado o assunto ou buscado dar visibilidade à sua aplicação.

A cobertura oferecida pelo jornal O Globo merece um comentário à parte. O jornal dedicou 38 editoriais sobre os vários temas pesquisados, destes 25 ou 65,8% trataram especificamente de “cotas nas universidades”. Os três jornais publicaram 32 editoriais sobre o mesmo assunto. O Globo foi, portanto, responsável por 78% deles.

Ainda que os principais argumentos contrários – as cotas e ações afirmativas iriam promover racismo (32%) ou os alunos cotistas iriam baixar o nível dos cursos (16%) – não tenham se confirmado nas instituições que implementaram as cotas, a posição editorial de O Globo não se alterou nos 8 anos pesquisados.



4. Embora a maioria dos estudos e pesquisas realizadas por instituições como IBGE, IPEA, SEADE, OIT, UNESCO, ONU, UFRJ, IBOPE e DATAFOLHA, no período analisado, confirmem o acerto das políticas de ação afirmativa, apenas 5,8% dos textos publicados nos jornais noticiaram e debateram os dados revelados. Esses estudos e pesquisas trataram de assuntos como: menor salário de negros frente a brancos; menor presença de negros no ensino superior; negros como maiores vítimas da violência; e pouca presença de negros em cargos de chefia, dentre outros.



5. O noticiário das revistas semanais sobre a afrodescendencia e a promoção da igualdade racial teve características muito semelhantes ao encontrado nos jornais. Os textos com sentidos contrários às políticas de reparação (26,4%) foram em maior percentual do que aqueles com viés favorável (13,2%). Da mesma forma que nos jornais, a cobertura se concentrou nos programas de cotas: 33,1% sendo que o alto percentual dos textos que trataram das religiões de matriz africana (25,6%) foi o único que destoou da freqüência nos jornais, 4,7%.



Liberdades e direitos
Os resultados da importante pesquisa realizada pelo OBM denunciam um estranho paradoxo. Enquanto a grande mídia tem se revelado cada dia mais zelosa – aqui e, sobretudo, em alguns países da América Latina – com relação ao que chama de liberdade de imprensa (equacionada, sem mais, com a liberdade individual de expressão), o mesmo não acontece com a defesa de direitos fundamentais como a reparação da desigualdade e da injustiça histórica de que padece a imensa população negra do nosso país.

Estaria a grande mídia mais preocupada com seus próprios interesses do que com o interesse público?




é Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília - NEMP - UNB


http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4475&boletim_id=617&componente_id=10334